ARRENDAMENTO
HABITAÇÃO PERMANENTE
PRAZO CERTO
RENOVAÇÃO DO CONTRATO
AUTONOMIA PRIVADA
INDEMNIZAÇÃO
Sumário

I - O contrato de arrendamento para habitação permanente com prazo certo deve ter a duração mínima de um (1) ano (artigo 1095º, n.º 2, do Cód. Civil, na redacção da Lei n.º 13/2019, de 12.02), salvo nos casos excepcionais previstos no n.º 3 do mesmo artigo 1095º.
II - No silêncio do contrato ou existindo estipulação negocial no sentido da sua renovação, o contrato de arrendamento para habitação permanente do arrendatário com prazo certo de um (1) ano renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos iguais, no mínimo, a três (3) anos, em conformidade com o disposto no artigo 1096º, n.º 1, do Código Civil, na redacção introduzida pela mesma Lei n.º 13/2019.
III - Por força da ressalva prevista na parte inicial do n.º 1 do artigo 1096º, do Cód. Civil, as partes podem, no domínio da sua autonomia privada, excluir a renovação automática do contrato de arrendamento, ou, ainda, estabelecer, por mútuo consenso, a verificação de determinadas condições para efeitos de uma eventual (não automática) renovação do mesmo.
IV - Esta possibilidade de estipulação em contrário pelas partes, prevista pelo próprio legislador no n.º 1 do citado artigo 1096º, do Cód. Civil não coloca em causa qualquer norma imperativa, pois que se assim fosse o legislador não deixaria, logicamente, de excluir a possibilidade de convenção em contrário quanto à renovação automática do contrato de arrendamento.
V - Cessando o contrato de arrendamento, não procedendo o arrendatário à restituição do locado nessa data e mantendo-se no gozo do mesmo, fica ele, sem mais, constituído na obrigação de pagar ao locador, a título de indemnização, o valor equivalente à renda convencionada, desde a data da cessação do contrato e até à data da sua entrega efectiva, em conformidade com a regra que resulta do preceituado no artigo 1045º, n.º 1, do Cód. Civil.

Texto Integral

Processo n.º 181/22.2T8PVZ.P1 - Apelação
Origem: Juízo Central Cível da Póvoa do Varzim – Juiz 2
Relator: Juiz Des. Jorge Seabra
1º Adjunto: Juíza Desembargadora Maria de Fátima Andrade
2º Juiz Adjunto: Juíza Desembargadora Eugénia Cunha

*

Sumário (elaborado pelo Relator):
……………………………………
……………………………………
……………………………………
**

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO:
1. AA e BB instauraram a presente acção declarativa de condenação, com forma de processo comum, contra CC, pedindo a condenação da Ré a:
a) Reconhecer o direito de propriedade dos Autores sob o prédio identificado no artigo 1º da petição inicial;
b) Reconhecer a cessação do contrato de arrendamento identificado no artigo 2º da mesma peça processual, à data de 14 de Outubro de 2020;
c) Proceder à desocupação da fracção identificada no artigo 1º daquele mesmo articulado, devendo a mesma ser entregue aos Autores livre de pessoas e bens, imediatamente após o trânsito em julgado da sentença que condene a Ré;
d) Indemnizar os Autores perante o prejuízo que a ocupação abusiva da fracção por parte da Ré lhes causa, prejuízo que é do mesmo montante daquele em que a Ré é beneficiada pela ocupação.
Em termos essenciais, além da propriedade sobre a fracção em causa, invocaram, no que ora releva, que o contrato de arrendamento para habitação da Ré celebrado entre as partes a 15.10.2019 previa um prazo certo de duração (de 1 ano) – de 15.10.2019 a 14.10.2020 - e, neste contexto, deveria a Ré, atenta a caducidade do contrato (artigo 1051º, alínea a), do Cód. Civil), a partir daquela data de cessação do contrato em apreço (14.10.2020) ter procedido à desocupação e entrega da aludida fracção, o que não ocorreu, mantendo-se, ao invés, a ocupar, contra a sua vontade, a dita fracção, causando-lhe prejuízos que fixam no valor de mercado (de arrendamento da fracção em apreço) de € 650, 00, por cada mês em que se mantiver a indevida ocupação do arrendado.

2. A Ré contestou, invocando em sua defesa o preceituado na Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março (com as alterações que lhe foram sendo sucessivamente introduzidas, nomeadamente, pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro e pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril) – isto é, a legislação aprovada no contexto da situação epidemiológica relativa à Covid- 19), da qual resulta, em seu ver, que devem ser suspensas as diligências para a entrega do imóvel arrendado que constitua casa de morada de família, como é o caso (artigos 1º a 12º da contestação), procedendo à impugnação parcial da factualidade alegada pelos Autores (artigos 13º a 18º da contestação) e requerendo, ainda, «ad cautelam» que seja «decretado, antecipadamente, o diferimento da desocupação do imóvel em causa, nos termos do disposto no artigo 864º, n.º 1, alíneas a) e b), do CPC (artigos 24º a 32º da mesma peça).
Concluiu, assim, a Ré pela sua absolvição do pedido por estar em causa a sua casa de morada de família ou, subsidiariamente, pelo diferimento da desocupação do imóvel nos termos do disposto no artigo 864º, n.º 1, alíneas a) e b), do CPC.
