IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FACTOS CONCLUSIVOS E JURÍDICOS
ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
DEPÓSITO DO PREÇO
Sumário


I- Não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.).
II- Para efeitos processuais, tudo o que respeita ao apuramento de ocorrências da vida real é questão de facto e é questão de direito tudo o que diz respeito à interpretação e aplicação da lei.
III - No âmbito da matéria de facto, processualmente relevante, inserem-se todos os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis: os acontecimentos externos (realidades do mundo exterior) e os acontecimentos internos (realidades psíquicas ou emocionais do indivíduo), sendo indiferente que o respectivo conhecimento se atinja directamente pelos sentidos ou se alcance através das regras da experiência (juízos empíricos).
IV- A doutrina vem expressiva e veementemente exortando a jurisprudência para que atenda ao novo e adequado modelo de retractar a realidade a ponderar no concreto litígio que é chamada a dirimir – atenuando o espartilho tradicional, assente na clássica e, por vezes, esotérica divisão entre matéria de facto/matéria de direito (ou matéria conclusiva), não negando a inadmissibilidade da assimilação entre o julgamento da matéria de facto e o da matéria de direito ou a impossibilidade de, através de afirmação de pendor estritamente jurídico, superar os aspectos que dependem da decisão da matéria de facto.
V- A exigência está, actualmente, centrada na fluência e harmonia descritiva da matéria de facto, em detrimento da sua apresentação sincopada, tal qual a que resultava da mera transcrição do resultado de respostas afirmativas, positivas restritivas ou explicativas que usualmente preenchiam os pontos da base instrutória – e assim que optando-se por proposições de carácter mais abrangente ou de pendor mais genérico ou conclusivo, mas que permitam delimitar e compreender a matéria de facto que é relevante para a resolução do concreto litígio.
VI- Justificar-se-á um maior labor na sua concretização, seguindo um critério funcional que atenda às necessidades do concreto litígio, desde que, como é natural, seja respeitada a correspondência com a prova que foi produzida e bem assim os limites materiais da acção e da defesa.

Texto Integral


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: Herança indivisa de AA.
Recorrido: BB e CC.
Tribunal Judicial da Comarca ..., V.Real - JL C... - Juiz ...

Herança indivisa de AA, intentou a presente acção sob a forma de processo comum, contra BB, residente na com domicílio na Rua ..., ..., ..., ... e CC, residente na Rua ..., ..., ..., ..., alegando para o efeito, e em síntese, que a Autora é dona e legítima proprietária de um prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o n.º ...57 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...04, encontrando-se a propriedade ali registada em seu nome pela Ap. ... de 1999/10/08, sendo que, tal prédio é composto por cultura de sequeiro com oliveiras, tendo quatro mil metros quadrados, e está sito em ..., freguesia ..., concelho ....

Mais alega, que o prédio rústico da Autora confronta a sul com um prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o n.º ...56 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...08, encontrando-se a propriedade ali registada em nome do 2º Réu pela Ap. ...19 de 2019/02/12, sendo que o prédio é composto por cultura de sequeiro, vinha, amendoeiras e oliveiras, tendo a área de dois mil e quinhentos metros quadrados, são confinantes e contíguos entre si, destinando-se ambos ao cultivo agrícola.

Alega ainda, que em 28/01/2019, foi celebrada uma escritura pública de compra e venda no Cartório Notarial ..., na qual a 1ª Ré vendeu ao 2º Réu, pelo preço de 1.500,00€, o prédio em causa nos autos.

Acresce que nos princípios de Julho de 2020, o cabeça de casal da Autora apercebeu-se de que algo estaria diferente na vizinhança do prédio em causa nos autos e, numa visita a este prédio, veio a verificar que o muro de suporte de terras de xisto lá existente estava a ser destruído (pedra sob pedra).

Alega que em Outubro de 2020, o cabeça de casal diligenciou para saber os termos do negócio que havia ocorrido entre os Réus, tendo então tomado conhecimento da escritura supra referida bem como dos elementos essenciais (i.e., partes, coisas vendidas e preço) do negócio lá ínsito.

Termina, pedindo ao tribunal que 1) seja reconhecido à Autora o seu direito legal de preferência de haver para si o prédio rústico identificado no artigo 4º da petição inicial e, consequentemente, ser ordenada a sua substituição ao 2º Réu na escritura de compra e venda identificada nos autos ...) que se ordene, no registo, o averbamento da substituição do preferido (2º Réu) pela preferente (Autora) e se condene o 2º Réu a pagar à Autora a quantia de 3.600,00€, a título de indemnização por danos patrimoniais.

Regularmente citado, veio o Réu CC, deduzir contestação, para tanto, defendeu-se por excepção, por impugnação e deduziu reconvenção.

Assim, invocou a caducidade do direito de acção, por no seu entender a Autora ter tomado conhecimento deste negócio de compra e venda há mais de dois anos.

Alega ainda que a presente acção de preferência só deu entrada a 23 de Novembro de 2020, (um ano e dez meses, aproximadamente, após a celebração da escritura pública) e o 2º Réu só foi citado a 18/01/2021, isto é, depois de ter decorrido o referido prazo de seis meses de que a Autora dispunha, após o conhecimento dos elementos essenciais do negócio, para propor a presente acção.

No mais, impugnou os factos constantes da PI, alegando para efeito que, o 2º Réu foi trabalhador assíduo, como jornaleiro, da cabeça de casal da herança indivisa de AA, ora Autora e que em finais do ano de 2018, em dia que não sabe precisar, o 2ª Réu encontrava-se a trabalhar para o cônjuge sobrevivo da de cujus e, entre outras coisas, conversaram sobre o facto do prédio estar à venda.

Acresce que dias depois, o 2º Réu e o cônjuge sobrevivo da cujus falaram novamente sobre o prédio que estava à venda, do preço e forma de pagamento e este foi incentivando o 2º Réu a compra-lo, dizendo que fazia um bom negócio.

Alega ainda que, com o negócio dos autos, para além do preço, suportou ainda diversas despesas e que o preço acordado entre os Réus foi de 6.000 € (seis mil euros), pago no dia da outorga da escritura pública - 28 de Janeiro de 2019 - através de dois cheques, sacados sobre o Banco 1..., com os números ...84 e ...85, no montante de 3.000 € (três mil euros) cada, com datas de vencimento em 28 de Janeiro e 16 de Fevereiro de 2019, respectivamente.

Terminam pedindo ao tribunal que:

1) a presente acção seja julgada improcedente, com todas as consequências legais;
2) que se julgue totalmente procedente e provada a reconvenção e em consequência:
a) seja a Autora/Reconvinda condenada a exercer o direito de preferência pelo preço real de 6.000 € (seis mil euros), o qual deverá ser depositado no prazo de 15 dias contados da data do trânsito em julgado da sentença, sob pena de caducar o direito de preferência;
b) seja julgado procedente por provado o pedido de indeminização por via das benfeitorias realizadas e a Reconvinda condenada a pagar o montante global de 5.347,80 € (cinco mil trezentos e quarenta e sete euros, oitenta cêntimos) acrescido de juros à taxa legal desde a notificação da reconvenção até integral e efectivo pagamento, sendo 713 € a título de impostos pagos e despesas com o título de transmissão e a quantia de 4.634,80 € pelas benfeitorias efectuadas no prédio;
c) Declarar-se e reconhecer-se ao Reconvinte o direito de retenção sobre o identificado prédio e benfeitorias realizadas sempre até efectivo pagamento, com todas as consequências legais, com custas e demais encargos a cargo da Autora/Reconvinda.

Regularmente citada, veio a Ré BB, deduzir contestação, para tanto, defendeu-se por excepção alegando a caducidade do direito de preferência da Autora por no seu entender ter sido citada para os termos da presente acção em 15 de Janeiro de 2021 e a Autora ter interposto a presente acção em 23 de Novembro de 2020.

Acresce que, a escritura de compra e venda do prédio rústico em apreço nestes autos foi outorgada pelos Réus em 28 de Janeiro de 2019 e a partir do mês de Fevereiro de 2019, o 2.º Réu começou a praticar diversos actos materiais sobre o referido terreno.

Defendeu-se ainda por impugnação, alegando para o efeito que, não obstante ter declarado, nessa escritura pública, que vendeu tal terreno pelo preço de €1.500,00 (mil e quinhentos euros), a verdade é que o preço real da venda se cifrou em €6.000,00 (seis mil euros) e que não comunicou aos herdeiros que integram a Autora a sua intenção de proceder à venda desse prédio rústico, nem o preço pretendido pela alienação do mesmo.

Termina pedindo ao tribunal que a) seja a excepção peremptória extintiva de caducidade do direito de preferência da Autora ser julgada procedente, por provada, absolvendo-se os Réus dos pedidos contra si formulados na petição inicial b) seja julgada improcedente, por não provada, e, em consequência, os Réus absolvidos dos pedidos contra si formulados na petição inicial.

O Autor replicou respondendo às excepções deduzidas na contestação pelos Réus

Foi proferido despacho saneador, onde se afirmou a validade e regularidade da instância se fixou o objecto do litígio e se seleccionaram os temas da prova.

Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso a Autora, de cujas alegações extraiu, em suma, as seguintes conclusões:

1. Fruto do desvio aos cânones de integração e ordenação factual, bem como às mais elementares regras de apreciação da prova por testemunhos e documentos, a sentença laborou em erros judiciários que fulminam a natureza de Themis (mulher cega de balança e espada nas mãos).
2. A sentença julgou incorrectamente os factos n.º 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34 e 35.
3. Os factos n.º 13, 18, 19, 21 e 22 devem ser eliminados/considerados como não escritos (devido à sua inutilidade/irrelevância e natureza conclusiva).
4. Os factos n.º 14, 15, 16, 17 e 20 devem ser eliminados/ considerados como não escritos ou, na melhor das hipóteses, tidos como não provados (em face da sua inutilidade/irrelevância, e/ou falsidade e/ou natureza conclusiva).
5. O facto n.º 23 deve ser modificado (ex vi: da contraditoriedade e insuficiência do suporte probatório para a sua explicação temporal; da aceitação, na réplica, da confissão que o Réu fez na contestação, o que motivou a consequente ampliação da causa de pedir; das declarações da instrução) —, devendo ter a seguinte redacção:
«O 2º Réu, intencionalmente, arrancou as vinhas velhas do prédio identificado em 1) e, depois disso, surribou a terra onde as mesmas se encontravam».
6. O facto n.º 24 — o facto do preço dissimulado — (a)funda-se no entendimento de que as declarações prestadas à notária sobre o preço do negócio foram falsas em “função” de:
i. cheques bancários n.º ...84 (com a data de emissão de 28/01/2019 e apresentado a pagamento em 28/01/2019) e n.º ...85 (com a data de emissão de 16/02/2019 e apresentado a pagamento em 18/02/2019), que, de per si, têm dissonâncias temporais com a escritura;
ii. “rectificação” dos valores pagos a título de impostos (I.M.T e de imposto de selo) — o que, de acordo com os elementos constantes dos autos, não passa de uma fantasia;
iii. comprovativo do pagamento dos emolumentos prediais, reveste uma relevância completamente inócua;
iv. declarações de um irmão da Ré, que dizem uma coisa e o seu contrário;
v. declarações do outro irmão da Ré, que assentam no “ouvi dizer”;
vi. declarações da Ré, interessadas, erráticas e incoerentes;
vii. declarações do Réu, que, além do mais, diz ter cometido o crime de falsas declarações (para alegadamente não pagar, feitas as contas, 261,00€ em impostos).
7. A apreciação de que o preço declarado na escritura é falso assenta em elementos manifestamente trémulos e insuficientes — pelo que o facto n.º 24 deve ser considerado como não provado.
8. Os factos n.º 28, 30, 32, 34 e 35 devem ser tidos como não provados (por causa da insuficiência e/ou inexistência de suporte probatório).
9. O facto n.º 31 deve ser modificado (em face da sua incorrecção), devendo ter a sua redacção alterada.
10. Os factos n.º 29 e 33 devem ser dados como não provados ou, na melhor das hipóteses, modificados (ex vi: de precipitada redundância; e/ou inexistência de suporte probatório; e/ou incorrecção) — devendo ter, nesse caso, a sua redacção alterada.
11. A declaração judicial de substituição negocial subjectiva num instrumento de fé não pode implicar, em paralelo (ou concomitantemente), uma sua modificação negocial objectiva (sob pena de desvirtuar, em absoluto, o valor da declaração da entidade autenticadora — pois mesmo que escape de modo restritivo à proibição do art. 394.º do Código Civil, acaba por violar o art. 371.º do mesmo diploma, bem como o art. 1.º do Código do Notariado).
12. Mesmo que o facto n.º 24, na mais esdrúxula das hipóteses académicas, pudesse ser dado como provado, a realidade é que nunca poderia haver lugar a uma modificação paralela do preço nessa mesma escritura.
13. Sendo interposta uma acção judicial de preferência e vendo-se alegada pelos Réus a simulação de preço, ou há rectificação da escritura — com os Réus a corrigirem o alegado logro (pagando os impostos e sujeitando-se ao escrutínio do Ministério Público) — ou, então, a substituição subjectiva que se declare não implica qualquer modificação objectiva daquele preço (nem dá lugar, tampouco, por inexistência de fundamento jurídico, a qualquer outra transferência patrimonial inserta no perímetro da acção).
14. De modo que seja «processualmente reconhecido um crédito por benfeitorias, que têm que estar reunidos (alegados e provados) elementos factuais que permitam classificá-las como necessárias ou úteis; que permitam estabelecer o custo de cada uma delas, o valor que cada uma das despesas acrescentou à coisa e a medida do seu benefício no momento actual (data da entrega).».
15. In casu, e mesmo que na mais recôndita das hipóteses académicas os factos n.º 20, 23, 29, 30, 31, 32, 33, 34 e 35 se não vejam eliminados/não provados/modificados, soçobra o reconhecimento do direito a “benfeitorias” por qualquer uma de três razões:
i. quer por carência de alegação do valor que cada “despesa” acrescentou à coisa;
ii. quer por falência de alegação da medida do benefício de cada “despesa” no momento actual;
iii. quer por o prédio, actualmente, valer objectivamente menos do que quando foi vendido.
16. O possuidor de boa-fé responde pela deterioração da coisa se houver procedido com culpa.
17. In casu, o Réu destruiu intencionalmente as vinhas velhas — deteriorando, com isso, o prédio objecto da preferência (sendo a sua responsabilidade, entre o mais, teleológica e apagogicamente revelada).
18. A sentença em crise — imbuída de uma série impressionante de erros de avaliação — lança um violento ataque a Themis, nesse trilho violando os arts. 371.º/1, 394.º, 1269.º, 1273.º, 1380.º/1º, todos do Código Civil, bem como o art. 1.º do Código do Notariado e ainda os arts. 607.º/4 e 5 do Código de Processo Civil.

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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, a questão decidenda é, no caso, a seguinte:
- Apreciar a decisão da matéria de facto, apurando se ela deve ou não ser alterada, e, na hipótese afirmativa, se por consequência dessa eventual alteração, deve ou não ser também alterada a decisão proferida.
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III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

A- Factos provados:

Com relevo para a boa decisão da causa e com base na prova documental junta aos presentes autos, o tribunal julga provados os seguintes factos:

1- Mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., o prédio rústico identificado sob o n.º ...08, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...57, sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., composto por cultura de sequeiro com oliveiras, com 4000 m2 de área, o qual confronta de Norte com DD, de Nascente com Caminho, de poente com EE e Sul FF.
2- A aquisição do direito de propriedade sobre tal prédio, mostra-se pela AP n.º 1 de 1999/10/08 e tem como causa de aquisição “sucessão deferida em partilha”, encontrando-se inscrito em nome de AA.
3- Mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... o prédio rústico identificado sob o n.º ...12, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...56, sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., composto por cultura de sequeiro, vinha, amendoeiras e oliveiras, com 2500 m2 de área, o qual confronta de Norte com GG, de Nascente com HH de poente com EE e Sul caminho.
4- A aquisição do direito de propriedade sobre tal prédio, mostra-se pela AP n.º ... de 2019/02/2012 e tem como causa de aquisição “compra”, encontrando-se inscrito em nome de CC.
5- Resulta do teor da certidão de “Habilitação” junta aos autos que “no dia 16 de Fevereiro de dois mil e sete no Cartório Notarial ... compareceu II, o qual declarou que exerce o cargo de cabeça de casal na herança aberta por óbito sua mulher AA, que faleceu no dia trinta e um de Janeiro de dois mil e sete, sucedendo-lhe como únicos herdeiros o cônjuge e dois filhos, JJ e KK”.
6- Por escritura de compra e venda de 28/01/2019 lavrada no Cartório Notarial ..., BB declarou vender a CC que declarou comprar pelo preço de 1.500,00 euros, o prédio rústico sito em ... composto de cultura de sequeiro, vinha, amendoeiras e oliveiras, com a área de 2.500m2, a confrontar a Norte com GG, a Sul com caminho a Nascente com HH e a Poente com EE inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...56.
7- Os prédios identificados são confinantes e contíguos entre si, destinando-se ambos ao cultivo agrícola.
8- Nos princípios de Julho de 2020, o cabeça de casal da Autora apercebeu-se de que algo estaria diferente na vizinhança do prédio supra identificado em 1).
9- Numa visita a este prédio, veio a verificar que o muro de suporte de terras de xisto lá existente estava a ser destruído (pedra sob pedra).
10- Em Julho de 2020, ao vir de ..., reparou que estava uma pessoa a trabalhar no terreno contíguo ao prédio da Autora, tendo lá encontrado o 2º Réu.
11- Tendo-o abordado, a perguntar o que ali estava a fazer, bem como o que tinha acontecido ao dito muro, disse-lhe o 2º Réu que era o novo dono do prédio contíguo (porque o tinha comprado) e que o muro estava por ele a ser destruído para lá fazer uma “entrada”.
12- Em Outubro de 2020, o cabeça de casal diligenciou para saber os termos do negócio que havia ocorrido entre os Réus, tendo então tomado conhecimento da escritura supra referida em 6.
13- O 2º Réu foi trabalhador assíduo, como jornaleiro, da cabeça de casal da herança indivisa de AA.
14- Em finais do ano de 2018, em dia que não sabe precisar, o 2ª Réu encontrava-se a trabalhar para o cônjuge sobrevivo da de cujus e, entre outras coisas, conversaram sobre o facto do prédio estar à venda.
15- No decorrer da conversa, o 2º Réu mostrou-se interessado na compra do dito prédio.
16- Dias depois, o 2º Réu e o cônjuge sobrevivo da de cujus falaram novamente sobre o prédio que estava à venda.
17- Já em meados de Janeiro de 2019, o 2º Réu avisou o cônjuge sobrevivo da de cujus que tinha feito negócio com a ora 1ª Ré e que no dia 28 desse mês de Janeiro não ia trabalhar, porque ia assinar a escritura pública, no Cartório Notarial ....
18- Logo após a celebração da escritura pública de compra e venda, o 2º Réu começou a tratar do prédio, cultivando-o e nele fazendo obras.
19- Durante os anos de 2019 e 2020, o 2º Réu lavrou, plantou e colheu produtos hortícolas, tratou do olival e apanhou a azeitona, podou as videiras, enxertou, deitou sulfate, aplicou enxofre e fez a vindima.
20- Ainda durante o mês de Junho de 2019, o 2º Réu construiu no prédio em causa um tanque e uma pequena casa para arrumações.
21- No decurso das obras levadas a cabo pelo 2º Réu, para abrir outra entrada para o seu prédio, que parte do muro de suporte de terras do prédio referido nos artigos 2º e 3º da inicial caiu.
22- De imediato o 2ª Réu deu conta do sucedido ao cônjuge sobrevivo da de cujus e comprometeu-se a reparar o dano, o que veio a acontecer mais tarde, no mês de Setembro de 2020.
23- Já em Janeiro de 2021, o 2º Réu arrancou a vinha e surribou a terra, tudo de acordo com um projecto elaborado e aprovado para reestruturação e reconversão da vinha (...).
24- O preço acordado entre os Réus foi de 6.000 € (seis mil euros), pago no dia da outorga da escritura pública através de dois cheques, sacados sobre o Banco 1..., com os números ...84 e ...85, no montante de 3.000 € (três mil euros) cada, com datas de vencimento em 28 de Janeiro e 16 de Fevereiro de 2019.
25- Com a realização da escritura de compra e venda, o Reconvinte pagou no Cartório Notarial ..., a quantia de 190,00 €.
26- Com o registo de aquisição a seu favor, o Reconvinte gastou a quantia de 175,00 €.
27- Pagou ainda o Reconvinte a título de imposto de selo a quantia de 12,00 € e de imposto municipal sobre transmissões onerosas de imoveis a quantia de 75,00 €.
28- E, pela liquidação adicional de impostos, a Reconvinda deve entregar ao Reconvinte a quantia de 261,00 €.
29- o 2º Réu/Reconvinte construiu uma casa de arrumos e um tanque no prédio em causa, tendo despendido a quantia total de 2.240,00 €.
30- Com o material o 2º Réu gastou 1.585,00 €.
31- Mão de obra de pedreiro gastou 375,00 € (sendo que um pedreiro ganha 50 € por dia).
32- Mão de obra de ajudante de pedreiro gastou a quantia de 280,00 € (sendo que um ajudante de pedreiro ganha 40,00 € por dia.
33- O 2º Réu/Reconvinte decidiu ainda reestruturar e reconverter a vinha, o que fez ao abrigo de um projecto de reestruturação e reconversão, no âmbito do programa ... elaborado pelos técnicos do Centro de Gestão Empresa Agrícola ..., em ..., tendo já pago a quantia de 350,00 €.
34- Assim, o 2º Réu/Reconvinte procedeu ainda ao arranque da vinha tendo gasto a quantia de 420,00 € com a máquina que efectuou o arranque.
35- Para preparar o terreno para a nova plantação pagou a quantia de 1.144,80 € com a máquina que efectuou os trabalhos.
36- A 1.ª Ré não comunicou aos herdeiros que integram a Autora a sua intenção de proceder à venda desse prédio rústico, nem o preço pretendido pela alienação do mesmo.
37- A 1.ª Ré apresentou a pagamento o cheque n.º ...84 no dia 28 de Janeiro de 2019.
38- E apresentou a pagamento o cheque n.º ...85 em 18 de Fevereiro de 2019.

