ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
CASO JULGADO PARCIAL
OFENSA DO CASO JULGADO
REFORMATIO IN PEJUS
NULIDADE DE ACÓRDÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Sumário


I - Da conjugação dos arts. 619.º, n.º 1, 621.º, 628.º, 635.º, n.os 2 e 5, do CPC resulta a possibilidade do trânsito julgado parcial da sentença, ou seja, parte autónoma da decisão fica estabilizada (caso julgado parcial) e sobre a mesma opera a preclusão pro judicato, pelo que o tribunal de recurso fica impedido de conhecer essa questão.
II - O art. 629.º, n.º 2, al. a), (in fine), do CPC abrange as situações do “caso julgado parcial”, na situação de segmentos decisórios distintos, em virtude da delimitação objectiva do recurso, designadamente quando em recurso de apelação a Relação modifica oficiosamente a sentença, na parte da não recorrida, e portanto em termos mais desfavoráveis ao recorrente.

Texto Integral




Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I - RELATÓRIO




1.1.- Os Autores – AA, BB, CC, DD e Caixa Geral de Depósitos SA (por intervenção principal) - instauraram (13/7/2017) acção declarativa sob a forma de processo comum contra a Ré – Moura & Dias, Sociedade de Construções Lda.

Alegaram, em resumo:

Os Autores AA e BB, por escritura pública de 11/10/2012, compraram à Ré a moradia, sita na Rua ..., em ... – ..., inscrita na matriz sob o art....33 Fracção ...

Os Autores CC e DD por escritura pública de 11/10/2012, compraram à Ré a moradia, sita Rua ..., em ... – ..., inscrita na matriz sob o art....33 Fracção ...

Em Novembro de 2012 e depois em Dezembro de 2013, denunciaram à Ré diversas anomalias que esta foi rectificando, mas sempre de forma deficiente e insuficiente, pelo que foram surgindo outros defeitos que indiciavam falta de qualidade de construção das moradias.

Com o passar dos anos, começaram a surgir enormes manchas de humidade, enormes fissuras em paredes exteriores, enormes abatimentos do solo que dificultavam a drenagem de águas, degradação de pinturas e revestimento de paredes que a Ré não era capaz de resolver e que começaram a pôr em causa a habitabilidade das moradias.

Um estudo encomendado, em Dezembro de 2016, a uma empresa de engenharia civil revelou inúmeras patologias que não é expectável que surjam num edifício com tão poucos anos de utilização (vida útil) e que revelam que não foram aplicadas nas referidas moradias, as regras de boas práticas da construção civil.

Para eliminar essas anomalias, é necessária uma profunda intervenção com a realização de obras que foram orçadas, de acordo com esse estudo, em € 140.500,00.

Os defeitos evidenciados nesse estudo mostram a falta de qualidade, não só da construção, mas também dos materiais aplicados, de qualidade inferior à assegurada pelo sócio-gerente da Ré, que bem sabia ser factor determinante para a aquisição das mesmas por parte dos Autores.

Consideram-se, por isso, enganados pelo representante da Ré na compra das moradias, pois pensavam ter adquirido moradias de boa construção, para a vida, toda esta situação tem-lhes causado incomodidade, sofrimento.

Pediram:

“- Serem os contratos celebrados entre os Autores e a Ré anulados com todas as legais consequências.

ou se assim se não entender:

- Deve a Ré ser condenada a executar a correcção integral dos defeitos alegados do modo indicado no Relatório junto aos Autos,

ou:

- Liquidar o seu valor de 140.500,00 € aos Autores.

Devendo ainda a Ré ser condenada:

a pagar aos Autores, a título de indemnização por Danos não patrimoniais: - a quantia de 25.000,00 € aos 1º e 2ª Autores e

- a quantia de 25.000,00 € aos 3º e 4ª Autores

E em juros legais desde a citação até integral pagamento”.


1.2. A Ré contestou, defendendo-se, em síntese

Por excepção, arguiu a ilegitimidade activa e a caducidade do direito à eliminação dos defeitos.

Por impugnação, alegou que, na sequência das reclamações que lhe foram dirigidas pelos Autores em 16/11/2012 e 30/12/2013, procedeu à reparação das situações que os Autores consideravam defeitos de construção e desconhece a existência de quaisquer outros defeitos.

