RECURSO DE REVISÃO
ERRO GROSSEIRO
ERRO DE DIREITO
ERRO DE JULGAMENTO
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
CONSTITUCIONALIDADE
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
REFORMA DA DECISÃO
REFORMA DE ACÓRDÃO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Sumário


I - O recurso extraordinário de revisão, ao abrigo do art. 696.º, al. h), e art. 696.º-A do CPC (introduzidos pela Lei n.º 117/2019, de 13-09), com base em erro judiciário, nos termos do art. 13.º, n.º 1, da Lei n.º 67/2007, de 31-12 (“responsabilidade por erro judiciário”) exige, que as decisões sejam “manifestamente inconstitucionais ou ilegais”.
II - Este segmento normativo pressupõe uma ligação entre a decisão e a Constituição, e, portanto, um juízo de inconstitucionalidade. Ou seja, o direito aplicado na decisão deve afrontar ostensivamente e de forma arbitrária os princípios e a normas constitucionais, de tal modo que se possa afirmar que a decisão é, na sua ratio decidendi, contrária à Constituição, pelo que o erro tem de ser ostensivo, a grosseiro, evidente, arbitrário, revelando uma actividade dolosa ou gravemente negligente.
III - Para o preenchimento da causa da al. h) do art. 696.º do CPC não basta alegar que a decisão é inconstitucional ou que a interpretação normativa viola o art. 20.º da CRP, ou ainda que viola o Estado de Direito, o princípio da confiança, dada a expectativa que tinha na procedência da acção.
IV - Para efeitos do disposto no art. 696.º-A, al. b), do CPC, alegando-se manifesto erro de direito, deve considerar-se como meio impugnatório, nos casos em que não é admissível recurso ordinário, o incidente de arguição de nulidade ou o incidente de reforma.

Texto Integral




Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – RELATÓRIO




1.- A Autora - AA - instaurou (18/11/2018) acção declarativa de condenação, com forma de processo comum, contra o Réu- BB.

Alegou, em resumo:

No dia 16/2/2017, a Autora foi intencionalmente atropelada pelo Réu, que conduzia automóvel de matrícula ..-RV-.., na sequência de um desentendimento de trânsito protagonizado por ambos.

Em consequência, sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais.

Pediu a condenação do Réu no pagamento de uma indemnização à Autora na quantia total de € 30.931,90, sendo € 30.000,00 por danos não patrimoniais e € 931,90 por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação para a presente acção até efectivo pagamento.


2. O Réu, citado, apresentou contestação fora do prazo, e, por despacho de 14/10/2019, foi determinado o desentranhamento, confirmado por Ac Relação de Lisboa de 4/6/2020.


3. Por sentença de 29/12/2020, decidiu-se julgar a acção procedente e condenar o Réu no pedido.


4. O Réu recorreu de apelação e a Relação de Lisboa, por acórdão de 10/2/2022, decidiu:

“Julga-se a acção parcialmente procedente e, por via disso, condena-se o Réu BB a pagar à Autora, AA, as seguintes quantias:

- € 20.000,00 a título de reparação de danos morais sofridos, a que acrescem juros de mora, à taxa supletiva legal que for vigorando para as operações civis, vencidos com o trânsito em julgado deste acórdão, e vincendos até integral e efectivo pagamento.

- € 931,90 a título de indemnização por danos patrimoniais, a que acrescem juros de mora, à taxa supletiva legal que for vigorando para as operações civis, vencidos desde a citação e os vincendos até integral e efectivo pagamento.

No mais peticionado vai o Réu absolvido.

Julga-se improcedente o pedido de condenação do Réu como litigante de má fé.

Custas nas duas instâncias pelo Réu em 6/8 e pela Autora em 2/8.”


5. -O Reu recorreu de revista, tendo suscitado, além do mais, a incompetência material do tribunal cível, por violação do princípio da adesão.


6. Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Junho de 2022, transitado em julgado, decidiu-se julgar procedente o recurso do Réu e julgar incompetente em razão da matéria o tribunal civil, absolvendo o Réu da instância.

Condenar a Autora nas custas em todas as instâncias.


7. - A Autora/recorrida AA, em 24 de Outubro de 2022, interpôs recurso extraordinário de revisão contra

BB.

ESTADO PORTUGUÊS

Alegou, em resumo:

1)O presente recurso extraordinário de revisão vem interposto do Acórdão deste STJ, proferido nos autos em 21/06/2022, com o fundamento taxado no artigo 696.º, alínea h) do CPC, porquanto, no entendimento da Recorrente, salvo todo o devido respeito, a decisão sub judice encontra-se inquinada por manifestas inconstitucionalidades, sendo, por isso, apta a originar a responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional.

2)A Recorrente discorda integralmente da decisão de que se recorre, uma vez que a letra e a ratio da lei não permitem uma interpretação do artigo 72.º, n.º 1, alínea c) do CPP, em conjugação com o seu n.º 2, como esta vem configurada na decisão recorrida por este STJ.