B- Factos não provados:

1- O cabeça de casal não sabia que esse prédio confinante ao da Autora havia sido vendido.
2- Dias depois, o 2º Réu e o cônjuge sobrevivo da de cujus falaram novamente sobre o prédio que estava à venda, do preço e forma de pagamento e este foi incentivando o 2º Réu a compra-lo, dizendo que fazia um bom negócio.
3- Logo após a celebração da escritura pública de compra e venda, o 2º Réu começou a tratar do prédio, cultivando-o e nele fazendo obras à vista de toda a gente.
4- À vista e com o conhecimento do cônjuge sobrevivo da de cujus, a quem ia pedindo opiniões e conselhos sobre o cultivo do prédio em causa.
5- A 1.ª Ré não fez essa comunicação, pela via formal, porque o cabeça de casal da Autora sempre lhe transmitiu que tinha um número considerável de terrenos, bem como que não lhe interessava adquirir mais propriedades rústicas.
6- O custo da reposição do muro de suporte de terras de xisto é de 3.600,00€
7- O 2º Réu quando ia trabalhar para o prédio que tinha comprado estacionava a sua carrinha no prédio identificado nos artigos 2º e 3º da petição inicial, com a autorização do cônjuge sobrevivo da de cujus.
8- Logo após a compra e como o prédio não dispunha de um acesso com largura suficiente para entrar um tractor ou máquina agrícola, o 2º Réu falou com o cônjuge sobrevivo da de cujus, para que este o deixasse abrir um outro acesso junto ao prédio referido nos artigos 2º e 3º da inicial, tendo obtido a sua anuência.
9- O cabeça de casal da herança e cônjuge sobrevivo da de cujus sempre soube, desde finais do ano 2018, do projecto de venda do prédio em causa e demais cláusulas do negócio e nunca manifestou intenção em adquirir o prédio em causa.

Fundamentação de direito.

Cumpre antes de mais proceder à apreciação da impugnação da matéria de facto pretendida pelos Apelante, pois sem a fixação definitiva dos factos provados e não provados não é possível extrair as pertinentes consequências à luz do direito.

Ora, como resulta do disposto nos artigos 640 e 662º do C.P.C., o recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto deve não só identificar os pontos de facto que considera incorrectamente como também especificar concreta e individualizadamente o sentido da resposta diversa que, em seu entender, a prova produzida permite relativamente a cada um dos factos impugnados.

A impugnação da matéria de facto traduz-se no meio de sindicar a decisão que sobre ela proferiu a primeira instância.

Contudo, nesta actividade, como se refere no acórdão da Relação de Guimarães, de 26/09/2018[i], os poderes do Tribunal da Relação não podem ser restritivamente circunscritos à simples apreciação do juízo valorativo efectuado pelo julgador a quo, ou seja, ao apuramento da razoabilidade da convicção formada pelo juiz da primeira instância face aos elementos probatórios disponíveis no processo, devendo antes a Relação, fazendo jus aos poderes que lhe são atribuídos enquanto tribunal de segunda instância que garante um segundo grau de jurisdição em matéria de facto, efectuar uma autónoma apreciação crítica das provas produzidas (em vista de formar uma convicção autónoma), alterando a decisão caso adquira, face a essa autónoma apreciação dos elementos probatórios a que há-de proceder, uma diversa convicção[ii].

A análise crítica dos elementos probatórios (em ordem à justificação racional da decisão – elemento verdadeiramente estruturante e legitimador desta, que lhe confere a natureza de decisão, afastando-a do que seria uma simples imposição judicial) consiste na sua apreciação e valorização, tanto individual como conjugada (na sua relacionação reversiva – na sujeição dos elementos probatórios a mútuos testes de compatibilidade), à luz das regras da normalidade, da verosimilhança, do bom senso e experiência da vida (das leis da ciência, quando for o caso).

Os meios probatórios têm por função a demonstração da realidade dos factos, sendo que, através da sua produção não se pretende criar no espírito do julgador uma certeza absoluta da realidade dos factos, o que, obviamente implica que a realização da justiça se tenha de bastar com um grau de probabilidade bastante, em face das circunstâncias do caso, das regras da experiência da comum e dos conhecimentos obtidos pela ciência.

Mas, como é óbvio, e convirá realçar, a liberdade na apreciação da prova não equivale a uma apreciação arbitrária das provas produzidas, uma vez que o inerente dever de fundamentação do resultado alcançado impedirá a possibilidade de julgamentos despóticos.

À luz de tudo o exposto importa agora sindicar a decisão da matéria de facto.se as respostas impugnadas foram ou não proferidas de acordo com as regras e princípios do direito probatório aplicáveis.
           
Ora, como resulta do supra exposto, a Recorrente impugna a materialidade fixada na decisão recorrida alegando como fundamento que o Tribunal recorrido considerou como provados, respectivamente, os factos a seguir referidos, os quais, contudo, em seu entender, em respeito pela integridade da prova produzida nos autos, deveriam ter obtido uma resposta de sentido diverso.

Assim, alega que:
-  “A sentença julgou incorrectamente os factos n.º 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34 e 35.
- Os factos n.º 13, 18, 19, 21 e 22 devem ser eliminados/considerados como não escritos (devido à sua inutilidade/irrelevância e natureza conclusiva).
- Os factos n.º 14, 15, 16, 17 e 20 devem ser eliminados/ considerados como não escritos ou, na melhor das hipóteses, tidos como não provados (em face da sua inutilidade/irrelevância, e/ou falsidade e/ou natureza conclusiva).

Alegam o recorrente que os factos n.º 13, 18, 19, 21 e 22 devem ser eliminados/considerados como não escritos (devido à sua inutilidade/irrelevância e natureza conclusiva), bem como, os factos n.º 14, 15, 16, 17 e 20 que igualmente devem ser devem ser eliminados/considerados como não escritos ou, na melhor das hipóteses, tidos como não provados (em face da sua inutilidade/irrelevância, e/ou falsidade e/ou natureza conclusiva).
“13- O 2º Réu foi trabalhador assíduo, como jornaleiro, da cabeça de casal da herança indivisa de AA.
14- Em finais do ano de 2018, em dia que não sabe precisar, o 2ª Réu encontrava-se a trabalhar para o cônjuge sobrevivo da de cujus e, entre outras coisas, conversaram sobre o facto do prédio estar à venda.
15- No decorrer da conversa, o 2º Réu mostrou-se interessado na compra do dito prédio.
16- Dias depois, o 2º Réu e o cônjuge sobrevivo da de cujus falaram novamente sobre o prédio que estava à venda.

