PROCEDIMENTO CAUTELAR
SUSPENSÃO DO DESPEDIMENTO
PROBABILIDADE SÉRIA DE INEXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA
Sumário


Não justifica a aplicação de sanção máxima de despedimento com justa causa o envio pelo trabalhador de e-mail dirigido a colegas e terceiros onde comunica que está de regresso à empregadora por o tribunal ter ordenado a sua reintegração (subsequente a processo impugnando o prévio despedimento por extinção de posto de trabalho), comunicação que correspondia à verdade dos factos, pese embora o trabalhador não tenha incluído entre os seus destinatários a Administração da requerida.
A actuação do trabalhador não se afigura gratuita, a sua culpa é menor, a empregadora não o havia reintegrado e mantinha-o inactivo e afastado dos demais trabalhadores, pelo que a sanção, em tal contexto, é desproporcionada.

Texto Integral


I – RELATÓRIO

AA intentou procedimento cautelar especificado de suspensão de despedimento individual contra S... - SOCIEDADE DE GÁS, S.A.
Alega que, ponderadas todas as circunstâncias, se deve concluir pela probabilidade séria de inexistência de justa causa.
A requerida apresentou o processo disciplinar e deduziu oposição. Sustenta existir justa causa para o despedimento tendo por base o e-mail enviado pelo requerente, que considera ser uma afronta à administração, com perda total de confiança, o que é impeditivo da manutenção do vínculo contratual, atentas as concretas funções desempenhadas pelo requerente.
Realizou-se audiência final.

Foi proferida decisão final nos seguintes termos:
Pelo exposto, o Tribunal decide julgar procedente o presente procedimento cautelar instaurado por AA contra S... - SOCIEDADE DE GÁS, S.A. e, em consequência, decreta-se a suspensão do despedimento por justa causa promovida pela Requerida.
Custas a cargo da requerida (cfr. artigos 527.º, n.º 1 e 2 e 539.º, n.º 1 e 2 ambos do Código de Processo Civil).
Valor: 30.000,01€”

A REQUERIDA EMPREGADORA RECORREU – CONCLUSÕES (reduzidas atenta a extensão):

“A. O presente recurso tem como objecto a impugnação da Sentença proferida pela Tribunal A Quo, através da nulidade elencada no artigo 615.º n.º 1 c) do C.P.C., bem como a reapreciação de matéria de facto e matéria de direito…
C.O ponto 39) da matéria de facto indiciariamente provada que o Tribunal “A Quo” está em absoluta contradição com a motivação deste facto, elencada na página 20 da Sentença…
D. Em causa estão factos que foram alegados pelo Recorrido no seu Requerimento Inicial e sobre os quais apenas foram ouvidas as testemunhas por si arroladas: AA, BB e CC.
E. Nem o Depoimento, nem as Declarações de Parte do Legal Representante da Requerida e da Testemunha DD incidiram sequer sobre tal facto, pelo que não se vislumbra a motivação de facto quanto a este ponto elencada na Sentença recorrida.
F. Resulta do artigo 615.º n.º 1 c) do C.P.C que: “1 - É nula a sentença quando: c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
G. Nulidade que expressamente se invoca ara os devidos efeitos legais.
……I. Verifica-se através da análise da matéria de facto indiciariamente provada que o Tribunal A Quo não deu como indiciariamente provado (nem como Indiciariamente Não Provado) qualquer facto atinente à quebra da relação de confiança que existia entre as Partes, a qual in casu, sempre se constituiu como matriz na relação jurídico-laboral entre ambas, tal como foi expressamente alegada pela ora Recorrente, nos artigos 21.º em sede de Oposição ao Procedimento Cautelar em crise: “
 21.º Porém, o Requerente, dominado pela sua soberba, arrogância e exacerbado ego, não se ficou por aí e, no mesmo dia 5 de maio, apenas 4 horas depois, não foi capaz de suster a sua vaidade, proclamando a um vasto e diversificado universo de destinatários a sua vã vitória, afrontando obviamente o Conselho de Administração da Requerida e gerando um clima de repulsa e agitação interna no seio da empresa, assim quebrando o já fragilizado elo de confiança, que constitui a matriz de uma relação jurídico-laboral.
22.º Valor este, no caso em concreto, particularmente intenso e exigente porque exigido pelas especiais funções desempenhadas pelo Requerente, pomposamente elencadas ao longo dos artigos 11º a 16º da PI e descritas como provadas nos pontos 16º a 19º do Acórdão do TR de Guimarães.
23.º Que o vinham colocando, desde a data da sua admissão, em posto laboral associado ao núcleo duro da administração, com inerente acesso a informação particularmente sensível e reservada”.
e tal como foi devidamente demonstrado pela prova testemunhal produzida nas duas sessões de julgamento realizadas nos autos recorridos, senão vejamos:
J. Esta relação de confiança foi demonstrada através do depoimento do Legal Representante da Ré e seu Fundador, Eng. ..., (sessão de Julgamento de 09.11.2022)…
K. Tendo sido corroborada pela Testemunha DD (sessão de 17.11.2022) ….
L. A motivação de facto da Decisão Recorrida é completamente omissa quanto a esta matéria, a qual se assume determinante para a Boa Decisão da Causa, na medida em que está em causa um dos principais fundamentos da Recorrente para ter decidido pelo despedimento do Recorrido, pelo que consideramos que o sentido decisório do Tribunal “A Quo” deveria ter ido no sentido de dar os factos constantes dos artigos 21.º a 23.º inclusive da Oposição da Recorrente, todos como indiciariamente provados, atenta a prova produzida em julgamento a este respeito.
M. Quanto aos factos dados como Indiciariamente Não Provados que na óptica da Recorrente, atenta a prova produzida nos autos em sentido contrário, deveriam constar dos Factos Indiciariamente Provados:
e) A Administração da requerida foi abordada por alguns dos destinatários do e-mail que lhe manifestaram a sua perplexidade e reprovação pelo facto de terem recebido tal email que, na verdade, se lhes revelava incompreensível e censurável e que qualificaram como ofensa à autoridade dos administradores, uma devassa de assunto interno da empresa, um fator de perturbação do bom ambiente de trabalho e até o uso não autorizado dos seus contactos de endereço eletrónico numa comunicação coletiva, a que eram alheios. 
f) O facto de o Requerente ter sido dispensado da prestação de serviço desde 18 de maio não resultou de a Requerida se ter recusado a proceder à sua reintegração efetiva nos termos a que foi condenada no Processo n.º 1402/20...., mas antes porque não dispunha de meios adequados e dignos para realizar essa reintegração efetiva após ter operado a extinção do seu posto de trabalho.
g) O envio do e-mail pelo requerente provocou por algum tempo perturbação no normal funcionamento da empresa, com prejuízos para a Requerida”.
N. Diferente conclusão e decisão se impunha considerando os documentos de cariz probatório carreados para o processo (sobretudo o Processo Disciplinar junto aos autos), acrescido da  prova testemunhal produzida em sentido oposto e que determinariam a sua inclusão na factualidade indiciariamente provada.
O. Facto: “e) A Administração da requerida foi abordada por alguns dos destinatários do e-mail que lhe manifestaram a sua perplexidade e reprovação pelo facto de terem recebido tal email que, na verdade, se lhes revelava incompreensível e censurável e que qualificaram como ofensa à autoridade dos administradores, uma devassa de assunto interno da empresa, um fator de perturbação do bom ambiente de trabalho e até o uso não autorizado dos seus contactos de endereço eletrónico numa comunicação coletiva, a que eram alheios.
P.  Entende a Recorrente, que o Tribunal “A Quo” andou mal ao elencá-lo nos Factos Indiciariamente Não Provados, já que a prova efectivamente produzida nos autos recorridos aponta para decisão diversa: o Processo Disciplinar junto aos autos: já que do mesmo constam várias testemunhas ouvidas em sede disciplinar que referiram ter manifestado a sua perplexidade e reprovação com a receção do email em crise, isto é, do email constante do ponto 30) dos factos indiciariamente provados (nomeadamente  as Testemunhas EE e FF, GG, DD, HH).
Q. E em Julgamento da Testemunha DD  … e II : ….
R. Pelo que, atenta a prova carreada e produzida nos autos, justifica-se uma resposta positiva e assertiva, no sentido de se considerar este Facto na enumeração dos Factos Indiciariamente Provados da Sentença Recorrida.
S. Facto: f) O facto de o Requerente ter sido dispensado da prestação de serviço desde 18 de maio não resultou de a Requerida se ter recusado a proceder à sua reintegração efetiva nos termos a que foi condenada no Processo n.º 1402/20...., mas antes porque não dispunha de meios adequados e dignos para realizar essa reintegração efetiva após ter operado a extinção do seu posto de trabalho.
T. Conclusão emerge desde logo da carta elencada em 26) dos Factos Indiciariamente Provados: estamos perante a comunicação, enviada pela Recorrente ao Recorrido e junta com a Oposição apresentada nos presentes autos sob Doc. ..., que refere expressamente o seguinte: “(…) c) tendo sido extinto o seu posto de trabalho pelos fundamentos que o Tribunal julgou legítimos e não havendo de momento qualquer outro posto de trabalho disponível e equiparável na S... - SOCIEDADE DE GÁS onde possa desempenhar as funções especificas que motivaram a sua contratação, fica dispensado da prestação efetiva de trabalho sem perda de remuneração, com efeitos a 27 de abril, até nova comunicação da S... - SOCIEDADE DE GÁS”. 
U. Teor corroborado pelo Legal Representante da Requerida em Julgamento (sessão de 09.11.2022…..
V. Uma vez mais, consideramos que atendendo à prova produzida, complementada pela contextualização dos factos em crise, outra deveria ter sido a apreciação deste facto, justificando-se uma resposta positiva e assertiva no sentido de ser considerado como Facto Indiciariamente Provado.
W. Facto: g) O envio do e-mail pelo requerente provocou por algum tempo perturbação no normal funcionamento da empresa, com prejuízos para a Requerida”.
X. Veja-se a propósito o depoimento do Legal Representante da Requerida e da Testemunha DD:…..Testemunha HH:  …
Y. Pelo que se justifica uma resposta positiva e assertiva no sentido de também este facto ser considerado como Facto Indiciariamente Provado.
Z. Sem prejuízo de tudo quanto antecede e no que concerne à matéria de Direito, está em causa a aplicação do regime constante no artigo 39.º do Código de Processo do Trabalho, bem como no artigo 351.º n.º 1 e 3.º e 128.º n.º 1 e), ambos do Código do Trabalho.
…….AD. Conclui-se assim que haverá justa causa para despedimento do trabalhador quando, em concreto, se não possa exigir, segundo as regras da boa-fé, que a entidade patronal se limite a aplicar ao trabalhador faltoso uma sanção disciplinar propiamente dita, ou seja, uma medida punitiva que não afete, antes viabilize, a permanência do vínculo laboral.
AE. In casu, não se afigura aceitável, no quadro factual indiciariamente provado, a manutenção pela Recorrente do vínculo laboral com o Recorrido, assim se legitimando a aplicação da sanção despedimento, atenta a demonstrada total perda confiança da administração da Recorrente para com o Requerido, a qual aliás, como também se logrou provar, sempre constituiu matriz basilar da relação jurídico-laboral das Partes.
AF. Tal como ficou indiciariamente provado em 49) da Sentença Recorrida que “A administração da requerida colocou o requerente, desde a data da sua admissão, em posto laboral associado ao núcleo duro da administração, com inerente acesso a informação particularmente sensível e reservada” e ainda em 56) que: “O envio do e-mail pelo requerido foi tido pela administração da requerida como uma devassa interna e externa de um processo judicial, que vinha sendo tratado com reserva pela Administração”.