3)O Acórdão recorrido reconhece a vigência de duas orientações aceites na jurisprudência no que respeita à interpretação que se deve fazer dos supracitados preceitos legais, decidindo, não obstante, adoptar a tese mais lesiva e restritiva dos direitos da Recorrente, e que resultou num grave prejuízo para a mesma, por via de uma interpretação que não tem apoio na Lei.

3)Contudo, não se perde de vista que o presente recurso só pode fundar-se em erro judiciário, que seja manifesto e inquestionável à luz do Direito positivo, pelo que há que atentar nas manifesta inconstitucionalidades de que a decisão recorrida padece, suscetíveis de originar a responsabilidade civil do Estado.

4) Em primeiro lugar, este STJ, toma uma decisão em sentido contrário à pugnada pelo Tribunal da Relação, sem demonstrar, à luz dos critérios processuais aplicáveis, qualquer erro de julgamento relevante em que o Tribunal da Relação tenha incorrido, ao decidir da forma que decidiu.

5)  O que esteve em causa em cada uma das decisões foram diferentes teses, sobre a interpretação e aplicação da mesma norma jurídica, e não um qualquer desvio à realidade jurídica, por força de uma inadmissível e errada interpretação e aplicação da lei pelo Tribunal da Relação, que fosse apto a determinar a alteração do sentido decisório adoptado, pelo STJ.

6) Em segundo lugar, a decisão recorrida não poderia concretizar a justiça que se lhe impunha ao exarar uma decisão em sentido diametralmente oposto ao Acórdão do Tribunal da Relação, por força dos princípios, com consagração constitucional, da determinabilidade ou precisão do conteúdo das Leis e da tutela da confiança/da segurança jurídica.

7)A decisão recorrida afecta de forma inadmissível e excessivamente restritiva o direito e as expetativas legitimamente fundadas da aqui Recorrente em vir a obter a indemnização que lhe era devida e consubstancia uma violação daquele mínimo de certeza e de segurança que os particulares devem poder depositar na ordem jurídica de um Estado de Direito.

8)Desde logo porquanto a solução propugnada no Acórdão recorrido não encontra qualquer correspondência verbal e / ou semântica no texto do artigo 72.º, n.º 2 do CPP, na medida em que este não faz a menor alusão a qualquer cominação legal para o processo cível, quando a queixa-crime tenha sido apresentada em momento prévio à apresentação da petição inicial no âmbito daquele processo. E ainda porque a decisão em causa é tomada com base numa “interpretação restritiva da letrada alínea c) do nº1 do art.72 CPP, tendo em conta o elemento histórico, teleológico e sistemático” (cfr. Acórdão recorrido), ao invés de uma interpretação literal daquela norma, tal como resultou do decidido pelo Tribunal da Relação.

9) Acresce que mesmo que houvesse qualquer obrigação da Recorrente conhecer as orientações jurisprudenciais, o que nunca seria concebível, os Acórdãos sobre os quais o STJ se debruça para fundamentar a sua posição, e que se pronunciam expressamente sobre a questão apreciada, datam de 30/04/2019 e de 15/06/2020, tendo por isso sido proferidos posteriormente à data em que a Recorrente deu origem aos presentes autos; como tal a decisão recorrida não poderia ser, plausivelmente, prevista por qualquer homem médio, ainda que formado em Direito e versado no regime legal em apreço.

10) Em terceiro lugar, a decisão recorrida é, em si mesma, expressamente e estruturalmente inconstitucional, além de ilegal, por contravenção ao artigo 20.º n.º 1 da CRP, designadamente aos direitos fundamentais da tutela jurisdicional efectiva e de acção, nele ínsitos.

11). No contexto da previsão normativa quer do princípio da adesão espelhado no artigo 71.º do CPP, quer das suas exceções consagradas no artigo 72.º do CPP houve uma particular preocupação do legislador em garantir que o direito à indemnização é plenamente concretizado.

12)Por seu lado, a procedência da excepção de incompetência absoluta, que dá azo à absolvição do Réu da instância, caracteriza-se justamente por não produzir efeitos substantivos, preservando o direito de acção por parte do Autor e garantindo, desse modo, a possibilidade de este obter a tutela jurisdicional devida à sua legítima pretensão, mediante a instauração de uma nova acção junto do Tribunal competente.

13)Quer o regime processual do princípio da adesão, quer o regime processual da incompetência absoluta surtem efeitos estritamente processuais, deixando incólume a pretensão material da parte lesada, pelo que o direito subjectivo com dignidade e consagração constitucional que cabe à Recorrente (direito de indemnização) nunca poderia ter ficado limitado por normas de carácter processual, ao ponto de o terem tornado impossível.

14)Contudo, em resultado da interpretação que o STJ faz da norma processual prevista no artigo 72.º, n.º 2 do CPP, e à cominação que dela extrai, a Recorrente viu-se definitivamente impedida de vir a ser indemnizada pelos danos causados pelo facto ilícito, por não ter à sua disposição qualquer meio para alcançar esse resultado, tendo em conta que o processo-crime acima referido já findou.