17- Já em meados de Janeiro de 2019, o 2º Réu avisou o cônjuge sobrevivo da de cujus que tinha feito negócio com a ora 1ª Ré e que no dia 28 desse mês de Janeiro não ia trabalhar, porque ia assinar a escritura pública, no Cartório Notarial ....
18- Logo após a celebração da escritura pública de compra e venda, o 2º Réu começou a tratar do prédio, cultivando-o e nele fazendo obras.
19- Durante os anos de 2019 e 2020, o 2º Réu lavrou, plantou e colheu produtos hortícolas, tratou do olival e apanhou a azeitona, podou as videiras, enxertou, deitou sulfate, aplicou enxofre e fez a vindima.
20- Ainda durante o mês de Junho de 2019, o 2º Réu construiu no prédio em causa um tanque e uma pequena casa para arrumações.
21- No decurso das obras levadas a cabo pelo 2º Réu, para abrir outra entrada para o seu prédio, que parte do muro de suporte de terras do prédio referido nos artigos 2º e 3º da inicial caiu.
22- De imediato o 2ª Réu deu conta do sucedido ao cônjuge sobrevivo da de cujus e comprometeu-se a reparar o dano, o que veio a acontecer mais tarde, no mês de Setembro de 2020.

Como relação a estes actos alegam o recorrente que tais factos são dotados de:
- Irrelevância e inutilidade para o objecto do litígio;
- Natureza genérica e/ou conclusiva.
Ou ainda
- Falsidade, relativamente a alguns deles.

Como é consabido, é hoje jurisprudência pacifica a que vai nos sentido de que não se “Não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstância próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.).[iii]

Na fundamentação desse acórdão, a propósito deste assunto refere-se o seguinte:
“(…)
Veio, porém, a jurisprudência precisar ainda que a impugnação da decisão de facto não se justifica a se, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo antes um carácter instrumental face à mesma.
Com efeito, a «impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685.º-B [do anterior C.P.C.], visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada.

O seu efectivo objetivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, com bold apócrifo).
Logo, «por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente» (Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo nº 1024/12, com bold apócrifo).
Por outras palavra, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.
Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, com bold apócrifo. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo nº 6628/10).
(…)”

E assim sendo, face ao objecto do processo, os factos 13 a 16, embora revistam uma natureza meramente instrumental e não crucial com relação ao objecto do processo, revestem-se de relevante interesse para a para a decisão da causa.

Relativamente aos factos 17 a 22 alegam o recorrente a sua natureza conclusiva, sendo que, salvo o muito e devido respeito não se nos afigura que isso assim seja.

Como é consabido, “para efeitos processuais, tudo o que respeita ao apuramento de ocorrências da vida real é questão de facto e é questão de direito tudo o que diz respeito à interpretação e aplicação da lei.

Assim, no âmbito da matéria de facto, processualmente relevante, inserem-se todos os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis: os acontecimentos externos (realidades do mundo exterior) e os acontecimentos internos (realidades psíquicas ou emocionais do indivíduo), sendo indiferente que o respectivo conhecimento se atinja directamente pelos sentidos ou se alcance através das regras da experiência (juízos empíricos).

No mesmo âmbito, como realidades susceptíveis de averiguação e demonstração, se incluem os juízos qualificativos de fenómenos naturais ou provocados por pessoas, desde que, envolvendo embora uma apreciação segundo as regras da experiência, não decorram da interpretação e aplicação de regras de direito e não contenham, em si, uma valoração jurídica que, de algum modo, represente o sentido da solução final do litígio”.

Destarte, “verificando-se esta situação, constando da selecção da matéria de facto questões de direito, devem as mesmas ser consideradas não escritas (à semelhança do que dispunha o anterior CPC no seu art.º 646.º, n.º 4, 1.ª parte, embora o NCPC não contenha norma correspondente, mas cuja conclusão se impõe por imperativo do disposto no seu art.º 607.º, n.º 4, segundo o qual na fundamentação da sentença o juiz declara os “factos” que julga provados, o que significa que deve ser suprimida toda a matéria deles constante susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, juízos de valor ou conclusivos).
A distinção entre matéria de facto e matéria de direito tem sido controversa, quer na doutrina quer na jurisprudência.
O acórdão deste Tribunal e desta Secção, de 9/9/2014, proferido no processo n.º 5146/10.4TBCSC.L1.S1[iv], faz um resumo dos entendimentos, até então, adoptados, que aqui reproduzimos deste modo:
“Na formulação de Alberto dos Reis, «a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior; b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei»[v].
Segundo Karl Larenz, a “questão de facto” reporta-se ao que efectivamente aconteceu, enquanto a “questão de direito” se identifica com a qualificação do ocorrido em conformidade com os critérios da ordem jurídica[vi].
Existe, contudo, um continuum entre matéria de facto e matéria de direito e não uma oposição absoluta entre ambos os conceitos, pois na concreta aplicação do direito acaba por verificar-se uma correlatividade entre ambos os elementos[vii].
Há que partir, portanto, da unidade do caso jurídico decidendo e dos problemas jurídicos por si colocados, devendo distinguir-se dois tipos de questões: uma que se refere aos dados pressupostos pelo problema concreto – questão de facto – e outra que tem a ver com o fundamento e o critério do juízo e com o próprio e concreto juízo decisório – questão de direito[viii]. Na matéria de facto concorrem não apenas dados empíricos, mas todos os pressupostos objectivos do problema colocado, por exemplo, elementos sócio-culturais e até jurídicos[ix].
Contudo, a tradição do nosso pensamento jurídico, no seguimento de Alberto dos Reis, considera que a actividade do juiz se circunscreve ao apuramento dos factos materiais, devendo evitar que no questionário entrem noções, fórmulas, categorias ou conceitos jurídicos, inserindo, apenas, nos quesitos e na matéria de facto assente, factos materiais e concretos[x]. Continua o autor, afirmando que «tudo o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos, é actividade estranha e superior à simples actividade instrutória»[xi].
Se na resposta a determinado quesito houver matéria de facto e matéria de direito, deve aproveitar-se a decisão na parte relativa à primeira e considerar-se não escrita na parte relativa à segunda.
Tem-se entendido, na jurisprudência e na doutrina, que as respostas do julgador de facto sobre matéria qualificada como de direito consideram-se não escritas e que se equiparam às conclusões de direito, por analogia, as conclusões de facto, isto é, os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados[xii].
Para Teixeira de Sousa, «A selecção da matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica (cfr. STJ – 13/12/1983, BMJ 332, 437)[xiii].
Abrantes Geraldes defende que “devem ser erradicadas da condensação as alegações com conteúdo técnico-jurídico de cariz normativo ou conclusivo, a não ser que, porventura, tenham simultaneamente uma significação corrente e da qual não dependa a resolução das questões jurídicas que no processo se discutem”[xiv]».
Este sentido tem sido seguido pela melhor doutrina e jurisprudência.
Assim, embora só acontecimentos ou factos concretos possam integrar a selecção da matéria de facto relevante para a decisão (“o que importa não poderem aí figurar nos termos gerais e abstractos com que os descreve a norma legal, por que tanto envolveria já conterem a valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste”[xv]), são ainda de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objecto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objecto de disputa das partes.
Deste modo, “a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa; o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são flutuantes[xvi]. O que num caso pode ser facto ou juízo de facto, noutro pode ser juízo de direito[xvii].
De forma idêntica, adoptando o mesmo critério, tem decidido a jurisprudência, entendendo que são de afastar expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual, que sejam susceptíveis de influenciar o sentido da solução do litígio, ou seja, que invadam o domínio de uma questão de direito essencial[xviii].
Assim, a natureza conclusiva do facto pode ter um sentido normativo quando contém em si a resposta a uma questão de direito ou pode consistir num juízo de valor sobre a matéria de facto enquanto ocorrência da vida real. No primeiro caso, o facto conclusivo deve ser havido como não escrito. “No segundo, a solução depende de um raciocínio de analogia entre o juízo ou conclusão de facto e a questão de direito, devendo ser eliminado o juízo de facto quando traduz uma resposta antecipada à questão de direito[xix].[xx]