*
3. Prosseguindo os autos os seus termos, foi realizada audiência prévia.
Nesta audiência, facultada às partes a discussão de facto e de direito, nos termos do artigo 591º, n.º 1, alínea b), do CPC, foi elaborado despacho saneador tabelar e saneador-sentença, neste se decretando:
a) Declara-se que os Autores são proprietários da fracção autónoma designada pelas letras DH, correspondente a habitação tipo T1 kit, com terraço e entrada pelo n.º ... da Avenida ..., ..., Matosinhos, com um lugar de estacionamento com o n.º ... e uma arrecadação designada pelo n.º ... na cave -2, descrita na CRP de Matosinhos, sob o n.º ......, e condena-se a Ré a reconhecê-lo.
b) Declara-se cessado, em 14 de Outubro de 2020, o contrato de arrendamento celebrado com a Ré, relativo à fracção antes referida, e condena-se a Ré a reconhecer essa cessação;
c) Condena-se a Ré a entregar aos Autores a referida fracção designada pelas letras DH livre de pessoas e coisas;
d) Condena-se a Ré a pagar aos Autores a quantia mensal de €650, 00, a contar de 14 de Outubro de 2020 e até entrega efectiva da fracção autónoma designada pelas letras DH, ascendendo o valor já vencido até Junho de 2022, inclusive, a €13.325, 00.
e) Indefere-se liminarmente o incidente de deferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação.
*
4. Inconformada, veio a Ré interpor recurso de apelação do dito saneador-sentença, que foi admitido, oferecendo alegações e deduzindo, a final, as seguintes
CONCLUSÕES
1. No caso em apreço, o elemento fundamental para dirimir a questão da validade e eficácia da caducidade do contrato de arrendamento passa pela determinação da natureza imperativa ou supletiva da norma do art. 1097º, do CC.
2. Sobre esta matéria, dispõe o art. 1080º, do CC, que as normas sobre a resolução, a caducidade e a denúncia do arredamento urbano têm natureza imperativa, salvo disposição em contrário.
3. Portanto, todas as normas que versem sobre as referidas matérias não podem ser afastadas por vontade das partes, a menos que a própria norma ressalve essa possibilidade.
4. O art. 1095º, do CC, permite a celebração de contrato de arrendamento com prazo certo, o qual se poderá renovar automaticamente nos termos estabelecidos no nº 1 do art. 1096º, do mesmo diploma legal.
5. Como é consabido, o nosso sistema jurídico acolhe o princípio da liberdade contratual, estabelecendo o art. 405º, do CC, que as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos no código ou incluir neles as cláusulas que lhes aprouver, podendo inclusivamente reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei. Porém, têm que o fazer dentro dos limites da lei.
6. Resulta dos factos provados que a oposição à renovação do contrato foi enviada em 8.5.2019, tendo sido recebida pela ré no dia seguinte, visando fazer cessar o contrato em 31.8.2019 (factos D e E).
Assim, a carta não foi enviada com a antecedência mínima legal de 120 dias razão pela qual a oposição à renovação não é válida e eficaz e o contrato de arrendamento não cessou na data pretendida, ou seja, em 31 de agosto de 2019.
Portanto, resta concluir que a decisão recorrida ao concluir pela invalidade e ineficácia da oposição à renovação do contrato não merece censura, tendo o recurso de improceder nesta parte.
Estando assente no entendimento da ré que o contrato de arrendamento não cessou por caducidade em 14 de Outubro de 2020, importa apurar se o mesmo se renovou ou não pelo prazo de três anos conforme pretensão formulada em sede reconvencional e que mereceu acolhimento por parte da decisão recorrida.
7. Nos arrendamentos para habitação permanente, a liberdade dos contratantes para modelarem o conteúdo do contrato sofreu significativas limitações com as alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, quer quanto à exigência de um prazo mínimo de um ano (cfr. artigo 1095º n.º 2 onde está em causa uma norma imperativa que não admite convenção em contrário) mas também quanto à sua renovação pois, ainda que as partes possam convencionar a exclusão da possibilidade de qualquer renovação, só terão liberdade para convencionar prazo de renovação igual ou superior a três anos, impondo o legislador um prazo mínimo, também imperativo, de três anos.
8. Os contratos de arrendamento com prazo para habitação permanente (o que era o caso da aqui ré/recorrente) renovam-se automaticamente, por períodos sucessivos de igual duração ou, se esta for inferior, de três anos, em conformidade com o estipulado no número 1 do artigo 1096º do Código Civil.
9. Os Autores reivindicaram nesta acção um imóvel e pediu que a Ré fosse condenada a proceder à respectiva entrega (restituição), alegando que esta o tem vindo a ocupar sem autorização do Autor e sem título que a legitime para o efeito.
10. Porém como já acima se disse a Ré tem legitimidade para ocupar o imóvel reivindicado pelos Autores, uma vez que o contrato de arrendamento celebrado ainda não caducou por força dos imperativos da lei.
11. Na petição inicial peticionou-se uma indemnização de € 650 por cada mês de ocupação.
Poderíamos agora desenvolver a discussão, algo estéril, sobre a natureza do dano aqui em causa e se a mera privação do uso da coisa é indemnizável.