Em todo o caso, a existirem defeitos de construção, é exorbitante o valor pretendido para as obras de correcção dessas patologias.


1.3. – No saneador julgou-se improcedente a excepção da ilegitimidade activa, relegou-se para final a excepção da caducidade, afirmando-se quanto ao mais a validade e regularidade da instância.

Fixou-se à acção o valor de € 190.500,00.


1.4.- Realizada audiência de julgamento, foi proferida (22/10/2021) sentença que decidiu:

“Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a acção e, em consequência;

- condeno a ré Moura & Dias – Sociedade de Construções, Lda a efectuar a eliminação, correcção e reparação dos defeitos referidos e indicados nos pontos 16. a 25., 27, 29 a 39, 41 a 45, 48 e 49. do elenco dos factos provados, do modo indicado nos pontos 52 a 55, 57 a 58, 60 e 62 a 67 do elenco dos factos provados, no prazo de 120 dias;

- condeno a ré Moura & Dias – Sociedade de Construções, Lda no pagamento a cada um dos autores AA, BB, CC e DD da quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de indemnização por todos os danos não patrimoniais sofridos em consequência da conduta ilícita da ré, acrescida de juros de mora, à taxa legal anual de 4%, a contar da data da presente sentença e até efectivo e integral pagamento;

- absolvo a ré do restante peticionado.

Custas a suportar pelos autores e pela ré, na proporção de metade, nos termos do art.º 527º, nºs 1 e 2, do NCPC.”


1.5.- Inconformada, a Ré recorreu de apelação e a Relação, por acórdão de 13/7/2022, decidiu julgar parcialmente o recurso e em consequência:

“A) alterar a decisão sobre matéria de facto nos sobreditos termos;

B) condenar a ré “Moura & Dias – Sociedade de Construções, L.da” a eliminar os defeitos existentes nas fracções prediais autónomas dos autores, enunciados nos números 33, 34, 39, 40 a 45, 48 e 49 do elenco de factos provados, correcção essa a efectuar pelo modo indicado nos pontos 54, 57 e 59 a 62 do mesmo elenco, no prazo de 120 dias a contar do trânsito em julgado desta condenação;

C) condenar a ré “Moura & Dias – Sociedade de Construções, L.da” a pagar, em conjunto, aos autores AA e BB a quantia de € 5 000,00 e aos autores CC e DD a mesma quantia de € 5 000,00, ambas a título de indemnização por todos os danos não patrimoniais por eles sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, a contar da data da condenação em primeira instância e até efectivo e integral pagamento;

D) no mais, confirmar a decisão recorrida.

Por ter decaído parcialmente no recurso, a ré/recorrente suportará as respectivas custas na proporção de metade.”


1.6.- A Ré recorreu de revista, concluindo, em síntese:

1.O presente recurso vem interposto do douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que julgou parcialmente improcedente o recurso de apelação interposto pela aqui Recorrente, na parte em que a condena a eliminar o defeito enunciado no número 40 do elenco dos factos provados e a realizar os trabalhos de reparação indicados nos pontos 59 e 61 desse mesmo elenco, por entender que o acórdão viola o caso julgado ( art.629 nº2 a) CPC).

2. A Sentença proferida em 1º instância absolveu a Recorrente do pedido formulado pelo Recorridos quanto à eliminação do supra referido defeito bem como quanto à realização dos trabalhos de reparação supra indicados, por ter entendido que o direito de acção dos Recorridos quanto a tais defeitos havia caducado.

3. Os Recorridos conformaram-se com tal decisão absolutória não interposto recurso da mesma, razão pela qual, não obstante o recurso interposto pela aqui Recorrente, a mesma transitou em julgado;

4. Trânsito em julgado parcial que esgota o poder jurisdicional do Tribunal quanto a tal matéria, daí decorrendo a impossibilidade do Tribunal voltar a emitir pronúncia sobre essa questão já decidida.