Sendo os descritos os termos em que tradicionalmente sempre tem vindo a ser colocada esta questão, tem havido alguma evolução nestes aspectos, no sentido de uma maior abertura no cruzamento entre matéria de facto e matéria de direito, como decorre do conteúdo do Acórdão da Relação do Porto, de 28/01/2021, onde expressamente se refere o seguinte:
“(…)
Não se desconhece não ter hoje justificação no nosso ordenamento processual civil a proibição de incluir factos conclusivos na fundamentação de facto das decisões judiciais. A doutrina vem expressiva e veementemente exortando a jurisprudência para que atenda ao novo e adequado modelo de retractar a realidade a ponderar no concreto litígio que é chamada a dirimir – atenuando o espartilho tradicional, assente na clássica e, por vezes, esotérica divisão entre matéria de facto/matéria de direito[xxi] (ou matéria conclusiva), não negando a inadmissibilidade da assimilação entre o julgamento da matéria de facto e o da matéria de direito ou a impossibilidade de, através de afirmação de pendor estritamente jurídico, superar os aspectos que dependem da decisão da matéria de facto, deve atentar-se que a ‘opção legislativa tem subjacente a admissibilidade de uma metodologia em que, com mais maleabilidade, se faça o cruzamento entre a matéria de facto e a matéria de direito’, devendo optar-se por uma descrição mais ou menos pormenorizada ou concretizada da matéria factual, ‘de acordo com as necessidades do pleito, desde que seja assegurada uma descrição natural e inteligível da realidade que, para além de revelar o contexto jurídico em que se integra, permita a qualquer das partes a sua impugnação[xxii].
A exigência está, actualmente, centrada na fluência e harmonia descritiva da matéria de facto, em detrimento da sua apresentação sincopada, tal qual a que resultava da mera transcrição do resultado de respostas afirmativas, positivas restritivas ou explicativas que usualmente preenchiam os pontos da base instrutória – e assim que optando-se ‘por proposições de carácter mais abrangente ou de pendor mais genérico ou conclusivo, mas que permitam delimitar e compreender a matéria de facto que é relevante para a resolução do concreto litígio’, justificar-se-á um ‘maior labor na sua concretização, seguindo um critério funcional que atenda às necessidades do concreto litígio, desde que, como é natural, seja respeitada a correspondência com a prova que foi produzida e bem assim os limites materiais da acção e da defesa.’[xxiii]
Não está, pois, actualmente excluído (e sem prejuízo de se buscar uma descrição factual e não juízos conclusivos[xxiv]) o recurso a expressões de conteúdo mais genérico ou até conclusivo, desde que permitam percepcionar a realidade invocada e estejam concretizadas e substanciadas nos demais factos que as contêm ou que a elas se reportam em ordem à concretização da realidade subjacente ao litígio (e acautelado o exercício do contraditório[xxv] e circunscrita a realidade a apreciar jurisdicionalmente para efeitos de delimitação do caso julgado material) – até porque tal proibição de uso de expressões conclusivas (‘proibição dos factos conclusivos’) não ‘corresponde às modernas correntes metodológicas na Ciência do Direito, que não se cansam de referir que a distinção entre matéria de facto e matéria de direito é totalmente artificial, dado que, para o direito, apenas são relevantes os factos que o direito qualificar como factos jurídicos. Para o direito, não há factos, mas somente factos físicos ou biológicos. Os factos são sempre um Konstrukt, pelo que os factos jurídicos são aqueles factos que são construídos pelo direito. Em conclusão: o objecto da prova não pode deixar de ser um facto jurídico, com todas as características descritivas, qualitativas, quantitativas ou valorativas desse facto.’[xxvi]
Assim que não sendo adequado, p. ex., numa acção real levar-se à matéria de facto a simples afirmação de que ‘o autor é o proprietário do prédio, numa pura petição de princípio que assimile a causa de pedir e o pedido’, não poderá já negar-se a possibilidade do juiz que presidiu ao julgamento ‘assumir essa qualificação acompanhada da invocação da existência de uma presunção registral (documentada) não ilidida ou, com mais utilidade ainda, sustentada na afirmação de que considera provada a prática pelo autor e seus antecessores, durante 20 ou 30 anos, de actos que normalmente caracterizam a posse reportada ao referido direito real ou noutras afirmações fácticas que correspondam, sem qualquer espécie de dúvida, aos segmentos normativos através dos quais o legislador regulou esta forma de aquisição originária.’[xxvii]
Estando a realidade a retractar exposta nos factos a que os ‘factos conclusivos’ ou ‘jurídicos’ se reportam, e não resolvendo o ‘facto conclusivo’, atento o objecto do litígio, a questão jurídica (a sorte da acção) senão com a consideração da realidade a que se reporta e acompanha (e que se limita a adjectivar, qualificar, valorizarsem substituir ou prescindir da enunciação concretizadora daquela realidade objectiva), permitindo-se sobre a matéria o integral e efectivo cumprimento do contraditório (respeitando-se, pois, os limites materiais da acção e da defesa) e alcançando-se a circunscrição/delimitação da realidade a apreciar jurisdicionalmente para efeitos de delimitação do caso julgado material, não poderá censurar-se o recurso a juízos conclusivos/valorativos.
Relevante e fundamental na apreciação da questão é a consideração do objecto da acção – matéria que constitua questão a decidir na causa (designadamente, em acção obrigacional, apurar se uma das partes é sujeito passivo do dever de indemnizar e respectivo montante) não pode ser incluída da decisão de facto, por constituir exclusiva questão de direito[xxviii]”.

À luz de tudo quanto se acaba de expender passemos então á análise da situação vertente.

E, assim sendo, analisado o conteúdo dos aludidos factos, sem necessidade de uma minuciosa análise, é de linear evidência que nada têm fora do que se acaba de descrever, mas antes linguagem comum que nada tem de conclusivo.

Mais alegam o recorrente que:
(…)

- O facto n.º 23 deve ser modificado (ex vi: da contraditoriedade e insuficiência do suporte probatório para a sua explicação temporal; da aceitação, na réplica, da confissão que o Réu fez na contestação, o que motivou a consequente ampliação da causa de pedir; das declarações da instrução) —, devendo ter a seguinte redacção:
«O 2º Réu, intencionalmente, arrancou as vinhas velhas do prédio identificado em 1) e, depois disso, surribou a terra onde as mesmas se encontravam».
23- Já em Janeiro de 2021, o 2º Réu arrancou a vinha e surribou a terra, tudo de acordo com um projecto elaborado e aprovado para reestruturação e reconversão da vinha (...).

- O facto n.º 24 — o facto do preço dissimulado — (a)funda-se no entendimento de que as declarações prestadas à notária sobre o preço do negócio foram falsas em “função” de:
i. cheques bancários n.º ...84 (com a data de emissão de 28/01/2019 e apresentado a pagamento em 28/01/2019) e n.º ...85 (com a data de emissão de 16/02/2019 e apresentado a pagamento em 18/02/2019), que, de per si, têm dissonâncias temporais com a escritura;
ii. “rectificação” dos valores pagos a título de impostos (I.M.T e de imposto de selo) — o que, de acordo com os elementos constantes dos autos, não passa de uma fantasia;
iii. comprovativo do pagamento dos emolumentos prediais, reveste uma relevância completamente inócua;
iv. declarações de um irmão da Ré, que dizem uma coisa e o seu contrário;
v. declarações do outro irmão da Ré, que assentam no “ouvi dizer”;
vi. declarações da Ré, interessadas, erráticas e incoerentes;
vii. declarações do Réu, que, além do mais, diz ter cometido o crime de falsas declarações (para alegadamente não pagar, feitas as contas, 261,00€ em impostos).
- A apreciação de que o preço declarado na escritura é falso assenta em elementos manifestamente trémulos e insuficientes — pelo que o facto n.º 24 deve ser considerado como não provado.

- Os factos n.º 28, 30, 32, 34 e 35 devem ser tidos como não provados (por causa da insuficiência e/ou inexistência de suporte probatório).

- O facto n.º 31 deve ser modificado (em face da sua incorrecção), devendo ter a sua redacção alterada.

- Os factos n.º 29 e 33 devem ser dados como não provados ou, na melhor das hipóteses, modificados (ex vi: de precipitada redundância; e/ou inexistência de suporte probatório; e/ou incorrecção) — devendo ter, nesse caso, a sua redacção alterada.

- A declaração judicial de substituição negocial subjectiva num instrumento de fé não pode implicar, em paralelo (ou concomitantemente), uma sua modificação negocial objectiva (sob pena de desvirtuar, em absoluto, o valor da declaração da entidade autenticadora — pois mesmo que escape de modo restritivo à proibição do art. 394.º do Código Civil, acaba por violar o art. 371.º do mesmo diploma, bem como o art. 1.º do Código do Notariado).

- Mesmo que o facto n.º 24, na mais esdrúxula das hipóteses académicas, pudesse ser dado como provado, a realidade é que nunca poderia haver lugar a uma modificação paralela do preço nessa mesma escritura.
- Sendo interposta uma acção judicial de preferência e vendo-se alegada pelos Réus a simulação de preço, ou há rectificação da escritura — com os Réus a corrigirem o alegado logro (pagando os impostos e sujeitando-se ao escrutínio do Ministério Público) — ou, então, a substituição subjectiva que se declare não implica qualquer modificação objectiva daquele preço (nem dá lugar, tampouco, por inexistência de fundamento jurídico, a qualquer outra transferência patrimonial inserta no perímetro da acção).
- De modo que seja «processualmente reconhecido um crédito por benfeitorias, que têm que estar reunidos (alegados e provados) elementos factuais que permitam classificá-las como necessárias ou úteis; que permitam estabelecer o custo de cada uma delas, o valor que cada uma das despesas acrescentou à coisa e a medida do seu benefício no momento actual (data da entrega).».

Procedendo agora à análise da impugnação.

Relativamente ao facto 23 diz-se na fundamentação da decisão o seguinte:
(…)
LL, ex-companheira do Réu, num depoimento objectivo e conciso atestou que o CC trabalhava para o Autor e que disse que ia fazer a escritura do terreno e que ia comprar um terreno em .... Relatou que o Sr. AA fazia os pagamentos aos sábados e que ouviu o Réu dizer-lhe “não se esqueça Sr. AA que na segunda vou fazer a escritura do terreno”. Esclareceu que o CC foi logo para a MM tirara as oliveiras e começou logo a trabalhar no prédio com a construção de uma casa de arrumos, para colocar as ferramentas. Explicou que fez um tanque e comprou telhas, tijolos. Relatou que andou lá com um amigo durante uma semana e teve que lhe pagar. Relatou que ouviu o Sr. CC falar com o Sr. AA sobre o projecto das vinhas”.

“Relativamente aos demais danos peticionados pela Autora Herança Indivisa de AA, pela destruição da vinha, deverá também improceder na medida em que a inutilização de coisa alheia representa, por via de regra, um prejuízo patrimonial, uma diminuição do valor ou da utilidade económica da coisa, tanto para o proprietário como para todos aqueles que sobre ela têm a disponibilidade de fruição das suas utilidades.
Ora, como decorre do disposto no artigo 483. º n.º 1, do CC “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesse alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Pelo exposto, não tendo a Autora à data dos factos a disponibilidade de fruição das utilidades económicas da vinha, não lhe assiste o direito a ser indemnizada”.

Por outro lado, relativamente ao corte não há dúvida de que o corte foi intencional, como acto de vontade livre, mas não se logrou a demonstração de que subjacente a essa intencionalidade tenha estado a vontade de prejudicar alguém.