12. A verdade é que os Autores/recorridos não tem direito a ser indemnizado essencialmente por duas razões:
a) «não provaram que efectivamente conseguiriam arrendar a fracção caso tivesse a sua disponibilidade, tendo ainda resultado não provado que “Se o Autor procedesse à exploração da fracção referida em qualquer negócio, obteria como contrapartida uma quantia de €650,00 mensais.”»;
b) «A própria conduta dos Autores demonstra que estes se vinham conformando com a utilização do imóvel que lhe pertencia por parte da Ré, já que resultou assente que este teve conhecimento da ocupação da sua fração desde 2019, sendo que apenas em 2022 veio reivindicar a sua propriedade».
13. A obrigação de indemnizar pode emergir de diversas fontes. Certo é que os autores/recorridos não indicam na petição inicial a fonte de que emergirá o direito de indemnização que invocam.
14. Porém, atentos os termos em que estruturou a petição inicial, será a responsabilidade civil por factos ilícitos.
15. Dispõe a esse respeito o artigo 483º, nº 1, do Código Civil, que «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».
16. A ideia subjacente às mencionadas regras normativas assenta, fundamentalmente, em se pretender colocar o lesado na situação em que estaria se não fora a lesão. É nisto que reside o essencial do problema da indemnização.
No caso dos autos importa determinar se os Autores sofreram algum dano patrimonial em consequência da ocupação que a Ré faz do prédio desde 15.10.2019, seja na modalidade de dano emergente ou na de lucros cessantes.
17. Em primeiro lugar, o Autor nunca esteve na posse da fração autónoma, pois tem vindo a arrendar ao longo dos anos desde que a têm na sua posse, afectando-a e destinando-a como muito bem entenderam.
Os Autores tinham que demonstrar, nesta acção, que já havia alguém interessado no arrendamento pela quantia de 650€, o que não é o caso. Trata-se de uma exigência probatória.
Nestes termos, (…), deve ser dado provimento ao presente recurso de apelação e, em consequência, deve ser revogado o despacho saneador/sentença na parte que aqui se recorre, devendo ser dado baixa ou processo e possa ser marcada data para a audiência de julgamento em relação à matéria de facto ainda controvertida, prosseguindo o processo os seus ulteriores termos.
*
5. Os Autores/apelados ofereceram contra-alegações, nas quais defendem a sentença recorrida e pugnam pela sua manutenção.
*
Observados os vistos legais, cumpre decidir.
**
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC.
Por outro lado, ainda, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode ser confrontado e conhecer de questões não antes suscitadas pelas partes perante o Tribunal de 1ª instância (questões novas), sendo que a instância recursiva, tal como configurada no nosso sistema de recursos (sistema de reponderação), não se destina à prolação de novas decisões, mas à reapreciação pela instância hierarquicamente superior das decisões proferidas pelas instâncias. [1]
No seguimento desta orientação, as questões a decidir no recurso interposto pela Ré são as seguintes:
a)- Caducidade do contrato de arrendamento;
b)- Indemnização arbitrada a favor dos Autores.
**
**
III. FUNDAMENTAÇÃO de FACTO:
O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1) Encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial, a favor de AA e de BB, ora Autores, a aquisição da fração autónoma designada pelas letras DH, correspondente a uma habitação Tipo T1 kit, com terraço e entrada pelo n.º ..., Avenida ..., ..., Matosinhos, com um lugar de estacionamento designado pelo n.º ... e uma arrecadação designada pelo n.º ... na cave -2, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ...... e descrita na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º .......
2) Por documento escrito (datado de 15.10.2019), entre a Autora AA, com o conhecimento do Autor BB, e a Ré CC, foi celebrado um acordo com o teor que consta do documento intitulado «Contrato de Arrendamento Urbano para Fins Habitacionais com Prazo Certo», com o teor que consta do documento 3 apresentado com a petição inicial, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido, pelo qual a Autora declarou arrendar à Ré, que por sua vez, aceitou arrendar, o imóvel referido, pelo prazo de um ano, não renovável, com início em 15 de Outubro de 2019 e termo em 14 de Outubro de 2020, destinado à habitação própria da Ré, que aí passou a residir.
3) A Ré continua a ocupar o imóvel referido em 1).
**
IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:
IV.I. Caducidade do Contrato de Arrendamento:
Antes de conhecer propriamente do objecto do recurso quanto à caducidade do contrato de arrendamento ora em causa (contrato de arrendamento celebrado entre as partes a 15.10.2019, conforme documento n.º 3, junto com a petição inicial), talvez importe dar nota prévia de que a única factualidade relevante à reapreciação nesta instância do mérito da sentença recorrida - pois que é esse o fim dos recursos perante o Tribunal hierarquicamente superior – é a que consta do elenco dos factos provados acima exposto em sede de fundamentação de facto.
E é assim por duas ordens de razões: - primeiro, porque a Ré, em lado nenhum do seu recurso (seja nas alegações, seja nas conclusões) impugna nos termos do artigo 640º, do CPC, aquela factualidade, indicando quais os factos daquele elenco que foram erroneamente julgados e qual a resposta alternativa que, na sua perspectiva, deveria ter sido dada pelo Tribunal de 1ª instância, ou, indicando em alternativa outros factos que, tendo sido alegados pelas partes no presente processo, assumam relevo à decisão a proferir quanto às pretensões deduzidas pelos Autores e nela (na sentença) tenham sido indevidamente desconsiderados; segundo, porque, não obstante a Ré/apelante defenda a final do recurso por si interposto o prosseguimento dos autos para audiência de julgamento e para instrução sobre a «matéria de facto ainda controvertida», certo é que a Ré/apelante também não cumpre o ónus – que só a ela lhe incumbia cumprir – de indicar minimamente no recurso (alegações ou conclusões) que matéria de facto alegada se mantém carecida de instrução e, ainda, qual o seu preciso relevo para a decisão jurídica do litígio ora em causa.
