MANDATO
MANDATO JUDICIAL
CADUCIDADE DO MANDATO
Sumário

I – O mandato judicial, embora outorgado por causa ou em vista da lide, é um contrato exterior à mesma, dependendo a sua eficácia da aceitação de serviços por parte do mandatário em relação ao mandante.
II – Como se prevê no art. 1174º al. a) do C. Civil, o mandato caduca por morte do mandante; ao falecimento da pessoa singular é equiparada a extinção da sociedade ou pessoa colectiva.
III – Decorrendo da extinção da sociedade a caducidade do mandato, mas que tal caducidade, por via do disposto na 2ª parte do nº 2 do art. 1175º, só opera quando dela não possam resultar prejuízos para o mandante ou seus herdeiros, deverá ser por referência ao momento temporal em que ocorre tal extinção que haverá que verificar se ocorrem aqueles prejuízos.
IV – Da economia daquele nº 2 do art. 1175º resulta que a caducidade só não opera quando dela podem resultar no imediato ou muito proximamente prejuízos para o mandante ou seus herdeiros, nomeadamente por não se poder em tempo útil renovar o mandato ou constituir novo mandatário.

Texto Integral

Processo nº 20470/20.0T8PRT.P1
(Comarca do Porto – Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia – Juiz 1)

Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Joaquim Moura
2º Adjunto: Ana Paula Amorim



Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório

“A..., SA” propôs acção declarativa comum contra AA, pedindo a condenação deste a pagar-lhe, a título de indemnização, o montante de €69.464,22, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.
Alegou para tal que entre o réu, enquanto advogado, e a empresa “B..., SA” foi celebrado um contrato de mandato, no âmbito do qual o réu interpôs impugnação judicial junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga relativa a liquidações adicionais de Sisa e Imposto de Selo no montante global de €138,928,44; que a posição da B... passou para a sua titularidade, da qual passou a deter os direitos e obrigações, designadamente os relativos àquelas liquidações adicionais de Sisa e Imposto de Selo; que já depois de ter integrado a posição jurídica da B... procurou obter informações junto do R. sobre o estado da impugnação judicial interposta, tendo sido em Novembro de 2016 informada por este de que aguardava a prolação da sentença; que em sede daquela acção de impugnação judicial foi proferida decisão em 3/12/2018 que julgou improcedente tal impugnação, da qual não foi atempadamente informada pelo réu e da qual este não interpôs recurso, considerando-se prejudicada por tais omissões; que o seu prejuízo pela perda de chance em ter visto julgado o recurso que quereria ter interposto deve ser aferido pelo valor das liquidações em apreço e que, com recurso à equidade (nos termos do art. 566º nº3 do C. Civil), deve ser-lhe arbitrada uma indemnização no valor de €69.464,22, equivalente a metade do valor que, em abstracto, poderia ter obtido ou não teria que ter pago.
O réu deduziu contestação, invocando não ser nem ter sido em momento algum mandatário da autora, não tendo celebrado com ela qualquer contrato de prestação de serviços, ou que lhe tenha sido comunicada uma qualquer passagem da posição jurídica da B... para a autora, muito menos envolvendo a posição contratual no contrato de mandato consigo celebrado, defendendo assim a ilegitimidade substantiva da A. para a presente acção. Alegou depois a sua ilegitimidade passiva para a acção, pois subscreveu um seguro de responsabilidade profissional com a seguradora C... Company SE, Sucursal em Espanha, cuja apólice identifica, e a pretensão indemnizatória da autora está dentro do limite do capital seguro (150.000 euros). Além disso, impugnou os factos alegados pela autora no sentido da sua responsabilização, dando conta que a B... foi dissolvida e liquidada, sendo cancelada a sua matrícula, e portanto extinta, em 18/1/2016. Reafirmou que com a autora inexistia qualquer relação contratual, nomeadamente de mandato, de que pudesse emergir um qualquer direito à informação e, muito menos, um qualquer direito de definir que impulsos ou posições processuais deveria optar. Terminou a deduzir a intervenção principal provocada da seguradora C... Company SE, Sucursal em Espanha, para fazer valer o contrato de seguro que referiu e a inerente transferência da sua eventual responsabilidade.
A autora nada opôs ao pedido de intervenção provocada da seguradora e, notificada para o efeito, veio responder às excepções invocadas pelo R., pugnando pela improcedência da excepção da sua ilegitimidade substantiva (defendeu que é sucessora da posição jurídica da B... na acção de impugnação judicial referida por via do disposto nos arts. 163º e 164º do Código das Sociedades Comerciais).
Deferido a intervenção da seguradora, veio esta, ao abrigo do disposto no art. 319º nº3 do CPC, apresentar articulado de defesa, nele pugnando pela improcedência da acção e nele invocando, designadamente, que o contrato de mandato entre o réu e a B... caducou com a dissolução e liquidação desta.
A autora, notificada para tal, apresentou resposta, alegando que as sociedades extintas se consideram substituídas pelos sócios nos termos dos arts. 162º, 163º e 164º do CSC e defendendo a responsabilização do réu.
As partes, auscultadas para o efeito, prescindiram da realização da audiência prévia.
De seguida, foi proferido despacho saneador-sentença, no qual, concluindo-se pela ilegitimidade substantiva da autora em demandar [por “ausência da qualidade de parte na relação contratual que suporta a titularidade do direito e não apenas da relação controvertida(…), o que, em consequência, inviabiliza o mérito da acção”], se julgou improcedente a acção e se absolveu o réu e a chamada do pedido.
De tal sentença veio a autora interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