AI. Acentuando mais uma vez que, a prova produzida em Julgamento, foi peremptória de modo a que o Tribunal “A Quo” tivesse concluído como indiciariamente provada a perda total da relação de confiança que existia entre as Partes, na sequência do envio do email em crise pelo Requerente, pelo que tendo-se irremediavelmente quebrado tal relação de confiança, não era exigível à Recorrente, enquanto Empregadora, a manutenção da relação laboral que existia com o Recorrido, atenta a particularidade em que a mesma assentava, configurando, pois, tal quebra, por força do comportamento do Recorrido, justa causa para o seu despedimento.
AJ. Na verdade, o Requerente trabalhava e respondia diretamente à administração, a quem ofendeu e afrontou…..
….AM. Discordamos também …. da Sentença recorrida, considerando, pois, que o Recorrido violou ainda a alínea e) do artigo 128.º do Código do Trabalho, a qual dispõe que: o trabalhador deve e) Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias”
AN. Na medida em que, naquela manhã do dia 5 de maio passado, pelas 11.33horas o Recorrido havia acabado de receber a carta que a Recorrente lhe havia enviado a 3 de maio (ver 26. Factos indiciariamente provados), onde lhe era dada a indicação para aguardar até nova comunicação da S... - SOCIEDADE DE GÁS;
AO. Ordem essa, que o Recorrido não acatou, violando, deste modo, ainda o dever elencado no artigo 128.º n.º 1 e) do Código do Trabalho.
….TERMOS EM QUE, DANDO-SE TOTAL PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A SENTENÇA RECORRIDA SER REVOGADA E, EM SUA SUBSTITUIÇÃO, JULGAR-SE COMO  IMPROCEDENTE A PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE SUSPENSÃO DE DESPEDIMENTO…”

CONTRA-ALEGAÇÕES:

Sustenta-se que:
O despedimento se baseia no único  facto dado como provado no número 30) da matéria assente que é o seguinte : ” No dia 05 de maio de 2022, às 15h22, o Requerente, colocando em assunto “Reintegração - S...”, enviou, por e-mail, a Colegas seus, que tinham continuado a prestar trabalho na Requerida e noutras empresas do Grupo, dizendo textualmente apenas o seguinte: “Caros Colegas, É com enorme satisfação que vos comunico que estou de regresso à S... - SOCIEDADE DE GÁS, tal como o esperado o Tribunal ordenou a minha reintegração na empresa. Estou, como sempre, disponível para trabalhar e apoiar, dentro das minhas funções, o que julgarem necessário. Com os melhores cumprimentos. AA”;
A recorrente decidiu não acatar a decisão judicial que ordenou a sua reintegração e, só por isso, congeminou o procedimento disciplinar e decidiu o despedimento, sem que exista justa causa.
O recurso deve ser julgado improcedente, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO: sustenta a improcedência da apelação.
RESPOSTAS AO PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO: não foram apresentadas.
O recurso foi apreciado em conferência – art. 659º, do CPC.

QUESTÕES A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso[1]): nulidade da sentença; impugnação da matéria de facto e probabilidade de inexistência de justa causa de despedimento.

