SECTOR EMPRESARIAL DO ESTADO
REGULARIZAÇÃO
ANTIGUIDADE
IRREDUTIBILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
Sumário


I- O Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários na Administração Pública e sector empresarial do Estado (PREVPAP) não cria vínculos laborais, antes regulariza situações (precárias) preexistentes;

II- Estando a Autora ligada por contrato de trabalho à Ré desde data anterior à celebração formal desse contrato, a antiguidade da Autora deve retroagir ao início das suas funções, sendo que são devidos os subsídios de férias e de Natal desde o início da relação contratual, e está ferido de nulidade, por violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, o segmento da cláusula que fixou a remuneração mensal ilíquida da Autora em montante inferior ao que vinha auferindo desde aquele início.

Texto Integral



Processo 20152/21.5T8LSB.L1.S1


Revista


76/23


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


AA intentou acção declarativa comum contra Universidade Nova de Lisboa, formulando os seguintes pedidos


NESTES TERMOS, e nos melhores de direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve a presente ação ser julgada procedente, por provada e, em consequência:


a) Ser a R. condenada a reconhecer a existência de contrato de trabalho entre ela e a A. desde 9 de outubro de 2006, com as inerentes consequências legais;


b) Ser a R. condenada a reconhecer a antiguidade da A. desde 9 de outubro de 2006, com as inerentes consequências legais, concretamente, para efeitos de reconstituição na carreira, designadamente para efeito de alteração do posicionamento remuneratório;


c) Ser a R. condenada a fixar a retribuição base da A. em € 1.312,87, sem prejuízo da progressão salarial que a mesma possa vir a ter;


d) Ser a R. condenada a pagar à A. a diferença entre a retribuição base que lhe pagou nos meses de abril de 2019 a agosto de 2021 e aquela que deveria ter pago, diferença essa que se quantifica em € 3.158,31;


e) Ser a R. condenada a pagar à A. a diferença entre a retribuição mensal que vier a pagar a A. e aquela que deveria pagar, até ao momento em que fixar a retribuição base desta em € 1.312,87;


f) Ser a R. condenada a pagar à A. o montante global de € 31.575,00, a título de subsídio de férias e Natal referente aos anos de 2006 a 2018.


g) Ser a R. ser condenada a pagar à A. a diferença entre o subsídio de férias e Natal que lhe pagou em 2019 e 2020, e a que deveria ter pago, tudo no montante global de € 438,36.


h) Tudo isto, acrescido dos respetivos juros legais”.


Citada, a Ré contestou.


Por saneador sentença de 14.02.2022, a acção foi julgada parcialmente procedente, sendo a Ré condenada a reconhecer à Autora a contagem do tempo de serviço prestado desde 9 de Outubro de 2006 e a reconhecer a antiguidade da Autora desde essa data, e absolvida do demais peticionado.


A Autora interpôs recurso de apelação.


Por acórdão do Tribunal da Relação de 14.09.2022, foi decidido:


“Em face do exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso de apelação e, em consequência, revogar a sentença recorrida e condenar a R. :


- A reconhecer a existência de contrato de trabalho entre a R. e a A. desde 9 de Outubro de 2006, com as inerentes consequências legais;


- A fixar a retribuição base da A. em € 1.312,87 ( mil trezentos e doze euros e oitenta e sete cêntimos), desde Janeiro de 2019, sem prejuízo da progressão salarial que a mesma possa vir a ter;


- A pagar à A. a diferença entre a retribuição base que lhe pagou nos meses de Abril de 2019 a Agosto de 2021 e aquela que deveria ter pago, diferença essa que se quantifica em € 3.158,31 ( três mil cento de cinquenta e oito euros e trinta e um cêntimos);


- A pagar à A. a diferença entre a retribuição mensal que pagou à A. e aquela que deveria ter pago, desde Setembro de 2021 até à presente data;


- A pagar à A. o montante global de € 31.575,00 ( trinta e um mil quinhentos e setenta e cinco euros), a título de subsídio de férias e Natal referente aos anos de 2006 a 2018;


- A pagar à A. a diferença entre o subsídio de férias e de Natal que lhe pagou em 2019 e 2020 e a que deveria ter pago, tudo no montante global de € 438,36 ( quatrocentos e trinta e oito euros e trinta e seis cêntimos);


- A pagar à A. juros sobre as quantias devidas, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada prestação até integral pagamento.