5. Todavia, o Acórdão recorrido condenou a Recorrente na eliminação do referido defeito enunciado no número 40 do elenco dos factos provados e na realização dos trabalhos de reparação indicados nos pontos 59 e 61 desse elenco, eliminação de defeito e realização de trabalhos de reparação que, como supra referido a Recorrente fora absolvida na sentença de 1ª instância

6. Ao assim decidir o Acórdão recorrido Recorrente ofende o caso julgado pois contraria decisão anterior sobre a mesma questão, já transitada em julgado, o que leva a que essa decisão tenha que ser desconsiderada;

7. Sem prescindir, o Acórdão enferma de nulidade por excesso de pronúncia. Nem a Recorrente, nas suas alegações de recurso, nem os Recorridos nas suas contra-alegações, suscitaram ao Tribunal de recurso a apreciação da questão da caducidade do direito de acção dos Recorridos quanto à eliminação do referido defeito número 40 do elenco dos factos provados, e quanto à realização dos trabalhos de reparação indicados nos pontos 59 e 61 desse elenco e consequentemente absolveu a R. desse pedido;

8. Ao condenar a Recorrente a eliminar esse defeito e a realizar esses trabalhos de reparação o Acórdão recorrido decidiu sobre matéria que não lhe foi colocada à apreciação, razão pela qual, o douto Acórdão recorrido enferma de nulidade por violação do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), parte final, do CPC, aplicável ex vi artigo 674.º, n.º 1, alínea c) CPC.

Termos em que, com o Douto suprimento de V. Exas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência, ser revogado o douto Acórdão recorrido na parte em que condena a Recorrente a eliminar o defeito enunciado no número 41 do elenco dos factos provados e a realizar os trabalhos de reparação iniciados nos pontos 59 e 61 desse elenco, ou, se assim não se entender, ser declarada a sua nulidade, por excesso de pronúncia - art. 615º, nº 1, al. d) do CPC.


Não houve contra-alegações.



II - FUNDAMENTAÇÃO



2.1.- Admissibilidade e delimitação da revista

O art.629 nº2 a) ( in fine) CPC estatui que independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso com fundamento na violação do caso julgado.

Sendo assim, um dos pressupostos é que ao acórdão da Relação ( acórdão recorrido) seja imputada a violação do caso julgado formal ou material.

Deve entender-se que a norma abrange as situações do “caso julgado parcial”, na situação de segmentos decisórios distintos, em virtude da delimitação objectiva do recurso.

Por isso é admissível a revista, a coberto do art.629 nº2 a) ( in fine ) CPC, com fundamento na ofensa do caso julgado, “ quando a Relação, no âmbito de recurso de apelação interposto pelo A., modifica ex officioo que foi decidido na sentença da 1ª instância que é objecto de recurso, em termos que se revelam mais desfavoráveis para o próprio apelante, em desrespeito pelo que dispõe o nº 5 do art. 635º do NCPC” ( Ac STJ de 18/2/2013 ( proc. nº 1801/10), em www dgsi.pt ).

A revista, delimitada pelas conclusões, tem por objecto a ofensa do caso julgado e subsidiariamente a nulidade por excesso de pronúncia.


2.2.- Os factos provados ( descritos no acórdão )

1. A Ré é uma empresa que se dedica à construção civil e obras públicas, construção e reparação de edifícios e trabalhos conexos; construções de edifícios para venda; compra e revenda de bens imobiliários adquiridos para esse fim, conforme certidão constante de fls. 14 a 15v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

2. Por título de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança, outorgado em 11.10.2012, a Ré declarou vender aos autores AA e BB, que declararam comprar, a fracção autónoma, designada pela letra ..., correspondente a uma habitação distribuída pela cave, rés-do-chão e andar e logradouro, com acesso directo pelo interior da fracção, na frente e na parte posterior com 110m2, sito na Rua ..., ..., inscrita na matriz predial sob o artigo ... e que faz parte do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...07, conforme certidão de fls. 16 a 27 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

3. Por título de permuta e mútuo com hipoteca e fiança, outorgado em 11.10.2012, a Ré declarou ceder aos Autores CC e DD, que declararam aceitar em troca de outra fracção, a fracção autónoma, designada pela letra ..., correspondente a uma habitação distribuída pela cave, rés-do-chão e andar e logradouro, com acesso directo pelo interior da fracção, na frente e na parte posterior com 109m2, sito na Rua ..., ..., inscrita na matriz predial sob o artigo ... e que faz parte do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...07, conforme certidão de fls. 28 a 27 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

«3-A. São parte integrante das frações "B" e "C" os logradouros com acesso pelo interior das frações e situados na parte da frente e na parte posterior das mesmas.