I.I. FUNDAMENTAÇÃO

A- FACTOS
FACTOS PROVADOS

1) A requerida é uma pessoa coletiva cuja prossecução do seu objeto social é a produção de ar propanado e a implementação e dinamização da sua distribuição, bem como a distribuição de outros gases combustíveis canalizados, assegurando a oportuna utilização das redes pelo gás natural e bem assim outras atividades relacionadas com o objeto principal.
2) O requerente foi admitido ao serviço da requerida, mediante contrato individual de trabalho celebrado em 11 de setembro de 2017, para desempenhar todas as funções decorrentes da categoria profissional de analista de projetos de investimentos.
3) Bem como outras funções afins ou que tenham ligação funcional com aquelas.
4) Aquando da admissão, a requerida (por intermédio do seu Diretor Geral Eng. ...) estruturou e, depois, cumpriu assim a retribuição mensal do requerente: i) salário base – 1.250€; ii) complemento (12 meses) – 200€ [pago através de cheque, sacado sobre uma conta bancária do já referido Diretor Geral e do Sr. Eng. JJ, ambos acionistas da D... GÁS, SGPS, que é a dona da requerida) iii) ajudas de custos (12 meses) – 400€.
5) O requerente recebia a retribuição líquida mensal de cerca de 1.549,50€.
6) Em Junho de 2019, a requerida deu ao requerente um aumento de 100€/mês, pelo que passou a receber um valor líquido de 1.611,50€ (1.411,50€ por transferência bancária + 200€ através do cheque sacado da conta bancária dos já referidos Eng. ... e Eng. JJ).
7) O requerente beneficiava ainda dum subsídio de refeição, que era transferido para o “cartão refeição”.
8) A retribuição auferida pelo requerente incluía ainda o uso da viatura “...”, com caixa automática e cartão de combustível sem limite, portagens sem limite e quilómetros sem limite, uso que, para além das deslocações ao serviço da requerida, incluíam as deslocações de ida e volta para o trabalho, e todas as demais deslocações relativas à vida pessoal do requerente e seu agregado familiar, tais como as conduções dos filhos para a escola, deslocações semanais à cidade ... por razões médicas relacionadas com um dos filhos, deslocações habituais dos fins de semana, viagens em período de férias, incluindo ao estrangeiro, e tudo o mais para que era usado.
9) A requerida atribuiu ainda ao requerente um telemóvel (...), sem limite de comunicações de dados de internet, o que representava uma contrapartida de cerca de 50€/mês.
10) O requerente beneficiava ainda dum computador pessoal.
11) O requerente cumpria, por ordens da Requerida, entre outras, as seguintes funções: “A – Preparação de informação a enviar aos Bancos No âmbito de negociação de linhas de crequeridadito, preparava a informação relacionada com as sociedades dos Grupos D..., D... GÁS e Energia..., a enviar aos vários Bancos financiadores; Tais funções incluíam, além do mais: planos de Negócio; mapas de cash flow; balancetes; Demostração de Resultados previsionais; Balanços previsionais; descrição pormenorizada da atividade de cada uma das sociedades; Em alguns dos vários financiamentos, o requerente participava na preparação/produção daquela informação, o que se verificou, por exemplo: 1.1 – R...: Financiamento a médio e longo prazo (mlp) no montante de 2M€, formalizada na Banco 1... (Banco 1...); Linhas de curto prazo no montante global de 0,5M€, formalizadas com o Banco 2...; Linhas de mlp no montante global de 0,5M€, formalizada com o Banco 3.... 1.2 – D... GÁS SGPS: Financiamento mlp no montante de 4,6M€, formalizado no Banco 4.... 1.3 – D... GÁS: Financiamento mlp no montante de 1,1M€, formalizado no Banco 3...; Garantia Bancária no montante de 300.000€, formalizada na ...; Garantia Bancária no montante de 200.000€, formalizada no Banco 2.... (…) C – Informação e controlo da dívida (financiamentos bancários) e serviço de dívida (reembolsos + juros + Imposto de selo). Por instruções da Administração do Grupo (Eng. ... e Eng KK), o Requerente apresentava periodicamente, em forma de relatório informal, o montante da dívida e serviço de dívida das sociedades dos seguintes grupos: D... GÁS SGPS, constituído pelas sociedades S... - SOCIEDADE DE GÁS, D... GÁS, D... GÁS, D... GÁS, ..., D... e G.... Em 2018, a D... GÁS SGPS alienou a totalidade da participação (75%) na G... ao grupo suíço ..., que já detinha 25% do CS da empresa. D... SGPS, constituído pelas sociedades: ..., ... e T.... Energia... Lda., constituído pelas sociedades: P..., R... e T....
12) A requerida atribuiu ao requerente, desde a admissão, o papel de “Consultor Financeiro”, pois a respetiva área de atuação abrangia muitos domínios (da área financeira) no interior da requerida e nos três grupos (Grupo ..., Grupo D... e Grupo Energia...), com ela relacionados, cuja gestão prática ou efetiva se desenvolve nas mesmas instalações, que pertencem à requerida.
13) O requerente era o único membro do Departamento de Consultoria Financeira do Grupo.
14) Tal como se encontra descrito no “Manual de Funções do Grupo”, no qual são definidas do seguinte modo a própria “Consultoria Financeira”, os respetivos “Requisitos mínimos” (para o desempenho da função), as “Responsabilidades” (funções e tarefas a desenvolver e competências), e a “Autonomia e Requerenteidades”, ou seja: “1.4 Consultoria Financeira. Consultoria financeira é uma atividade na qual uma pessoa capacitada avalia as finanças da empresa, além de apontar estratégias para torná-las mais organizadas. 1.4.1 Requisitos mínimos Formação académica na área de Economia; Bons conhecimentos de Informática na ótica do utilizador; Experiência em função similar de pelo menos 6 meses. 1.4.2 Responsabilidades Auxilia no planeamento e desenvolvimento do orçamento, a fim de assegurar a adesão a regras, regulamentos e leis padrão; Coleta e reúne dados e informações para preparar, recomendar e prever operações planeamentos financeiros futuros; Analisa e interpreta as informações financeiras para estudar as variações, revê-las e apresentá-las à administração, no intuito de facilitar uma melhor tomada de decisões; Atua em projetos complexos e que exigem uma avaliação aprofundada; Emite relatórios eficazes e desenvolve processos de acordo com as políticas, procedimentos e padrões da organização; Orienta sobre investimentos, alocação de ativos, poupança, planeamento tributário, de aposentadoria e patrimonial; Analisa a tolerância ao risco; Desenvolve estratégias financeiras, orientando a empresa a estabelecer as metas; Cria metas correspondentes à situação com planos apropriados; Monitoriza a situação económica com o rastreio de mudanças no orçamento e nas circunstâncias da vida; Analisa os resultados do plano financeiro; Identifica e avalia novas estratégias financeiras; Gere pagamentos de impostos atuais e futuros; Recomenda mudanças em metas e planos. 1.4.3 Autonomia e Requerenteidades, Autonomia para definir as metodologias necessárias para o bom funcionamento do Departamento; Autonomia para definir as metodologias para o bom funcionamento da empresa; Autonomia para reformular o método de trabalho dos Departamentos, sempre que necessário.”
15) O referido “Manual de Funções” descreve as tarefas, as funções e as responsabilidades de que a requerida incumbiu o requerente.
16) Nos organogramas funcionais incluídos no referido “Manual de Funções do Grupo” o requerente figura como único trabalhador do Departamento de “Consultoria Financeira”.
17) A Requerida dispõe de capacidade económica para manter o posto de trabalho do Requerente, tal como resulta dos seguintes termos da sua atividade: a. a Requerida é um dos 11 operadores nacionais de distribuição de gás natural de baixa pressão (redes de gás natural) e uma empresa com ativos líquidos > 80M€ (2019) [cf. Relatório Contas de 2019]; b. desenvolve a sua atividade na região interior do Norte de Portugal, onde é responsável pela construção/gestão das redes de gás e pelas ... (U...), que funcionam como reservatório de gás natural (abastecida por camião cisterna) – [cf. Relatório Contas de 2019]; c. obteve, em 2008, cinco licenças para a distribuição de Gás Natural (em M..., ..., .../..., .../... e P...), projeto que já foi concluído [cf. Relatório Contas de 2019]; d. em 2015 obteve mais 18 licenças, comportando um investimento de 58,3M€, projeto ainda em curso (abrangendo A..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., Ribeira ..., ..., ..., ... e ...); e. em 2019 obteve mais oito 8 licenças, com um investimento previsto de 48M€, projeto com início programado para 2021 a 2023 (abrangendo LL, ..., .../..., e ..., ..., ..., ... e M...); f. nos primeiros 4 meses de 2020, o seu volume de negócios rondou os 4,5M€, o que representa um crescimento na ordem dos 25%, face ao mesmo período de 2019; g. a estrutura de proveitos em 2019 desenhava-se assim: - receitas 2019 (previsional) = 10.553€ (sem ajustamento tarifário e sem IFRIC 12); - vendas de Gás Natural (mercado regulado) + Acessos (“portagens” pagas pelos comercializadoras de GN em mercado livre) = 2.929 milhares de euros; - compensações tarifária = 7.507 milhares de euros (valor real); - prestação de serviços = 117m€; h. a estrutura de proveitos é essencialmente constituída pelo montante da compensação tarifária (71% do total de receitas) apurada pelo regulador (ERSE), com base no ativo regulado (resulta do investimento realizado), consumos de gás e números de clientes ligados; i. com o objetivo de compensar os operadores de distribuição de gás natural, que operam e investem ativos (redes, ramais, U..., viaturas, edifícios, software, hardware, etc), localizados em regiões de baixa densidade populacional e de grande dispersão geográfica, o regulador (ERSE) criou um sistema em que os consumidores das regiões com maior densidade populacional e de menor dispersão geográfica transferem (através dos operadores de rede) verbas para os operadores de distribuição de gás natural do interior, onde o custo de investimento por cliente é muito superior; j. o objetivo do regulador é levar o gás natural a grande parte do território nacional, mesmo que algumas regiões estejam fora do alcance dos gasodutos (construídos apenas no litoral); k. dado o procedimento de apuramento da compensação tarifária e a ausência de deficit tarifário, concluiu-se facilmente que qualquer investimento em ativos regulados (redes, ramais, U..., viaturas, edifícios, software, hardware, equipamento de escritório, etc.) tem impacto nas tarifas de acesso pagas pelos consumidores; l. o montante da compensação tarifária recebida pela Requerida até Abril de 2020 superou os 3,1M€, valor entregue pelos outros operadores de rede (indicados pela ERSE nas tarifas de 2019-2020); m. no período Junho de 2018 a Setembro de 2019, a Requerida recebeu um total de 8,1M€ de compensação (recebeu mensalmente, 587.460,75€/mês); n. no último ano gás (Outubro 2019 a Setembro de 2020), o valor de compensação atribuído pelo regulador à Requerida situou-se nos 9,2M€ (recebia mensalmente 771.640,25€/mês), o que representa um crescimento homólogo superior a 31%; o. a Requerida recebia (até Setembro/2020) compensações das seguintes entidades: ...: 52m€/mês (627.092€/ano), ...: 13,3m€/ mês (160.413€/ano), ...: 395,4m€/ mês (4.744.871€/ano), R...: 261,7m€/ mês (3.141.441€/ano), ...: 48,7m€/ mês (585.866€/ano) – total = 771,6m€/mês (9.259.683€/ano); p. no próximo ano gás (Outubro de 2020 a Setembro de 2021) o valor de compensação tarifária atribuída pelo regulador à Requerida supera os 13,3M€ (1.108.901,16€/mês), o que representa um crescimento homólogo superior 43,7%; q. este valor da compensação tarifária, apurado pelo regulador (ERSE), foi determinado em plena pandemia, o relatório das tarifas foi emitido em .../.../2020; r. no período Outubro de 2020 a Setembro de 2021, a Requerida receberá os valores das seguintes entidades: ...: 597,2m€/mês (7.166.618€/ano), R...: 511,6m€/mês (6.140.196€/ano) – total = 1.108,9m€/mês (13.306.814€/ano); s. este valor de 1.108.901,16€/mês até Setembro de 2021 representa um crescimento de 43,7%, face ao período anterior (Outubro de 2019 a Setembro de 2020); t. é inegável que, sendo aquela rúbrica da compensação tarifária a principal componente da estrutura de receitas (>70% do total de receitas), haverá forte impacto positivo nos resultados deste e nos próximos anos, a que acrescerá o seguro crescimento do número de clientes decorrente da expansão da rede gás com o consequente crescimento das vendas via “acessos à rede”, nos próximos meses e anos.
18) Em 13 de maio de 2020, a Requerida remeteu ao Requerente uma carta registada com aviso de receção, comunicando-lhe a necessidade de proceder à extinção do seu posto de trabalho, anunciando o seu despedimento.
19) O Requerente respondeu por carta registada datada de 28.05.2020.
20) Por carta registada com aviso de receção de 08.06.2020, a Requerida comunicou ao Requerente a sua decisão definitiva de proceder à extinção do seu posto de trabalho e que o seu despedimento produziria efeitos em 15 de julho de 2020.
21) Todos os factos elencados de 1) a 20) foram considerados provados e dados como assentes na sentença e no acórdão proferidos no Processo 1402/20.....
22) O Requerente, logo após o Acórdão referido em 21), escreveu à Requerida, uma carta datada de 04 de março de 2022, na qual dizia o seguinte: “Exmos. Senhores, Tomei conhecimento que o Tribunal julgou ilícito o meu despedimento. Assim sendo, mantêm-se em vigor o meu contrato de trabalho com a S... - SOCIEDADE DE GÁS. Estou, como sempre, disponível para me apresentar e cumprir o contrato de trabalho. Aguardo instruções para retomar as minhas funções. Com os melhores cumprimentos.”
23) Proferido o Acórdão definitivo, que apreciou a arguição de nulidades que sobre aquele recaiu, o Requerente, por carta datada de 22 de abril de 2022, notificou de novo a Requerida, dizendo o seguinte: “Tomei conhecimento de que o Tribunal julgou ilícito o meu despedimento. Assim sendo, mantém- se em vigor o meu contrato de trabalho com a S... - SOCIEDADE DE GÁS. Estou, como sempre, disponível para me apresentar e cumprir o contrato de trabalho. Aguardo instruções para retomar as minhas funções.”
24) Por carta de 02 de maio de 2022, o Requerente, insistiu, dizendo à Requerida o seguinte: “No seguimento da carta com data de 22 abril (anexa) a Vas. Exas, venho por este meio reiterar a minha disponibilidade para cumprir o contrato de trabalho que detenho com a S... - SOCIEDADE DE GÁS. Nesse sentido, aguardo instruções para retomar as minhas funções.”
25) No dia 22 de abril de 2022, o Requerente enviara à Requerida ainda uma outra carta a comunicar o seguinte: “(…) venho por este meio solicitar o pagamento das retribuições em dívidas (…); “peço e espero igualmente que me seja atribuída a remuneração em espécie (uso da viatura, computador e telemóvel, nas condições que existiam)”.
26) A Requerida respondeu ao Requerente, por carta datada de 03 de maio de 2022, comunicando, além do mais, o seguinte: “fica dispensado da prestação efetiva de trabalho sem perda de remuneração, com efeitos a partir de 27 de abril, até nova comunicação da S... - SOCIEDADE DE GÁS”.
27) Por carta de 06 de maio de 2022, o Requerente respondeu à Requerida, dizendo o seguinte: “Recebi a carta datada de 3 maio, relativa ao Proc. 1402/20...., que agradeço. Ficarei então a aguardar “nova comunicação da S... - SOCIEDADE DE GÁS”, o que não significa qualquer espécie de aceitação pela minha parte de que tenha havido fundamentos para a extinção do posto de trabalho que eu ocupava, nem tão pouco de que não existia ou não existe na S... - SOCIEDADE DE GÁS ou no seu Grupo de Empresas posto equivalente. Sobre tal matéria não foi proferida qualquer decisão pelo Tribunal que se possa considerar-se transitada em julgado. Estando em plena vigência o meu contrato individual de trabalho, aguardo que me seja atribuída de imediato a mesma retribuição em espécie (viatura, telemóvel e computador pessoal), isto é: Viatura: ... com caixa automática Com todos os encargos suportados pela S... - SOCIEDADE DE GÁS: seguros, imposto de selo, manutenção, revisões, pneus, reparações, combustível, portagens, etc. cartão de combustível sem limite, sem limites de quilómetros e sem limite de portagens. Telemóvel: ... sem limite de chamada e sem limite de dados móveis. Computador pessoal: .... Por fim, espero bem que para ser determinado o valor pecuniário correspondente à retribuição em espécie desde o despedimento até ao presente, não seja necessária nova ação judicial. Foi por isso que em anterior carta solicitei uma proposta da S... - SOCIEDADE DE GÁS, em ordem ao acordo sobre o valor em causa. Com os melhores cumprimentos.”
28) Por carta de 12 de maio de 2022, o Requerente comunicou ainda à Requerida o seguinte: “Venho insistir na resposta à minha carta de 06 de maio. Nada justifica que ainda não esteja a usufruir da minha retribuição em espécie. Pretendo cultivar a boa relação e cordialidade, solicito e espero a urgência possível.”
29) As referidas cartas foram enviadas à Requerida pelo registo do correio.
30) No dia 05 de maio de 2022, às 15h22, o Requerente, colocando em assunto “Reintegração - S...”, enviou, por e-mail, a Colegas seus, que tinham continuado a prestar trabalho na Requerida e noutras empresas do Grupo, dizendo textualmente apenas o seguinte: ”Caros Colegas, É com enorme satisfação que vos comunico que estou de regresso à S... - SOCIEDADE DE GÁS, tal como o esperado o Tribunal ordenou a minha reintegração na empresa. Estou, como sempre, disponível para trabalhar e apoiar, dentro das minhas funções, o que julgarem necessário. Com os melhores cumprimentos. AA”.
31) Apesar do acórdão acima citado proferido em 03-03-2022 e da decisão sobre a respetiva arguição de nulidades proferida por acórdão de 21-04-2022 e, por outro lado, mau grado as repetidas comunicações escritas acima referidas e respetivos pedidos que o Requerente dirigiu à Requerida, a verdade é que até ao início da ação cautelar, a Requerida nada tinha cumprido em relação à retribuição em espécie, mantendo o Requerente privado da viatura, do telefone e do contrário do que sucede com todos os demais trabalhadores que usufruem de idênticos direitos e, do mesmo modo, a Requerida não tinha reintegrado o Requerente nas funções, mantendo-o inativo e afastado dos demais trabalhadores.
32) Tudo isto estava a causar ao Requerente constrangimentos, privações e dificuldades no seu próprio sustento e bem-estar e no do seu agregado familiar.
33) Bem como estava a gerar nele inesperada tristeza, indignação e revolta por se sentir humilhado com tal situação infligida pela Requerida.
34) O Requerente sentia-se discriminado e vexado, face aos restantes colegas de trabalho.
35) Pelas descritas razões, o Requerente andava muito preocupado e com medo de que a sua carreira profissional fosse gravemente afetada, prejudicando irremediavelmente o seu futuro profissional e a sua boa imagem, se a sua situação de inatividade se prolongasse e fosse conhecido o facto de ter ficado suspenso por razões disciplinares.
36) Tudo foi agravado e intensificado, de modo insuportável para ele, com o facto da Requerida, no dia 18 de maio de 2022, no seu Conselho de Administração ter proferido uma deliberação cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
37) Na sequência, a Requerida, por carta assinada pelo Presidente do seu Conselho de Administração, Dr. MM, comunicou ao Requerente o seguinte: “Vimos por este meio enviar em anexo Deliberação tomada pelo Conselho de Administração em 18 de maio.”
38) Com esta notificação, o Requerente ficou ainda mais chocado e sentiu mais ofendida a sua honra, o seu bom nome, o seu brio profissional.
39) Ficou e mantém-se muito apreensivo e com medo dos efeitos nefastos para o seu futuro profissional, para a sua imagem e para o seu bom nome, que podem advir da sua ausência prolongada na Requerida.
40) O requerente lançou mão da ação cautelar que corre termos neste mesmo Tribunal – J1, sob o processo 1165/22.....
41) A audiência de julgamento na referida ação cautelar teve lugar em 08-07-2022.
42) A sentença, com data de 15-07-2022, foi notificada aos mandatários das partes em 18-07-2022, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
43) A sentença desta ação cautelar decidiu, além do mais, “suspender a eficácia da suspensão preventiva do Requerente AA deliberada em 18/05/2022 pelo Conselho de Administração da Requerida S... - SOCIEDADE DE GÁS, S.A.”.
44) A Requerida não reintegrou o Requerente nas suas funções, mantendo-o impedido de aceder às suas instalações e de ocupar o seu posto de trabalho, até ao despedimento.
45) A Requerida interpôs recurso da decisão cautelar, mas o recurso não teve efeitos suspensivos.
46) O Requerente apresentou neste mesmo Tribunal do Trabalho uma ação condenatória contra a Requerida, que deu entrada no passado dia 20 deste mês de setembro, em que pediu a condenação da Requerida: (a) considerar sem efeito a medida de suspensão preventiva aplicada ao Requerente no âmbito do referido inquérito prévio e consequente procedimento disciplinar; (b) a reintegrar de imediato o Requerente no seu posto de trabalho, atribuindo-lhe funções correspondentes às suas competências profissionais e à categoria que lhe está atribuída; (c) a pagar ao Requerente as diferenças das retribuições em numerário acima alegadas, no referente ao complemento ou prestação mensal no valor líquido de 200€ por mês, desde abril de 2022 até ao trânsito em julgado da sentença a proferir; (d) a pagar ao Requerente as diferenças salariais que se liquidarem no decurso da ação ou, caso contrário, em execução de sentença, correspondentes às atualizações salariais que a Requerida aplicou aos demais trabalhadores, designadamente aos que ocupam cargos e exercem funções equivalentes às do Requerente, desde o despedimento até ao presente; e [sem prejuízo da compensação em negociação pela privação dos meios da retribuição em espécie]: (e) a atribuir de imediato ao Requerente o uso duma viatura igual ou equivalente ao “..., com caixa automática e cartão de combustível sem limites, portagens sem limite e quilómetros sem limite para deslocações ao serviço da Requerida, deslocações de ida e volta para o trabalho e todas as demais deslocações relativas à vida profissional do Requerente e seu agregado familiar; (f) a atribuir de imediato ao Requerente um telemóvel igual ou equivalente ao “...”, sem limites de comunicações e dados da internet; (g) a atribuir de imediato ao Requerente um computador pessoal equivalente ao que lhe estava atribuído antes do despedimento; (h) a pagar ao Requerente, a título de danos morais, uma quantia de, pelo menos, 10.000€; (i) a pagar ao Requerente os juros moratórios calculados à taxa legal sobre cada prestação pecuniária dos pedidos das alíneas anteriores e contados desde o vencimento de cada prestação em mora até o efetivo pagamento, sendo os juros da prestação pedida na alínea h) contados a partir da citação.
47) A Requerida acaba de punir o Requerente com a sanção disciplinar de despedimento com justa causa, imputando-lhe como único facto o envio do e-mail referido em 30).
48) O Requerente sempre se comportou e quer comportar, na Requerida, como um profissional zeloso, competente, leal, empenhado, de boa-fé, no exercício das funções que lhe foram ou sejam atribuídas.