Dito isto e estando, pois, por estas razões, assente a factualidade a que cumpre aplicar o direito, ou seja, a factualidade constante dos pontos 1) a 3) do elenco dos factos provados, cumpre conhecer do mérito da sentença na parte em que na mesma se declarou a caducidade do contrato de arrendamento para habitação ora em causa e celebrado a 15.10.2019, conforme consta do documento n.º 3, junto com a petição inicial e referido sob o ponto 2) da factualidade provada.
Nesta matéria, confrontando as cláusulas 2ª (finalidade) e 3ª (Prazo) do aludido contrato é, segundo cremos, indiscutido que estamos perante um contrato de arrendamento para habitação da Ré/arrendatária com prazo certo de 1 ano, não renovável, e que o mesmo foi celebrado a 15.10.2019, vigorando, pois, como ali consignado (na cláusula 3ª), entre 15 de Outubro de 2019 e 14.10.2020, cessando, pois, por caducidade, nesta última data (artigo 1051º, alínea a), do Cód. Civil).
Sendo assim, ao aludido contrato de arrendamento é aplicável o Código Civil, na redacção introduzida pela Lei n.º 6/2006, de 27.02. (NRAU) e, em particular, no que ora releva, os artigos 1080º, na redacção introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14.08, e os artigos 1095º a 1098º, na redacção introduzida pela Lei n.º 13/2019, de 12.02, que entrou em vigor a 13.02.2019 (vide artigo 16º desta citada Lei n.º 13/2019, publicada no DR, Iª série de 12.02.2019), ou seja, antes, portanto, da celebração do ajuizado contrato de arrendamento.
Sendo esta a data de entrada em vigor da nova redacção dos citados normativos 1095º a 1098º, do Código Civil, nenhuma questão se suscita ao nível da sucessão e aplicação de leis no tempo, pois que, como antes se referiu, tendo o dito contrato de arrendamento sido celebrado já sob a égide ou sob o domínio daquele último diploma legal, naturalmente, os mesmos normativos (com a sua nova redacção) ser-lhe-ão aplicáveis, em conformidade com a regra que decorre do artigo 12º, n.º 1, do mesmo Código.
Tendo como pano de fundo este enquadramento legal e, em particular, quanto ao prazo do contrato de arrendamento ora em causa, o mesmo prevê na sua cláusula 3ª (Prazo) o seguinte:
Este arrendamento é feito pelo prazo de um ano, não renovável, em início a 15 de Outubro de 2019 e termina em 14 de Outubro de 2020.
Decorrem, assim, em termos claros, daquela cláusula (aceite por ambas as partes) dois princípios essenciais quanto ao tipo de contrato de arrendamento para habitação permanente ora em causa: 1º o contrato de arrendamento foi celebrado com prazo certo (1 ano), entre 15 de Outubro de 2019 e 14 de Outubro de 2020; 2º o contrato não previa a sua renovação automática, pois que, como dele consta, aquele prazo de 1 ano não seria renovável.
Sem prejuízo do assim estipulado pelas partes, previa, no entanto, a cláusula 4ª, alínea c), do mesmo contrato de arrendamento, o seguinte:
Caso a arrendatária pretenda renovar o presente contrato terá que avisar a senhoria com 60 (sessenta) dias de antecedência da data do termo do contrato.
Resulta, pois, segundo julgamos, da concatenação das referidas cláusulas e da sua interpretação à luz da regra de interpretação prevista no artigo 236º, n.º 1, do Cód. Civil (ou seja, a interpretação que faria um declaratário razoável e medianamente diligente e sagaz, nas circunstâncias concretas do declaratário, das duas cláusulas ora em apreço – teoria da impressão do declaratário [2]), que as partes convencionaram, desde logo, que, por princípio,
o contrato de arrendamento celebrado entre ambas não seria renovável e teria apenas a duração (prazo) prevista de 1 ano, entre 15 de Outubro de 2019 e 14 de Outubro de 2020, excluindo, pois, como se disse, a sua automática renovação naquela data de termo – cláusula 3ª.
Não obstante aquele princípio de não renovação automática do contrato de prazo certo de um (1) ano, abriram, no entanto, as partes a hipótese de o mesmo ser renovado naquela data (14.10.2020), (apenas) se a arrendatária manifestasse, perante a locadora/senhoria, esse propósito, avisando-a, por escrito e nos termos previstos na cláusula 9ª, dessa sua intenção de renovar o arrendamento, como feito constar da cláusula 4ª, alínea c) do mesmo contrato.
Sucede que esta renovação por iniciativa unilateral da arrendatária (Ré/apelante) – e a eventual oposição da senhoria a essa putativa renovação -, no caso ora em apreciação, nem sequer se coloca, pois que, como bem se dá nota na sentença recorrida, de facto, a arrendatária jamais alegou na sua contestação (e, logicamente, não o conseguirá provar…) que tenha comunicado à senhoria/locadora a sua intenção de renovação do contrato em causa.