3-B. São zonas de uso exclusivo das frações "B" e "C" os terraços de cobertura situados na parte posterior das mesmas.

3-C. São partes comuns a todas as frações do prédio urbano no qual no qual se integram as frações autónomas dos autores o espaço que dá acesso à garagem, o espaço de circulação comum da cave, o solo, os alicerces, colunas, pilares, paredes-mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do prédio, telhado instalações de eletricidade, água e saneamento bem como o respetivo logradouro de circulação comum a todas as frações e na generalidade o previsto no artº 1421 do Código Civil.

4. A Ré procedeu à construção das moradias e, aquando dos negócios aludidos em 2. e 3., garantiu aos autores que finalizaria as mesmas mesmo com os autores já a habitarem as mesmas.

5. Os Autores adquiriram as referidas fracções autónomas convencidos de que se tratavam de moradias com acabamentos de qualidade, com níveis elevados de isolamento térmico e acústico, instalação de ar condicionado, aspiração central instalada, pré-instalação de alarme contra intrusão, instalação para painéis solares, estores eléctricos em alumínio com isolamento térmico e acústico, pavimentos em granito, banhos em mármore natural e barbecue no jardim exterior.

6. A Ré garantiu aos autores a elevada qualidade dos materiais aplicados na construção das moradias, sabendo ser factor determinante para a aquisição das mesmas por parte destes.

7. Desde outubro de 2012, os Autores passaram a habitar permanentemente as respectivas frações, aí organizando a sua vida, recebendo os amigos e instalando a respectiva residência.

8. Os Autores EE e BB remeteram à Ré uma carta, datada de 16.11.2012, na qual elencam diversas anomalias existentes no imóvel identificado 2. e pedem a sua eliminação, conforme documentos de fls. 35v a 37 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

9. Os autores EE e BB remeteram à Ré uma nova carta, datada de 30.12.2013, na qual enumeram as anomalias que ainda subsistiam no imóvel identificado 2. e pedem a sua eliminação, conforme documentos de fls. 37v a 40 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

10.Por sua vez, os autores CC e DD também remeteram à Ré uma carta, datada de 30.12.2013, na qual enumeram as anomalias que existiam no imóvel identificado 3 e pedem a sua eliminação, conforme documentos de fls. 40v a 44 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

11.A Ré procedeu à reparação de algumas das anomalias reclamadas pelos autores, nomeadamente, as relativas às humidades, mas as mesmas voltaram a surgir posteriormente.

12.Nos dois primeiros anos, após os autores passarem a habitar as aludidas moradias foram surgindo nas moradias diversas patologias, tendo designadamente despontado novas manchas de humidade, fissuras nas paredes exteriores abatimentos do solo que dificultavam a drenagem de águas e degradação de pinturas e revestimento de paredes, as quais se foram agravando com o tempo.

13.Tais anomalias foram de imediato comunicadas à Ré que procedeu a novas reparações, sem sucesso.

14.Face à falta de solução por parte da Ré e à contínua degradação das moradias, os autores resolveram solicitar, em Junho de 2016, a uma empresa de engenharia civil um estudo relativo às mesmas.

15.Tal estudo foi entregue aos autores em Dezembro de 2016.