Mantêm-se a decisão da 1ª instância na parte em que condenou a ré a reconhecer à autora a contagem do tempo de serviço prestado desde 9 de Outubro de 2006 e a reconhecer a antiguidade da autora desde essa data, com as consequências legais.”


A Ré veio interpor recurso de revista, formulando as seguintes conclusões:


A. No âmbito do PREVPAP, que plasma um programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública, a Recorrente e a Recorrida celebraram um contrato de trabalho;


B. Como o nome indicava, o programa era de regularização extraordinária, resultando Resolução do Conselho de Ministros n.º 32/2017, de 28 de fevereiro, a Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro que veio estabelecer os termos da regularização extraordinária dos vínculos precários de pessoas que exerciam funções que correspondiam a necessidades permanentes da Administração Pública e fossem reconhecidas como tal;


C. Ou seja, excecionalmente, o Governo considerou possível regularizar situações indefinidas, mas previu EXPRESSAMENTE que o PREVPAP não poderia ser usado como mecanismo de recrutamento, ultrapassando as regras gerais exigidas para o preenchimento de postos de trabalho, porquanto é um regime jurídico de carácter extraordinário e natureza especial que se restringe à finalidade e âmbito de aplicação nele expressamente inscritos;


D. Assim, neste contexto, específico, a Recorrente, então A. e Recorrida, então R., através da unidade orgânica FCT Nova, celebraram o contrato de trabalho sem termo, cujo teor consta de fls. 45 e 46 dos autos sendo a sua cláusula primeira, sob a epígrafe “Início e Duração”, do seguinte teor:


“O presente contrato de trabalho produz os seus efeitos a partir de 01/04/2019, ao abrigo do disposto no Regulamento de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários da Universidade Nova de Lisboa, durando por tempo indeterminado”;


E. Assim, identificado o contexto, será de se assinalar que se deverá enquadrar todo o arco normativo como uma tentativa do Governo de combater a precariedade, mas não de beneficiar estes trabalhadores, face aos que se teriam de sujeitar a concurso público;


F. Com efeito, o Governo permitiu que trabalhadores com vínculos precários, OPTASSEM por um contrato definitivo, salvaguardando-se a antiguidade e a categoria profissional, mas sem efeitos retroactivos ao nível da retribuição;


G. Caso não optassem por este regime, obviamente, os Trabalhadores poderiam recorrer à via judicial (como sempre puderam), para reivindicarem os seus, eventuais, direitos, mas não conseguiriam o vínculo laboral por essa via, face à legislação que vigora;


H. A Recorrida OPTOU por ter um Contrato de Trabalho com a Recorrente e, pasme-se, recorreu posteriormente à via judicial, como se tal não se tivesse verificado, reivindicando direitos laborais, retroactivamente;


I. É, assim, evidente, que da integração da Recorrida não ocorreu diminuição da sua retribuição, que se manteve igual à que antes auferia, o que está de acordo com o previsto na alínea al. b), do artigo 12.º e n.º 2, do artigo 14.º da Lei no 112/2017, de 29.12;


J. Além disso, as normas desta lei não preveem qualquer regularização remuneratória relativamente aos períodos anteriores à celebração do contrato de trabalho, mas preveem apenas a contagem do tempo de serviço anterior nos termos previstos no art.º 13.º de cuja redação resulta claro que o tempo de serviço anterior apenas releva para o futuro, sem que haja lugar a qualquer reposição remuneratória dos períodos anteriores, seja no que respeita às remunerações em si mesmas consideradas (nº 1 e 2), seja no que respeita à carreira contributiva, conforme expresso no n.º 3: “O tempo de exercício de funções na situação que deu origem ao processo de regularização extraordinária releva para efeitos de carreira contributiva, na medida dos descontos efetuados.”;


K. A decisão política que originou a Lei foi clara e objetiva. A de permitir a trabalhadores em situação precária com a Administração Direta, Indireta ou Autónoma, que pudessem ter um vínculo laboral definitivo, sanando-se, com a assinatura do contrato, qualquer questão controvertida em equação. Ou seja, o Governo deu uma OPÇÃO aos trabalhadores precários;


L. Assim, andou mal o Tribunal a quo, interpretando erradamente a Lei nº 112/2017, de 29.12 e a sua aplicação, aplicando um arco normativo que não estava em consonância com o contexto em que se verificou o vínculo laboral da Recorrida, nos termos previstos na alínea a), do n.º 1, do artigo 674.º, do Código do Processo Civil.