15) Assim, a decisão em causa vem coartar definitivamente um direito constitucionalmente garantido à Recorrente, por via de uma interpretação que não encontra apoio nem elemento literal, nem no elemento teleológico dos preceitos legais invocados, traduzindo, por isso restrição desnecessária, inadequada e desproporcional ao direito fundamental de acção que assiste à Recorrente, sendo como tal inadmissível à luz dos artigos 18.º n.º 2 e 20.º n.º 1 da CRP.

16) Em suma, não poderá a decisão deixar de consubstanciar manifestas inconstitucionalidades, traduzindo-se numa ostensiva violação aos princípios do Estado de Direito Democrático, da determinabilidade ou precisão do conteúdo das Leis, da tutela da confiança/da segurança jurídica, ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, e ao direito fundamental de acesso aos tribunais, aqui consubstanciado no direito de acção, o que desde já se invoca a título de fundamento do presente recurso, nos termos do disposto no artigo 696.º, alínea h) do CPC.

17) Acrescente-se que a interpretação do disposto, conjugadamente, no n.º 1, alínea c) e n.º 2 do artigo 72.º do CPP, que vá no sentido de absolver o Réu da instância quando a acção cível seja interposta depois de se ter dado origem ao processo-crime e num momento processual em que é impossível ao lesado fazer-se prevalecer do seu direito a ser indemnizado no âmbito do processo penal, sempre seria manifestamente inconstitucional– o que expressamente se argui – por se traduzir numa ostensiva restrição, em termos desnecessários, inadequados e desproporcionais, ao princípio da tutela jurisdicional efectiva e ao correspondente direito fundamental de acção, nos termos do disposto nos artigos 18.º n.º 2 e 20.º n.º 1 da CRP, bem como por traduzir uma violação do princípio da determinabilidade ou precisão do conteúdo das Leis, contido no princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2.º da CRP.

18) Os dois pressupostos taxativos a que o artigo 696.º-A do CPC sujeita a admissibilidade do presente recurso, encontram-se preenchidos:

Em primeiro lugar, a atuação da Recorrente ao longo dos autos não foi nem poderia ter sido causa dos vícios que se imputam à decisão recorrida, que correspondem a erros de julgamento em matéria de Direito, e, por isso, cuja interpretação e aplicação é incumbência exclusiva do Tribunal;

Em segundo lugar, a decisão recorrida corresponde ao último grau de recurso admissível em relação à demanda da Recorrente, não se encontrando preenchidos quer os requisitos de admissibilidade dos meios de reacção previstos nos artigos 613.º a 617.º do CPC (aplicáveis in casu ex vi do artigo 685.º do CPC), extravasando os fundamentos do presente recurso o seu o âmbito de aplicação, quer os requisitos necessários à interposição do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência.

Acresce ainda que na presente data não se encontra decorrido o prazo de 60 dias para interposição do recurso, contados desde o trânsito em julgado da decisão recorrida (notificada às partes por ofício com data de 22/06/2022).,


8. Por decisão singular de 5 de Dezembro de 2022 indeferiu-se liminarmente o requerimento de interposição do recurso extraordinário de revisão.

     

9.- A Recorrente reclamou para a conferência, alegando, em síntese:

a) A Decisão revela, salvo o devido respeito, erros de interpretação dos requisitos de admissibilidade do recurso sub judice, traduzindo-se, em última análise, numa recusa infundada da tutela peticionada para os direitos da Recorrente, acabando por tolher ilicitamente o direito de recurso que lhe assiste.

b)A Decisão partiu das seguintes premissas: i) O primeiro pressuposto da responsabilidade civil prevista no artigo 13.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente, RCEE), não se encontra preenchido, uma vez que a decisão em si não pode ser objecto de um juízo de inconstitucionalidade, e que não basta invocar uma “manifesta inconstitucionalidade” devendo o critério ser objectivo; ii) Não se verifica o requisito do esgotamento dos meios de impugnação, cominado no artigo 696.º-A do CPC.

c)Salvo o devido respeito, é pura e simplesmente incorrecta a concepção de que “uma decisão não pode em si mesma ser objecto de um juízo de inconstitucionalidade”, sendo aliás, o próprio RCEE que estabelece a responsabilidade do Estado pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais (vide artigo 13.º do referido diploma legal).