*
49) A administração da requerida colocou o requerente, desde a data da sua admissão, em posto laboral associado ao núcleo duro da administração, com inerente acesso a informação particularmente sensível e reservada.
50) A carta da Requerida de 3 de Maio de 2022, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzida, foi recebida pelo Requerente, no dia 5 de maio pelas 11.21 horas.
51) Entre as pessoas selecionadas pelo Requerente para destinatárias de tal email, apenas algumas delas eram de facto trabalhadores e colaboradores da Requerida, mas outras eram trabalhadores e colaboradores de outas empresas societárias do Grupo ..., não vinculadas à Requerida, e ainda a terceiros, não vinculados nem associados a qualquer delas.
52) Os Administradores da Requerida não foram incluídos nos destinatários desse mesmo email e foram posteriormente surpreendidos com a sua existência, do qual apenas tomaram conhecimento quando lhes foi reencaminhado por um dos recetores próximo da Administração.
53) O Conselho de Administração da Requerida, afrontado pela atitude do Requerente, deliberou instaurar um inquérito disciplinar ao Requerente, nos termos da deliberação que lhe enviou no dia 18 de maio de 2022.
54) Na providência cautelar finda, não chegou a ser reapreciada de mérito em sede de recurso porque, entretanto, ocorreu a decisão de despedimento e foi por tal razão extinta por decisão singular proferida no Tribunal da Relação de Guimarães.
55) Foi realizada uma deliberação de despedimento e integrada no processo disciplinar, cujo conteúdo de dá aqui por integralmente reproduzido.
56) O envio do e-mail pelo requerido foi tido pela administração da requerida como uma devassa interna e externa de um processo judicial, que vinha sendo tratado com reserva pela Administração.
*
FACTOS NÃO PROVADOS:

a) Nenhum dos destinatários do e-mail referido em 30), respondeu a manifestar qualquer desagrado ou incómodo pela mensagem recebida.
b) Houve quem tenha desejado as “boas vindas”.
c) Nas circunstâncias referidas em 31), a Requerida nada tinha pago ao Requerente, nem sequer o salário do anterior mês de abril, que tinha sido pago a todos os demais trabalhadores da Requerida.
d) Nos termos referidos em 39), o requerente ficou apreensivo e com medo dos efeitos nefastos da notícia, designadamente junto dos seus Colegas de trabalho, de que ele cometeu qualquer infração disciplinar e de que a sua presença na empresa “se mostra inconveniente para a averiguação de tais factos”.
*
e) A Administração da requerida foi abordada por alguns dos destinatários do e-mail que lhe manifestaram a sua perplexidade e reprovação pelo facto de terem recebido tal email que, na verdade, se lhes revelava incompreensível e censurável e que qualificaram como ofensa à autoridade dos administradores, uma devassa de assunto interno da empresa, um fator de perturbação do bom ambiente de trabalho e até o uso não autorizado dos seus contactos de endereço eletrónico numa comunicação coletiva, a que eram alheios.
f) O facto de o Requerente ter sido dispensado da prestação de serviço desde 18 de maio não resultou de a Requerida se ter recusado a proceder à sua reintegração efetiva nos termos a que foi condenada no Processo n.º 1402/20...., mas antes porque não dispunha de meios adequados e dignos para realizar essa reintegração efetiva após ter operado a extinção do seu posto de trabalho.
g) O envio do e-mail pelo requerente provocou por algum tempo perturbação no normal funcionamento da empresa, com prejuízos para a Requerida.

B )  NULIDADE DA SENTENÇA

Invoca a recorrente a nulidade da sentença porque, supostamente, o ponto provado nº 39 estará em contradição com a sua motivação. O juiz terá referido prova que não versou sobre esta matéria, a saber o“… depoimento e declarações de parte do legal representante da requerida, NN, e no depoimento de DD, Director Executivo (CEO) da requerida”, os quais, na verdade, não se teriam pronunciado sobre o ponto 39.
Segundo o artigo 615º, 1, do CPC, é nula a sentença quando:……Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Consta do facto provado nº 39 referindo-se ao trabalhador/requerente:
Ficou e mantém-se muito apreensivo e com medo dos efeitos nefastos para o seu futuro profissional, para a sua imagem e para o seu bom nome, que podem advir da sua ausência prolongada na Requerida.

Consta a seguinte motivação na parte que ora releva:
“Os factos elencados de 32) a 36), 38) a 39) foram assentes com base no depoimento da testemunha AA, pai do requerente, que revelou conhecimento directo, atenta a relação em causa, assim como das testemunhas BB e OO, amigos do requerente e confidentes do mesmo, que descreverem o estado em que o mesmo se encontrou e encontra, quer a nível pessoal, quer ao nível profissional, com medo dos danos no seu futuro profissional.
Os factos elencados em 37), 40 a 43), 45) e 46) e 47) foram aceites pela requerida.
Os factos elencados em 44), e 48) foram confessados, em depoimento de parte, pelo legal representante da requerida.
O facto elencado em 39) foi dado como indiciariamente provado, com base no depoimento e declarações de parte do legal representante da requerida, NN, e no depoimento de DD, Director Executivo (CEO) da requerida.
Os factos referidos em 50) e 53) encontram-se provados por documentos, aceites pelo requerente, reconhecendo este que a administração da requerida se sentiu afrontada, independentemente de não concordar com tal posição.”

Ora com a brevidade que a questão envolve, logo decorre da sequência e encadeamento da motivação, que a referência que se faz, novamente e pela segunda vez, ao ponto nº 39 se trata de lapso manifesto, querendo dizer-se 49º e não 39º. Trata-se de um simples erro de escrita revelado no próprio contexto da declaração sem consequência de maior que não seja a sua interpretação/rectificação em conformidade - 249º CC e 614º, CPC.
Ainda que assim não fosse, tendo a recorrente invocado que a prova mencionada não sustenta aquele facto, não estaríamos já no campo da nulidade da decisão por contradição ou obscuridade, mas sim no campo de recurso sobre a matéria de facto. Isto porque, supostamente, o facto provado não teria alicerce na prova.
Improcede a arguição.

C- RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

O tribunal superior deve alterar a materialidade que sustenta o Direito caso os factos considerados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diferente – art. 662º do CPC.
O verbo “impor” distingue-se doutros, como os verbos “admitir” ou “aceitar”. A utilização de tal vocábulo aponta para um especial grau de exigência imposto à segunda instância, a qual deve apenas modificar a matéria fáctica caso se evidencie uma valoração que seja inequivocamente errada. É, assim, preciso que na segunda instância se detecte um inquestionável mal julgado. E que não haja qualquer dúvida que a resposta deveria ser indubitavelmente diferente.