A. O ponto que determina a improcedência da acção tem a ver com a ilegitimidade da Demandante, a qual resultaria do seguinte:
i) por força da dissolução da B... – entidade por quem fora outorgada a procuração forense ao R. – extinguira-se, por caducidade, o mandato, razão pela qual a A. não seria credora de quaisquer obrigações à luz do contrato de mandato caducado;
ii) por outro lado, a A. não teria alegado, ainda que verbalmente, outros serviços ao R., no sentido de ter acordado com ele que persistiria a sua representação em nome da A., à luz do seu interesse na acção.

B. Como se retira dos articulados da A., no que ora releva, a factualidade invocada foi a seguinte:
i) a A. informou o R. da sua qualidade de sucessora da B..., que assim ficou inteirado dessa situação, não tendo solicitado à A. uma nova procuração, a qual não foi considerada ser necessário outorgar (cfr. arts. 17.º e 22.º da PI e arts. 7.º e 8.º da resposta);
ii) o R. prestou informações à A. acerca do estado do processo, ainda antes da prolação da sentença (cfr. arts. 17.º e 22.º da PI e arts. 7.º e 8.º da resposta às excepções);
iii) notificado da sentença, o R. dela não deu conhecimento à A. – a não ser numa altura em que a sentença já havia transitado em julgado –, não questionou a A. sobre o interesse desta em interpor o recurso, não a informou sobre a (in)viabilidade desse recurso – a não ser quando a sentença já havia transitado em julgado –, não informou a A. sobre a necessidade de constituir novo mandato para que a instância pudesse prosseguir e não interpôs qualquer recurso (cfr. arts. 19.º, 21.º, 41.º, 42.º, 44.º e 45.º da PI e arts. 9.º, 10.º e 11.º da resposta às excepções).

C. É neste contexto fáctico que deve ser apurado se foram ou não violados os deveres contratuais, legais e deontológicos do R., à luz do mandato forense que lhe foi outorgado.

D. Sucedendo a Recorrente à B... na posição jurídica que esta detinha na lide, entendemos, prima facie, que não se extinguiu o mandato outorgado ao R. pela antecessora da A.. Isto é, a A. sucedeu à B... na posição de mandante na relação de mandato em que o R. era o mandatário.

E. Admita-se, no entanto, sem conceder, que assim não é e que a dissolução da B... geraria a caducidade do mandato, ponto de vista que é também razoável ponderar. Ora, é nessa perspectiva que a sentença recorrida procedeu a uma errónea aplicação à situação dos autos das regras legais aplicáveis.

F. É que, mesmo considerando que a dissolução da B... geraria a caducidade do mandato, não se extinguiram as obrigações do mandatário por força do mandato conferido, por duas ordens de razão:
i) por um lado, porque o mandato não caduca se tiverem que ser praticados actos que, se não forem praticados, gerem prejuízos para o sucessor do mandante ou para os seus sucessores (cfr. art. 1175.º, n.º 2, do CC); ou seja, quando for necessário acautelar os interesses do sucessor do mandante, o mandato subsiste post mortem naquilo que for necessário para salvaguardar tais interesses;
ii) por outro lado, porque, mesmo que o mandato tivesse definitivamente caducado, isso não eximiria o mandatário do dever de prestar as informações devidas ao sucessor do mandante (cfr. art. 1161.º, als. b) e c), do CC).

