RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO
MEIO PROCESSUAL PRÓPRIO
Sumário


I- Ao juiz está vedada a não pronúncia sobre questões que lhe são colocadas, com fundamento no facto de a parte não ter utilizado o meio processual próprio, quando verificados os requisitos previstos no artº 193, nº3, do C.P.C., ao Recorrente assiste inteira razão.
II- impondo-se-lhe que corrija oficiosamente o meio processual utilizado, determinando que se sigam os meios processuais adequados para o conhecimento da questão colocada à sua apreciação
III- Pois os direitos de defesa de qualquer das partes não podem ser preteridos, por questões meramente formais, por irregularidades processuais praticadas nos autos ou por eventual incumprimento do dever do juiz a quo de apreciação da existência de título executivo.

Texto Integral


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: AA.
Recorrido: Mº Pº.
Tribunal Judicial da Comarca ..., V. Castelo - Juízo Fam. Menores - Juiz ...

AA, viúva, residente em Estrada Nacional ...04, n.º 3006, ..., ..., veio interpor recurso de revisão da decisão proferida que considerou extemporâneo o recurso interposto.

Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso a Recorrente, de cujas alegações extraíram, em suma, as seguintes conclusões:

1- A Recorrente não se pode conformar com a decisão que não admitiu o recurso de revisão apresentado, por extemporâneo.
2- O Tribunal a quo, na sua fundamentação, vem referir o seguinte:
o presente recurso deu entrada a 17 de Maio de 2022.
E ainda que “o conteúdo do mesmo, quanto ao tempo não é especialmente esclarecedor. Terá BB tomado conhecimento, agora, que alguém se gaba de haver tido relações com a progenitora e ser o pai do menor. Não identifica a requerente nem mês, nem dia, nem ano, optando por uma declaração de perpétuo presente. Sucede que a alegação de que soube de homem a afirmar relacionamento com CC e haver sido ele a gerar o menor, já foi transmitida por AA aos autos no douto requerimento entrado em 11 de Junho de 2021“.
3- Mais refere o Tribunal a quo: “O agora, como alegação em branco, tem de ser concretizado de forma a significar o seguinte: em 11 de Junho de 2021 BB tinha conhecimento de que havia homem que se atribuía a si ser o verdadeiro pai de DD. De lá até Maio de 2022 nada de novo é alegado quanto ao conhecimento de AA. A data do conhecimento tem especial relevo, uma vez que a revisão só pode tramitar se for iniciada nos sessenta dias seguintes àquele art. 697º n.2 CPC).”
4- Salvo o devido respeito por melhor entendimento, e conforme consta dos autos a recorrente apresentou recurso de revisão em 11 de Junho de 2021, contudo por lapso dirigiu o mesmo ao Tribunal da relação de Guimarães, ao invés de o dirigir ao tribunal de primeira instância que é o tribunal competente para decidir sobre o mesmo, o que veio a fazer em 17 de Maio de 2022.
5- Facto que foi mencionado na introdução do recurso de revisão apresentado em 17 de Maio de 2022, nos considerandos formulados pela aqui recorrente, quando se refere:
1) Considerando que por lapso, nos presentes autos, a aqui requerente apresentou a fls…, um recurso de revisão dirigido ao Tribunal da Relação, e que o recurso de revisão é um recurso extraordinário que não é interposto para o Tribunal da Relação nos termos do artigo 627º do CPC;
2) Considerando que nos termos do previsto no artigo 697 n.º 1 do CPC, o recurso de revisão é interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever.