16.As referidas moradias adquiridas pelos autores à Ré apresentam ausência de isolamento térmico em áreas da cobertura;

17.Degradação da impermeabilização das palas das varandas;

18.Fissuração das palas das varandas;

19.Degradação pontual das telas de impermeabilização da platibanda da cobertura;

20.Execução deficiente do sistema da impermeabilização de elementos emergentes da cobertura, nomeadamente em pontos singulares, como atravessamentos, não revelando infiltração na zona inferior;

21.Deficiente impermeabilização dos remates do capeamento da platibanda da cobertura, em pequenas zonas;

22.Manchas normais e pouco notórias no revestimento em etics em zona corrente da fachada;

23.Manchas no revestimento de fachada em zona de padieira;

24.Manchas no tecto e paredes da zona de acesso comum às garagens;

25.Degradação da pintura do muro de suporte de zona ajardinada;

26.Ausência de grelha do sistema de drenagem de águas pluviais;

27.Fissuração do muro de suporte de área ajardinada;

28.Ausência de protecção em caixa de visita para cabos eléctricos;

29.Destacamento de revestimento em pedra natural dos muretes exteriores, numa zona pontual;

30.Manchas pontuais no revestimento granítico de capeamento das lajes das varandas;

31.Degradação dos apainelados de madeira presentes no exterior;

32.Corrosão dos elementos metálicos presentes nos apainelados de madeira;

33.Deficiente assentamento das escadas de acesso junto a entrada principal;

34.Fissuração na churrasqueira exterior da moradia aludida em 2;

35.Revestimento cerâmico de terraço dessolidarizado do suporte, pontualmente;

36.Degradação de parede exterior nas moradias em causa;

37.Degradação do revestimento das paredes exteriores em zona de terraço da moradia aludida em 3;

38.Fissuração na envolvente de junta de dilatação da moradia aludida em 3;

39.Inexistência de admissão de ar pela fachada para o recuperador de calor da sala de estar da moradia aludida em 2;

40.Ausência de roseta da válvula de seccionamento na moradia aludida em 2;

41.Exaustão ineficaz na cozinha em ambas as moradias;

42.Degradação da pintura em parede da cozinha;

43.Degradação da pintura em paredes adjacentes de quarto em ambas as moradias;

44.Degradação do revestimento de tecto em quarto;

45.Degradação do revestimento de parede adjacente a casa-de-banho;

46.Deficiente aplicação do revestimento de casa-de-banho;

47.Abastecimento do autoclismo com água quente na moradia aludida em 2;

48.Degradação pontual do revestimento de paredes em zona enterrada e envolvente adjacente em ambas as moradias;

49.Degradação do revestimento da parede de garagem em zona enterrada na moradia aludida em 2;

50.Ausência de equipamento de aspiração central;

51.E ausência de instalação dos equipamentos de ar condicionado.

51-A. As patologias/defeitos descritos sob os n.os 16 a 32 e 35 a 38 do elenco de factos provados localizam-se nas partes comuns do prédio no qual se integram as frações autónomas propriedade dos Autores.

52.Para reparação das patologias associadas às fachadas, é necessário proceder à lavagem com jacto de água as padieiras adjacentes a varanda, pintura e aplicação de antifúngico; remoção da pintura existente, verificação da necessidade de proceder à aplicação de um reboco delgado armado (RDA) e aplicação de primário seguido de nova pintura; lavagem com jacto de água do revestimento granítico adjacente a varandas; substituição dos apainelados de madeira presentes no exterior por um material hidrofugo; substituição das luminárias presentes nos apainelados de madeira; lavagem com jacto de água de baixa pressão e escovas das paredes em causa; pintura com tinta adequada à exposição ambiental dos elementos construtivos; aplicação de sistema ETICS em paredes adjacentes verticalmente a parede de fachada orientada a norte, em zona de varandas e terraço; incluindo substituição do capeamento em pedra granítica dessas mesmas paredes, bem como dos apainelados de remate; impermeabilização das fixações dos tubos de queda.

53.Para reparação das patologias associadas à cobertura, é necessário proceder à reposição do isolamento térmico em falta; remoção da tela de impermeabilização presente nas palas das varandas, tratamento de fissuras e aplicação de tela de impermeabilização com autoproteção mineral; criação de pendente; criação de sistema de drenagem; substituição das telas de impermeabilização da platibanda degradadas; correcção da impermeabilização de elementos emergentes e pontos singulares; impermeabilização dos remates do capeamento metálico da platibanda da cobertura; revisão e reabilitação do sistema de drenagem da cobertura.

54.Para reparação das patologias associadas à garagem é necessário proceder à remoção e substituição pontual de peças cerâmicas com vista à obtenção de pendente suficiente para a drenagem de águas; instalação de isolamento térmico sob os mosaicos dos terraços; execução de uma vala drenante e colocação de tela pelo exterior.