E assim sendo, tal facto, com o conteúdo que possui, respeita a integridade da prova produzida e carece de relevância porque afasta o eventual direito a qualquer indemnização pelos aludidos danos.

- Os factos n.º 28, 30, 32, 34 e 35 devem ser tidos como não provados (por causa da insuficiência e/ou inexistência de suporte probatório).
- O facto n.º 31 deve ser modificado (em face da sua incorrecção), devendo ter a sua redacção alterada.
- Os factos n.º 29 e 33 devem ser dados como não provados ou, na melhor das hipóteses, modificados (ex vi: de precipitada redundância; e/ou inexistência de suporte probatório; e/ou incorrecção) — devendo ter, nesse caso, a sua redacção alterada.
- A declaração judicial de substituição negocial subjectiva num instrumento de fé não pode implicar, em paralelo (ou concomitantemente), uma sua modificação negocial objectiva (sob pena de desvirtuar, em absoluto, o valor da declaração da entidade autenticadora — pois mesmo que escape de modo restritivo à proibição do art. 394.º do Código Civil, acaba por violar o art. 371.º do mesmo diploma, bem como o art. 1.º do Código do Notariado).

Ora, atendendo ao disposto nos artigos 216.º, n.ºs 2 e 3 e 1273.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, afigura-se que as intervenções documentadas pelo Réu CC e vertidas nos factos provados em (…) 29) 30), 31) 32), 33), 34) e 35) configuram benfeitorias úteis, por referência à noção contida no n.º 2 do artigo 216.º do Código Civil, devendo o réu CC ser sujeito ao regime previsto para os possuidores de boa fé (cfr. artigo 564.º, al. a), do C.P.C.), em virtude do qual têm direito a haver o valor que gastou com o imóvel.

28- E, pela liquidação adicional de impostos, a Reconvinda deve entregar ao Reconvinte a quantia de 261,00 €.
29- O 2º Réu/Reconvinte construiu uma casa de arrumos e um tanque no prédio em causa, tendo despendido a quantia total de 2.240,00 €.
30- Com o material o 2º Réu gastou 1.585,00 €.
31- Mão de obra de pedreiro gastou 375,00 € (sendo que um pedreiro ganha 50 € por dia).
32- Mão de obra de ajudante de pedreiro gastou a quantia de 280,00 € (sendo que um ajudante de pedreiro ganha 40,00 € por dia.
33- O 2º Réu/Reconvinte decidiu ainda reestruturar e reconverter a vinha, o que fez ao abrigo de um projecto de reestruturação e reconversão, no âmbito do programa ... elaborado pelos técnicos do Centro de Gestão Empresa Agrícola ..., em ..., tendo já pago a quantia de 350,00 €.
34- Assim, o 2º Réu/Reconvinte procedeu ainda ao arranque da vinha tendo gasto a quantia de 420,00 € com a máquina que efectuou o arranque.
35- Para preparar o terreno para a nova plantação pagou a quantia de 1.144,80 € com a máquina que efectuou os trabalhos.

De modo consistente refere a motivação da decisão recorrida o seguinte:

No que respeita aos factos provados n.ºs 07 a 39, tiveram-se em apreço os depoimentos/declarações de parte do cabeça de casal da Herança e dos réus, bem como dos documentos junto aos autos, designadamente, fotocopias dos cheques, factura n.º ...1, factura n.º...01/A, factura n.º ..., e demais documentos juntos, aos depoimentos das testemunhas NN (irmão da Ré), OO (irmão da ré), LL (ex-companheira do Réu CC) PP (irmã do Réu), QQ (amiga do Réu) e RR (servente construção civil), os comprovativos de pagamento do I.M.T., do Imposto de Selo, dos emolumentos prediais, os cheques emitidos pelo réu.

Em decorrência, sopesando todos estes meios de prova, que não são contrariados pelo restante acervo probatório, e tendo presente o critério plasmado no artigo 414.º do C.P.C., concluiu-se pela verificação da materialidade descrita sob os factos provados n.ºs 7 a 38.

Relativamente ao teor do facto 24, atestando a credibilidade e consistência dos depoimentos prestados refere-se o seguinte:
(…)
Vejamos então as declarações de parte da Ré BB. A Ré prestou um depoimento que se afigurou como credível, verdadeiro, genuíno e espontâneo. Apresentou um discurso que mereceu credibilidade e que não conteve pontos contraditórios entre si. Revelou assertividade e objectividade. Assim, confirmou ao Tribunal que sempre viveu na freguesia ... e que conhece o Autor nesta acção porque o mesmo mora numa ... perto. Esclareceu que vendeu o prédio ao Sr. CC e o Sr. OO e os filhos querem exercer a preferência. Adiantou que o Sr. CC andava a vindimar para si e em conversa com o seu irmão disse que queria comprar um prédio. Explicou que o seu irmão em face disto, disse ao Sr. CC que tinha um bom prédio, que era este. Referiu que fizeram a escritura e o Sr. CC passou-lhe dois cheques de 3.000,00€. Explicou também, que um cheque recebeu logo e o outro mais tarde porque o Sr. CC pediu para o receber no final do mês de Fevereiro. Clarificou que vendeu o prédio por 6.000,00€. Atestou que nunca falou com o Sr. OO por causa do prédio.
(…)
NN, irmão da Ré, num depoimento verdadeiro e credível atestou que o prédio foi vendido ao Sr. CC. Adiantou que na altura o Sr. CC trabalhava para o Sr. II. Referiu que o prédio foi vendido por 6.000,00€. Esclareceu que o Réu lhe disse que queria abrir um caminho e que pediu ao Sr. AA para rebentar uma fraga. Atestou que teve conhecimento que o muro caiu, mas já está feito no mesmo lugar. Atestou que se encontrou com o Sr. II junto ao seu prédio e que ele queria falar com a sua irmã, no entanto, transmitiu-lhe que não estava interessado no terreno porque já tinha muitos.
OO, irmão da Ré. Num depoimento verdadeiro e credível, atestou que o Sr. CC andou na vindima da sua irmã e olhou para o terreno e disse que estava interessado e assim comprou o terreno por 6.000,00€. O sr. CC entregou 2 cheques á sua irmã, cada um, de 3.000,00€, um para levantar de imediato e outro para levantar mais à frente. Explicou que não sabe se a irmã ofereceu o prédio aos vizinhos. Relatou que o Réu começou logo a trabalhar no prédio. Esclareceu que o Réu fez uma casa com um depósito para a água. Adiantou que o Réu lhe transmitiu que tinha pedido dinheiro emprestado ao Sr. AA para comprar o terreno.
(…)
Em decorrência, sopesando todos estes meios de prova, que não são contrariados pelo restante acervo probatório, e tendo presente o critério plasmado no artigo 414.º do C.P.C., concluiu-se pela verificação da materialidade descrita sob os factos provados n.ºs 7 a 38.
Relativamente ao valor pago pela aquisição do prédio descrito sob o n.º ...56 os réus BB e CC, coincidiram que este último procedeu ao pagamento do montante de €6.000,00 pela sua aquisição, o que foi confirmado pelas testemunhas NN e OO, irmãos da Ré BB.
(…)
Atentando nos cheques emitidos pelo réu CC, verifica-se que estes foram emitidos à ordem da ré BB, e, um deles encontra-se datado de 16/02/2019, mas só foi apresentado a pagamento em 18/02/2019 e outro datado de 28/01/2019 e apresentado a pagamento nesse mesmo dia, ambos no valor de 3.000,00 cada, perfazendo assim, o montante de 6.000,00€ o que confirma a explicação dada pelo Réu CC e da Ré BB
Acresce que a circunstância do réu CC ter procedido à rectificação dos valores pagos a título de I.M.T e de imposto de selo no decurso do pleito apesar de não se revelar decisiva, demostra claramente que a sua versão é coincidente com a narrativa dos autos de que efectivamente o montante do prédio foi superior ao declarado. Ainda assim, apesar dessas rectificações resultarem da mera iniciativa daquele, resulta evidenciado de “per si” que o imóvel fora transaccionado pelo valor de 6.000,00€. No entanto, ainda assim, cremos que a coincidência de datas existente (v.g. um cheque foi apresentado a pagamento e foi pago no dia da outorga da escritura e o outro posteriormente), permite inferir, na ausência de qualquer outra causa explicativa, que o montante de €6.000,00 terá sido pago pelo Réu CC, o que confere verosimilhança às declarações de parte prestadas pelos mesmos.
(…)
Adicionalmente, se atentarmos no comprovativo de pagamento do I.M.T. dos emolumentos prediais, verifica-se que foi pago pelo réu CC o montante global de € 225,00 e 36,00 € a título de imposto de selo e decorrendo do artigo 27.º-A do Decreto-Lei n.º 322/2001, de 14 de Dezembro, com a redução prevista no artigo 28.º, n.º 33.1, do Decreto-Lei n.º 322/2001, de 14 de Dezembro (“os emolumentos devidos pelo procedimento especial de transmissão, oneração e registo previstos no artigo 27.º-A, n.os 1 e 2, são reduzidos em 50 /prct. quando respeitem apenas a prédios rústicos de valor inferior a (euro) 10 000”), o que torna compreensível que o prédio rústico foi formalmente alienado por um valor inferior a € 10.000,00).