6- Conforme consta dos presentes autos por despacho datado de 21-09- 2021, o tribunal a quo referiu o seguinte: “AA pretende recorrer para a Ve.ª Relação da decisão de 22 de Fevereiro de 2000. Como a própria constata, daquela “não foi então interposto recurso, tendo a mesma transitado”. A decisão, transitada, não admite recurso ordinário (art. 628º CPC). Os recursos extraordinários não são interpostos para o Tribunal da relação (art. 627 CPC).”
7- Pelo que, sempre se deverá considerar que se devem aproveitar os efeitos da apresentação do recurso em 11 de Junho de 2021 para a contagem do prazo de 60 dias referido no n.º 2 do artigo 697 do CPC, já que os fundamentos para o recurso de revisão já constavam do recurso apresentado em 11-06-2021, ainda que dirigido erradamente ou por lapso para Tribunal da Relação de Guimarães.
8- Pelo exposto, e salvo o devido respeito, no caso em apreço, não é de negar a aqui Recorrente o direito de requerer a revisão da sentença proferida nos presentes autos quanto à paternidade em causa, já que ainda de que forma errada, a recorrente apresentou um recurso de revisão em 11/06/2021, imediatamente após ter tomado conhecimento do facto que serve de base ao presente recurso.
9- Como é sabido, o recurso extraordinário de revisão visa anular uma decisão com fundamento em vícios próprios ou do respectivo procedimento, comportando-se como uma verdadeira acção com um duplo objectivo: o primeiro, de verificar a existência de qualquer vício na decisão transitada ou no processo a ela conducente - juízo rescindente; o segundo, de substituir a decisão proferida através da repetição da instrução e julgamento da acção.
10- Contudo, à data a recorrente não tinha conhecimento de que a mãe tivesse à época mantido relações sexuais com outro indivíduo que não o seu filho, já que o casal namorava há oito anos e não havia conhecimento ou rumores que indicassem o contrário, facto do qual tomou conhecimento, nos 60 dias anteriores à apresentação do recurso.
11- A recorrente pretende no presente recurso fazer uso de um meio de prova não utilizado na instrução da causa que deu azo a tal decisão.
Assim, e relativamente ao fundamento previsto na alínea c) do artigo 696 do CPCº, o caso em apreço apresenta duas especificidades, uma vez que por um lado, encontra-se em causa, não um documento, mas um exame e, por outro lado, trata-se de um meio de prova ainda não existente, mas a produzir.
12- O fundamento do presente recurso fundamenta-se ainda na convicção da recorrente de que o seu falecido filho não é pai biológico do DD nascido a .../.../1998 e ainda no argumento de que, face aos avanços da técnica, tal realidade irá ser seguramente comprovada pela realização de exames genéticos de paternidade.
13- Embora seja verdade que o falecido EE namorou com a mãe do menor durante oito anos, e que passava o seu tempo livre com aquela e que tinham planos para se casar, não é certo que a mãe do menor não se relacionasse com outro homem, face aos novos factos, dos quais a aqui recorrente apenas tomou conhecimento, dentro dos 60 dias anteriores à interposição do recurso interposto em 11/06/2021, existindo fundadas dúvidas de que a paternidade reconhecida corresponda à verdade.
14- Ora, se o 4º facto é compatível com uma eventual exclusão da paternidade do falecido EE - o mesmo pode ter namorado e mantido relações sexuais com a mãe do menor durante o referido período e o filho não ser dele -, o último facto – “durante esse período bem como nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do menor, a CC só teve relações de sexo com EE”- é incompatível com a profunda convicção aqui manifestada pela Recorrente, de que o DD não é filho do seu falecido filho EE.