55.Para reparação das patologias associadas aos terraços e envolventes das moradias é necessário proceder à correcção da impermeabilização do muro de suporte da área ajardinada, verificação e correcção do sistema de drenagem do mesmo; aplicação de grelha do sistema de drenagem de águas pluviais; reparação de fissuras em muro de suporte da área ajardinada, depois de verificada a estabilidade da mesma, reposição do aspecto inicial.

56.Bem como a colocação de tampa na caixa de visita para cabos elétricos em muro de suporte de área ajardinada.

57.E ainda deverá ser refeito o degrau (nas escadas de acesso junto à entrada principal da moradia aludida em 2) e corrigido sob este a possível ruptura na impermeabilização; corrigir a vedação pela parte exterior sob o degrau e nova pintura no local afectado.

58.E ainda proceder à substituição das pedras fissuradas; verificação da distância entre o elemento metálico para zona de queima e a envolvente em granito, assegurar a inexistência de contacto lateral directo entre as duas superfícies referidas anteriormente e à abertura e desimpedimento de todo o desenvolvimento da junta de dilatação, vedação da junta de dilatação com material elástico aplicado sobre cordão de fundo de junta, reposição do aspecto inicial dos muretes adjacentes.

59.Para reparação das patologias associadas ao interior das moradias, é necessário colocar uma roseta nova.

60.Bem como proceder à verificação de toda a conduta de extracção de ar da cozinha, substituição de elementos danificados, obstruídos ou com menor área útil; pintura da parede de cozinha e das paredes adjacentes de quarto; reposição do aspecto inicial dos tetos em gesso cartonado dos quartos.

61.E ainda proceder ao polimento de todo o revestimento presente nas paredes de casa de banho.

62.Bem como à remoção do revestimento das paredes na envolvente da sanita, ligação da alimentação do autoclismo à canalização de água fria presente na casa de banho; reposição do aspecto inicial; impermeabilização das paredes

 enterradas em zona de garagem, verificação do sistema de drenagem das mesmas, execução de corte hídrico das paredes envolventes da caixa de escadas, ao nível da base, através da injeção de produto tapa-poros ou hidrófugo, ou construção de uma parede falsa em gesso cartonado.

63.O tratamento das fachadas, incluindo todos os trabalhos de reparação referidos, terão um custo aproximado de € 6.000,00 (sem IVA).

64.O tratamento das coberturas, incluindo todos os trabalhos de reparação referidos, terão um custo aproximado de € 2.000,00 (sem IVA).

65.O tratamento de garagens, incluindo todos os trabalhos de reparação referidos, terão um custo aproximado de € 5.000,00 (sem IVA).

66.O tratamento dos terraços e envolvente, incluindo todos os trabalhos de reparação, terão um custo aproximado de € 1.000,00 (sem IVA).

67.O tratamento do interior das fracções, incluindo todos os trabalhos de reparação, terão um custo aproximado de € 5.000,00 (sem IVA).

68.Os autores só tiveram conhecimento da origem das anomalias aludidas em 16. A 25., 27., 29. a 39., 41. a 45., 46., 48. e 49. na data em que lhes foi entregue o relatório aludido em 14. e 15.

69.Os autores tiveram conhecimento das anomalias identificadas em 26., 28., 40. 46., 47., 50. e 51. logo após terem passado a utilizar as respectivas moradias.

70 ( eliminado)

71.Os autores sentem-se desiludidos e receiam pelo agravamento da degradação das suas moradias e que as humidades venham a afectar negativamente a sua saúde e a dos seus filhos menores.

72.A situação descrita tem-lhes causado contrariedades, ansiedade, perturbação e sofrimento psicológico.