d)Mas ainda que assim não se entendesse, o recurso sub judice tem como escopo a responsabilidade do Estado decorrente da interpretação normativa adoptada na decisão, designadamente, conforme resulta da conclusão 27 do recurso, que o Tribunal parece ignorar, sob o entendimento de que: “(…) a interpretação do disposto, conjugadamente, no n.º 1, alínea c) e n.º 2 do artigo 72.º do CPP, que vá no sentido de absolver o Réu da instância quando a acção cível seja interposta depois de se ter dado origem ao processo-crime e num momento processual em que é impossível ao lesado fazer-se prevalecer do seu direito a ser indemnizado no âmbito do processo penal, sempre seria manifestamente inconstitucional – o que expressamente se argui – por se traduzir numa ostensiva restrição, em termos desnecessários, inadequados e desproporcionais, ao princípio da tutela jurisdicional efectiva e ao correspondente direito fundamental de acção, nos termos do disposto nos artigos 18.º n.º 2 e 20.º n.º 1 da CRP, bem como por traduzir uma violação do princípio da determinabilidade ou precisão do conteúdo das Leis, contido no princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2.º da CRP.”

e) Duma leitura global do recurso da Recorrente resulta, sem margem para dúvidas, que esta o sustenta no facto de a interpretação seguida pelo Acórdão recorrido e as cominações legais que dessa decorrem, quanto aos termos conjugados do no n.º 1, alínea c) e n.º 2 do artigo 72.º do CPP, evidenciar uma solução jurídica manifestamente inconstitucional.

f) O juízo de inconstitucionalidade invocado pela Recorrente abrange, nos presentes autos, a interpretação que foi dada a determinada norma jurídica, que determina, inerentemente, a inconstitucionalidade quer da ratio decidendi, quer da própria decisão recorrida, por ter formulado um juízo em desconformidade com normas e princípios de carácter constitucional.

g) Por outro lado, a norma a ter em consideração e que serviu de fundamento de recurso da Recorrente é a contida no artigo 13.º do RCEE nos termos do qual o estado será civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões manifestante inconstitucionais.

h) Nos recursos de (in)constitucionalidade (“de fiscalização concreta”) – que não se confundem com o recurso de revisão fundado no artigo 696.º, alínea h) do CPC – o que se coloca em causa são decisões que apliquem normas (presumidamente) inconstitucionais.

i) Uma análise razoável dos regimes em causa não parece oferecer dúvidas de que os âmbitos de sindicância de cada um dos recursos ( recurso de inconstitucionalidade para o TC e recurso extraordinário de revisão) são diferentes, contrariamente ao que parece ser entendimento do Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Relator. O que é dizer que a Recorrente suscitou convenientemente a inconstitucionalidade, de acordo com os preceitos legais aplicáveis a esta nova modalidade de recurso de revisão, o que expressamente se argui.

j) Em segundo lugar, resulta de Decisão que não basta invocar a manifesta inconstitucionalidade da decisão “pois o critério deve ser objectivo”. Acrescentando que “neste âmbito, será “manifestamente inconstitucional” e, por consequência, erro de direito grosseiro, ostensivo, se o tribunal optar por aplicar norma já desaplicada por juízo de inconstitucionalidade, ou, quando muito, que sobre a questão o Tribunal Constitucional já houvesse pronunciado negativamente, de forma reiterada, o que não é o caso.”

l)Salvo o devido respeito, e em consonância com o que se expôs supra, o Tribunal parece novamente confundir aquilo que se prende com o âmago de um recurso de fiscalização concreta – que não está aqui em causa – e um recurso em que se imputa a inconstitucionalidade à própria decisão, como é, ou pode ser, o caso do recurso de revisão fundado no artigo 696.º, alínea h), do CPC.

m) O erro “grosseiro”, “ostensivo”, “indesculpável” em que incorreu o Acórdão recorrido encontra-se devidamente demonstrado pela Recorrente quer nas alegações, quer nas conclusões do seu recurso, para as quais se remete e aqui se dão por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.

n) Em terceiro lugar, resulta da Decisão que “não se verifica o requisito de esgotamento dos meios de impugnação, cominado no art.696 -A b) CPC”, porquanto entende-se que a Recorrente tinha à disposição o incidente da reforma do Acórdão para alegar erro manifesto de direito.

o) Ora, como a Recorrente deixou devidamente justificado no recurso, apesar de serem admissíveis, em termos gerais, os meios de reacção previstos nos artigos 613.º a 617.º do CPC, aplicáveis in casu ex vi do artigo 685.º do CPC, tais meios não eram, em concreto, admissíveis, quer por não se encontrarem preenchidos os respectivos requisitos processuais de admissibilidade, quer porque a sindicância e os fundamentos que subjazem ao presente recurso extraordinário, extravasam o seu âmbito de aplicação.

Com efeito, basta uma leitura sucinta do disposto na alínea a) do 616.º do CPC com a epígrafe “Reforma da sentença” do que resulta que “não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz: a) tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos”, para se entender que não era este o escopo nem o âmbito de sindicância que se pretendeu estabelecer com o presente recurso.

p) Na realidade, não é admissível impor ao Recorrente o ónus de proceder ao prévio esgotamento de vias judiciais de impugnação, quando não estejam preenchidos os requisitos de admissibilidade dessas específicas vias de impugnação e quanto as mesmas, consequentemente, não permitam alcançar o propósito de defesa dos direitos da Recorrente.

q)  Face ao exposto, requer-se, respeitosamente, a V. Exas. que, aceitando e declarando procedente a presente reclamação, se dignem proferir Acórdão que declare o recurso extraordinário de revisão admissível, julgando-o procedente e determinando o prosseguimento dos autos para os efeitos dos artigos 701.º, n.º 1, alínea e), e 701.º-A do CPC.