A Autora contra-alegou.


A Exmª Procuradora-Geral Adjunta deu parecer no sentido de ser negada a revista.


x


Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões, temos, como questões em discussão:


- se com a celebração do contrato de trabalho no âmbito do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP) aprovado pela Lei n.º 112/2017 de 29 de Dezembro, a Autora tem direito aos subsídios de férias e de Natal relativos aos anos de 2006 a 2018.


- se a retribuição prevista no contrato de trabalho implica uma diminuição da retribuição da Autora, proibida pelo disposto no artigo 129.º, n.º 1, alínea d) do Código do Trabalho.


x


Estão fixados os seguintes factos:


1 - A R. é uma fundação pública com regime de direito privado, instituída pelo Decreto-lei n.º 20/2017, de 21 de fevereiro, cujos Estatutos foram homologados pelo Despacho Normativo n.º 2/2017, de 2 de maio, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 91, de 11 de maio, retificado pela Declaração de Retificação n.º 482-A/2017, de 7 de julho, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 138, de 19 de julho, que se rege pelo direito privado, nomeadamente, no que respeita à sua gestão financeira, patrimonial e pessoal, podendo, por isso, admitir pessoal não docente e investigador em regime do direito privado e, nos termos do n.º 2 do artigo 85-A do Estatuto da Carreira Docente Universitária, admitir pessoal docente em regime de contrato de trabalho em funções públicas.


2 - Dos seus Estatutos, concretamente, do artigo 1.º, resulta que a Universidade aqui R. integra as unidades orgânicas constantes do Anexo I, entre as quais se encontra a F........ .. ........ . .......... (a diante apenas FCT).


3 - No passado dia ... de ... de 2006, a A. começou a desempenhar funções na F.., formalmente, ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, pelo período de 6 (seis) meses, de .../.../2006 a .../.../2007, cujo teor integral consta de fls. 12 e 13 dos autos e se dá aqui por reproduzido, documento n.º 1 junto com a petição.


4 - Entre a Faculdade de C....... . .......... .. ............ .... .. ...... (F..) e a A., em ... de ... de 2007, foi celebrado um contrato de prestação de serviços, pelo período de 3 (três) meses, de .../.../2007 a .../.../2007, cujo teor integral consta de fls. 13v. e 14 dos autos e se dá aqui por reproduzido, documento n.º 2 junto com a petição.


5 - Entre a Faculdade de C....... . .......... .. ............ .... .. ......(F..) e a A., em ... de ... de 2007, foi celebrado um contrato de bolseiro de investigação, pelo período de 12 (doze) meses, de .../.../2007 a .../.../2008, cujo teor integral consta de fls. 15 dos autos e se dá aqui por reproduzido, documento n.º 3 junto com a petição.


6 - Entre a Faculdade de C....... . .......... .. ............ .... .. ......(F..) e a A., em ... de ... de 2008, foi assinado um termo de renovação do contrato de bolsa, pelo período de 12 (doze) meses, de .../.../2008 a .../.../2009, cujo teor integral consta de fls. 16 dos autos e se dá aqui por reproduzido, documento n.º 4 junto com a petição.


7 - Entre a Faculdade deC....... . .......... .. ............ .... .. ......(F..) e a A., em ... de ... de 2009, foi assinado um termo de renovação do contrato de bolsa, pelo período de 12 (doze) meses, de .../.../2009 a .../.../2010, cujo teor integral consta de fls. 16v. dos autos e se dá aqui por reproduzido, documento n.º 5 junto com a petição.


8 - Entre a Faculdade de C....... . .......... .. ............ .... .. ......F..) e a A., em ... de ... de 2010, foi celebrado um contrato de bolseiro de investigação, pelo período de 12 (doze) meses, de .../.../2010 a .../.../2011, cujo teor integral consta de fls. 17 dos autos e se dá aqui por reproduzido, documento n.º 6 junto com a petição.


9 - Entre a Faculdade de C....... . .......... .. ............ .... .. ...... (F..) e a A., em ... de ... de 2011, foi assinado um termo de renovação do contrato de bolsa, pelo período de 12 (doze) meses, de .../.../2011 a .../.../2012, cujo teor integral consta de fls. 18 dos autos e se dá aqui por reproduzido, documento n.º 7 junto com a petição.