15- Como tal, poderá a Recorrente efectuar a prova da falsidade das declarações da mãe, que levaram o tribunal que proferiu a sentença revidenda a dar como provado que a mãe não manteve relações sexuais com outro homem durante o período legal da concepção, mediante a realização de exames a efectuar nos presentes autos, recaindo a situação, não na alínea c), mas, sim, na alínea b), do citado artigo 696.º,
16- O recurso de revisão tem cabimento no âmbito do fundamento previsto na al. b), do artigo 697.º do CPC, não tendo de ser instruído com a prova da falsidade dos depoimentos em que o tribunal se baseou para declarar a paternidade, prova esta que poderá ser produzida na fase rescindente do recurso, precisamente mediante a realização dos exames requeridos pela Recorrente.
17- A situação em apreço insere-se na seguinte hipótese: a paternidade foi reconhecida unicamente pela demonstração no processo de que as relações de sexo que a mãe manteve com o falecido EE podiam ser a causa adequada da gravidez e do subsequente nascimento e de que a mãe do menor apenas as manteve com o filho da aqui Recorrente, sendo a partir destes dois factos que as máximas da experiência apontaram aquele como o autor da fecundação.
18- Ora, se à data em que foi proferida a sentença a rever era ainda esporádico o recurso à realização de exames de sangue para o estabelecimento da paternidade, constituindo então um meio de prova pouco seguro, servindo as mais das vezes unicamente para efeitos de exclusão da paternidade, como é expressamente reconhecido por José da Costa Pimenta, na citada obra, págs. 43 e 44.], no actual estado da ciência os exames de ADN (ou DNA) propiciam um elevado grau de segurança (com probabilidades bioestatísticas superiores a 99,5 %), constituindo a forma mais fiável de estabelecimento do vínculo biológico[14].
19- Com efeito, se apesar da declaração de paternidade efectuada em tal processo, e decorridos cerca de 21 anos, surgindo hoje fundadas dúvidas sobre a paternidade, o facto de ser possível proceder a exames de sangue, que com um grau de probabilidade próximo da certeza, nos dirão se o falecido filho da recorrente é, efectivamente, ou não, o pai biológico, contribuirá para uma pacificação de todos os interessados: se o teste confirmar que ele é o pai, o recurso de revisão será julgado improcedente; se o teste excluir a sua paternidade, confirmando a profunda convicção da aqui recorrente então, ter-se-á por justificada a reabertura do processo de investigação de paternidade, a fim de se fazer coincidir a verdade registral com a verdade biológica.
20- Deve, tendo em conta o princípio de aproveitamento de actos processuais, previsto no artigo 193º do CPC, considerar-se que o recurso foi apresentado atempadamente, já que o recurso apresentado em 11/06/2021 havia sido por lapso dirigido ao Tribunal da Relação de Guimarães, vindo a aqui recorrente através de novo articulado de recurso, e tendo em conta os considerandos apresentados na introdução do referido articulado de recurso de revisão que deu entrada nos autos em 17/05/2022, corrigir tal lapso.
21- Ao decidir em contrário o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 193º do CPC.
22- Em consequência, deve ser o presente recurso admitido, e ser considerado procedente, com todas as consequências legais, nomeadamente revogando-se a sentença proferida, e substituindo-a por outra que admita o recurso de revisão apresentado, seguindo-se os posteriores trâmites até final.