10. - O recorrido BB, respondeu, em resumo:

O recurso extraordinário de revisão apresentado pela recorrente jamais poderia ser deferido, na medida em que, não estão preenchidos os requisitos para que a decisão transitada em julgado possa ser objeto de revisão com fundamento no artigo 696.º, h), do Código de Processo Civil (CPC), tal como pretende a recorrente

Com efeito, para que uma decisão possa ser objeto de recurso de revisão ao abrigo da alínea h) do artigo 696.º do CPC, há que provar que a decisão transitada em julgado é suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado, por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, o que não ocorreu. º Ademais, de acordo com o artigo 696.º-A, do CPC: “A revisão de decisão transitada em julgado no caso previsto na alínea h) do artigo anterior só é admissível, se o recorrente: a) Não tiver contribuído, por ação ou omissão, para o vício que imputa à decisão; e b) Tiver esgotado todos os meios de impugnação da decisão quanto à matéria suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado.”

Acresce que, n.º 1, do artigo 13.º, da Lei n.º 67/2007 relativa ao Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais entidades públicas, refere que “Sem prejuízo do regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e de privação injustificada da liberdade, o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto”.

Assim, apesar de a recorrente alegar que a decisão em apreço é “expressamente e estruturalmente inconstitucional, por violação do artigo 20.º n.º 1 CRP”, a mesma nada diz em relação à fundamentação de tal alegação.

Por outras palavras, de forma a alguém poder socorrer-se de um recurso de revisão de uma decisão com fundamento na alínea h), do artigo 696.º, do CPC, não poderá somente alegar que a decisão em causa é inconstitucional, Neste sentido, temos de concluir que por falhar o primeiro pressuposto de responsabilidade civil, previsto no artigo 13.º da Lei n.º 67/2007, de 31/2, a recorrente não poderia recorrer da decisão reclamada através de um recurso de revisão, pois, não estão preenchidos os requisitos da alínea h), do artigo 696.º e artigo 696.º-A do CPC.

É ainda certo que, da mesma forma, não se encontra observado o requisito do esgotamento de todos os meios de impugnação da decisão quanto à matéria suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado, a que se refere a alínea b) do artigo 696.º-A do CPC, por ainda ser possível a recorrente lançar mão do incidente de reforma do acórdão previsto no artigo 616.º, n.º 2, do CPC.



II - FUNDAMENTAÇÃO



2.1.- A decisão singular contém a seguinte fundamentação:


“É controversa a natureza jurídica do recurso revisão, sendo qualificado como uma verdadeira acção, como autêntico recurso ou como misto de recurso e de acção ( cf., sobre as três teorias, Cândida Neves, “ O Recurso de Revisão em Processo Civil”, BMJ 134, pág.281 e segs.).

Para quem adopte a natureza mista, concebe-a como recurso na fase rescindente (em que a interposição faz ressurgir a mesma instância que a decisão transitada encerrara) e de acção declarativa na fase rescisória (instrução, discussão e julgamento da causa )

O recurso extraordinário de revisão comporta duas fases:

A fase rescindente em que o tribunal aprecia os fundamentos do recurso, de modo a poder decidir se a decisão já transitada em julgado deve ou não ser rescindida. Portanto, o seu objectivo é revogar a decisão;

A fase rescisória, uma vez considerado procedente o recurso, e, portanto, destruída a decisão objecto do recurso, vai-se retomar, em princípio, o processo, de forma a obter-se uma decisão que substitua a rescindida. Aqui, ocorre uma renovação da instância, segundo a maioria da doutrina. O seu objectivo é produzir uma nova decisão em substituição da decisão revogada.

A Lei nº117/2019 de 13/9 introduziu no art.696 do CPC um novo fundamento de recurso de revisão, o da alínea h) com a seguinte redacção – “ h) Seja suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, verificando-se o disposto no artigo seguinte”.

E introduziu o art.696 -A, sob a epígrafe “Responsabilidade civil do Estado”:

1 - A revisão de decisão transitada em julgado no caso previsto na alínea h) do artigo anterior só é admissível se o recorrente:

a) Não tiver contribuído, por ação ou omissão, para o vício que imputa à decisão; e

b) Tiver esgotado todos os meios de impugnação da decisão quanto à matéria suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado.”

2 - O recurso previsto no número anterior é interposto também contra o Estado.”


Dispõe o art.13 da Lei nº 67/2007 de 31/12 – “responsabilidade por erro judiciário”

“1- Sem prejuízo do regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e de privação injustificada da liberdade, o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto.

2 - O pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.”

No requerimento de interposição, o recorrente deve alegar os factos constitutivos do fundamento do recurso (…) ( art.698 nº1 CPC).