2.3.- Os factos não provados ( descritos no acórdão )

a) as moradias em causa foram executadas com materiais de qualidade inferior à assegurada pela Ré;

b) os amigos e familiares dos autores que os visitaram sempre acharam que os autores foram altamente enganados, o que lhes causou um certo vexame e envergonhamento social;

c) actualmente, ainda se verifique a fixação insuficiente do portão de acesso às garagens;

d) as moradias apresentem ausência de sistema de drenagem de águas pluviais nas varandas;

e) as moradias apresentam acumulação de lâmina de água sobre o revestimento do terraço nas duas moradias;

f) a moradia aludida em 3. apresente degradação do revestimento da parede adjacente à porta de entrada;

g) as moradias apresentem deficiente escoamento de águas residuais na zona de banhos;

h) as moradias apresentem ausência de ponto de fixação em guarda de vidro;

i) é necessário proceder à remoção do revestimento granítico das varandas, impermeabilização das lajes, criação de pendente e instalação de sistema de águas pluviais, com reposição do aspecto inicial;

j) é necessário remover o revestimento em pedra dos muretes de vedação,

criação de juntas de fracionamento, nova aplicação de revestimento em pedra com argamassa de colagem adequada;

k) é necessário criar novos pontos de fixação de cada uma das folhas do portão de acesso às garagens.

l) as manchas no revestimento resultaram da falta de limpeza ou de insuficiente ou deficiente limpeza desses elementos;

m)as manchas no tecto e paredes da zona de acesso comum às garagens resultou de um incêndio que ocorreu numa das garagens ou de deficiências nos trabalhos de reparação que, na sequência desse incêndio foram efectuados por terceiro;

n) a degradação dos apainelados de madeira presentes no exterior resultou da falta de manutenção dos mesmos;

o) a degradação de pinturas e de revestimento de tectos resultou do excesso de condensação de humidades dentro dos mesmos por falta de arejamento que os respectivos compartimentos necessitam;

p) o deficiente escoamento de águas residuais na zona de banhos resultou da falta de limpeza e do acumular de detritos que limitam tal escoamento;

q) a degradação do revestimento da parede da garagem resultou do entupimento por acumular de resíduos nas caixas de águas residuais;

r) nas fracções dos Autores apenas estava prevista a pré-instalação do sistema de aspiração central;

s) os Autores tiveram pleno conhecimento de todas as anomalias em data anterior ao mês de julho de 2016.


2.4.- A ofensa do caso julgado

A sentença, em relação ao defeito descrito no ponto 40 dos factos provados ( “Ausência de roseta da válvula de seccionamento na moradia aludida em 2”) absolveu a Ré do pedido de eliminação com fundamento na caducidade do direito dos Autores.

Diz a sentença:

“(…)

Contudo, logrou provar que os autores desde a data em que começaram a utilizar e habitar as moradias (Outubro de 2012) tomaram conhecimento dos defeitos elencados nos pontos 26. 28., 40., 46., 47., 50. e 51. do elenco dos factos provados.

Atenta a natureza dos defeitos/anomalias em questão afigura-se-nos que se deve iniciar a contagem do prazo de caducidade relativamente a tais defeitos logo que os autores tiveram deles conhecimento.

Aliás, os autores denunciaram a maior parte deles através das cartas remetidas à ré em 16.11.2012 e 30.12.2013 – nomeadamente, os elencados nos pontos 26, 40, 46, 50 e 51.

Tendo os autores interposto a presente acção mais de três após terem sido realizadas as últimas denúncias, é manifesto que o direito de acção dos autores quanto aos aludidos defeitos já tinha caducado.”

Apenas a Ré recorreu de apelação, sustentando a caducidade do direito à eliminação de todos os demais defeitos. Na verdade, tendo a sentença recorrida decidido que a caducidade se verificava em relação aos defeitos enunciados nos pontos 26, 28, 40, 46, 47, 50 e 51, a Ré na apelação pediu a caducidade, também, quanto ao direito à eliminação dos defeitos descritos sob os nº s 33, 39 e 41.

Sucede que a Relação, no acórdão recorrido, decidiu condenar a Ré a eliminar os defeitos existentes nas fracções prediais autónomas dos autores, não só dos enunciados nos números 33, 34, 39, 41 a 45, 48 e 49 do elenco de factos provados, mas também do defeito descrito no ponto 40, correcção esta a efectuar pelo modo indicado no ponto 59 ( aplicação de nova roseta).