No que concerne ao pagamento do preço refere o acórdão o seguinte[xxix]:

I- A substituição “ex tunc” decorrente da procedência da acção de preferência, respeita tão só à titularidade do direito, fundada na lei, e não constitui o substituto (preferente) em qualquer obrigação perante o substituído, mormente a de repor o “status quo ante” que ele tinha se não tivesse celebrado o negócio que veio a ser objecto da acção de preferência triunfante.
II – Entre o preferente e o terceiro/adquirente não existe qualquer relação jurídica concreta que vincule o primeiro a algum tipo de prestação a favor do segundo e, para além de não existir qualquer contracto entre o preferente e o adquirente, o exercício da preferência não representa um facto gerador de qualquer responsabilidade do primeiro relativamente ao segundo.
III- É sobre a vendedora que recai a obrigação de reembolsar a adquirente, desde que verificados os demais pressupostos da respectiva responsabilidade, que julgamos ser uma responsabilidade pré-contratual, cfr. art.º 227.º do C.Civil, por violação do princípio da boa-fé negocial, pelas despesas realizadas e não recuperáveis – como sejam as despesas com a realização da escritura e respectivo registo da aquisição, etc.
“A simulação não aproveita aos preferentes, que podem exercer o seu direito de preferência, mas pelos valores reais. Como afirma MOTA PINTO a preferência pelo preço declarado é irrazoável, pois ‘a torpeza dos simuladores não legitima um locupletamento do terceiro preferente, que não seria menos torpe’. Este entendimento estava expressamente consagrado no anteprojecto do Código Civil elaborado por RUI DE ALARCÃO e é partilhado pela generalidade da doutrina, bastando atentar em autores como MANUEL DE ANDRADE, MENEZES CORDEIRO, CARVALHO FERNANDES, ALMEIDA COSTA e RIBEIRO DE FARIA. Apenas CASTRO MENDES e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA partilham a opinião contrária. A jurisprudência pode também considerar-se uniforme no sentido de que ‘no caso de simulação do preço, com declaração de um preço inferior para fugir ao fisco, a preferência tem que ser exercida pelo preço real”. Pode mesmo afirmar-se, como decidiu o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Março de 1997, que ‘abusa do direito quem pretende aproveitar-se do seu direito de preferência para obter para si um bem muito superior em valor ao que quer atribuir em detrimento do alienante e do adquirente, já que excedido está manifestamente o limite imposto pelos bons costumes, a traduzir um injusto enriquecimento’ . Pela nossa parte entendemos até que não é apenas o limite imposto pelos bons costumes que é excedido, mas também o próprio fim social ou económico do direito. O fim social ou económico da preferência é o de permitir que o preferente contrate em condições iguais às de qualquer outra pessoa e não o de permitir que o preferente alcance um enriquecimento injustificado que é, de resto, afastado em geral pelo legislador (art. 473º do Cciv.).

Destarte, se por tudo o exposto, impõe-se concluir pela improcedência da apelação, com a consequente manutenção da decisão recorrida, também na sua fundamentação jurídica, pois que, como se refe na decisão recorrida “Encontra-se evidenciado que em 28/01/2019 foi outorgado instrumento de compra e venda na Conservatória do Registo Predial ..., no qual a Ré BB, declarou na qualidade proprietária do prédio rústico descrito sob o n.º ...56, pelo preço de €1.500,00, já recebido, tendo o Réu CC declarado aceitar a compra nos termos exarados.
O prédio descrito sob o n.º ...08, alienado a favor do réu CC, confronta do lado poente com o prédio descrito sob o n.º ...04, sendo que os dois imóveis constituem prédios rústicos e apresentam sobretudo oliveiras. De acordo com o disposto nos n.ºs 1 a 3 do artigo 49.º da Lei n.º 111/2015, de 27 de Agosto, entende-se por unidade de cultura “a superfície mínima de um terreno rústico para que este possa ser gerido de uma forma sustentável, utilizando os meios e recursos normais e adequados à obtenção de um resultado satisfatório, atendendo às características desse terreno e às características geográficas, agrícolas e florestais da zona onde o mesmo se integra”, relevando para o efeito a “distinção entre terrenos de regadio, de sequeiro e de floresta, categorias reconhecidas a partir das espécies vegetais desenvolvidas, bem como das características pedológicas, edáficas, hídricas, económico-agrárias e silvícolas dos terrenos, aferidas com recurso às cartas de capacidade de uso do solo”, mas “sempre que não seja possível o reconhecimento do tipo de terreno (…) deve ser atribuída a categoria de terreno de sequeiro”.
A Portaria n.º 219/2016, de 9 de Agosto, ao contrário do que sucedia com a Portaria n.º 202/70, de 21 de Abril, somente distingue entre terrenos de sequeiro e terrenos de regadio, e, nesse conspecto, verifica-se que ambos os prédios dispunham oliveiras, árvores que não carecem de um sistema de rega, pelo que os imóveis constituíam terrenos de sequeiro, o que implica que ambos os prédios possuam áreas inferiores à unidade de cultura aplicável a esta zona do país (8 ha).
Com ressalva de que os réus não colocaram em crise as confrontações que a autora indicou, pelo que se constata estar suficientemente evidenciado que o réu CC não era proprietário de qualquer outro imóvel confinante com o prédio descrito sob o n.º ...04.
O direito de preferência sob análise, atendendo ao disposto nos artigos 1380.º, 1381.º, al. a) e 1382.º do Código Civil, apenas faz sentido em relação a prédios rústicos afectos à cultura agrícola, ou a porções de terra cultiváveis, pois o legislador pretende que sejam estabelecidas unidades de cultura, economicamente rentáveis4, mas a esse respeito não logrou o réu CC demonstrar, como lhe cabia (cfr. artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil), que o prédio descrito sob o n.º ...08 foi destinado a construção e que aí tivesse sido iniciada a construção de um edifício susceptível de converter o imóvel num prédio urbano.
De igual modo, também ficou indemonstrado que a autora visasse a aquisição do prédio descrito sob o n.º ...08 para fins construtivos, para daí se concluir que o exercício do direito de preferência se revelava abusivo, por referência ao disposto no artigo 334.º do Código Civil.
Verifica-se, pois, que não se mostra evidenciada a verificação da parte final da alínea a) do artigo 1381.º do Código Civil, para além da materialidade provada não permitir concluir que se verifique os demais pressupostos negativos contidos no artigo 1381.º do Código Civil.
Deste modo, quando a Ré BB pretendeu vender ao réu CC o prédio descrito sob o n.º ...08 deveria ter comunicado à autora, enquanto titular de um direito de preferência, o projecto da venda e as cláusulas do respectivo contracto, atento o preceituado nos artigos 416.º, n.º 1 e 1380.º, n.º 4, do Código Civil. Não tendo a Ré BB logrado demonstrar que foi feita tal comunicação, como lhes competia (cfr. artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil)5, e avançando para a celebração do instrumento de compra e venda de 28/01/2019 actuou ilicitamente, pelo que assiste à autora o direito a haver para si a coisa alienada (cfr. artigo 1410.º, n.º 1, do Código Civil).
Em paralelo, também não resulta da materialidade provada que a autora tenha renunciado ao exercício do direito de preferência, conforme os réus tinham invocado, de que o mesmo não pretendia exercer a preferência, porque terrenos já tinha muitos.
Em face do exposto, deverá ser reconhecido à autora o direito a preferir ao réu CC, relativamente à aquisição do prédio descrito sob o n.º ...08, nas condições que aquele beneficiou.
Porém, no instrumento de compra e venda de 29/01/2019 foi declarado pelos réus que o prédio descrito sob o n.º ...08 era transmitido pelo preço de €1.500,00, mas apurou-se que o réu CC, pagou efectivamente pelo imóvel o preço de € 6.000,00. Por conseguinte, deverá a autora proceder ao depósito do montante necessário para perfazer o preço efectivamente devido, num prazo correspondente ao previsto no artigo 1410.º, n.º 1, do Código Civil, com início no trânsito em julgado da presente decisão, sem qualquer acréscimo, como juros6, e, após ser tal quantitativo entregue à réu BB (sem prejuízo do disposto no artigo 34.º do R.C.P.), sob pena de caducidade do direito de acção.
Para o efeito, deverá ter-se em apreço, o que se deve entender por preço devido, para efeitos do disposto no artigo 1410.º, n.º 1, do Código Civil, porquanto a literalidade desse preceito e a respectiva “ratio” impõem a conclusão de que tal expressão designa tão-somente o valor da contraprestação paga pelo adquirente ao alienante para haver para si o bem adquirido, não abrangendo quaisquer outras despesas, nomeadamente com a liquidação do I.M.T. e do registo, como se detalhadamente se expendeu no Acórdão do S.T.J. de 10/01/2008, rel. Santos Bernardino78: “(…) o Supremo tem, desde há muito, uma posição segura e firme na matéria: como se escreve no Acórdão de 22.02.2005 Col. Jur. – Acs. do STJ, ano XIII, tomo I/2005, pág. 92. – um dos mais recentes na abordagem da questão – “o «preço devido», a que se refere o art. 1410º do CC diz apenas respeito à contraprestação que deve ser paga ao vendedor, não abrangendo quaisquer outras despesas deste (ou, acrescentamos nós, do adquirente), nomeadamente a sisa, despesas de registo ou de escritura”.
Tal entendimento, que aqui e agora se reafirma, tem sido assim justificado: O depósito do preço visa apenas garantir o vendedor contra o perigo de, finda a acção, o preferente se desinteressar da compra ou não ter possibilidades financeiras para a concretizar, perdendo aquele também o contracto com o primeiro comprador.
Para remover tal perigo, é bastante o depósito da mencionada contraprestação. Isso não significa que o preferente, no caso de procedência da acção, não tenha de satisfazer essas despesas acessórias: o que se afirma é apenas que, para prevenir aquele aludido perigo, basta o depósito da indicada contraprestação. Por outro lado, resulta do disposto nos arts. 874º e 878º do CC que, no contracto de compra e venda, são realidades diversas o preço e “as despesas do contracto e outras acessórias”; e, noutras disposições do CPC – maxime, nos arts. 909º/2 e 1465º/1.b) – relativas à acção de preferência ou ao direito de preferência, faz-se clara distinção entre o preço, a sisa e as despesas da compra. Ademais, é o sentido estrito – de contraprestação a pagar ao vendedor – aquele que corresponde ao significado que a palavra preço tem na linguagem vulgar, corrente. E o entendimento a que se adere não briga com o sentimento de justiça, dado que a acção do preferente tem na raiz um comportamento ilícito do vendedor – que não deu cumprimento ao dever que lhe era imposto pelo art. 416º/1 do CC – e, muitas vezes, um comportamento negligente do comprador que, conhecendo a situação de facto, não curou de se assegurar de que, em concreto, estava excluída a possibilidade de exercício do direito de preferência por parte do respectivo titular. Esta tem sido – repete-se – a posição deste Supremo Tribunal, sendo inúmeros os arestos que a acolheram. Para além dos indicados no citado Acórdão de 22.02.2005, podem ser ainda referidos, a título meramente exemplificativo, os Acórdãos de 02.05.91 (BMJ 407/385), de 17.03.93 (BMJ 425/564), de 12.11.98 (Proc. 17/97, da 2ª Sec.), de 09.11.2004, (Proc. 3373/04, da 6ª Sec.), e os – disponíveis, em sumário, em www.dgsi.pt – de 11.12.90 (Proc. 079290), de 03.04.91 (Proc. 079953), de 03.10.91 (Proc. 077271) e de 28.01.97 (Proc. 087557).”
Assim sendo, cabe à autora Herança Indivisa, depositar a diferença entre o valor de €6.000,00 e o valor de €1.5000, que já depositou, ou seja, €4.500,00 para cumprir a obrigação de pagamento do preço devido.
Questão distinta é a da exigibilidade à autora pelo réu CC dos valores que este pagou a título de impostos (v.g. I.M.T., Imposto de Selo e I.M.I.), pois no despacho saneador decidiu-se admitir liminarmente os pedidos reconvencionais formulados pelo réu CC.
Quanto aos valores pagos pelo réu CC a título de I.M.T., no montante global de € 225,00, 36,00 € de imposto de selo, valores pagos com o registo de aquisição, e realização da escritura num total de 713,00€ cabe à autora proceder ao depósito à ordem do Tribunal de tal quantitativo em idêntico prazo ao que lhe vai ser concedido para o depósito do preço devido, para depois o valor respectivo ser entregue ao réu CC (sem prejuízo do disposto no artigo 34.º do R.C.P.), sendo certo que, também aqui, por identidade de razões, não lugar a quaisquer acréscimos, como juros e, como se trata do cumprimento de uma obrigação legal da qual depende o exercício do direito de preferência, será também condição necessária ao sucesso da acção (cfr. artigo 274.º, n.º 1, parte final, do C.P.C.).
Posto isto, na preferência legal, como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela9, “(…) o contracto celebrado entre alienante e o adquirente produz a sua eficácia translativa normal, mas, em virtude da existência de um direito de opção, a posição jurídica do adquirente fica sujeita, por força da lei, a uma condição (conditio iuris) resolutiva (…) ele perderá o direito que adquiriu, se a preferência vier a ser triunfantemente exercida (…) Ora, sendo a aquisição feita sob condição resolutiva, há que aplicar o preceituado nos n.ºs 2 e 3 do artigo 277.º, onde se estabelece, respectivamente, que «o preenchimento da condição não prejudica a validade dos actos de administração ordinária realizados, enquanto a condição estiver pendente, pela parte a quem incumbir o exercício do direito» e que «à aquisição dos frutos pela parte a que se refere o número anterior são aplicáveis as disposições relativas à aquisição dos frutos pelo possuidor de boa fé».
 As regras sobre a posse deverão também aplicar-se às benfeitorias que o adquirente tenha, entretanto, introduzido na coisa sujeita a preferência.
Nos termos da alínea a) do artigo 481.º do Código de Processo Civil, a boa-fé em que porventura se encontre o adquirente cessa com a citação para a acção de preferência”, doutrina esta que tem vindo a ser acolhida em decisões dos nossos Tribunais Superiores”.