A Recorrente pediu a revisão do acórdão do STJ com fundamento a alínea h) do art.696 CPC, alegando que o mesmo está inquinado de “manifestas inconstitucionalidades”, tendo concluído que – “ (…) não poderá a decisão deixar de consubstanciar manifestas inconstitucionalidades, traduzindo-se numa ostensiva violação aos princípios do Estado de Direito Democrático, da determinabilidade ou precisão do conteúdo das Leis, da tutela da confiança/da segurança jurídica, ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, e ao direito fundamental de acesso aos tribunais, aqui consubstanciado no direito de acção, o que desde já se invoca a título de fundamento do presente recurso, nos termos do disposto no artigo 696.º, alínea h) do CPC.”.

Na verdade, alega que “a decisão recorrida é em si mesma expressamente e estruturalmente inconstitucional, por violação do art.20 nº1 CRP”.

Verifica-se que a coberto das imputadas inconstitucionalidades, a recorrente mais não faz do que impugnar o acto de julgamento, sendo que uma decisão não pode em si mesma ser objecto de um juízo de inconstitucionalidade. O que pode ser objecto de um juízo de controlo constitucional,  em sede de fiscalização concreta, é uma norma “ tomada, não com o sentido genérico e objectivo plasmado no preceito (ou fonte) que a contem, mas em função do modo como foi perspectivada e aplicada à dirimição de certo caso concreto pelo julgador” ( cf. Lopes do Rego, “O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional”, Jurisprudência Constitucional nº3, Julho/Setembro 2004, pág.7 ).

Como já se relatou, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça conheceu da questão que lhe foi suscitada, a “violação do princípio da adesão obrigatória e a incompetência material do tribunal cível”, tendo concluído pela incompetência material do tribunal cível, interpretando o art.72 nº1 c) CP, em conjugação com o nº2 do mesmo artigo, com justificação clara e coerente.

Nele se afirma, a dado passo:

“Neste contexto, não parece que a alteração legislativa dada ao nº2 do art.72 CPP pela Lei nº59/98 legitime a interpretação de que depois de formulada a queixa já é permitida a dedução do pedido civil separado para os crimes semi-públicos e particulares. 

O que parece legítimo, em face do elemento histórico e dada a manutenção no actual Código de Processo Penal do regime de adesão, inscrito anteriormente no arts.29 e 30 CPP/29, é a interpretação de que o lesado tem duas opções: se opta, antes da queixa, pela acção cível em separado, impede o exercício da acção penal através da renúncia; ou se opta pela acção penal,  então a acção civil, fora dos casos das alíneas a) e b) do nº1 art.72, terá que ser deduzida por dependência, vigorando a regra da adesão obrigatória.”

Para o preenchimento da causa da alínea h) do art.696 CPC não basta alegar que a decisão é inconstitucional ou que a interpretação normativa viola o art.20 CRP, ou ainda que viola o Estado de Direito, o princípio da confiança, dada a expectativa que tinha na procedência da acção. A lei exige a demonstração da “manifesta inconstitucionalidade”, como pressuposto da acção de responsabilidade civil.

Não basta, para o efeito, o recorrente dizer que há manifesta inconstitucionalidade, pois o critério deve ser objectivo.

E, neste âmbito, será “manifestamente inconstitucional” e, por consequência, erro de direito grosseiro, ostensivo, se o tribunal optar por aplicar norma já desaplicada por juízo de inconstitucionalidade, ou, quando muito, que sobre a questão o Tribunal Constitucional já houvesse pronunciado negativamente, o que não é o caso.

Como se decidiu no Ac STJ de 24/2/2015 ( proc nº 2210/12), em www dgsi. –“ (…) não basta a mera existência de inconstitucionalidade ou ilegalidade, devendo tratar-se de erro evidente, crasso e indesculpável de qualificação, subsunção ou aplicação de uma norma jurídica; o erro de facto deve ser clamoroso e grosseiro, no que toca à admissão e valoração dos meios de prova e à fixação dos factos materiais da causa”.

E no Ac STJ de 10/5/2016 ( proc. nº 136/14), em www dgsi – “Para proclamar a existência de erro grosseiro não basta que um tribunal de recurso tenha revogado uma decisão para se considerar que tal decisão está errada, que o julgador da decisão recorrida cometeu um erro indesculpável, se, por exemplo, acolheu esta e não aqueloutra corrente doutrinária ou jurisprudencial não sufragada pelo Tribunal ad quem: Se assim fosse, os tribunais estariam pejados de pedidos de indemnização com base em alegados erros grosseiros. O STJ tem, repetidamente, qualificado como erro grosseiro o erro indesculpável, aquele em que não incorreria um julgador prudente, agindo com ponderação, conhecimento e competência”.

Por isso, falha, desde logo, o primeiro pressuposto da responsabilidade civil, prevista no art.13 da Lei nº 67/2007 de 31/2.

Além disso, não se verifica o requisito do esgotamento dos meios de impugnação, cominado no art.696 -A b) CPC.