*
Os Apelados apresentaram contra-alegações pugnando pela improcedência da apelação interposta.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, a questão decidenda é, no caso, a seguinte:

- Analisar da eventual extemporaneidade do recurso de revisão interposto.
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III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

Além do que consta do relatório da presente decisão e com relevância para a decisão da causa, da decisão recorrida constam, designadamente, os seguintes fundamentos de facto e de direito:
(…)
AA pretende iniciar recurso de revisão em acção de investigação de paternidade contra em 1999, na comarca ... e que obteve decisão em Fevereiro de 2000.
Aquela declarou EE como progenitor de DD (filho de CC) nascido a .../.../1998. EE havia falecido em .../.../1998 e era filho de AA e de FF (entretanto falecido).
Motiva a R.te o seguinte:
A decisão … fundamentou-se nas declarações da mãe do menor e de AA … e de FF … A paternidade foi declarada … na manutenção de relações … com a mãe do menor durante o período legal … e na exclusividade ….
Sucede que a … recorrente, tomou agora conhecimento de um facto … decorridos todos estes anos, veio … a tomar conhecimento que durante o período em que terá sido concebido … DD … a mãe …terá mantido relações sexuais com outro indivíduo … masculino … que hoje afirma ter à data mantido relações sexuais com esta e ser o verdadeiro pai.
EE e CC namoraram oito anos, contavam casar um com o outro e a R.te não teve dúvidas em atribuir a geração ao filho. Pretende que não lhe seja negada a “prova dos nove”, a realização dos exames científicos que não foram pedidos aquando do julgamento.
O argumento resume-se a declaração de homem, não identificado, de que teria mantido, no período legal, trato sexual com CC e que seria ele o verdadeiro pai, sabendo disso a R.te agora.
É possível, com a necessária segurança, desatender a pretensão de BB, atento o teor dos autos.
O presente recurso deu entrada a 17 de Maio de 2022.
O conteúdo do mesmo, quanto ao tempo, não é especialmente esclarecedor. Terá BB tomado conhecimento, agora, que alguém se gaba de haver tido relações com a progenitora e ser o pai do menor. Não identifica a R.te nem mês, nem dia, nem ano, optando por uma declaração de perpétuo presente. Sucede que a alegação de que soube de homem a afirmar relacionamento com CC e haver sido ele a gerar o menor, já foi transmitida por AA aos autos no douto requerimento entrado em 11 de Junho de 2021. Exactamente nos mesmos termos, que se recordam:
A decisão … fundamentou-se nas declarações da mãe do menor e de AA … e de FF … A paternidade foi declarada … na manutenção de relações … com a mãe do menor durante o período legal … e na exclusividade ….
Sucede que a … recorrente, tomou agora conhecimento de um facto … decorridos todos estes anos, veio … a tomar conhecimento que durante o período em que terá sido concebido … DD … a mãe …terá mantido relações sexuais com outro indivíduo … masculino … que hoje afirma ter à data mantido relações sexuais com esta e ser o verdadeiro pai.
O agora, como alegação em branco, tem de ser concretizado de forma a significar o seguinte: em 11 de Junho de 2021 BB tinha conhecimento de que havia homem que se atribuía a si ser o verdadeiro pai de DD. De lá até Maio de 2022 nada de novo é alegado quanto ao conhecimento de AA.
A data do conhecimento tem especial relevo, uma vez que a revisão só pode tramitar se for iniciada nos sessenta dias seguintes àquele (art. 697º n.2 CPC).
Sendo manifestamente extemporâneo, não admitimos o recurso.
(…)
Fundamentação de direito.

Como fundamento da sua pretensão alega o Recorrente que “conforme consta dos autos a recorrente apresentou recurso de revisão em 11 de Junho de 2021, contudo, por lapso, dirigiu o mesmo ao Tribunal da relação de Guimarães, ao invés de o dirigir ao tribunal de primeira instância que é o tribunal competente para decidir sobre o mesmo, o que veio a fazer em 17 de Maio de 2022.

Facto que foi mencionado na introdução do recurso de revisão apresentado em 17 de Maio de 2022, nos considerandos formulados pela aqui recorrente, quando se refere:

1) Considerando que por lapso, nos presentes autos, a aqui requerente apresentou a fls…, um recurso de revisão dirigido ao Tribunal da Relação, e que o recurso de revisão é um recurso extraordinário que não é interposto para o Tribunal da Relação nos termos do artigo 627º do CPC;
2) Considerando que nos termos do previsto no artigo 697 n.º 1 do CPC, o recurso de revisão é interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever”.

Ora, “Conforme consta dos presentes autos por despacho datado de 21-09- 2021, o tribunal a quo referiu o seguinte: “AA pretende recorrer para a Ve.ª Relação da decisão de 22 de Fevereiro de 2000. Como a própria constata, daquela “não foi então interposto recurso, tendo a mesma transitado”. A decisão, transitada, não admite recurso ordinário (art. 628º CPC). Os recursos extraordinários não são interpostos para o Tribunal da relação (art. 627 CPC).”

Assim, com estes fundamentos conclui a Recorrente que, “sempre se deverá considerar que se devem aproveitar os efeitos da apresentação do recurso em 11 de Junho de 2021 para a contagem do prazo de 60 dias referido no n.º 2 do artigo 697 do CPC, já que os fundamentos para o recurso de revisão já constavam do recurso apresentado em 11-06-2021, ainda que dirigido erradamente ou por lapso para Tribunal da Relação de Guimarães”.