Sumário – artigo 663, nº 7, do C.P.C..
I- Não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.).
II- Para efeitos processuais, tudo o que respeita ao apuramento de ocorrências da vida real é questão de facto e é questão de direito tudo o que diz respeito à interpretação e aplicação da lei.
III - No âmbito da matéria de facto, processualmente relevante, inserem-se todos os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis: os acontecimentos externos (realidades do mundo exterior) e os acontecimentos internos (realidades psíquicas ou emocionais do indivíduo), sendo indiferente que o respectivo conhecimento se atinja directamente pelos sentidos ou se alcance através das regras da experiência (juízos empíricos).
IV- A doutrina vem expressiva e veementemente exortando a jurisprudência para que atenda ao novo e adequado modelo de retractar a realidade a ponderar no concreto litígio que é chamada a dirimir – atenuando o espartilho tradicional, assente na clássica e, por vezes, esotérica divisão entre matéria de facto/matéria de direito (ou matéria conclusiva), não negando a inadmissibilidade da assimilação entre o julgamento da matéria de facto e o da matéria de direito ou a impossibilidade de, através de afirmação de pendor estritamente jurídico, superar os aspectos que dependem da decisão da matéria de facto.
V- A exigência está, actualmente, centrada na fluência e harmonia descritiva da matéria de facto, em detrimento da sua apresentação sincopada, tal qual a que resultava da mera transcrição do resultado de respostas afirmativas, positivas restritivas ou explicativas que usualmente preenchiam os pontos da base instrutória – e assim que optando-se por proposições de carácter mais abrangente ou de pendor mais genérico ou conclusivo, mas que permitam delimitar e compreender a matéria de facto que é relevante para a resolução do concreto litígio.
VI- Justificar-se-á um maior labor na sua concretização, seguindo um critério funcional que atenda às necessidades do concreto litígio, desde que, como é natural, seja respeitada a correspondência com a prova que foi produzida e bem assim os limites materiais da acção e da defesa.

IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.
Guimarães, 03/ 03/ 2023.
Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.



[i] Cfr. Acórdão da Rel. De Guimarães, proferido no processo nº 702/18.5 T8BRG.G1. in www.dgsi.pt.
[ii] Defendiam-no a propósito do regime processual anterior ao introduzido pela Lei 41/2013, de 26/07, ao nível da doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição revista e actualizada, pp. 283 a 286 e Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, p. 227 (referindo que, por se encontrar na posse dos mesmos elementos de prova que a 1ª instância, a Relação, se entender, dentro do princípio da livre apreciação da prova, que aqueles elementos impõem uma decisão diferente sobre o ponto impugnado da matéria de facto, alterará a decisão que sobre ele incidiu – a reapreciação da prova pela Relação coincide em amplitude com a da 1ª instância); ao nível da jurisprudência (tirada no âmbito da vigência do anterior regime processual), p. ex., os Acórdãos do STJ de 01/07/2008, de 25/11/2008, de 12/03/2009, de 28/05/2009 e de 01/06/2010, no sítio www.dgsi.pt/jstj.
Posição que doutrina e jurisprudência vêem mantendo (e veementemente reforçando) quanto ao regime processual vigente – p. ex., na doutrina Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, p. 298 a 303 (máxime 302 e 303) e na jurisprudência (por mais recente) o Acórdão do STJ de 8/01/2019, no sítio www.dgsi.pt/jstj.
[iii] Cfr Acórdão da Relação de Guimarães, de 15/12/2016, proferido no processo nº 86/14.0T8AMR.G1, in www.dgsi.pt.
[iv] Disponível em www.dgsi.pt.
[v] Cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume III, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pp. 206-207.
[vi] Cf. Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, tradução portuguesa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 433.
[vii] Cf. Castanheira Neves, «Matéria de Facto-Matéria de Direito», RLJ, Ano 129, pp.162-165.
[viii] Ibidem, p. 166.
[ix] Ibidem, p. 167.
[x] Cf. Alberto dos Reis, ob. cit., p. 212.
[xi] Ibidem, p. 212.
[xii] Cf. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pp. 637-638. Para uma resenha doutrina e jurisprudencial sobre o tema, vide Abel Simões Freire, «Matéria de Facto-Matéria de Direito», CJ/STJ, Ano XI, Tomo III/2003, pp. 5-7.
[xiii] Cf. Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Processo Civil, 2.ª edição, Lex, Lisboa, 1997, p. 312.
[xiv] Cf. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, 2.ª edição, 1999, p. 147.
[xv] Cfr. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, III, pp. 268-269.
[xvi] Anselmo de Castro, Ibidem.
[xvii] Cf. Abel Simões Freire, «Matéria de Facto – Matéria de Direito», 2003, ob. cit., p. 7.
[xviii] [19] V.g. Acórdãos do STJ de 23/9/2009, processo n.º 238/06.7TTBGR.S1; de 9/12/2010, proc. 838/06.5TTMTS.P1.S1; de 15/12/2011, proc. 342/09.0TTMTS.P1.S1; de 11/7/2012, proc. 3360/04.0TTLSB.L1.S1; de12/3/2014, proc. 590/12.5TTLRA.C1.S1 e de 7/5/2014, proc. 39/12.3T4AGD.C1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[xix] Citado acórdão de 9/9/2014.
[xx] Cfr. Acórdão do S.T.J., de 1/10/2019, preferido no processo nº 09/17.1T8ACB.C1.S1, in www.dgsi.pr.
[xxi] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código (…), p. 722.
[xxii] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código (…), p. 721
[xxiii] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, pp. 600/601.
[xxiv] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas (…), p. 587.
[xxv] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código (…), p. 27.
[xxvi] Teixeira de Sousa, apud Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código (…), p. 26 e 721/722.
[xxvii] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código (…), p. 722.
[xxviii] Cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 28/10/2021, proferido no processo nº 5946/20.7YIPRT.P1, in www.dgsi.pt
[xxix] o Acórdão da Relação do Porto de 11-10-2016Neste sentido por ler-se, disponível para consulta em www.dgsi.pt.