Na verdade, tratando-se de alegado erro manifesto de direito e não sendo admissível recurso ordinário, a recorrente tinha à sua disposição o incidente da reforma do acórdão (art.616 nº2 a), ex vi arts.666 e 685 CPC). Abrantes Geraldes, em anotação ao art.696-A CPC, a propósito do esgotamento, considera a eventual arguição de nulidade ou pedido de reforma da decisão, nos casos em que o recurso não é admissível, como um meio impugnatório (Recursos em Processo Civil, 6ª ed., pág.563).

Neste contexto, não havendo motivo para a revisão, impõe-se o indeferimento do recurso extraordinário de revisão ( art.699 nº1 CPC).”


2.2. – Concordam integralmente com a fundamentação aduzida na decisão singular, sendo que a Reclamante, ao fim e ao cabo, reitera a alegação já feita no requerimento de interposição do recurso.

A decisão reclamada baseou-se em dois tópicos argumentativos essenciais para a rejeição liminar do recurso extraordinário de revisão:

(1º) A falta de alegação do primeiro pressuposto da responsabilidade civil, prevista no art.13 da Lei nº 67/2007 de 31/2;

(2º) A falta do requisito do esgotamento dos meios de impugnação, cominado no art.696 -A b) CPC.


Vejamos o 1ºargumento

Como concretização do art.22 da CRP, o art.13 da Lei nº67/2007 positiva a responsabilidade civil do Estrado por erro judiciário, nomeadamente “pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto”.

De acordo com a previsão legal, o erro judiciário pode ser um erro de direito ou um erro de facto.

No tocante ao erro de direito, a lei exige que as decisões sejam “manifestamente inconstitucionais ou ilegais”.

Este segmento normativo pressupõe uma ligação entre a decisão e a Constituição, e, portanto, um juízo de inconstitucionalidade. Ou seja, o direito aplicado na decisão deve afrontar ostensivamente os princípios e a normas constitucionais, de tal forma que se possa afirmar que a decisão é, na sua ratio decidendi, contrária à Constituição.

Contudo, não é qualquer erro, porque a lei postula o erro qualificado, grosseiro, ostensivo, implicando uma decisão proferida contra lei expressa.

Como acentua Carlos Cadilha, “ O erro de direito, enquanto fundamento da responsabilidade civil deverá revestir-se de suficiente grau de intensidade, no sentido de que deverá resultar uma decisão que, de modo evidente, seja contrária à Constituição ou à lei, e por isso desconforme ao direito, e que não possa aceitar-se como uma das soluções plausíveis da questão de direito” ( Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual  do Estado e Demais Entidades Públicas, Anotado, 2ª ed., pág.262 )

No mesmo sentido, Fátima Galante, para quem “O erro de direito praticado pelo juiz só poderá constituir fundamento de responsabilidade civil do Estado quando seja grosseiro, evidente, crasso, palmar, indiscutível e de tal modo grave que torne a decisão judicial numa decisão claramente arbitrária, assente em conclusões absurdas, demonstrativas de uma actividade dolosa ou gravemente negligente. Terá de se traduzir num óbvio erro de julgamento, por divergência entre a verdade fáctica ou jurídica e a afirmada na decisão, a interferir no seu mérito, resultante de lapso grosseiro e patente, por desconhecimento ou flagrante má compreensão do regime legal e que, por isso, conduziu a uma decisão definitiva – por insusceptível de recurso correctivo – violadora de direitos, liberdades e garantias ou causadora de prejuízo a outrem”( O Erro Judiciário: A Responsabilidade Civil por Danos Decorrentes do Exercício da Função Jurisdicional, pág.42)

A jurisprudência adere à tese do erro qualificado, ou seja, “A previsão legal não impõe a ressarcibilidade de qualquer erro cometido pelo julgador, seja por violação da lei, seja por errónea apreciação dos factos, antes exige um erro qualificado, “grosseiro”, indesculpável, ostensivo, causal de julgamento que evidencia uma solução jurídica manifestamente inconstitucional, ou ilegal ou injustificada, a todas as luzes indefensável, ilógica na apreciação dos factos, ou na subsunção jurídica, insustentável com base numa criteriosa avaliação exigível ao julgador” ( cf., por ex.,  Ac STJ de 10/5/2016 ( proc. nº 136/14, em www dgsi.pt ).

Posto isto, para a averiguação do erro, na acepção definida, não basta que a decisão seja desfavorável à parte recorrente ou que se limite a dizer que a decisão é estruturalmente inconstitucional, como se justificou na decisão singular.

Diz a Reclamante que a partir de uma “leitura global do recurso da Recorrente resulta, sem margem para dúvidas, que esta o sustenta no facto de a interpretação seguida pelo Acórdão recorrido e as cominações legais que dessa decorrem, quanto aos termos conjugados do no n.º 1, alínea c) e n.º 2 do artigo 72.º do CPP, evidenciar uma solução jurídica manifestamente inconstitucional.”