Portanto, não sendo aplicável a renovação do contrato de arrendamento de um ano celebrado entre as partes, por falta de iniciativa da Ré nesse sentido (e como antes exposto), não pode deixar-se de concluir, como se concluiu, na sentença recorrida que, na data prevista e convencionada entre as partes (14.10.2020), o contrato de arrendamento em causa chegou ao seu termo e caducou; logicamente, nos termos do já citado artigo 1051º, alínea a), não ocorrendo a sua renovação, a partir daquela data a arrendatária/Ré/apelante tinha a estrita obrigação de proceder à sua entrega à locadora/senhoria, passando, pois, a partir dessa data a usar e fruir da fracção sem título bastante para o efeito.
Ora, sendo assim, como julgamos, a única questão que se pode colocar é, pois, apenas a de saber se a cláusula (3ª) terceira do contrato de arrendamento viola, como parece sustentar a Ré/apelante, o preceituado no artigo 1088º, do Cód. Civil, ou seja, se a mesma se traduz na violação de alguma regra imperativa e, em particular, viola o regime que decorre do preceituado no artigo 1097º, do Cód. Civil, na redacção introduzida pela já citada Lei n.º 13/2019, de 12.02, sendo certo que, como também já o dissemos, não restam dúvidas quanto à aplicação desta nova redacção ao contrato em apreço nos autos, celebrado já sob a égide ou o domínio desta última Lei.
A resposta não pode deixar de ser negativa.
Em nosso ver, a Ré/apelante labora num erro de interpretação quanto aos normativos em causa, pois que a questão suscitada só pode ser decidida com base na articulação dos vários preceitos legais sobre a duração do contrato de arrendamento com prazo certo, mormente os artigos 1095º a 1097º, conjugados com o que foi convencionado entre as partes e que ficou a constar por escrito no contrato de arrendamento, nomeadamente o que ficou a constar da sua cláusula 3ª.
Nesta cláusula, como já antes se referiu, ficou estipulado expressamente que o contrato de arrendamento em apreço teria um ano de duração, não sendo renovável, salvo na hipótese da cláusula 4ª, alínea c), hipótese que, todavia, como antes se salientou, não colhe aplicação ao caso dos autos, por ausência de iniciativa da Ré nesse sentido. Portanto, o contrato excluía, em termos ostensivos, a sua renovação automática, isto é, a sua renovação, sem mais.
Ora, segundo bem percebemos o alcance e o sentido das alegações do recurso interposto, contrariamente ao que parece ser o entendimento sustentado pela Ré/apelante, o artigo 1097º, n.º 3, do Cód. Civil não concede, automaticamente e sem mais, ao arrendatário o direito ao arrendamento para habitação permanente por um período mínimo de três (3) anos; bem pelo contrário, o artigo 1095º, n.º 2, do Cód. Civil consagra expressamente a possibilidade de o contrato de arrendamento para fins habitacionais (permanentes) ter o prazo de duração de 1 (um) ano – embora esse seja o limite mínimo para o arrendamento para habitação permanente. No entanto, como se vê, no caso dos autos, esse limite mínimo mostra-se respeitado, pois que o contrato de arrendamento foi celebrado, precisamente, com aquela duração de um (1) ano.
Mas mais, o artigo 1096º, n.º 1, do mesmo Código, refere expressamente que, “Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta duração for inferior. “
Portanto, se nenhuma estipulação em contrário existir no contrato, num contrato de arrendamento para habitação permanente, celebrado por um ano, haverá renovação automática do mesmo no seu termo, por períodos sucessivos, no mínimo, de três anos. [3]
Pelo contrário, num contrato de arrendamento para habitação permanente como o dos autos, celebrado com prazo certo de 1 ano, haverá lugar à renovação automática no seu termo, por períodos sucessivos de três anos, a menos que no próprio contrato as partes nele outorgantes estipulem de modo distinto quanto a essa renovação, seja excluindo-a, seja prevendo certas condições para a sua renovação.
Ora, como sucede no contrato de arrendamento celebrado entre as partes a 15.10.2019, não estando comprovada positivamente a existência de iniciativa da arrendatária tendente à sua renovação - como não existiu, pois nada alegou a Ré quanto a essa iniciativa nos termos da previsão da cláusula 4ª, alínea c) -, o mesmo contrato não deixará de caducar de forma inelutável no seu termo (cláusula 3ª) – 14.10.2020 -, não sendo, pois, renovável, em conformidade com o previsto pelas mesmas partes naquela sua cláusula 3ª.
Nesta perspectiva, a convenção acordada entre as partes ao abrigo do princípio da liberdade contratual, relativamente à não renovação do contrato (cláusula 3ª do contrato) ou quanto às condições exigíveis para a sua renovação (cláusula 4ª, alínea c) do mesmo contrato), prevalece sobre a renovação automática do contrato, pois é o próprio legislador que o consigna na parte inicial do artigo 1096º, n.º 1, do Cód. Civil, quando nele permite estipulação das partes em contrário à renovação automática que, na ausência dessa estipulação, seria – não temos dúvidas - aplicável ao contrato de arrendamento para habitação permanente ora em apreciação.