G. Ou seja, o R., mesmo que entendesse que a dissolução da sociedade determinava a extinção do mandato, não poderia ter deixado de adoptar um dos seguintes comportamentos:
i) ter interposto o recurso que a situação justificava, de forma a não causar prejuízos ao sucessor do mandante, nos termos do art. 1175.º, n.º 2, do CC, para salvaguardar o interesse deste na acção, sendo certo que, à luz do regime do CPPT então vigente, nem tinha de apresentar logo as alegações, as quais eram deferidas para momento posterior ao da admissão do recurso (cfr. art. 43.º da PI);
ii) ou, pelo menos, deveria ter informado o sucessor do mandante da sentença proferida, do prazo para, querendo, dela recorrer e do seu interesse (ou falta dele) em continuar o patrocínio, solicitando ainda, caso o entendesse necessário, a emissão de uma nova procuração.

H. Aquilo que o R. não podia fazer foi aquilo que fez. Não participou à A. que a sentença fora proferida, nem que havia um prazo para recorrer, nem que seria necessária a outorga de uma nova procuração, nem que estaria disponível – ou não – para continuar a exercer o patrocínio.

I. Ressalvado o devido respeito, o R. falhou rotundamente as suas obrigações decorrentes dos arts. 1161.º, al. b) e c), e 1175.º, n.º 2, do CC, aplicáveis ao mandato forense que lhe fora conferido.

J. A posição da sentença no sentido de que, extinto o mandato, não sobrariam para o R. quaisquer deveres decorrentes desse mandato é por isso manifestamente errónea. É, de resto, uma questão de bom senso, ditada por um elementar princípio de boa-fé e por um básico dever de diligência, como também se extrai dos excertos das obras supra convocadas de PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA e MENEZES CORDEIRO.

K. Entre as informações devidas, no quadro do mandato forense conferido, obviamente que se impunha o dever de informar o mandante (ou o seu sucessor) da prolação da sentença e da possibilidade de dela interpor recurso (bem como da sua (in)viabilidade).

L. Ademais, e quanto à alegação do R. de que não deu conhecimento da situação por falta de interlocutor, tal referência também não colhe, uma vez que, como foi alegado, o R. já tinha mantido contactos com representantes da A., bem sabendo que ela era a gestora da B... (cfr. arts. 17.º e 22.º da PI e arts. 7.º e 8.º da resposta às excepções). E, da factualidade alegada no art. 17.º da PI, tem de se retirar, como ilação natural, que a A. contava com a informação do R. logo que a sentença fosse prolatada.

M. Aliás, mesmo que assim fosse – e não foi –, a verdade é que o R. sempre deveria ter interposto o recurso – seguindo a orientação jurídica que até então tinha adoptado no processo –, até porque, segundo agora alega nos arts. 26.º e 27.º da sua contestação, nem sequer saberia da dissolução da B..., com a consequente alegada extinção do mandato.

N. Em suma, o R. evidenciou uma grave violação do seu dever de diligência na execução do mandato que lhe foi conferido, postergando os deveres a que estava adstrito, dos quais também é credor a A., como sucessora da B....

O. Não procede por isso a excepção de ilegitimidade substantiva da A., ora Recorrente.

Termos em que o recurso merece provimento, com as legais consequências, julgando-se a A. com legitimidade substantiva para fazer prosseguir esta acção.

A interveniente “C... Company SE, Sucursal em Espanha” apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), são as seguintes as questões a tratar:
a) – apurar se, não obstante a extinção da B... SA, ocorreu a manutenção do mandato judicial celebrado entre ela e o réu, por via de a autora ter sucedido na posição jurídica que a B... tinha na lide;
b) – apurar se, não obstante a extinção da B... SA, não ocorreu a caducidade daquele mandato judicial, face ao regime legal previsto no art. 1175º nº2 do C. Civil e às obrigações do mandatário previstas no art. 1161.º, als. b) e c), do mesmo diploma.