Se a Reclamante entende que a interpretação normativa feita pelo Supremo no acórdão é inconstitucional, então deveria ter arguido a inconstitucionalidade.

Importa sublinhar que a interpretação que o Supremo acolheu foi expressamente alegada pelo recorrente BB no recurso de revista (cf. 8ª conclusão ), e que conduziu à solução jurídica postulada no acórdão do STJ, sem que a aqui Reclamante ( então recorrida ) tivesse sequer questionado nas contra-alegações  a sua inconstitucionalidade, e muito menos a manifesta.

Na lógica da Reclamante se a interpretação normativa plasmada no acórdão, como ratio decidendi  - no sentido de que o art.72 nº1 c) CPP deve ser conjugada com o seu nº2, o que implicou a procedência da revista  - é manifestamente inconstitucional, e se tal interpretação, a implicar a revogação do acórdão, foi alegada no recurso de revista sem que a Recorrida tenha levantado qualquer juízo de inconstitucionalidade, não se entende porque razão é agora manifestamente inconstitucional a decisão. Nesta perspectiva, seguindo a mesma lógica da Reclamante, então ela própria contribuiu por omissão para o vício que imputa à decisão, constituindo também fundamento de rejeição do recurso de revisão ( art.696-A nº1 a) CPC).

Na verdade, a Reclamante não justifica, segundo o critério objectivo, aonde está o erro crasso, ostensivo, na acepção já referida, cuja solução não assenta em qualquer solução plausível de direito. Para ela, o erro existe porque a decisão lhe foi desfavorável. Mas conforme orientação jurisprudencial deste Supremo, não basta a revogação da decisão recorrida, nem o simples erro de direito para o recurso extraordinário de revisão (cf. os citados Ac STJ 24/2/2015, Ac STJ de 10/5/2016 )

Não se pode deixar de anotar que, tendo o acórdão do Supremo citado jurisprudência que perfilhou a mesma solução interpretativa ( Ac STJ de 30/4/2019 e Ac RP de 15/6/2020) a Reclamante chegou ao ponto de alegar no requerimento inicial do recurso de revisão, para justificar o erro de direito, que “ mesmo que houvesse qualquer obrigação da Recorrente conhecer as orientações jurisprudenciais, o que nunca seria concebível, os Acórdãos sobre os quais o STJ se debruça para fundamentar a sua posição, e que se pronunciam expressamente sobre a questão apreciada, datam de 30/04/2019 e de 15/06/2020, tendo por isso sido proferidos posteriormente à data em que a Recorrente deu origem aos presentes autos; como tal a decisão recorrida não poderia ser, plausivelmente, prevista por qualquer homem médio, ainda que formado em Direito e versado no regime legal em apreço”


O 2º argumento

A Reclamante alega que se verifica o requisito do esgotamento dos meios de impugnação. Mas tal não é assim, porque sendo, na perspectiva da Reclamante, manifesto o erro, o meio adequado para o corrigir seria o incidente da reforma, como se justificou na decisão singular.

Improcede a reclamação.


2.3. – Síntese conclusiva

a).O recurso extraordinário de revisão, ao abrigo do art.696 h) e 696-A CPC ( introduzidos pela Lei nº 117/2019 de 13/9), com base em erro judiciário , nos termos do art.13 nº1 da Lei nº 67/2007 de 31/12 ( “responsabilidade por erro judiciário”) exige, que as decisões sejam “manifestamente inconstitucionais ou ilegais”.

b). Este segmento normativo pressupõe uma ligação entre a decisão e a Constituição, e, portanto, um juízo de inconstitucionalidade. Ou seja, o direito aplicado na decisão deve afrontar ostensivamente e de forma arbitrária os princípios e a normas constitucionais, de tal modo que se possa afirmar que a decisão é, na sua ratio decidendi, contrária à Constituição, pelo que o erro tem de ser ostensivo, a grosseiro, evidente, arbitrário, revelando uma actividade dolosa ou gravemente negligente.

c). Para o preenchimento da causa da alínea h) do art.696 CPC não basta alegar que a decisão é inconstitucional ou que a interpretação normativa viola o art.20 CRP, ou ainda que viola o Estado de Direito, o princípio da confiança, dada a expectativa que tinha na procedência da acção.

d).Para efeitos do disposto no art.696 A b) CPC, alegando-se manifesto erro de direito, deve considerar-se como meio impugnatório, nos casos em que não é admissível recurso ordinário, o incidente de arguição de nulidade ou o incidente de reforma.



III – DECISÃO



Pelo exposto, decidem:


1)


Julgar improcedente a Reclamação e confirmar a decisão singular de 5 de Dezembro de 2022 que indeferiu liminarmente o requerimento de interposição do recurso extraordinário de revisão.

2)


Condenar a Reclamante nas custas, com 3 Ucs de taxa de justiça.


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 28 de Fevereiro de 2023


Jorge Arcanjo ( Relator )

Isaías Pádua

Manuel Aguiar Pereira