Pretende a recorrente que se dê como provado factos atinentes à quebra da relação de confiança que existia entre as partes, a saber os pontos 21 a 23 da oposição que são os seguintes:

“ 21.º Porém, o Requerente, dominado pela sua soberba, arrogância e exacerbado ego, não se ficou por aí e, no mesmo dia 5 de maio, apenas 4 horas depois, não foi capaz de suster a sua vaidade, proclamando a um vasto e diversificado universo de destinatários a sua vã vitória, afrontando obviamente o Conselho de Administração da Requerida e gerando um clima de repulsa e agitação interna no seio da empresa, assim quebrando o já fragilizado elo de confiança, que constitui a matriz de uma relação jurídico-laboral.
22.º Valor este, no caso em concreto, particularmente intenso e exigente porque exigido pelas especiais funções desempenhadas pelo Requerente, pomposamente elencadas ao longo dos artigos 11º a 16º da PI e descritas como provadas nos pontos 16º a 19º do Acórdão do TR de Guimarães.
23.º Que o vinham colocando, desde a data da sua admissão, em posto laboral associado ao núcleo duro da administração, com inerente acesso a informação particularmente sensível e reservada”.
A matéria é essencialmente conclusiva ( e o ponto 23 já consta dos factos provados sob o item 49), além de eivada de adjectivos (“soberba, arrogância e exacerbado ego”, só para citar alguns).
Depois, a matéria encerra, em si mesma, a resposta a uma das questões centrais do processo disciplinar, que é a de saber se foi quebrada a relação de confiança entre as partes. Trata-se de matéria conclusiva sobre um tema essencial de prova. As ilações que a recorrente pretende aditar terão de se extrair de factos que tenham sido alegados e provados. A quebra da relação de confiança é um juízo de valor extraído de factos.
Nem todas as alegações que as partes produzem nos articulados devem ser levadas à matéria provada ou não provada. Tal só deve acontecer se: (i) a matéria se reportar a factos e (ii) se os mesmos adquirirem relevância face às várias soluções plausíveis de direito.
Factos são eventos da vida real (ainda que de natureza psicológica) e não ilações, conclusões, juízos de valor, argumentação, etc…
A sentença é uma peça com separação entre a parte de facto e a de direito. Na fundamentação de facto, apenas devem constar os factos provados e não provados. O CPC contém vários normativos apontando para a necessidade desta distinção, mormente no momento da sentença - artigo 607º, nº 4, CPC.
Donde, a matéria que a recorrente refere deve ser ignorada por encerrar, em si mesma, resposta a uma questão essencial de direito que constitui precisamente parte do objecto do litígio. Se é aceitável certa condescendência no uso de certas expressões com conteúdo simultaneamente fáctico e conclusivo, caso estas não integrem a principal questão controvertida, a mesma postura não é admissível quando tais expressões constituam a questão central a decidir.
Aliás, a lei processual anterior (646º, 4, CPC/1961) previa que a matéria de direito, incorrectamente inserida, fosse considerada não escrita, o que também se estendia às expressões vagas/conclusivas respeitantes ao tema essencial a decidir, conforme entendimento jurisprudencial na altura firmado[2]. A lei processual actual (CPC/2013), ao contrário da anterior, não contém idêntica previsão. Contudo, têm-se continuado a entender que, estando em causa este tipo de matéria (conclusiva, irrelevante ou de direito), o tribunal a ela não deverá responder. Portanto, mantêm-se a anterior solução da lei e o entendimento jurisprudencial que estendia analogicamente a solução a este tipo de expressões genéricas como as que estão em causa[3].
É de indeferir a reclamação.

Factos não provados mencionados na decisão que a recorrente pretende que fiquem a contar como provados:

Ponto “e) A Administração da requerida foi abordada por alguns dos destinatários do e-mail que lhe manifestaram a sua perplexidade e reprovação pelo facto de terem recebido tal email que, na verdade, se lhes revelava incompreensível e censurável e que qualificaram como ofensa à autoridade dos administradores, uma devassa de assunto interno da empresa, um fator de perturbação do bom ambiente de trabalho e até o uso não autorizado dos seus contactos de endereço eletrónico numa comunicação coletiva, a que eram alheios.
Invoca como meios de prova que impõem decisão diferente o “… Processo Disciplinar junto aos autos: já que do mesmo constam várias testemunhas ouvidas em sede disciplinar que referiram ter manifestado a sua perplexidade e reprovação com a receção do email em crise…” e as testemunhas ouvidas em julgamento DD e II.
Quanto ao processo disciplinar, este vale apenas com prova documental, a qual foi impugnada pelo trabalhador, não tendo o condão de impor decisão diferente. Os depoimentos ali prestados não são prova testemunhal, a qual apenas tem esse valor quando prestada perante o juiz em audiência de julgamento ou em acto judicialmente previsto (vg declaração para memória futura).
Quanto aos depoimentos citados e ouvidos em audiência de julgamento, e na matéria que releva, dos mesmos apenas resulta com segurança a matéria que já está provada sob os pontos 51, 52, 53 e 56. Ou seja, que o e-mail do qual a administração não foi destinatária, foi reenviado a esta por um dos recetadores próximos da Administração, que ficou com isso surpreendida e/ou desagradada. E que o teor do email foi considerado pela Administração como uma devassa interna e externa de um processo judicial que vinha sendo por esta tratado com reserva (ponto 56). Não resulta, assim, dos depoimentos que os destinatários do e-mail o tivessem encarado de modo tão extremamente censurável, nem que tal tivessem transmitido à Administração nos moldes que constam do ponto não provado, que assim se deve manter.
Ponto não provados  f) :”O facto de o Requerente ter sido dispensado da prestação de serviço desde 18 de maio não resultou de a Requerida se ter recusado a proceder à sua reintegração efetiva nos termos a que foi condenada no Processo n.º 1402/20...., mas antes porque não dispunha de meios adequados e dignos para realizar essa reintegração efetiva após ter operado a extinção do seu posto de trabalho.”
Invoca como meio de prova que impõe decisão diferente a carta elencada em 26) dos factos provados referente à comunicação enviada pela recorrente ao recorrido ( doc.... da oposição) que refere expressamente o seguinte: “(…) c) tendo sido extinto o seu posto de trabalho pelos fundamentos que o Tribunal julgou legítimos e não havendo de momento qualquer outro posto de trabalho disponível e equiparável na S... - SOCIEDADE DE GÁS onde possa desempenhar as funções especificas que motivaram a sua contratação, fica dispensado da prestação efetiva de trabalho sem perda de remuneração, com efeitos a 27 de abril, até nova comunicação da S... - SOCIEDADE DE GÁS”, acrescido do depoimento do legal representante da requerida em julgamento.
A matéria em causa sofre do vício acima assinalado. Contém matéria essencialmente conclusiva, não acompanhada de factos demonstrativos da afirmação produzida.
Sempre se diga que no ponto 26 apenas ficou provado que a recorrente enviou ao recorrido a carta em que o dispensou de prestar trabalho a partir de 27.04.22 e até nova comunicação, não tendo o documento o condão de provar o que motivou tal dispensa de serviço. O depoimento do legal representante da ré provém de alguém que não é objetivamente desinteressado na causa, motivo pelo qual a sua avaliação deve ser cautelosa e corroborada por meios de prova mais neutros, que não são sequer indicados. Ademais, do próprio depoimento decorre todo um mal- estar já anterior originado no processo -e litigiosidade- que antecedeu o presente.
Ponto não provado g): “ O envio do e-mail pelo requerente provocou por algum tempo perturbação no normal funcionamento da empresa, com prejuízos para a Requerida”.
Trata-se mais uma vez de matéria conclusiva.
De que tipo de perturbação concreta se trata? (comentários, outros?). Que prejuízos foram esses? (patrimoniais? quais? outros? quais?)
Trata-se de matéria que contende com o tema essencial a decidir (justa causa de despedimento) e não com um aspecto marginal, pelo que, nos termos acima assinalados, a exigência de alegação de factos se impõe.
Improcede a impugnação.

D) ENQUADRAMENTO JURÍDICO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente[4].
É esta a questão que subsiste: a probabilidade de inexistência de justa causa para despedir (39º, 1, b), CPT).
A recorrente sustenta que o tribunal a quo não decidiu bem de Direito porque o quadro factual aponta para a perda total de confiança por parte da administração da recorrente, sendo violado o dever de lealdade, atentas as funções concretas do autor com reporte directo à administração, verificando-se, ainda, violação do dever de obediência contra a ordem da recorrente que o dispensou da prestação efectiva de trabalho até nova comunicação da ré - 128º, 1, e), f), CT
A impugnação da matéria de facto não procedeu. Resta ajuizar da justa causa com o mesmo quadro factual com que a primeira instância lidou.