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II – Fundamentação

Em vista da decisão nela proferida (que integra o conhecimento do mérito da causa no despacho saneador), é a seguinte a matéria de facto seleccionada na sentença recorrida:

a) O R. AA, na qualidade de advogado, assinou um requerimento de impugnação judicial dos despachos que negaram provimento ao recurso hierárquico interposto na sequência do indeferimento de reclamação graciosa contra liquidações de Imposto Municipal de Sisa e de Imposto de Selo no âmbito do processo de reclamação graciosa nº..., em representação de B..., S.A., pedindo a anulação dos actos impugnados (doc. nº4 anexo à petição inicial).
b) No âmbito do processo nº416/12.0BEPRT do TAF de Braga, que apreciou e decidiu a impugnação judicial referida em a), foi proferida decisão, em 30.12.2018, que julgou a impugnação judicial deduzida improcedente e manteve as liquidações impugnadas (doc. nº6 anexo à petição inicial).
c) A impugnante B..., S.A., NIPC ..., com sede no edifício ..., em Viana do Castelo, tinha por objecto a construção, promoção, comercialização e gestão de Parques Empresariais do Concelho de Viana do Castelo, encontrando-se a sua dissolução e encerramento da liquidação registada pela inscrição ..., Ap. ..., com subsequente cancelamento de matrícula (certidão permanente anexa como nº3 da contestação do R.).
d) De acta de reunião do Conselho de Administração da autora, datada de 13.03.2019, consta como teor a deliberação sobre uma operação de financiamento junto do Banco 1... para cumprimento da sentença proferida pelo TAF de Braga no âmbito do processo nº416/12.0BEPRT, ali se identificando como ré “a participada B..., S.A.”, referindo-se que a sociedade em questão foi extinta na sequência da execução do PER da A... e o património resultante da liquidação, bem como as obrigações inerentes, foram assumidas pela accionista A..., condenada, “por inerência”, a liquidar o imposto em falta, acrescido de juros de mora e demais encargos, no valor total de 211.528,07 EUR, ali se aprovando uma operação de financiamento para pagamento do referido valor (acta anexa como documento nº1 ao requerimento com a referência nº29150948, de 08.06.2021).

Em vista da segunda questão enunciada, entendemos ainda pertinente dar conta de que pela própria autora foi alegado no artigo 17º da sua petição inicial que “A A., já depois de ter integrado a posição jurídica da B..., procurou obter informações junto do R. sobre o estado de evolução da impugnação judicial interposta, tendo sido, em Novembro de 2016, informada por este de que aguardava a prolação da sentença (…)

Vamos à questão enunciada sob a alínea a).
Esta questão nasce da argumentação vertida pela autora/recorrente sob a alínea D) das conclusões do recurso.
Tendo ocorrido a extinção da sociedade B... em 18/1/2016, pelo registo do encerramento da sua liquidação (art. 160º nº2 do CSC), e aceitando-se que a autora terá assumido a sua posição jurídica na acção de impugnação judicial referida supra por via do regime previsto nos arts. 162º, 163º e 164º do CSC – dos quais decorre que a sociedade extinta se considera substituída pelos sócios, que respondem pelo seu passivo não satisfeito e comungam de bens dela não partilhados e, havendo acções pendentes em que a sociedade seja parte, estas continuam com tais sócios, sem necessidade de suspensão da instância nem da sua habilitação (nº2 do art. 162º) –, daí não decorre que a autora sucedeu à B... na posição de mandante na relação de mandato que existia entre esta e o réu.
Como nos parece claro, tal mandato judicial, embora possa ter sido outorgado por causa ou em vista da lide, é um contrato exterior à mesma e não foi celebrado com a autora, não havendo portanto quanto a esta qualquer aceitação de serviços por parte do réu. Note-se que a necessidade de tal aceitação decorre do respectivo tipo contratual previsto no art. 1157º do C. Civil e está bem patenteada no art. 44º nº3 do CPC, onde se preceitua que dela depende a eficácia do mandato.
Por outro lado, não se vislumbra possível configurar uma qualquer cessão da posição contratual da sociedade B... em tal mandato para a autora, pois além de aquela, uma vez extinta, não a poder accionar, e não constar alegado que o tenho feito em momento anterior à sua extinção, sempre o réu/mandatário teria que consentir na transmissão de tal posição contratual para que a mesma pudesse produzir efeitos (art. 424º nº1 do C. Civil).
Assim, é de concluir pela improcedência da questão recursória em apreço