Neste sentido, como refere J. PINTO FURTADO, “ Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano “, Outubro de 2019, pág. 570, em anotação ao artigo 1095º, do Código Civil, já com a nova redacção da Lei n.º 13/2019, “ … O mínimo de um ano não é afastado pelo disposto no art. 1096-2 [trata-se de evidente lapso, pois que o Autor pretende referir-se antes ao n.º 1 do dito artigo 1096º], quando estabelece que o contrato de prazo certo se renova por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos “ se esta for inferior “, antes parece literalmente confirmado neste passo, ao referir, concretamente, “ se esta “ (duração) for inferior.
O passo permite, inequivocamente, que se convencionem durações inferiores a três anos. E, como se refere no presente artigo, não sofre dúvida que será legítimo estipular-se um arrendamento com essa duração, ou seja, que a duração mínima seja efectivamente de um ano. “ (vide o artigo 1095º, n.º 2, do Cód. Civil)
E, ainda, o mesmo Autor, op. cit., pág. 576-577, agora em anotação ao subsequente artigo 1096º, afasta claramente o entendimento perfilhado pela Ré/apelante, no sentido por nós também aqui preconizado, ao responder à dúvida sobre a imperatividade legal quanto à questão da renovação do contrato de arrendamento para habitação com prazo certo, escrevendo, nesse contexto, o seguinte:
A prorrogação tácita é uma determinação injuntiva da lei?
Ou meramente supletiva?
Obviamente é supletiva: a expressão “ salvo estipulação em contrário “ colocada, condenavelmente, a abrir o comando legal [1096º, n.º 1], aí está.
Quer isto dizer que se pode celebrar um contrato de arrendamento que exclua a [sua] prorrogação.
É certamente lícita a cláusula seguinte: este contrato tem o período de duração de x anos, caducando no seu termo sem qualquer renovação. “
(…) As partes podem sempre, no contrato com prazo certo, convencionar que o contrato caduque no seu termo, em vez de se prorrogar. [4]
Se, porém, se estabelecer uma duração de contrato, sem mais, seguir-se-lhe-á, obviamente, uma renovação [automática] de três anos.
É o que resulta inevitavelmente da declaração que inicia o n.º 1: “Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo.“(sublinhados nossos)
Ora, sendo esta a interpretação mais correcta e fiel do regime legal, não há que lançar mão do artigo 1096º, n.º 2 ou do artigo 1097, n.º 3, ambos do Cód. Civil, previstos apenas para o caso de existir uma renovação automática do contrato de arrendamento (ou porque prevista pelas partes no contrato ou porque nada se diz em contrário no mesmo), não fazendo, assim, sentido falar-se em “ oposição à renovação do contrato por parte senhorio “, quando, no caso dos autos, o contrato de arrendamento prevê expressamente a sua não renovação automática (cláusula 3ª), embora não exclua uma eventual renovação, mas apenas e só se a arrendatária o comunicar à senhoria nos termos previstos na cláusula 4ª, alínea c), do contrato, o que, em função da factualidade alegada e provada, nem sequer sucedeu no caso ora em análise.
Portanto, em resumo, no caso dos autos, estando afastada, por princípio, a renovação automática do contrato na data do seu termo (14.10.2020 – cláusula 3ª) e não tendo ocorrido a hipótese da cláusula 4ª, alínea c), do contrato para efeitos da sua renovação (por inércia da arrendatária), só se pode concluir, na esteira da sentença recorrida, que naquela data de 14.10.2020 o contrato de arrendamento por um ano celebrado entre as partes (artigo 1095º, n.º 2, do Cód. Civil) chegou ao seu termo por caducidade (artigo 1051º, alínea a), do Cód. Civil), não se colocando, com o devido respeito, qualquer hipótese quanto à sua renovação pelo período de três anos (1096º, n.º 1, do Cód. Civil), como sugere a Ré/apelante.
E não se diga, como também parece defender a Ré/apelante, que as sobreditas cláusulas 3ª e 4ª, alínea c), do contrato ora em causa, na leitura e interpretação que delas antes fizemos, são nulas por violação do preceituado no n.º 3 do artigo 1097º, do Cód. Civil, à luz da imperatividade prevista no artigo 1080º, do mesmo Código quanto às normas relativas à resolução, caducidade e denúncia do arrendamento para habitação permanente com a duração mínima de três (3) anos.
Esquece-se a apelante, com o devido respeito, que, mesmo o invocado artigo 1080º, do Cód. Civil admite “ disposição legal em contrário “ e, como já antes se expôs, o artigo 1095º, n.º 2, admite que a duração do contrato seja de apenas um (1) ano, do mesmo passo que o n.º 1 do artigo 1096º, do mesmo Código, também admite a existência de convenção em contrário à renovação automática do contrato por períodos sucessivos (de três anos), como sucede no caso dos autos através das já citadas estipulações contidas nas cláusulas 3ª e 4ª, alínea c), do presente contrato de arrendamento.
Destarte, em conclusão, a articulação dos preceitos legais acima referidos, permitem, quer a celebração de um contrato de arrendamento para habitação permanente com a duração de um ano (artigo 1095º, n.º 2), quer a exclusão da renovação automática do contrato no termo do prazo ou, por maioria de razão, o estabelecimento de condições para a verificação da sua renovação no termo daquele prazo (artigo 1096º, n.º 1), determinando assim, o decurso daquele prazo de um ano e a inverificação daquelas condições, nesse contexto, a caducidade do contrato, ou seja, a sua extinção imediata sem que o senhorio tenha que comunicar qualquer oposição à renovação do contrato.