Na sentença consta o seguinte:
“…é imputada ao requerente a violação dos deveres obrigações, que lhe são legalmente impostas previstos no artigo 126.º n.º 1 e alíneas a), e) f), do artigo 128.º do Código do Trabalho, o qual dispõe:
1 - Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve:
a) Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade;
(…)
e) Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias;
f) Guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios;
(…)
2 - O dever de obediência respeita tanto a ordens ou instruções do empregador como de superior hierárquico do trabalhador, dentro dos poderes que por aquele lhe forem atribuídos.
…..
O único facto nuclear imputado ao requerente é o de que, no dia 05 de maio de 2022, às 15h22, colocando em assunto “Reintegração - S...”, enviou, por e-mail, a Colegas seus, que tinham continuado a prestar trabalho na Requerida e noutras empresas do Grupo, dizendo textualmente apenas o seguinte: “Caros Colegas, É com enorme satisfação que vos comunico que estou de regresso à S... - SOCIEDADE DE GÁS, tal como o esperado o Tribunal ordenou a minha reintegração na empresa. Estou, como sempre, disponível para trabalhar e apoiar, dentro das minhas funções, o que julgarem necessário. Com os melhores cumprimentos. AA”.
Entre as pessoas selecionadas pelo Requerente para destinatárias de tal email, apenas algumas delas eram de facto trabalhadores e colaboradores da Requerida, mas outras eram trabalhadores e colaboradores de outas empresas societárias do Grupo ..., não vinculadas à Requerida, e ainda a terceiros, não vinculados nem associados a qualquer delas.
Os Administradores da Requerida não foram incluídos nos destinatários desse mesmo email e foram posteriormente surpreendidos com a sua existência, do qual apenas tomaram conhecimento quando lhes foi reencaminhado por um dos recetores próximo da Administração.
Na verdade, lido o e-mail em causa, reconhece-se que o mesmo pode ter causado perplexidade nos destinatários, a maioria dos quais desconhecendo todo o contencioso existente entre as partes, desconhecendo as razões de uma “reintegração na empresa”, mas a verdade é que foi comunicado o sentido de uma decisão judicial, não podendo retirar-se qualquer ilegitimidade na divulgação da informação, até para defesa do requerente quanto à possibilidade de existirem pessoas na organização e fora delas que tivessem estranhado a ausência do mesmo.
Também não deixa de ser relevante referir que o requerente, não estando a exercer as suas funções, desconhecia se a sua situação tinha sido comunicada no interior da empresa e no seu exterior, pelo que se deve ler o envio do e-mail em causa como a tentativa por parte do requerente de eventualmente “lavar” a sua imagem, a qual poderia estar em causa com a extinção do seu contrato de trabalho da forma como o foi.
Não se vê que o e-mail tenha fornecido qualquer informação sigilosa ou mesmo que tivesse provocado danos directos na ré, os quais em concreto não foram alegados.
Reconhece-se que a surpresa do envio do e-mail possa ter levado a juízos especulativos por parte dos destinatários e alguma “desorganização dentro da organização”, devendo o requerente ter dado conhecimento prévio à Administração de que o iria fazer.
Não só não o fez assim como ocultou o seu envio da administração da requerida, o que também foi notado pelos destinatários e comentado.
Parece-nos de forma perfunctória que, efectivamente, o requerente, nos termos em que procedeu, violou o dever de agir de boa fé na execução do contrato de trabalho e o dever de lealdade a que se referem os art.ºs 126.º e 128.º, n.º 1, al. f) do Código do Trabalho, não nos parecendo ter violado o disposto nas alíneas a) e e), tal como imputado pela requerida no processo e decisão disciplinar.
E tal é mais grave quanto, atentas as funções concretas do requerente, existe a necessidade de estabelecimento de uma relação de confiança forte, até porque tinha reporte directo com a administração da mesma.
A violação do dever de lealdade constitui uma das infrações com maior gravidade que pode ocorrer no âmbito de uma relação, qualquer que esta seja, mormente numa relação laboral.
Contudo, como se decidiu no Acórdão do STJ de 8.01.2013, Relator: Conselheiro Fernandes da Silva, in www.dgsi.pt, no âmbito dos sector bancário, aqui equiparável pelas funções exercidas pelo requerente:
“I – A posição jurídica do empregador confere-lhe, enquanto titular da empresa, um conjunto de poderes, incluído o disciplinar, que se manifesta na possibilidade de aplicação de sanções internas aos trabalhadores, seus subordinados, cuja conduta se revele desconforme com as ordens, instruções e regras de funcionamento da estrutura produtiva, surgindo o despedimento sem indemnização ou compensação, no elenco gradativo das previstas sanções disciplinares, como a “ultima ratio”, reservada às situações de crise irreparável da relação jurídica de trabalho. II – O princípio da proporcionalidade, convocado aquando da selecção da sanção disciplinar tida por adequada, orienta e informa o empregador, enquanto decisor, da necessidade de observar, no momento próprio, a regra segundo a qual a sanção por que se opte deve corresponder, em termos de proporcional severidade, à gravidade da conduta infraccional, avaliada em si e nas suas consequências, e ao grau de culpa do infractor, ambas aferíveis pelo padrão convencional do homem médio/“bonus paterfamilias” e reportadas ao quadro atendível na apreciação da justa causa prefigurado no n.º 3 do art. 351.º do CT/2009…..”
….No caso concreto, o definido comportamento do requerente, com um grau moderado de censurabilidade e culpa, por si só, não assume características que permitam afirmar a perda de confiança da requerida no futuro desempenho das funções do requerente, ou de outras[5], na organização da requerida, nem revela, de modo irreversível, uma conduta que se pudesse perpetuar, afigurando-se que a sensibilização do requerente para as falhas verificadas no envio do e-mail em causa (e o eventual esclarecimento junto dos destinatários do mesmo sobre a situação gerada), com a aplicação de uma sanção disciplinar de natureza conservatória, seria razoável, adequada e proporcionada ao comportamento por ele praticado e nos autos demonstrado.
Perante o circunstancialismo de facto demonstrado nos autos, entendemos que a gravidade do comportamento praticado pelo requerente não é de molde a criar na requerida fundadas dúvidas sobre a idoneidade futura da conduta daquele e, assim, a quebrar irremediavelmente a relação de confiança que a natureza da concreta relação de trabalho em causa pressupõe.
Ou seja: os fins da punição disciplinar, nos termos legalmente estabelecidos na gradação efectuada no Código do Trabalho e o sancionamento dos comportamentos concretos realizados pelo requerente, bastar-se-iam com a aplicação de uma sanção conservatória do contrato de trabalho.
…..Na decorrência do princípio do Estado de direito democrático ou, de todo o modo, conexionado com os direitos fundamentais, é de todos bem conhecido o princípio da proibição do excesso ou princípio da proporcionalidade em sentido amplo que constitui, na realidade, um princípio de controlo a respeito da medida tomada – seja pela autoridade pública, seja, no que ora importa, pela entidade empregadora no exercício do poder disciplinar (Artº 98º CT2009) - no sentido de saber da sua conformidade aos subprincípios da “necessidade”, da “adequação”, da “proporcionalidade em sentido restrito”, dizer também saber da adequação do meio à prossecução do escopo por ela visado.
Mais especificamente, pelo princípio da proporcionalidade em sentido restrito ou princípio da “justa medida” cuida-se saber e avaliar, mediante um juízo de ponderação, se o meio utilizado é ou não proporcionado em relação ao fim. Ou dizer, saber se, no sopeso entre as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim ou fins, ocorre um equilíbrio ou, ao invés, são “desmedidas” (excessivas) as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim ou fins. ([3])…..».”
No caso concreto, entendemos que a sanção de despedimento se mostra desproporcionada, admitindo-se que pudesse ser aplicada qualquer uma das seguintes sanções disciplinares previstas no art.º 328.º do Código do Trabalho: sanção pecuniária; perda de dias de férias ou até a suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade.
Deste modo, tem de se concluir que existe a probabilidade séria de inexistência de justa causa de despedimento que permita afirmar a licitude da aplicação ao requerente da sanção disciplinar de despedimento por causa imputável ao mesmo.”

Em suma, o tribunal a quo, reconhecendo que o trabalhador ao enviar o referido e-mail cometeu uma falta disciplinar, violando o dever de boa-fé e de lealdade, entendeu, contudo, que a sanção era desproporcionada.