Em termos de factualidade refere, assertivamente a decisão recorrida o seguinte:
“(…)
O presente recurso deu entrada a 17 de Maio de 2022.
O conteúdo do mesmo, quanto ao tempo, não é especialmente esclarecedor. Terá BB tomado conhecimento, agora, que alguém se gaba de haver tido relações com a progenitora e ser o pai do menor. Não identifica a R.te nem mês, nem dia, nem ano, optando por uma declaração de perpétuo presente. Sucede que a alegação de que soube de homem a afirmar relacionamento com CC e haver sido ele a gerar o menor, já foi transmitida por AA aos autos no douto requerimento entrado em 11 de Junho de 2021. Exactamente nos mesmos termos, que se recordam:
A decisão … fundamentou-se nas declarações da mãe do menor e de AA … e de FF … A paternidade foi declarada … na manutenção de relações … com a mãe do menor durante o período legal … e na exclusividade ….
Sucede que a … recorrente, tomou agora conhecimento de um facto … decorridos todos estes anos, veio … a tomar conhecimento que durante o período em que terá sido concebido … DD … a mãe …terá mantido relações sexuais com outro indivíduo … masculino … que hoje afirma ter à data mantido relações sexuais com esta e ser o verdadeiro pai.
O agora, como alegação em branco, tem de ser concretizado de forma a significar o seguinte: em 11 de Junho de 2021 BB tinha conhecimento de que havia homem que se atribuía a si ser o verdadeiro pai de DD. De lá até Maio de 2022 nada de novo é alegado quanto ao conhecimento de AA.
(…)

Do exposto, decorre, assim, que a Recorrente apresentou o recurso de revisão em 11 de Junho de 2021, o qual, por lapso, dirigiu ao Tribunal da Relação de Guimarães, sendo que, com o objectivo de corrigir tal lapso, apenas apresentou novo articulado de recurso no tribunal de 1ª instância a 17/02/2022, sendo igualmente certo que o Tribunal da relação de Guimarães, ao invés de o dirigir ao tribunal de primeira instância que é o tribunal competente para decidir sobre o mesmo, não o fez.

O Artigo 193º, do C.P.C, dispõe o seguinte:

1 - O erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.
2 - Não devem, porém, aproveitar-se os actos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu.
3 - O erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados.

Por sua vez o artigo 196, do mesmo diploma legal, estipula que “Das nulidades mencionadas nos artigos 186.º e 187.º, na segunda parte do n.º 2 do artigo 191.º e nos artigos 193.º e 194.º pode o tribunal conhecer oficiosamente, a não ser que devam considerar-se sanadas; das restantes só pode conhecer sobre reclamação dos interessados, salvos os casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso”.

Isto considerado, como, pertinentemente, se refere no acórdão da Relação de Guimarães de 10.11.2016[i]:
(…)
Autor e réu têm ao seu alcance, ao longo do processo, meios de actuação que a lei processual lhes disponibiliza para veicularem e fazerem vingar as suas pretensões ou oposições, quer no plano do mérito, quer no das questões processuais (articulados, requerimentos, respostas, reclamações, recursos, embargos).
O n.º 3 cuida do erro da parte no acto de utilização de um desses meios, determinando o aproveitamento daquele que a parte haja inadequadamente qualificado, mas cujo conteúdo - subentende-se - se adeque ao meio que devia ter sido utilizado; o juiz, oficiosamente, observado o princípio do contraditório, corrige o erro e manda proceder à tramitação própria deste último".[ii]

Embora a propósito de diversa temática, sobre a amplitude da aplicação destes preceitos refere o Acórdão da Relação de Coimbra, de 26/04/2022, o seguinte:
“(…)
Em consequência desta opção do legislador, a intervenção do Juiz para efeito de apreciação de questões que determinariam, se conhecidas, o indeferimento liminar da execução, ou que impõem o seu aperfeiçoamento, só teria lugar, em regra, nos casos em que esta intervenção seja requerida, quer pelo Agente de Execução, conforme o impõe o artº 855 nº2, alínea b) do C.P.C., quer pelo executado, ainda que não tenha deduzido oposição à execução por embargos, mediante requerimento apresentado nos próprios autos de execução.