Com efeito, no caso dos autos e do contrato de arrendamento em análise, não só essa renovação automática foi, em termos primordiais, previamente excluída ao abrigo da autonomia contratual admissível nesta matéria através da cláusula 3ª, como, ainda, a renovação só poderia ter lugar se a Ré tivesse lançado mão da comunicação prevista na cláusula 4ª, alínea c), do contrato, única que lhe poderia permitir, no seu interesse, obter a renovação do contrato pelo dito período de três anos, o que, porém, não se mostra que tenha ocorrido e à luz da factualidade provada.
Por conseguinte, à luz do antes exposto, dúvidas não se nos colocam, primeiro, que o contrato de arrendamento para habitação ora em causa caducou no dia 14.10.2020 e, segundo, como consequência lógica, que a partir desse dia 14.10.2020 a Ré/arrendatária/apelante deixou de dispor de título legítimo para manter a ocupação (ilegal) da fracção dada em arrendamento, devendo, pois, a partir daquela data proceder à entrega do locado aos apelados, livre de pessoas e bens, enquanto seus reconhecidos proprietários, como se lhe impunha à luz do preceituado no artigo 1038º, alínea i), do Cód. Civil.
Improcede, assim, em razão do antes exposto, a apelação nesta parte, sendo de manter a sentença recorrida na parte impugnada pela Ré/apelante, ou seja, quanto às condenações ínsitas em b) e c) do seu decisório, sendo certo que quanto às condenações ínsitas em I, a) e II, as mesmas nem sequer se mostram impugnadas no recurso por si interposto, extravasando, pois, o objecto do mesmo nesta instância recursiva.
*
IV.II. Da indemnização arbitrada na sentença recorrida a favor dos Autores/apelados:
A Ré/apelante rebela-se, ainda, contra a condenação contida na sentença recorrida quanto ao valor de 650,00€ por cada mês de ocupação indevida do locado e até à data da sua entrega efectiva (condenação referida em d) do decisório da sentença), sustentando, no essencial, que, para obterem a procedência desta sua pretensão, teriam os Autores/apelados que demonstrar – o que não fizeram – que já havia alguém interessado no arrendamento da fracção em causa por aquele valor, deixando, assim, de aferir aqueles proventos.
Trata-se, pois, segundo a Ré de uma exigência probatória que incumbia aos Autores/apelados cumprir e que estes não cumpriram, devendo, por isso, improceder essa sua pretensão.
Salvo o devido respeito, a tese defendida pela Ré não pode obter o mínimo provimento, sendo certo que, à partida, a mesma redundaria num seu enriquecimento absolutamente injustificável à custa do património dos Autores…
De facto, a vingar a esdrúxula tese defendida pela Ré/arrendatária, mesmo a ter-se como demonstrado – como acima se expôs - que o ajuizado contrato de arrendamento para habitação caducou a 14.10.2020, a mesma sempre poderia manter-se após aquela data, de forma ilegal e, ainda assim, totalmente gratuita no gozo e fruição da fracção arrendada, até à data em que viesse a aceitar proceder à sua entrega voluntária ou, até à data em que, coercivamente, os Autores, reconhecidamente seus proprietários, a viessem a obter…!!
Naturalmente, uma tal tese, não pode ter acolhimento e é a própria lei quem desmente a pretensão da Ré/arrendatária em termos que julgamos absolutamente inequívocos.
Com efeito, prevê o artigo 1045º, do Cód. Civil (sob o título “Indemnização pelo atraso na restituição da coisa“) o seguinte:
1- Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se existir fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
2- Logo que, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro.
A propósito deste normativo, refere PEDRO R. MARTINEZ, “Direito das Obrigações – Parte Especial “, 2000, pág. 183-184, o seguinte:
O vencimento da obrigação de entrega da coisa não se dá, de imediato, no momento em que termina o contrato.
Extinto o contrato de locação, se o locatário não restituir imediatamente a coisa locada, nos termos do art. 1045º, n.º 1 CC, deve continuar a pagar a renda ou aluguer ajustados. Por conseguinte, prevê-se que, extinta a relação contratual, se o locatário não restituir a coisa locada, subsiste uma relação contratual de facto que lhe impõe o dever de continuar a pagar a renda ou aluguer ajustado, como se o contrato continuasse em vigor.
Contudo, se o locador interpelar o locatário para este proceder à entrega da coisa, não a restituindo, entra em mora. Assim, o locatário, extinto o contrato, só entra em mora, relativamente à obrigação de restituir a coisa, depois de ter sido interpelado para a entregar. Extinto o contrato, torna-se necessário que o locador interpele o locatário, após o que, se este não restituir a coisa, entra em mora e tem de pagar o dobro da renda ou aluguer devido contratualmente (art. 1045º, n.º 2 CC). “ [5]
Em idêntico sentido refere L. MENEZES LEITÃO, “Direito das Obrigações – Contratos em Especial “, III volume, 5ª edição, pág. 331,” … A lei estabelece inclusivamente no art. 1045º, n.º 1, que “ se a coisa locada não for restituída por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado … “. (…) É, assim, estabelecida uma indemnização equivalente ao montante da renda devida, que se presume ser a compensação adequada para o atraso na restituição da coisa.