10 - Entre a Faculdade de C....... . .......... .. ............ .... .. ......(F..) e a A., em ... de ... de 2012, foi assinado um termo de renovação do contrato de bolsa, pelo período de 12 (doze) meses, de .../.../2012 a .../.../2013, cujo teor integral consta de fls. 18v. dos autos e se dá aqui por reproduzido, documento n.º 8 junto com a petição.


11 - Entre a Faculdade de C....... . .......... .. ............ .... .. ...... (F..) e a A., em ... de ... de 2013, foi assinado um termo de renovação do contrato de bolsa, pelo período de 12 (doze) meses, de .../.../2013 a .../.../2014, cujo teor integral consta de fls. 19 dos autos e se dá aqui por reproduzido, documento n.º 9 junto com a petição.


12 - Entre a Faculdade de C....... . .......... .. ............ .... .. ...... (F..) e a A., em ... de ... de 2014, foi assinado um termo de renovação do contrato de bolsa, pelo período de 12 (doze) meses, de .../.../2014 a .../.../2015, cujo teor integral consta de fls. 19v. dos autos e se dá aqui por reproduzido, documento n.º 10 junto com a petição.


13 - Entre a Faculdade de C....... . .......... .. ............ .... .. ...... (F..) e a A., em ... de ... de 2015, foi assinado um termo de renovação do contrato de bolsa, pelo período de 6 (seis) meses, de .../.../2015 a .../.../2015, cujo teor integral consta de fls. 20 dos autos e se dá aqui por reproduzido, documento n.º 11 junto com a petição.


14 - Entre a Faculdade de C....... . .......... .. ............ .... .. ...... (F..) e a A., em ... de ... de 2016, foi assinado um termo de renovação do contrato de bolsa, pelo período de 6 (seis) meses, de .../.../2016 a .../.../2016, cujo teor integral consta de fls. 20v. dos autos e se dá aqui por reproduzido, documento n.º 12 junto com a petição.


15 - Entre a Faculdade de C....... . .......... .. ............ .... .. ......F..) e a A., em ... de ... de 2016, foi celebrado um contrato de bolseiro de investigação, pelo período de 6 (seis) meses, de .../.../2016 a .../.../2016, cujo teor integral consta de fls. 21 e 22 dos autos e se dá aqui por reproduzido, documento n.º 13 junto com a petição.


16 - Entre a Faculdade de C....... . .......... .. ............ .... .. ......(F..) e a A., em ... de ... de 2017, foi assinado um termo de renovação do contrato de bolsa, pelo período de 12 (doze) meses, de .../.../2017 a .../.../2017, cujo teor integral consta de fls. 22v. dos autos e se dá aqui por reproduzido, documento n.º 14 junto com a petição.


17 - Entre a Faculdade de C....... . .......... .. ............ .... .. ...... (F..) e a A., em ... de ... de 2018, foi assinado um termo de renovação do contrato de bolsa, pelo período de 12 (doze) meses, de .../.../2018 a .../.../2018, cujo teor integral consta de fls. 23 dos autos e se dá aqui por reproduzido, documento n.º 15 junto com a petição.


18 - Entre a Faculdade de C....... . .......... .. ............ .... .. ...... (F..) e a A., em ... de ... de 2019, foi assinado um termo de renovação do contrato de bolsa, pelo período de 3 (três) meses, de .../.../2019 a .../.../2019, cujo teor integral consta de fls. 23v. dos autos e se dá aqui por reproduzido, documento n.º 16 junto com a petição.


19 - Como contrapartida do seu trabalho, no mês de outubro de 2006, a A. auferiu o montante de € 550,00 (proporcional ao tempo de trabalho), e nos meses de novembro e dezembro, a quantia de € 750,00, montante esse que se manteve inalterado até julho de 2007.


20 - A partir de julho de 2007, e até dezembro de 2018, a retribuição da A. quantificou-se em € 1.300,00.


21 - Tendo sido aumentada, em fevereiro de 2019, com efeitos reportados a janeiro do mesmo ano, para € 1.312,87.