Importa assinalar que tendo a Ré sido absolvida pela sentença do pedido de eliminação do defeito enunciado no ponto 40, e dado que só a Ré recorreu, a sentença transitou em julgado relativamente ao mesmo. É que a interposição de recurso obsta à produção dos efeitos de caso julgado relativamente apenas quanto à decisão por ele abrangida.

Da conjugação dos arts.619 nº1, 621, 628, 635 nº2 e 5 CPC resulta a possibilidade do trânsito julgado parcial da sentença, ou seja, parte autónoma da decisão fica estabilizada, e sobre a mesma opera a preclusão pro judicato, pelo que o tribunal de recurso fica impedido de conhecer dessa questão.

Assim, a decisão sobre a absolvição da Ré quanto à eliminação do defeito enunciado no ponto 40 dos factos provados, transitou em julgado.

Conformando-se os Autores  com a decisão absolutória da eliminação do defeito descrito no ponto 40, e tendo apenas recorrido a Ré, a proibição da reformatio in pejus obsta a que a decisão seja mais desfavorável ao recorrente que a decisão impugnada, não permitindo que o Recorrente possa obter um resultado contrário ao pretendido, beneficiando-se a parte que se conformou com a decisão, por imperativo do art.635 nº5 CPC (  “os efeitos do julgado, na parte recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso, nem pela anulação do processo” ).

Segundo o princípio da proibição da reformatio in pejus, o recorrente não pode sair do tribunal mais prejudicado do que estava antes do recurso, sendo que o princípio limita os poderes de cognição.

Na situação dos autos verifica-se clara violação do princípio da reformatio in pejus, na medida em que a Relação não podia condenar a Ré na eliminação do defeito descrito no ponto 40 e, portanto, ocorreu violação do art.635 nº5 do CPC.

A lei não aponta expressamente qual a forma de impugnação, mas sabido que o princípio se funda na protecção do caso julgado, como emanação do princípio da segurança jurídica e da confiança, pode aqui ser invocada a ofensa do caso julgado. Para tanto, parece resultar do texto legal, ao referir “os efeitos do julgado na parte não recorrida”, sendo certo que a sentença constitui caso julgado “nos precisos limites e termos em que julga”.

Por conseguinte, estando o princípio da proibição da reformatio in pejus colimado ao caso julgado, legitimando o recurso a coberto do art.629 nº2 a) CPC ( cf. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6ª ed., pág.137 ), a infracção legal pode ser arguida pela via da ofensa do caso julgado. Noutra perspectiva, há quem afirme também como modo de arguição a nulidade do acórdão, por excesso de pronúncia ( art.615 nº1 e) CPC ) ( cf. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág.291 ).

Porque o acórdão violou o caso julgado, impõe-se a procedência da revista, sendo as custas a cargo dos Autores recorridos ( art.527 nº1 e 2 CPC).


2.5.- Síntese conclusiva

a) Da conjugação dos arts.619 nº1, 621, 628, 635 nº2 e 5 CPC resulta a possibilidade do trânsito julgado parcial da sentença, ou seja, parte autónoma da decisão fica estabilizada (caso julgado parcial) e sobre a mesma opera a preclusão pro judicato, pelo que o tribunal de recurso fica impedido de conhecer dessa questão.

b) O art.629 nº2 a) ( in fine) CPC abrange as situações do “caso julgado parcial”, na situação de segmentos decisórios distintos, em virtude da delimitação objectiva do recurso, designadamente quando em recurso de apelação a Relação modifica oficiosamente a sentença, na parte não recorrida, e portanto em termos mais desfavoráveis ao recorrente.



III – DECISÃO


Pelo exposto, decidem:

1)


Julgar procedente a revista e revogar o acórdão na parte em que condenou a ré “Moura & Dias – Sociedade de Construções, L.da” a eliminar os o defeito descrito no ponto  40 elenco de factos provados, correcção essa a efectuar pelo modo indicado no ponto 59 do mesmo elenco, no prazo de 120 dias a contar do trânsito em julgado desta condenação, mantendo-se a absolvição constante da sentença da 1ª instância.

2)


Condenar os Autores (recorridos) nas custas.


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 28 de Fevereiro de 2023.


Jorge Arcanjo (Relator)

Isaías Pádua

Manuel Aguiar Pereira