Por conseguinte, ao contrário do que, sem qualquer fundamento legal, defende a Ré/apelante, os Autores não tinham que demonstrar um qualquer dano decorrente da privação da disponibilidade/uso da coisa locada, nomeadamente a existência de outros potenciais interessados no arrendamento da fracção em causa pelo valor de €650,00 mensais, para que a sua pretensão indemnizatória lhes pudesse ser deferida. Ao invés, à luz do citado artigo 1045º, n.º 1, para lhes assistir o direito a exigir, a título de indemnização, o valor equivalente à renda mensal estipulada no contrato (€700,00, mensais), bastaria aos Autores/apelados demonstrar apenas duas coisas: 1º que o contrato cessou - o que demonstraram face à já acima referida caducidade do mesmo a 14.10.2020; 2º que, apesar da cessação do contrato naquela data e consequente obrigação de restituição da fracção locada a cargo da Ré/arrendatária, a mesma não procedeu a tal devolução/entrega da coisa e se mantém no seu gozo – o que também demonstraram por mor da factualidade provada em 3) da sentença recorrida.
O que, em conclusão, significa que, não só os Autores não teriam, ao contrário do que defende a Ré/apelante, que fazer prova da existência de potenciais interessados no arrendamento da fracção pelo valor mensal de renda de €650,00 para obter o deferimento daquela sua pretensão indemnizatória, mas que os mesmos até teriam direito a reclamar da Ré o pagamento de um valor superior ao que reclamam nos presentes autos (€650,00 mensais), sendo certo que o montante da renda mensal convencionada no contrato se cifra em €700,00 - vide cláusula 4ª, n.º 1, do contrato.
Por conseguinte, também nesta parte falece fundamento legal à pretensão da Ré/apelante e, sequencialmente, não pode deixar de se confirmar nesta Relação a decretada condenação da Ré no pagamento da quantia mensal de €650,00 (valor peticionado pelos Autores e que o Tribunal não pode, naturalmente, ultrapassar – artigo 609º, n.º 1, do CPC), a contar de 14.10.2020 e até à data em que viera a ocorrer a entrega efectiva da fracção autónoma designada pelas letras DH, valor este a liquidar oportunamente e após a concretização daquela entrega da fracção, mas que à data de 30.06.2022 (data da sentença de 1ª instância) se cifrava em €13.325,00 (€325,00 de metade do mês de Outubro de 2020 + 20 meses à razão de €650, 00, por mês – Novembro e Dezembro de 2020 (2 meses), 12 meses do ano de 2021 e 6 meses do ano de 2022.
O que equivale a dizer que improcedem todos os argumentos invocados pela Ré/apelante e, logicamente, a sua apelação da sentença recorrida, que deve ser confirmada na íntegra.
**
**
**
V. DECISÃO:
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação, confirmando a íntegra a sentença recorrida.
**
Custas pela apelante, que ficou vencida (artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
**

Porto, 6.02.2023
Jorge Seabra
Fátima Andrade
Eugénia Cunha


(O presente acórdão não segue, apenas por opção do Relator, na sua redacção o Novo Acordo Ortográfico)
___________________________________
[1] Vide, neste sentido, por todos, F. AMÂNCIO FERREIRA, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 8ª edição, pág. 147-148 e A. ABRANTES GERALDES, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2ª edição, pág. 92-93.
[2] Sobre a teoria da impressão do declaratário enquanto regra de interpretação dos negócios jurídicos, vide, com maiores desenvolvimentos, por todos, MANUEL de ANDRADE, “Teoria Geral da Relação Jurídica”, II volume, 1987, pág. 309-312, C. MOTA PINTO, “Teoria Geral do Direito Civil”, 4ª edição, pág. 443-448.
[3] Vide, neste sentido, L. MENEZES LEITÃO, “Arrendamento Urbano”, 11ª edição, 2022, pág. 179.
[4] Neste mesmo sentido, refere L. MENEZES LEITÃO, op. cit., pág. 180, nota 187, “ Apesar disso (isto é, apesar da regra de renovação automática do contrato prevista no n.º 1 do artigo 1096º), a lei continua a permitir às partes que estipulem a não renovação automática do contrato [ou, por maioria de razão, a permitir às partes sujeitar essa renovação a determinadas condições, como seja a que se mostra prevista na cláusula 4ª, alínea c) do contrato de arrendamento ora em apreço], nos termos do artigo 1096º, n.º 1, pelo que através dessa via conseguirá o senhorio celebrar um contrato de arrendamento apenas pelo prazo de um ano não renovável. ” [ou, por maioria da razão (quem pode fazer o mais, pode fazer o menos…), acrescentamos nós, apenas renovável em certas condições definidas/previstas pelas próprias partes ao abrigo do princípio da liberdade contratual.
[5] Vide, ainda, no mesmo sentido, ELSA SEQUEIRA, anotação ao artigo 1045º, do Cód. Civil, in “Código Civil Anotado”, I volume, 2017, Coord. ANA PRATA, pág. 1272 ou, ainda, P. LIMA, A. VARELA, “ Código Civil Anotado “, II volume, 3ª edição, pág. 406.