22 - Relativamente às funções, esclarece-se que, desde 9 de outubro de 2006 até à presente data, a A. exerceu sempre funções de caráter administrativo, as quais compreendem as seguintes tarefas: Elaboração de convocatórias para reuniões e arquivo das respetivas atas; Preparação dos documentos necessários e Agendamento das dissertações de mestrado; Tramitação e preparação dos documentos inerentes à contratação de docentes; Tramitação do procedimento de concessão de licenças sabáticas aos docentes; Elaboração de ofícios; Gestão da página Web do departamento de física; Gestão do espaço; Organização dos documentos dos programas de doutoramento; Apoio aos professores e alunos; Articulação com os serviços de recursos humanos em vários assuntos, nomeadamente, no que respeita à marcação das férias do pessoal não docente.


23 - Desde 9 de outubro de 2006 até à presente data, a A. exerceu sempre as suas funções nas instalações do F.., cumprindo um horário de trabalho definido pela referida unidade orgânica da R., das 9h00 às 17h00, com uma hora de intervalo para almoço.


24 - Desde 9 de outubro de 2006 até à presente data, a A. esteve sempre sujeita a autorização dos respectivos superiores hierárquicos para gozar férias (tendo estas de ser aprovadas pelo superior hierárquico) bem como, para se ausentar do local de trabalho para, por exemplo, ir a uma consulta médica.


25 - No âmbito do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários (PREVPAP), na sequência do requerimento apresentado pela aqui A, foi emitido, pela Comissão de Avaliação Bipartida (CAB) d. ........ .......... . ...... ........, parecer favorável à regularização extraordinária do vínculo que a A. mantinha com a unidade orgânica da R., U........... ...., e que o vínculo estabelecido entre as partes era inadequado.


26 - Tal parecer foi devidamente homologado pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas das Finanças, do Trabalho, da Solidariedade e Segurança Social.


27 - Considerando que nas instituições de ensino superior que assumem natureza de fundações públicas de direito privado, a regularização dos vínculos precários teria de ser concretizada no âmbito do direito privado, mediante o reconhecimento de que aqueles vínculos configuravam um verdadeiro contrato de trabalho a tempo indeterminado, em 21 de dezembro de 2018, foi aprovado pela R. o Regulamento n.º 40/2019, de 21 de dezembro de 2018, que veio definir as regras relativas à regularização formal das situações de exercício de funções que satisfaçam necessidades permanentes, sem vínculo adequado, da Universidade Nova de Lisboa, objeto de homologação pelos membros do Governo competentes, tituladas por contratos de trabalho a termo resolutivo, contratos de prestação de serviços ou através de bolsas, regras essas que, por força do n.º 2 do artigo 1.º do mencionado Regulamento, foram e são aplicáveis a todos os serviços da Universidade Nova de Lisboa, bem como a todas as suas unidades orgânicas.


28 - Estabeleceu o artigo 3.º do aludido Regulamento que, “a regularização formal das situações é concretizada através do reconhecimento da existência de contrato de trabalho por tempo indeterminado, em regime de direito privado”.


29 - Consagrou o artigo 4.º que “as pessoas contratadas são integradas na carreira correspondente às funções exercidas que deram origem à regularização extraordinária e, no caso de carreiras pluricategoriais, na respetiva carreira base.”


30 - Refere-se ainda naquele Regulamento, no seu artigo 5.º, que:


1. Os trabalhadores são posicionados na posição remuneratória a que corresponda nível remuneratório cujo montante seja idêntico ao montante pecuniário correspondente à remuneração base anteriormente estabelecido, de acordo com as tabelas constantes dos anexos aos Regulamentos relativos às carreiras, ao recrutamento e aos contratos de trabalho de investigadores e de pessoal não docente e não investigador em regime de contrato de trabalho com a Universidade Nova de Lisboa.


2. Nos casos em que a regularização diga respeito a situações tituladas por contratos de trabalho a termo resolutivo, em que se verifique a falta de identidade prevista no número anterior, o trabalhador é integrado em posição remuneratória automaticamente criada para o efeito, cujo montante remuneratório corresponderá ao valor da retribuição mensal que o mesmo já auferia;


3. Nos casos em que a regularização diga respeito a situações tituladas por contratos de prestação de serviços ou bolsas, em que se verifique a falta de identidade prevista no n.º 1, o trabalhador é integrado em posição remuneratória automaticamente criada para o efeito, cujo montante remuneratório corresponderá ao valor mensal que o mesmo auferia multiplicado por 12, correspondente aos meses de serviço efetivo, e dividido por 14, correspondente às prestações mensais devidas;


4. Nos casos previstos nos n.ºs 2 e 3, quando se verifique que entre o montante apurado para efeitos de retribuição e uma posição remuneratória, prevista em tabelas constantes dos anexos aos Regulamentos internos da Universidade, resulte uma diferença remuneratória inferior a € 28, aquele posicionamento tem lugar para a posição remuneratória constante daquelas tabelas, que se siga, quando a haja;


5. A posição remuneratória a atribuir não pode ser inferior:


a) Em carreiras pluricategoriais, à 1ª posição remuneratória da categoria de base da carreira;


b) Em carreiras unicategoriais, à 1ª posição remuneratória da categoria única da carreira, ou à 2ª posição remuneratória da categoria única da carreira geral de técnico superior.”


31 - Após ter definido as regras de regularização dos vínculos precários, em 13 de março de 2019, ao abrigo do referido programa PREVPAP, A. e R., através da sua unidade orgânica FCT Nova, celebraram o contrato de trabalho sem termo, cujo teor consta de fls. 47 e 481 dos autos e se dá aqui por reproduzido, documento n.º 25 junto com a petição, sendo a sua cláusula primeira, sob a epígrafe “Início e Duração”, do seguinte teor:


“O presente contrato de trabalho produz os seus efeitos a partir de 01/04/2019, ao abrigo do disposto no Regulamento de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários da Universidade Nova de Lisboa, durando por tempo indeterminado”.


E a sua cláusula quarta, sob a epígrafe “Retribuição”, do seguinte teor:


“Ao abrigo do disposto no artigo 5.º do Regulamento de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários da Universidade Nova de Lisboa, o Primeiro Contraente compromete-se a pagar ao Segundo Contraente a remuneração mensal ilíquida de 1.201,48€, correspondente à 2ª posição remuneratória e ao nível 15-A, da carreira de Técnico Superior da tabela constante dos Anexos II e III do Regulamento n.º 577/2017, de 13 de outubro, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 210, de 31 de outubro, sujeita aos impostos e demais descontos legais, e acrescida de subsídio de refeição de valor igual a fixado para trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas”.


x


Cumpre apreciar e decidir:


Como se refere no douto parecer do MºPº, o Tribunal da Relação, conhecendo do objecto do recurso (se devia ser reconhecida a existência de um contrato de trabalho entre as partes desde 9.10.2006 com as inerentes consequências legais, se a retribuição base da Autora devia ser fixada em €1.327,87 e se a Autora tinha direito aos peticionados subsídios de férias e de Natal) veio a decidir que, por força do artº 14º, nº 1, al. b), da Lei 112/2017, de 29 de Dezembro, a Ré estava a obrigada a reconhecer a existência de contrato de trabalho a partir de 9 de Outubro de 2006, fazendo reportar a antiguidade da Autora a essa data com as inerentes consequências legais, não sendo postergado com tal solução o disposto no artº 47º, nº 2, da Constituição, porquanto o concurso não foi estabelecido como única forma de acesso à função pública mas apenas como uma regra. Considerou o acórdão acertada a decisão da 1.ª instância quanto ao reconhecimento da existência de um contrato de trabalho entre a Autora - Recorrente e a Ré desde 9.10.2006, com as inerentes consequências legais, fazendo reportar a antiguidade da Autora desde essa data. E mais considerou que aplicando-se à regularização do vínculo em causa o disposto no artº 14º da Lei 112/2017 de 29/12 (situação que implica a celebração de contrato individual de trabalho) e não o art.º 12.º (órgão ou serviço de administração pública a que é aplicável a Lei Geral do trabalho em funções públicas) carecia de sentido a tese defendida pela Recorrente quanto à aplicação do artº 12º. Mais se considera que uma vez que já existia entre as partes uma relação laboral, por aplicação do citado art.º 14.º a Ré não podia fixar retribuição mensal em montante inferior a €1.312,87.


A Recorrente discorda, considerando que os diferenciais remuneratórios peticionados pela Autora não se justificam, porquanto face ao regime da Lei 112/2017 a celebração do contrato de trabalho não envolve o reconhecimento de que os vínculos anteriores ficam abrangidos pelo mesmo regime, no caso concreto pela aplicabilidade retroactiva do regime do contrato de trabalho e, no que respeita aos pedidos formulados a Ré apenas deve ser condenada a reconhecer a contagem de tempo de serviço prestado desde 9.10.2009 bem como a antiguidade desde essa data. Mais defende que da integração da Recorrida não ocorreu diminuição da sua retribuição de acordo com o artº 12º, nº 2, al. b), e do artº 14º da Lei nº 112/2017, nas quais se não prevê qualquer regularização remuneratória relativamente a períodos anteriores à celebração do contrato de trabalho, mas apenas que a contagem do tempo de serviço anterior apenas releva para o futuro.


Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal de 22.06.2022, proc. 987/19.0T8BRR.L2.S1, o PREVPAP, previsto na Lei nº 112/2017, de 29 de Dezembro, não cria novos vínculos laborais, antes regulariza situações (precárias) preexistentes, consistindo o dito programa, como resulta da exposição de motivos da Proposta de Lei 91/XIII, no reenquadramento contratual das situações laborais irregulares de modo a que as mesmas passem a basear-se em vínculos contratuais adequados.


Com a regularização dos vínculos precários o legislador não pretendeu a criação de novas relações laborais, mas o reconhecimento da pré existente.


No caso que nos ocupa, independentemente de só em 13 de Março de 2009 as partes terem formalmente celebrado o contrato de trabalho sem termo cujo teor consta de fls. 47 e 48, segundo o qual o mesmo produzia “os seus efeitos a partir de 01/04/2019, ao abrigo do disposto no Regulamento de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários da Universidade Nova de Lisboa” - facto 31, tem de se considerar como definitivamente assente que se verifica a existência de um contrato de trabalho entre a Autora e a Ré desde 9.10.2006, já que, desta parte, a Ré não interpôs recurso, não contestando a asserção do acórdão recorrido de que se verificou a prestação de trabalho por conta da Ré de forma subordinada desde a última data, limitando-se a pôr em causa, como vimos, o direito da Autora aos diferenciais remuneratórios peticionados.


Estabelece-se no artº 14º, nº1, al. b) e nº 2 da Lei nº 112/2017:


Artigo 14.º


Entidades abrangidas pelo Código do Trabalho


1 - Em órgãos, serviços ou entidades abrangidos pelo n.º 1 do artigo 2.º, tratando-se de relações laborais abrangidas pelo Código do Trabalho, a homologação, pelos membros do Governo competentes, dos pareceres das CAB das respetivas áreas governamentais que identifiquem situações de exercício de funções que satisfaçam necessidades permanentes, sem vínculo jurídico adequado e, no setor empresarial local, a decisão da respetiva câmara municipal nos termos do n.º 4 do artigo 2.º, obriga as mesmas entidades a proceder imediatamente à regularização formal das situações, conforme os casos e nomeadamente mediante o reconhecimento:


(...)


b) Da existência de contratos de trabalho, nomeadamente por efeito da presunção de contrato de trabalho, e por tempo indeterminado por se tratar da satisfação de necessidades permanentes;


(...)


2 - De acordo com a legislação laboral, o reconhecimento formal da regularização, produzida por efeito da lei, não altera o valor das retribuições anteriormente estabelecido com a entidade empregadora em causa quando esta era parte do vínculo laboral preexistente.


Este nº 2 mais não é do que o acolhimento do princípio da irredutibilidade da retribuição a que alude o art.º 129.º, nº 1, al. d), do Código do Trabalho.


Por outro lado, não colhe a argumentação da Recorrente da aplicabilidade do artº 12º da Lei nº 112/2017 (órgão ou serviço de administração pública a que é aplicável a Lei Geral do trabalho em funções públicas), já que se deve ter em conta o seu artº 14º - situação que implica a celebração de contrato individual de trabalho.


Estando definitivamente assente que que a Autora prestava trabalho por conta da Ré, de forma subordinada, desde 09.10.2006, não é minimamente defensável, antes tal é proibido por lei, que a mesma Autora não tenha direito à retribuição peticionada, incluindo os subsídios de Natal e de férias.


E é inquestionável a afirmação do acórdão recorrido de que estão feridos de nulidade quer o segmento da cláusula 1ª referente à data do início do contrato, por ir contra normas imperativas do PREVPAP, quer o segmento da cláusula 4ª que fixou em 1.201,48€ a remuneração mensal ilíquida da A., por violar o princípio da irredutibilidade da retribuição.


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Decisão:


Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.


Custas pela recorrente.


Lisboa, 08/03/2023


Ramalho Pinto (Relator)


Domingos Morais


Mário Belo Morgado





Sumário (da responsabilidade do Relator).


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1. Constava, por lapso, fls. 45 e 46.↩︎