Apreciação na segunda instância:
Concordamos com conclusão final, pelas razões que passamos a referir e se reconduzem ao excesso empregue na aplicação da sanção maior de despedimento.
Preliminarmente, anota-se que cabe ao trabalhador provar a probabilidade de inexistência de justa causa. Trata-se, contudo, de um juízo de mera aparência ou verosimilhança sobre a ilicitude do despedimento.
Refira-se que as infracções disciplinares podem assumir diferente gravidade e somente as mais graves alicerçam a aplicação da sanção máxima.
A lei (351º CT) utiliza um conceito indeterminado de “justa causa” que serve de critério geral, sendo o motivo atendível aferido casuisticamente. Assim, nem o elenco das causas de incumprimento é taxativo, nem é automático. Podem ocorrer outras hipóteses subsumíveis na “justa causa” e podem verificar-se as descritas na lei sem que se subsumam na gravidade do conceito.
A exemplificação legal tem a vantagem de servir como auxiliar de interpretação e aponta hipóteses que teoricamente podem ser graves e que servirão de “farol” para outros casos.
A noção nuclear assenta: (i) num comportamento culposo, por dolo ou mera negligência, violador de deveres, grave por si ou pelas suas consequências (elemento subjectivo); (ii) na impossibilidade de o empregador manter a relação laboral (elemento objectivo); (iii) em decorrência da gravidade da falta cometida (causalidade).
 A fórmula geral é exigente, precisamente para sublinhar que só casos extremos justificam o despedimento, em nome do principio constitucional de proibição de despedimentos arbitrários e da segurança no emprego (53º CRP).
Com base no principio da proporcionalidade haverá que ponderar o binómio de interesses antagónicos em causa - 330ºCT (“Critério de decisão e aplicação de decisão disciplinar) 1- A sanção disciplinar deve se proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator….”.
Na avaliação do grau de culpa é utilizado o padrão objectivo que uma pessoa diligente normalmente empregaria no caso concreto  (artigo 487º((culpa), nº2. “A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.
Como refere Pedro Romano Martinez[6]Perante o comportamento culposo do trabalhador impõe-se uma ponderação de interesses; é necessário que, objetivamente, não seja razoável exigir do empregador a subsistência da relação contratual. Em particular, estará em causa a quebra da relação de confiança motivada pelo comportamento culposo”.
Centrando-nos no requisito de “impossibilidade de subsistência da relação de trabalho”, este tem sido identificado com a inexigibilidade e a perda irremediável da confiança na viabilidade futura da relação, inerente à natureza pessoal do contrato de trabalho[7].
Opera quando, face às circunstâncias do caso, não é possível ao empregador elaborar uma prognose favorável, há uma “perda psicológica“ da confiança sobre o modo como se pautará no futuro o trabalhador.
O conceito de lealdade é também, ele próprio, um conceito “elástico” de grande amplitude.
O dever geral de lealdade é uma decorrência do principio da boa-fé na execução dos contratos, com campo de aplicação por excelência no domínio das relações duradouras, como as laborais. Identifica-se com a prevenção de comportamentos, por acção ou omissão, suscetíveis de destruírem ou danificaram o interesse da outra parte.
São múltiplas as situações que cabem no conceito, sendo o dever mais acentuados nos chamados cargos de “topo”. O dever de lealdade está fortemente ligado ao valor de confiança nas relações entre as partes. É tradicionalmente associado no domínio laboral a comportamento desonestos, como furtos ou falsificações.

António Monteiro Fernandes[8], a propósito do princípio da confiança refere:
É necessário -quanto a este aspecto do dever de lealdade- que a conduta do trabalhador não seja, em si mesma, susceptível de destruir ou abalar tal confiança, isto é, capaz de criar no espírito do empregador a duvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele.”
Mais refere” …a diminuição da confiança não está dependente da verificação de prejuízos nem- salvo no tocante à medida ou grau- da existência de culpa grave do trabalhador. Com efeito, se é certo que o animus revelado no comportamento em causa determina, ou pode determinar, um menor ou maior abalo às expectativas de segurança do empregador, é também verdade que da simples materialidade desse comportamento, aliado a um grau moderado de culpa, pode, em certos contextos (funções requerendo a “máxima confiança”, como as de caixa de um banco, assistente de administração, diretor-geral ou diretor) decorrer, razoavelmente, uma diminuição dessa expectativa, com possível repercussão na viabilidade futura da relação de trabalho”.- negrito nosso.
Assim, quer na doutrina, quer na jurisprudência têm sido reconhecidos como de “ruptura irreversível” casos de quebra  da confiança em que a gravidade de comportamentos, em si mesmo, encerra a violação do dever de lealdade, ainda que o prejuízo patrimonial seja reduzido ou inexistente[9].
No caso concreto o comportamento do trabalhador consistiu, em síntese, no envio de um e-mail a colegas (que continuavam na requerida ou em empresa do Grupo) e terceiros em que, sob o assunto “reintegração”, comunicava que estava de regresso à ré, porque, tal como esperado, o tribunal ordenou a sua reintegração, estando disponível para trabalhar - ponto 30.
(“30 No dia 05 de maio de 2022, às 15h22, o Requerente, colocando em assunto “Reintegração - S...”, enviou, por e-mail, a Colegas seus, que tinham continuado a prestar trabalho na Requerida e noutras empresas do Grupo, dizendo textualmente apenas o seguinte: ”Caros Colegas, É com enorme satisfação que vos comunico que estou de regresso à S... - SOCIEDADE DE GÁS, tal como o esperado o Tribunal ordenou a minha reintegração na empresa. Estou, como sempre, disponível para trabalhar e apoiar, dentro das minhas funções, o que julgarem necessário. Com os melhores cumprimentos. AA”.
Os administradores da requerida não foram incluídos como destinatários do referido e-mail, tendo sido posteriormente surpreendidos, tendo aqueles considerada tal comunicação como uma devassa interna e externa de um processo judicial que vinha sendo tratado com reserva pela Administração - pontos 51, 52, 53, 56.
Mas, o teor do e-mail, em si mesmo, objectivamente, nem é falso (foi efetivamente ordenada a reintegração), nem é injurioso ou desprimoroso para a requerida. O acto, na sua pureza, não fere deveres contratuais.
A questão prende-se mais com a forma como o requerente agiu. Enviando a comunicação para um leque alargado de destinatários e sem incluir a requerida, a qual apenas tomou conhecimento do facto quando lhe foi reencaminhado o dito e-mail. A actuação do trabalhador, neste aspecto, fere regras de trato (podendo ser entendida como uma desconsideração) e de boa fé na execução do contrato, atento também o cargo de topo que exercia e a proximidade com a Administração (128º, 1, a), f), CT).
Contudo, a atitude do autor insere-se numa cadeia crescente de acontecimentos litigiosos, a que tem de se atender e nos quais a requerida também é interveniente.
Não se pode esquecer que a requerida, anteriormente, tinha despedido o autor com invocação de extinção de posto de trabalho (em 15-06-20, ponto 20), que na sequência de acção intentada pelo requerente o tribunal ordenou a sua reintegração (ac.s datados de 3-03-22 e de 21-04-22[10]), que tal decisão nunca foi cumprida sendo o trabalhador mantido inactivo e afastado dos demais trabalhadores (ponto 31) com todo o negativo que isso acarreta, que o requerente antes enviou à requerida diversas comunicações a solicitar a retoma de funções (4-3-22, 22-04-22, 2-05-22, pontos 22 a 25), somente obtendo resposta por carta recebida em 5-5-22 e onde lhe era comunicado que estava dispensado da prestação efetiva de trabalho até nova comunicação.
Tudo para dizer que a actuação do requerente não se enquadra nos típicos comportamentos desonestos e/ou violadores de regras e procedimentos internos das empresas motivados em desleixo e/ou na prossecução de interesses ilegítimos pessoais, que comummente aparecem nos tribunais.
A sua actuação não é gratuita, tem antes um contexto no qual a requerida também foi actora. A atitude do requerente, face ao seu afastamento prolongado da empresa, parece inserir-se numa tentativa de reabilitação da sua imagem (e, quiçá, de pressão sobre a requerida com vista à sua reintegração na empresa). O grau de culpa, que também conta, não atinge grau suficiente, nem o animus é de tal modo censurável, nem a actuação da contraparte empregadora é isenta de contribuição, julgando-se, consequentemente, desproporcionada a aplicação de despedimento quando a empregador dispunha de outras sanções conservatórias melhor adequadas ao circunstancialismo do caso.
Uma palavra final para dizer que não se vê que o dever de obediência (128, 1, e), CT) seja chamado ao caso. O requerente, no e-mail afirma-se disponível para desempenhar funções.  Não se apresentou no posto de trabalho, isso sim, em abstracto, comportamento contrário à determinação da empregadora de dispensa de prestação efectiva de trabalho.
Está assim demonstrada a probabilidade séria da inexistência de justa causa de despedimento.
É de confirmar a decisão recorrida.
I.I.I. DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida - 87º, CPT e 663, CPC
Custas a cargo da recorrente.
Notifique.
*
16-03-2023

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Francisco Sousa Martins
Antero Dinis Ramos Veiga


[1] Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC.
[2] Ac. STJ de 29-04-2015, p. 306/12.6TTCVL.C1.S1, in www.dgsi.pt.
[3] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, 2~V., 4º ed., p. 707.
[4] Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC.
[5] Acórdão da Relação do Porto de 23.03.2015, Relatora: Desembargadora Maria José Costa Pinto, in www.dgsi.pt:
“À procedência do procedimento cautelar de suspensão de despedimento basta a verificação dos requisitos previstos no art. 39º, nº 1 do CPT, não constituindo seu pressuposto o "periculum in mora", nem constituindo hipótese de recusa da providência o facto de o prejuízo decorrente para o empregador do decretamento da providência exceder os danos que com ela a recorrida pretende evitar.”
[6] Direito do Trabalho, Almedina, 9º ed., p. 1006.
[7] Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 4º ed., p. 820
[8] Direito do Trabalho, Almedina, 19º ed., p. 348-9.
[9] Maria do Rosário  Palma Ramalho, ob cit., p. 819, e na jurisprudência, entre tantos, ao nível do STJ, os acórdãos de 17-10-2001, 28-10-2020, 6-11-2019, 22-02-2017, dois ac.s de 23-11-2011, R. Pinto Hespanhol e R. Fernandes Cadilhe
[10] Este último a decidir a arguição de nulidades.