Neste caso, como refere Lebre de Freitas[iii] “Tratando-se de vícios cuja demonstração não carece de alegação de factos novos nem de prova, o meio da oposição à execução seria demasiado pesado, pelo que basta um requerimento do executado em que este suscite a questão no próprio processo executivo.”, limitado no entanto, às questões de conhecimento oficioso (e.g. a nulidade decorrente de o juiz não ter determinado o aperfeiçoamento do r.i., ou a correcção do meio processual utilizado indevidamente pelo exequente, nos termos previstos no artº 193 do C.P.C., a inexistência ou nulidade do título, a ilegitimidade de exequente ou executado face ao título apresentado, etc.).

Nestes casos, prevê-se que o juiz possa determinar o aperfeiçoamento do requerimento executivo, se necessário, e conhecer oficiosamente das questões que poderiam ter determinado o indeferimento liminar, até ao momento temporal referido no artº 734 do C.P.C[iv].

Ora esta possibilidade subsiste mesmo que tenha sido proferido despacho a determinar a citação do executado, sem que o tribunal tivesse então atentado no vício que poderia determinar o indeferimento liminar da execução, ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo e sem que esta possibilidade de proferir despacho de indeferimento liminar ou despacho de aperfeiçoamento, esteja limitada ou condicionada pelo facto de os executados, citados, não terem deduzido oposição à execução, não se considerando assim sanados os vícios, pela ausência de oposição.[v]

Conforme se refere no Ac. da relação de 17/05/17[vi] “o art. 734º-1 do CPC/2013, aliás com redacção similar às duas outras anteriores versões do CPC, dispõe com muita clareza que o juiz, antes do primeiro acto de transmissão de bens penhorados pode rejeitar a execução conhecendo oficiosamente das questões que poderiam ter determinado o indeferimento liminar. O que significa que tal despacho, naturalmente, nem sequer é um despacho de indeferimento liminar. Como explica mesmo o Prof. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3º, Coimbra Editora, ed. 2003, a pág.. 335, em anotação ao então correspondente art. 820º do CPC, “Até esse momento, o juiz deve rejeitar oficiosamente a execução, logo que se aperceba da ocorrência de alguma das situações susceptíveis de fundar o indeferimento liminar, quer não tenha havido despacho liminar proferido (art. 324-5), quer só posteriormente se tenha revelado no processo executivo ou, mesmo, no processo declarativo de oposição à execução.”…”A expressa consagração, desde o DL 329-A/95, da possibilidade de conhecimento oficioso superveniente dos fundamentos de indeferimento liminar harmoniza-se com esta possibilidade de fazer valer no processo executivo razões de que o juiz só se dá conta no processo de oposição…”.[vii]

Quer isto dizer que os executados que citados, não deduziram oposição à execução, poderiam ainda assim, invocar todas as questões que, por serem de conhecimento oficioso, deveriam ter sido conhecidas pelo juiz da causa, nos termos do artº 726 do C.P.C. e desde que observado o prazo previsto no artº 734 do C.P.C.

Assim sendo, embora não constituindo formalmente fundamentos de oposição à penhora, impunha-se ao magistrado de primeira instância concreta pronúncia sobre esta questão respeitante ao cumprimento dos requisitos exigidos por via do disposto no artº 46, alínea c) do C.P.C., para a formação do título executivo contra os executados, pessoas singulares, que nele outorgaram em alegada representação da sociedade.

Nestes termos, a impropriedade do meio empregue não pode servir como pretexto para o não conhecimento desta questão, tendo em conta que, como decorre do disposto no artº 193 nº3 do C.P.C., “o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os meios processuais adequados.” [viii]

Estava assim vedado ao juiz, sendo o invocado vício de conhecimento oficioso, abster-se de conhecer do mesmo com fundamento na impropriedade do meio, impondo-se-lhe a convolação do meio utilizado, para o meio processual adequado, de acordo com os princípios constitucionais previstos nos artºs 20 nº1 e 4 da Constituição e 2 do C.P.C.

Os direitos de defesa dos executados não podem ser preteridos, por questões meramente formais, por irregularidades processuais praticadas nos autos ou por eventual incumprimento do dever do juiz a quo de apreciação da existência de título executivo.

Por essa razão, se prevê que a concreta utilização de meio processual que não o expressamente previsto na lei, tem a consequência prevista no artº 193 nº3 do C.P.C. Refere-se este preceito já não ao erro na forma do processo, mas antes ao erro no meio processual utilizado. Como refere Lebre de Freitas[ix] “Autor e Réu têm ao seu alcance, ao longo do processo, meios de actuação que a lei processual lhes disponibiliza para veicularem e fazerem vingar as suas pretensões ou oposições, quer no plano do mérito, quer no das questões processuais (…). O nº3 cuida do erro da parte na utilização de um desses meios, determinando o aproveitamento daquele que a parte haja inadequadamente qualificado, mas cujo conteúdo (…) se adeque ao meio que devia ter sido utilizado; o juiz, oficiosamente, observado o princípio do contraditório, corrige o erro e manda proceder à tramitação própria deste ultimo.”

Constitui este preceito um corolário do princípio da cooperação e da adequação processual previsto nos artºs 6 e 7 do C.P.C. e do princípio da tutela jurisdicional efectiva, previsto no artº 2 do C.P.C. e consagrado como direito fundamental no artº 20 da nossa Constituição.

Nestes termos, por via destes preceitos, impõe-se ao magistrado que corrija oficiosamente o meio processual utilizado, determinando que se sigam os meios processuais adequados para o conhecimento da questão colocada à sua apreciação.

Está-lhe vedado, com base em argumentos estritamente formais, recusar a apreciação da nulidade ou inexistência de título executivo, pois que a tal obsta o disposto nos artºs 2 do C.P.C, 20 e 202 nº2 da Constituição, preceitos que consagram o princípio da tutela jurisdicional efectiva, que tem em si implícito o direito de acesso aos tribunais. Conforme definido pela nossa jurisprudência constitucional, mormente no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 259/2000 (DR, II série, de 7 de Novembro de 2000) que pela sua pertinência se transcreve: “O direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada das partes poder aduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e o resultado de umas e outras”.

Este direito de acesso aos tribunais não pressupõe a efectiva titularidade do direito ou interesse lesado ou ameaçado, mas “estando em causa o direito dos interessados a que o tribunal se pronuncie sobre a sua pretensão material, o princípio pro actione impede que simples obstáculos formais sejam transformados em pretextos para recusar uma resposta efectiva à pretensão formulada.”[x]

O direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva é assim, em si mesmo, um direito fundamental e a garantia imprescindível da protecção de outros direitos fundamentais como referem J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira[xi], “O direito de acesso aos tribunais (nº1) inclui, desde logo, no seu âmbito normativo, o direito de acção, isto é, o direito subjectivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional, (….) com o consequente dever (direito ao processo) do mesmo órgão de sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada.”

Significa isto que ao juiz está vedada a não pronúncia sobre questões que lhe são colocadas, com fundamento no facto de a parte não ter utilizado o meio processual próprio, quando verificados os requisitos previstos no artº 193, nº3, do C.P.C., porque, neste caso, se lhe impõe que convole o meio utilizado para o meio processual adequado”.[xii]
(…)

Ora, considerado tudo o exposto, e, designadamente, que se impõe ao magistrado que corrija oficiosamente o meio processual utilizado, determinando que se sigam os meios processuais adequados para o conhecimento da questão colocada à sua apreciação, ou seja, ao juiz está vedada a não pronúncia sobre questões que lhe são colocadas, com fundamento no facto de a parte não ter utilizado o meio processual próprio, quando verificados os requisitos previstos no artº 193, nº3, do C.P.C., ao Recorrente assiste inteira razão.

Na verdade, embora não havendo um grande rigor na indicação de datas, dúvidas não restam que se a Relação tivesse de imediato remetido o recurso de revisão para primeira instância, como se lhe impunha, tal recurso teria sido interposto tempestivamente, e portanto, seria admissível em razão da sua tempestividade.

Ora, constitui irregularidade que pode influir na boa decisão da causa, o indeferimento infundado da junção de parecer requerido no decurso da audiência de julgamento.

A sanação da irregularidade apenas exige que se admita a junção do documento, que se permita o exercício do contraditório, que se produzam alegações e que se profira nova sentença em que se analisem os pontos de vista e conclusões do aludido documento, não sendo, porém, a prova produzida afectada pela junção dos do documento.

Destarte, e pelo exposto, na procedência da apelação, decide-se revogar a decisão recorrida e, por decorrência, admite-se o recurso interposto, determinando-se a subsequente e normal tramitação dos autos.

Sumário – artigo 663, nº7, do C.P.C..

I- Ao juiz está vedada a não pronúncia sobre questões que lhe são colocadas, com fundamento no facto de a parte não ter utilizado o meio processual próprio, quando verificados os requisitos previstos no artº 193, nº3, do C.P.C., ao Recorrente assiste inteira razão.
II- impondo-se-lhe que corrija oficiosamente o meio processual utilizado, determinando que se sigam os meios processuais adequados para o conhecimento da questão colocada à sua apreciação
III- Pois os direitos de defesa de qualquer das partes não podem ser preteridos, por questões meramente formais, por irregularidades processuais praticadas nos autos ou por eventual incumprimento do dever do juiz a quo de apreciação da existência de título executivo.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação e, em consequência, decide-se revogar a decisão recorrida, admite-se o recurso interposto, determinando-se a subsequente e normal tramitação dos autos.

Sem custas
Guimarães, 16/ 02/ 2022.
Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.


[i] Cfr. Acórdão da Relação de Guimarães de 10.11.2016, proferido no processo 3711/14.0T8VNF-A.G1, in www.dgsi.pt.
[ii] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição, pág. 379. Sobre esta matéria veja-se o Ac. STJ de 10-2-2015 no Proc.572/14.2TYVNG-B.P1 e a doutrina do Ac. STJ 2/2010 de Fixação Jurisprudência, www.gde.mj.pt)”.
[iii] LEBRE DE FREITAS, José, A Ação Executiva, à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª edição, Coimbra editora, pág. 211.
[iv] Considerando-se, no entanto, cfr. defendemos no nosso Ac. proferido no TRL em 05/12/2019, proferido no proc. nº Nº2750/16.0T8OER-A.L1, que neste preceito se visa a protecção do terceiro adquirente e não do exequente, não relevando os pagamentos ou transmissão de bens ao próprio exequente.
[v] Veja-se no mesmo sentido, Ac. do TRL de 28/04/16, relator Nuno Sampaio, proc. nº 7262-13.1TBOER.L1-6, disponível in www.dgsi.pt.
[vi] Proferido no proc. nº 2638/07.6TTLSB.1.L1-4, disponível in www.dgsi.pt.
[vii] É esta aliás jurisprudência assente cfr. decorre dos Acs. do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-03-2015, processo n.º 28802/09.5T2SNT.L1-2; de 30-11-2010, processo n.º 5170/07.4TMSNT-A.L1-7, de 27/10/2016, processo nº. 4960/10.5TCLRS.L1-6 e de 24/10/19,processo nº 2218/14.0T8SNT-A.L1.L1-2; do TRP de 18/12/18, proc. nº 31688/15.7T8PRT-B.P1; do STJ de 30-11-2006 (revista n.º 3813/06 da 7.ª Secção), de 09-03-2004 (revista n.º 4109/03 da 7.ª Secção), e de 21-11-2011 (agravo n.º 2510/00 da 1.ª Secção).
[viii] Neste sentido, vide ainda Lebre de Freitas, José, ALEXANDRE, Isabel, Código de Processo Civil Anotado, 4ª ed., 2018, pág. 397, 398.
[ix] LEBRE DE FREITAS, José, ALEXANDRE, Isabel, ob.cit., págs.397, 398.
[x] MIRANDA, Jorge, MEDEIROS, Rui, Constituição Portuguesa Anotada, Vol. I, Universidade Católica Editora, 2017, pág. 321.
[xi] Constituição da República Portuguesa Anotada, págs. 162/163.
[xii] Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 26/04/2022, proferido no Processo nº 296/10.0TBPBL-C.C1, in www.dgsi.pt.