Passemos agora para a questão enunciada sob a alínea b).
Defende a recorrente que, não obstante a extinção da B... SA, não ocorreu a caducidade daquele mandato judicial.
Argumenta para tal com o disposto na 2ª parte do nº2 do art. 1175º do C. Civil, onde se prevê, quanto ao mandato, que a morte do mandante, que no caso vertente corresponde à extinção daquela sociedade, “só o faz caducar” “quando da caducidade não possam resultar prejuízos para o mandante ou seus herdeiros”, e com a manutenção das obrigações de informação previstas nas alíneas b) e c) do art. 1161.º do C. Civil por parte do mandatário em relação aos herdeiros, considerando para tal, por via da assunção da posição jurídica da B... nos termos supra referidos, que é sucessora desta.
Ainda que se admita poder considerar a recorrente como sucessora da B... (pelos motivos supra referidos), não lhe pode ser reconhecida razão.
Vejamos.
Como se prevê no art. 1174º al. a) do C. Civil, o mandato caduca por morte do mandante.
Ao falecimento da pessoa singular é equiparada a extinção da sociedade ou pessoa colectiva (neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1986, pág. 740).
No caso vertente, a extinção da sociedade que figurava como mandante no contrato de mandato celebrado com o réu ocorreu, como já se disse antes, em 18/1/2016.
Decorrendo da extinção da sociedade a caducidade do mandato, mas que tal caducidade, por via do disposto na 2ª parte do nº2 do art. 1175º, só opera quando dela não possam resultar prejuízos para o mandante ou seus sucessores, deverá ser por referência ao momento temporal em que ocorre tal extinção, 18/1/2016, que haverá que verificar se ocorrem aqueles prejuízos.
Nesta linha, deverá também ser por via do comando daquela 2ª parte do nº2 do art. 1175º que há que interpretar da manutenção, por parte do mandatário, da obrigação de informação prevista nas alíneas b) e c) do art. 1161º do C. Civil, isto é, considerar que, não obstante ocorrer causa de caducidade do mandato em referência (morte do mandante, transmutada no caso em extinção da sociedade), se mantém tal obrigação para com os sucessores do mandante quando, por referência à data em que ocorre a caducidade e por não lhes serem prestadas determinadas informações sobre o mandato, para estes possam resultar prejuízos.
Na verdade, como resulta da economia daquele nº2 do art. 1175º, a caducidade só não opera quando dela podem resultar no imediato ou muito proximamente prejuízos para o mandante ou seus herdeiros, nomeadamente por não se poder em tempo útil renovar o mandato ou constituir novo mandatário.
Como resulta dos autos, quando a extinção da sociedade mandante ocorreu, em 18/1/2016 – data portanto em que se verifica a caducidade do mandato – ainda a acção de impugnação judicial supra referida estava em curso e nela não tinha sido proferida decisão. Tal decisão só veio a ser proferida em 30/12/2018, portanto mais de 2 anos e 11 meses depois.
A autora, como ela própria alega no artigo 17º da sua petição inicial, já depois de saber da extinção da sociedade B... e de integrar a sua posição jurídica naquela impugnação judicial, terá comunicado com o réu ainda em 2016 e terá sido por este informada em Novembro desse mesmo ano de que ainda se aguardava a prolação da sentença.
Ora, desde Novembro de 2106 a 30/12/2018, data de prolação da decisão, medeiam mais de 2 anos, período de tempo em que a autora, porque caducado o mandato do réu já por referência a 18/1/2016 e porque sabia que sucedia na posição jurídica daquela sociedade extinta, deveria ter junto do mesmo renovado o mandato que com ele a sua antecessora celebrou ou constituído novo mandatário.
Mas nada fez.
Assim, os prejuízos alegadamente decorrentes para a autora de não ter sido informada da decisão daquela impugnação judicial quando a mesma foi proferida e de dela não ter sido interposto recurso, porque situados no tempo com a prolação daquela decisão, em 30/12/2018, e seu trânsito em julgado, não decorrem da caducidade do mandato, ocorrida em 18/1/2016, mas sim da própria inércia da autora nos termos que se referiram.
Deste modo, porque imputável à autora, não pode o réu ser responsabilizado pelo eventual prejuízo desta pela perda de chance em ter visto julgado o recurso que quereria ter interposto.
Improcede assim esta segunda questão recursória.

Pelas razões expostas, que complementam a argumentação da sentença recorrida no sentido da inexistência de mandato entre autora e réu e da caducidade do mandato existente entre este e a sociedade extinta, há que julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.

As custas do recurso ficam a cargo da recorrente, que nele decaiu (art. 527º nºs 1 e 2 do CPC).
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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):
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III – Decisão

Por tudo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.
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Porto, 6/2/2023
Mendes Coelho
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim