RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
INCÊNDIO
ÓNUS DA PROVA
PRESUNÇÃO DE CULPA
DEVER DE VIGILÂNCIA
Sumário

I - Impugnada a decisão de facto e baseando-se o pedido de reapreciação da prova em elementos de características subjetivas (como a prova testemunhal) o tribunal de 2.ª instância só deve alterar a decisão relativamente a matéria incorporada em registos fonográficos a convencer-se, com base em elementos lógicos ou objetivos, que houve erro na 1.ª instância e, ante a dúvida, deve manter o decidido em 1ª Instância, na observância dos princípios da imediação e da oralidade, dos quais sempre resultam elementos relevantes, e mesmo decisivos, na formação da convicção do julgador, que não passam para a gravação.
II - O ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, incluindo o dos factos a consubstanciar a culpa, cabe ao lesado (nº1, do art. 342º, art. 483º e art. 487º), salvo existindo presunção de culpa, o caso do nº1, do art. 493º, todos do Código Civil, a dispor “Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”, em materialização da responsabilidade por violação de deveres de prevenção do perigo.
III - E, no âmbito da responsabilidade delitual por danos causados por coisas ou animais por quem tem o dever de os vigiar, a presunção de culpa é indissociável da ilicitude, pelo que a presunção abrange estes dois pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, consagrando o nº1, do art. 493º, do Código Civil, uma presunção de culpa que, em rigor, é, também, uma presunção de ilicitude, presumindo-se, por isso, nos termos do referido preceito, perante a ocorrência de danos, a existência de incumprimento do dever de vigiar por parte da pessoa que detém a coisa, respondendo a mesma civilmente pelos danos causados, a menos que logre ilidir aquela presunção ou prove que outra causa desencadearia identico prejuízo, ainda que não tivesse ocorrido a falta de diligência na vigilância.
IV - Assim, perante um incêndio em fração locada pela Ré lesante, o ónus da prova de que o facto ocorreu ou foi causado pela coisa sob vigilância desta cabe ao Autor (nº1, do art. 342º, do CC) e mostra-se cumprido com a prova de que o incêndio que danificou o seu imóvel começou na fração detida pela Ré lesante, não sendo exigível a prova da sub-causa, isto é, do que concretamente o originou, para que esta responda pelos danos, a não lograr afastar a presunção de culpa, o caso, e, consequentemente, perante a existência de contrato de seguro de responsabilidade civil, também a Seguradora seja responsável nos termos e com os limites estabelecidos no contrato de seguro de responsabilidade civil entre ambas celebrado.

Texto Integral

Apelação nº 641/20.0T8PVZ.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim - Juiz 3

Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: Teresa Maria Sena Fonseca



Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto


Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrentes: A..., Unipessoal, Lda e B..., S.A.
Recorrido: AA

AA, residente na Rua ..., ..., ..., ..., instaurou a presente ação de processo comum contra A..., Unipessoal, Lda., com sede na Rua ..., Leça do Balio, Matosinhos, e B..., S.A., com sede na Rua ..., Lisboa, pedindo a condenação destas a pagar-lhe a quantia de 52.947,59€, referente a danos patrimoniais, de 2.500,00€, referente a danos não patrimoniais, acrescidas de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento, e, ainda, de 700,00€ mensais até à reparação efetiva do seu imóvel.
Alegou, para tanto, os danos por si sofridos em virtude do incêndio que deflagrou no estabelecimento comercial explorado pela 1.ª R., sito no edifício de que faz parte uma fração autónoma de que é proprietário, da responsabilidade de ambas as Rés, a 2.ª R. devido a ter celebrado com a 1ª contrato de seguro de responsabilidade civil.
A 2º Ré, Companhia de Seguros, contestou e, além da sua ilegitimidade, invocou a celebração com a 1.ª R. de quatro contratos de seguros, dois multiriscos e dois outros de responsabilidade civil, cada um deles referentes às frações A e B respetivamente, onde esta explorava, tal como na fração C, um estabelecimento destinado à comercialização dos mais variados produtos, e cujo incêndio, a que o A. se refere, foi, propositadamente, ateado por terceiro, sem qualquer interferência ou obrigação de ser evitado por parte da R., que na sua atividade cumpriu todos os requisitos legais, em prejuízo, portanto, da sua própria responsabilidade.
A 1.ª R., defendeu-se por exceção ao invocar a prescrição.
Respondeu o A. impugnando a matéria das exceções invocadas pelas RR.
Foi proferido despacho saneador a julgar improcedente a exceção da prescrição invocada pela 1.ª R. e foi definido o objeto do litígio e selecionados os temas de prova, do que não houve reclamações.
Procedeu-se à audiência final, com a observância das formalidades legais.
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Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:
“Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condeno a primeira R. a pagar ao A. a quantia de 42.508,45€ (quarenta e dois mil quinhentos e oito euros e quarenta e cinco cêntimos) e a segunda R. desta quantia, deduzida de 10% da franquia a cargo daquela, o valor que vier a ser liquidado, acrescidas uma e outra de juros de mora de 4% ao ano desde a citação até integral pagamento, absolvendo-as do restante peticionado.
Custas por A. e RR. na proporção do respectivo decaimento que em relação à segunda R. se fixa na proporção de metade”.
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A..., UNIPESSOAL, LDA apresentou recurso de apelação, pugnando por que seja revogada a decisão e substituída por outra que a absolva, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
1ª O recurso visa impugnar a matéria de facto identificada e com interesse para o mesmo;
2ª A decisão em crise peca por manifesta incorreção e erro na apreciação da prova produzida em julgamento, face aos documentos constantes do processo e aos depoimentos das testemunhas indicadas na transcrição junta;
3ª Na verdade, com interesse para este recurso, o Tribunal deu como não provados os seguintes factos:
1. O incêndio em causa tenha tido origem num acto criminoso;
2. O incêndio ocorrido no dia 5/06/2017 tenha sido propositadamente deflagrado
3. O fogo tenha sido ateado propositadamente;
4. Todos os extintores estivessem em bom estado de conservação e funcionamento;
5. Os funcionários da 1.ª R. tenham chamado os bombeiros não mais de 4 m. depois da deflagração do incêndio;
6. Não existissem em todo o espaço da loja materiais ou substâncias que pudessem reagir entre si resultando em reação química de autocombustão.
4ª. Em face disso, mas também face à prova que consta do processo - relatório da Polícia Judiciária de fls.… e depoimento das testemunhas: BB (inspetor da polícia judiciária) e de CC e DD, resulta exatamente o contrário.
5ª. E, salvo melhor opinião, o facto dado como não provado (4.5): “Os funcionários da 1.ª R. tenham chamado os bombeiros não mais de 4 m. depois da deflagração do incêndio»,
6ª. Está em contradição com os factos dados por provados, respetivamente, nos pontos 81, 82 e 83 da sentença e dos demais factos provados.
7ª. Por isso se Impugna nesta parte aquele facto dado por não provado.
8ª. Os demais factos dados por não provados e que supra vão identificados (ponto 4 deste recurso) o certo é que tais factos deviam ser dados como provados, atento o depoimento prestado pela testemunha BB, inspetor (especialista) da Polícia Judiciária e que vai identificado na transcrição junta.
9ª. Por isso se pode dizer que, o incêndio dos autos teve origem:
a) num acto criminoso;
b) propositadamente deflagrado;
c) o fogo foi ateado propositadamente;
d) que todos os extintores estavam em bom estado de conservação e funcionamento;
e) que em todo o espaço da loja não existiam materiais ou substâncias que pudessem reagir entre si resultando em reacção química de autocombustão.
10ª. Daí se impugnar e nesta parte os factos dados (os não provados), devendo antes ser dados como provados.
11ª. Pelo que, salvo melhor opinião, e sobretudo com base no depoimento do citado inspetor da Polícia Judiciária, a origem e a deflagração do incêndio não coube ou teve participação ou atuação de pessoa que trabalha na loja e ou sequer pudesse ter sido o seu próprio gerente,
12ª. Dos factos dados por provados resulta que, a “loja” é constituída por três (3) frações e independentemente da prova produzida, não está determinado em qual delas se terá iniciado o incêndio, o certo é que, as demais frações sofreram danos sem que nelas se situe a origem da deflagração do incêndio.
13ª. Está determinado nos autos e na sentença em crise, que o espaço de tempo que mediou entre a chamada dos bombeiros e o ataque ao incêndio, foi diminuto, e mesmo nesse espaço temporal, os funcionários da Recorrente agiram com toda a diligência, cuidado e zelo – como resulta dos factos provados em 75, 76, 79, 81, 82 e 83,
14ª. Sendo estranho à experiência comum e ao conhecimento mediano que os bombeiros (em grande quantidade) e viaturas (em grande quantidade) não tivessem sido capazes de apagar e de modo eficaz o incêndio, mesmo com a ideia de que o mesmo assumiu grandes proporções.
15ª. Provado está que na “loja” existiam vários extintores portáteis, sinalética e plantas de segurança, e que a Recorrente não tinha a obrigação de colocação de rede de sprinklers.
16ª. A Recorrente nenhuma responsabilidade teve na deflagração do incêndio, no seu desenvolvimento e consequências, tendo tomado tudo o que lhe era exigível para prevenir e combater um incêndio, tudo como se colhe do depoimento supra descrito, mas também dos depoimentos das testemunhas: CC e DD.
17ª. A Recorrente face aos factos provados e aos não provados, mas que devem ser dados por provados, como supra se entende, nenhuma responsabilidade tem ou deve ter.
18ª. Pois atuou de modo a prevenir e combater um incêndio para o qual em nada contribuiu ou sequer permitiu ou facilitou.
19ª. Por isso a Recorrente não agiu com culpa e menos ainda com negligência, porquanto, na produção do evento nem sequer nele participou, antes saiu lesada, tal qual o Recorrido...
20ª. A Recorrente não praticou qualquer acto para aquela produção, pelo que não se pode falar em ilicitude e consequentemente não existe nexo causal, já que a guarda do “estabelecimento” foi e estava a ser exercida conforme as normas exigíveis para o tipo de estabelecimento e risco…
21ª. Como bem refere a decisão em crise, a lei (artigo 487.º, n.º 1 do C.C.) dispõe que: compete ao lesado provar a culpa do autor da lesão, o que no caso dos autos não existe ou se fez, sendo admissível por outro lado, a (exceção) da presunção de culpa, prevista no artigo 493.º do C.C. - e aqui, a prova para o afastamento da culpa – presumida - cabe àquele sobre quem recai a presunção, que in caso, provado está nos autos, todos os “sinais” factos que praticou, nomeadamente de e para: a) vigilância; b) prevenção; c) manutenção e conservação do imóvel, constituído por três frações autónomas que consubstancia um só estabelecimento comercial,
22ª. Prova que se encontra plasmada e de forma clara e objetiva nos documentos juntos no processo - relatório da Polícia Judiciária, - como na testemunhal, concretamente nos depoimentos prestados pelas testemunhas identificadas com os depoimentos constantes da transcrição junta.
23ª. Assim, a Recorrente enquanto proprietária e possuidora dos imóveis dos autos, deixou provados todos os factos e actos praticados conducentes aos comportamentos de e para a vigia, prevenção e manutenção-conservação do espaço do seu comércio (frações) afastando nessa medida aquela exceção de presunção de culpa,
24ª. Estando demonstrado nos autos que a “coisa” à sua guarda e passível de causar danos, efetivamente, estava sujeita a actos de controlo... e vigilância em ordem a proteger a produção de danos – como também para evitar danos, tanto mais que provado está que o incêndio dos autos não resultou de culpa sua – cf. relatório da Polícia Judiciária e depoimento da testemunha, BB.
25ª. Quando assim se não entender, todos os proprietários e possuidores de (coisas)imóveis, respondem sempre e em qualquer circunstância apenas porque são titulares de um direito de propriedade ou de posse – o que não se concebe.
26ª.Estão assim violados os artigos 483.º, 487.º, 493.º do C.C.
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A Ré B..., S.A. apresentou-se a recorrer pretendendo a revogação da sentença, formulando, para tanto as seguintes
CONCLUSÕES:
1.ª - Vem o presente recurso impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto que, com base na mesma, a ação foi julgada improcedente, por não provada.
2.ª - A decisão de primeira instância, quanto à matéria de facto, padece de incorreções de julgamento e insuficiência, atentos os meios probatórios constantes do processo – documentos e depoimentos das testemunhas, que impunham decisão diversa da recorrida, que abaixo melhor se especificará.
3.ª - O presente recurso versará a impugnação da matéria de facto dada como provada, uma vez que se conclui que a mesma não tem suporte na prova constante dos autos, bem como da produzida em audiência de julgamento, pelo que urge ser alterada a decisão da matéria de facto, nos moldes infra expostos.
4.ª - Salvo o devido respeito por opinião diversa, a recorrente entende que a resposta dada a determinados factos articulados não é correta e que decorre de uma interpretação da prova que não sufragamos.
5.ª - São os seguintes os pontos da matéria de facto que foram incorretamente julgados:
No que respeita aos factos não provados:
• O incêndio em causa tenha tido origem num acto criminoso.
• O incêndio ocorrido no dia 5/06/2017 tenha sido propositadamente deflagrado.
• Uma das pessoas que estava no interior do estabelecimento pouco antes das 20.30 h do dia 5/06/2017 de forma voluntária e propositada e na execução de um plano previamente delineado, tenha deflagrado um incêndio.
• Usando uma fonte de fogo ou calor desconhecida, essa pessoa ou pessoas tenham lançado fogo sobre objectos que se encontravam nesse local.
• Tenha sido essa pessoa ou pessoas a dar origem ao incêndio que teve início na fraccão “A”.
• O fogo tenha sido ateado propositadamente.
• As luvas de borracha adquiridas pelo jovem nos instantes que antecederam o acionamento do alarme estivessem colocadas junto ao ponto do início do incêndio.
• Todos os extintores estivessem em bom estado de conservação e funcionamento.
6.ª - A análise da prova produzida em audiência de julgamento não permite que se conclua como o douto tribunal recorrido deseja, impondo-se decisão diversa.
7.ª – Vejamos o depoimento da testemunha BB, FICHEIRO ÁUDIO – DIA 26/04/2022, Ficheiro áudio n.º 20220426140547, assim como ter-se-á de ter em conta o inquérito de fls. 294 e ss. Vejamos:
8.ª - Esta testemunha é agente da Polícia Judiciária – trabalhando na investigação de incêndios há mais de 12 anos, sendo inspector-chefe da secção de incêndios. Referiu que como se tratou de um incêndio, a Polícia Judiciária foi chamada ao local para fazer uma inspecção judiciária, tendo a testemunha e uma equipa da Judiciária deslocado ao local do incendio no dia em que o mesmo ocorreu, tendo-se deparado com um enorme incêndio, não conseguindo fazer a inspecção judiciária, nem nesse dia, nem nos dias seguintes.
9.ª - Que ingressou no local do sinistro nos dias 7, 8 e 9 seguintes e que apesar do grande aparato de destruição que tinha, verificou que as marcas deixadas pelo fogo possibilitam leituras, pese embora pelo caminho encontrem materiais bastante inflamáveis, mas as mesmas possibilitam concluir o inicio do incêndio: o mesmo iniciou-se no fundo da loja, numa zona em que continha plásticos, baldes e coisas, e afins.
10.ª - Ao longo do seu depoimento, referiu, de forma clara e coerente que no local onde deflagrou o incêndio existiam umas prateleiras com materiais de limpeza e plásticos e que a partir do ponto onde deflagrou o incêndio, verificou-se uma progressão do fogo em “V” desde as prateleiras mais baixas e junto ao chão, atacando as restantes prateleiras, bem como pilares ali existentes.
11.ª - Referiu que o fogo afetou, primeiro, a fracção “A”, de seguida a totalidade da fracção “B” e finalmente, com menor intensidade, parte da fracção “C” e que ao longo do caminho percorrido pelo fogo no indicado sentido, verificou-se, depois de extinto o incêndio, uma maior carbonização na área da fracção “A”.
12.ª - Concretizou que a partir do ponto de início do incêndio, verificou-se na vertical a projeção no teto, o qual foi destruído junto a esse local, bem como as paredes circundantes, que apresentam um elevado grau de destruição e que a partir daquele ponto situado na fracção “A” e em direcção à fracção “C”, passando pela fracção “B”, o grau e sinais de destruição vão abrandando.
13.ª - Mais referiu que a instalação eléctrica existente nas fracções “A”, “B” e “C” do prédio não apresentava qualquer colapso ou anomalia, estando as cablagens intactas e sem qualquer fusão.
E que o incêndio em causa não deflagrou nem ocorreu por qualquer acidente ou acidente eléctrico.
14.ª - Concretizou que na zona onde deflagrou o incêndio não existia qualquer tomada ou aparelho eléctrico, com excepção das lâmpadas de iluminação que não apresentavam, depois de extinto o fogo, qualquer sinal de colapso ou anomalia.
15.ª - Disse, de forma clara, lógica, coerente e com apoio cientifico, que pela investigação que fez, juntamente com a equipa que com ele esteve, que o incendio foi dolosamente provocado por terceiro.
16.ª – Referiu ter apurado que o incêndio não teve origem acidental, nem que tenha sido um acidente elétrico, uma vez que não havia qualquer colapso elétrico e no local onde se iniciou a deflagração, não havia tomadas elétricas nem contador.
17.ª -- Disse, não ter dúvidas absolutamente nenhumas, que o incêndio foi dolosamente provocado por terceiro, embora não lhe tenha sido possível proceder à identificação desse terceiro: “Assim, nesta fase é afastada qualquer hipótese de acidente eléctrico, sendo tratado como incêndio doloso”. Doloso, pressupõe a intervenção de terceiros.
. Vide Relatório:
18.ª - Disse que da averiguação efetuada, exclui que o incendio tenha sido provocado pelo sócio gerente da Ré – que nem sequer estava no local quando o mesmo deflagrou – nem pelos funcionários presentes na loja, concluindo apenas que foi um terceiro não identificado. – Vide depoimento: até porque nas câmaras de vigilância vê-se o indivíduo na caixa e, logo a seguir, vê-se a azáfama dos funcionários a correrem, a acorrerem ao sítio onde começou a arder.
19.ª - Concluiu, a referida testemunha, que a forma de inicio do incêndio foi através de chama direta, mormente isqueiro ou fósforo.
20.ª - Diga-se que foi apenas esta testemunha e a sua equipa – que analisaram o local do sinistro e apuraram as suas causas e consequências. Trata-se de uma equipa com vasta experiência e competência neste domino de investigação, pelo que não vemos qualquer motivo para descredibilizar quer a investigação quer as conclusões obtidas.
21.ª - A testemunha relatou ao tribunal todos estes factos, com prontidão, clareza, espontaneidade e sem qualquer contradição ou obscuridade que motivasse o seu descrédito;
22.ª - Tudo conjugado com a demais prova produzida, mormente o inquérito junto aos autos, deverá a Sentenca recorrida ser revogada nesta parte impugnada, e substituída por outra que determine a alteração da matéria de facto, o que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes, não tendo sido a prova produzida nos autos analisada de forma global e crítica, como o legislador prevê no artigo 607.º, n.º 4 do CPC.
23.ª - Ora, cremos que a conjugação destes factos e da análise crítica da prova, impõe a revogação da decisão de facto atinente, devendo ser dada como assente a seguinte matéria de facto:
• O incêndio em causa teve origem num ato criminoso.
• O incêndio ocorrido no dia 5/06/2017 foi propositadamente deflagrado por pessoa não concretamente identificada, usando uma fonte de fogo ou calor desconhecida sobre os objectos que se encontravam nesse local.
• Foi essa pessoa ou pessoas a dar origem ao incêndio que teve início na fraccão “A”.
• O fogo foi ateado propositadamente.
• As luvas de borracha adquiridas pelo jovem nos instantes que antecederam o acionamento do alarme estavam colocadas junto ao ponto do início do incêndio.
• Todos os extintores estivessem em bom estado de conservação e funcionamento.
24.ª - De acordo com a alteração da matéria de facto proposta, o fogo verificado nos imóveis pertencentes à A... Unipessoal, Lda não ocorreu de forma acidental, mas antes propositada.
25.ª - Constata-se que os danos na fração do A. foram provocados pelo incêndio que teve origem na fraccão “A”, utilizada pela 1.ª R., certo é que se logrou provar o fenómeno concreto que originou a deflagracão do incêndio na fraccão “A” – acidente dolosamente provocado por terceiro -, assim afastando a presunção de ilicitude e culpa da 1.ª R., por violacão do dever que enquanto locatária e única utilizadora tinha de vigilância do seu estado e das suas condições de funcionamento.
26.ª - Ora, radicando a causa do incêndio numa atuação dolosa de terceiro e não tendo este originado de qualquer defeito de construção, de manutenção, com violação do dever de vigilância, é patente que não se mostram preenchidos os requisitos do artº 493º, no 1 do C.C.."
27.ª - Assim, nenhuma das características da fração onde o incêndio deflagrou e para as quais se alastrou contribuíram, de modo direto ou indireto, para a ocorrência do mesmo.
28.ª - De referir que o incêndio foi propositadamente deflagrado num dos cantos da loja, em local onde, apesar de estar abrangido pelo sistema de videovigilância do estabelecimento, tal atuação passaria e passou despercebida, por se confundir com a mera observação ou manipulação por quem se julgou ser cliente de algum dos produtos aí comercializados.
29.ª - Por outro lado, o incêndio propositadamente deflagrado, atingiu, em escassos minutos grandes proporções. Face à intensidade do fogo e à rapidez da sua propagação, nenhum dispositivo de autoproteção que existisse no imóvel seria capaz de extinguir o fogo.
30.ª - Diga-se, de qualquer forma, que a 1.ª Ré tinha implementadas todas as medidas de autoproteção impostas pela Lei;
31.ª – Mesmo assim, tal não seria suficiente para evitar o incendio e as proporções que tomou;
32.ª - Só o facto de esse incêndio ter assumido, logo nos primeiros momentos, grande proporção, impediu os funcionários da 1ª Ré de o extinguirem. De facto, encontra-se provado que escassos segundos depois de detetado o fogo, o sistema de iluminação do estabelecimento deixou de funcionar, tornando em quase total escuridão o interior da loja.
33.ª - E dada a intensidade das chamas, a quantidade de fumo produzido e a quase total escuridão que se instalou, os funcionários da loja não foram capazes de prosseguir o combate ao fogo, nem puderam dominá-lo. E sob pena de risco para a sua própria integridade física, os funcionários da 1.a R. tiveram de sair da loja e refugiar-se no exterior.
34.ª - Em suma, nenhuma responsabilidade pode ser assacada à 1ª Ré e, muito menos, à ora contestante, pelo que, por tudo o exposto, impõe-se a absolvição da ora contestante de todos os pedidos.
35.ª - Deste modo, não só pelo que vimos de referir, como também face a todo o exposto, ao decidir nos termos da douta Sentença em recurso, o Tribunal a quo violou, entre outras disposições legais, o disposto nos artigos 342.º, n.º 1, 373.º a 376.º e 493.º e seguintes do Código Civil, sendo manifesto o erro na apreciação da prova.
Caso assim se não entenda,
36.ª - Como decorre do ponto 40 dos factos provados, a cobertura de seguro abrangia a responsabilidade civil de natureza extracontratual, pela qual a 2.ª R. assumiu o pagamento dos danos causados a terceiros relacionados com o imóvel locado e que possam ser imputados ao locador na sua qualidade de proprietário, pagamento esse a ser realizado, necessariamente, aos terceiros lesados.
37.ª - Ao valor do capital seguro, 250.000,00€, a 2.ª R. tem direito a deduzir a franquia a cargo do segurado, 1.a R., no valor correspondente a 10% a abater no valor da indemnização devida.
38.ª - E como bem resulta da sentença recorrida, o capital seguro foi, todavia, fixado por sinistro, pelo que, sendo vários os lesados, pode suceder que o valor total das indemnizações ultrapasse o capital seguro, in casu 250.000,00€, caso em que as pretensões dos lesados, por força do art. 142.º, n.º 1 da LCS, são proporcionalmente reduzidas até à concorrência desse capital.
39.ª - Desconhecendo-se, no caso e neste momento, se o valor das indemnizações devidas ultrapassa ou não o capital seguro, o Tribunal não dispõe de elementos suficientes para fixar com exatidão o valor da indemnização devida ao A., pelo que, ao abrigo do 609.º, n.º 2 do CPC, é forçoso condenar a 2.ª R. no que vier a ser liquidado.
40.ª - Tudo para dizer que o limite da condenação da aqui Recorrente deve estar limitado ao capital seguro, in casu, 250.000,00 euros, e à franquia contratual de 10%, valor esse que será apurado em sede de liquidação e após apuramento da total responsabilidade da Ré Segurada pelas consequências do presente sinistro.
41º - Ou seja, após o apuramento final da responsabilidade da aqui recorrente relativamente a todos os lesados do sinistro em causa, face ao contrato de seguro aqui em apreço, e caso o direito total dos lesados ultrapassem o valor de 250.000,00 euros, considerando a franquia de 10%, o valor de cada um, mormente o do aqui Autor, é proporcionalmente reduzidas até à concorrência desse capital, a calcular em sede de liquidação.
42.ª – Ao decidir de forma diferente, o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 142.º da Lei do Contrato de Seguro - DL n.º 72/2008, de 16 de Abril.
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O Autor, notificado dos Recursos interpostos pelas Rés apresentou Resposta, a pugnar por que seja mantida a sentença recorrida, apresentando as seguintes
CONCLUSÕES
I) No essencial, defendem a Recorrentes que os depoimentos das testemunhas produzidos na audiência de julgamento impõem que aqueles factos dados como não provados na Sentença deviam antes ter sido julgados como provados.
II) Estribam-se as, aliás Doutas, Alegações de ambas as Recorrentes para tentarem obter Decisão diversa por parte desta Magnânima Relação fundamentalmente no testemunho do Sr. Inspector Eng. BB, reputado especialista em incêndios da Polícia Judiciária.
III) A verdade é que em primeira linha e na sua resposta mais imediata o Senhor Inspector conclua nas suas declarações que não chegou a nenhuma conclusão quanto às causas do incêndio.
IV) Esclarece ainda nas suas declarações que o fogo poderia ter-se iniciado muito antes do momento em que começa a evidenciar chama activa,
V) O que salvo o devido respeito, exclui ou pelo menos afasta crassamente a possibilidade da existência de mão criminosa por parte de alguns visitantes momentos antes no local.
VI) Já quanto ao relatório elaborado pelo Senhor Inspector, a verdade é que este é omisso quanto à identificação de potenciais agentes que possam ter encetado o incêndio objecto central dos presentes autos, sendo certo que se denota, ainda assim, que prosseguiu algumas linhas investigatórias para encontrar potenciais culpados, sem que tenha chegado a nenhuma conclusão em particular,
VII) O que, salvo melhor opinião, não é suficiente para a Recorrente “A...” afastar em si a presunção de responsabilidade que sob si impende.
VIII) Quanto à fundamentação da convicção da Mma. Juiz A Quo, a qual por economia processual nos escusamos a transcrever, vemos que a Douta Sentença recorrida procede à exposição dos motivos de facto que a fundamentam, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.
IX) De modo algum nos parece arbitrária ou discricionária, ou mesmo enviesada ao princípio da experiência comum e do normal acontecer
X) Assim, e salvo melhor opinião, a Recorrente “A...” não logrou afastar através da prova produzida a presunção de culpa a que alude o artigo 493.º, n.º 1 do CC, pois que, nas palavras da Digna Magistrada, “enquanto locatária daquela fracção lhe cabe zelar e vigiar não só a sua estrutura como também os seus componentes e conteúdo de molde a, justamente, evitar que os mesmos constituam uma fonte de danos para terceiros, independentemente da causa ou processo concreto que os originem, atenta a presunção de ilicitude e de culpa estabelecida em função daquele dever de vigilância. Assim, ainda que desconhecendo-se o fenómeno concreto que originou a deflagração do incêndio na fracção “A”, prevalece a presunção de ilicitude e culpa da 1.ª R., por violação do dever que enquanto locatária e única utilizadora tinha de vigilância do seu estado e das suas condições de funcionamento”.
XI) Face a tal responsabilidade ser assegurada também pela via contratual pela Recorrente “B...” também sobre esta recairá o dever de indemnizar o Recorrido nos termos entre as Recorrentes contratados.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1 – Quanto à impugnação da decisão da matéria de facto:
1.1- da procedência da pretensão de cada uma das Rés/Apelantes de alteração de matéria de facto supra referida, de não provada para provada.
2 – Quanto à reapreciação da decisão de mérito e relativamente à responsabilidade civil das Rés, natureza e limites:
2.1- da responsabilidade da 1ª Ré, lesante, pelos danos sofridos pelo Autor, decorrentes do incêndio verificados em fração onde explora o seu estabelecimento comercial;
2.2- da responsabilidade da 2ª Ré, Seguradora (que com a 1ª Ré celebrou contrato de seguro de responsabilidade civil).
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. FACTOS PROVADOS
São os seguintes os factos considerados provados, com relevância, para a decisão (transcrição):
Da PI
1. O A. é proprietário da fração “K”, correspondente ao piso dois, habitação 3, do prédio sito à Rua ..., em Leça do Balio, Matosinhos.
2. Esta casa era até Junho de 2017 a sua residência com carácter habitual e permanente e está onerada com hipoteca à Banco 1... por garantia por mútuo.
3. A primeira R. é uma sociedade unipessoal por quotas, tendo por objeto social o comércio a retalho de outros produtos novos, em estabelecimentos especializados, não especificados, comummente conhecido por “bazar de artigos de origem chinesa”.
4. Atividade que desenvolve na sua sede no mesmo prédio em regime de propriedade horizontal nas frações “A” e “B” de que é locatária e única utilizadora e na fração “C” de que é proprietária e utilizadora.
5. No dia 5/06/2017, entre as 20.00 h e as 20.30 h, deflagrou no estabelecimento comercial da 1.ª R., mais concretamente na supra id. fração “A”, um incêndio que se propagou para as demais frações supra ids. assim como para outras frações do mesmo edifício, entre elas a do A., tendo os respetivos moradores sido evacuados.
6. O referido incêndio que gerou labaredas e muito fumo levou ao corte de ruas pela PSP e pelos Bombeiros.
7. As persianas dos apartamentos derreteram devido o calor do incêndio e o prédio ficou enegrecido.
8. O referido incêndio, às 9.17 h do dia 6/06/2017, foi dado como dominado pelos Bombeiros que procederam ao rescaldo até às 14.24 h do dia 9/06/2017 e se mantiveram em vigilância e consolidação do rescaldo até às 21.10 h do mesmo dia.
9. A loja da primeira R. ficou completamente negra e consumida pelo fogo.
10. No dia 7/06/2017 foi permitido à namorada do A. entrar no prédio apenas durante 15 m para retirar alguns bens pessoais do A. que não estariam danificados pelo foso e de forma breve, dado que o local estava em perigo e ainda não se reconheciam os danos causados na estrutura do edifício.
11. Ao entrar não havia luz e o calor e o cheiro eram insuportáveis.
12. Dentro da fração as paredes estavam negras e havia recheio inutilizado pela ação do calor e do fumo intenso que grassou por todo o prédio.
13. O A. recebeu uma comunicação por parte da Camara de Matosinhos datada de 9/06/2017 indicando-lhe que estaria interdita a entrada e permanência de toda e qualquer pessoa e animal no edifício em causa.
14. Recebeu nova comunicação datada de 14/08/2017 indicando que a interdição de permanência no prédio seria mantida até que fossem resolvidas as patologias identificadas no mesmo.
15. Por causa da interdição de permanência no prédio, o A. arrendou por uma renda mensal de 700,00€ uma outra fração para que nela pudesse residir, tendo cessado esse contrato em fevereiro de 2019.
16. Todos os objetos que tinha em casa degradaram-se e ficaram inutilizados em resultado do incêndio havido.
17. O A. equipou a nova habitação com as condições mínimas de habitabilidade, com bens como cama, colchão, mesa, estante, cadeiras, louça.
18. Ficaram destruídos os seus eletrodomésticos, a saber
- uma máquina de lavar louça.
- um forno de encastrar.
- uma placa de indução.
- um frigorífico.
- uma máquina de secar roupa.
- uma máquina de lavar roupa.
- um micro-ondas.
- outros utensílios de cozinha.
19. Tinha também diversos objetos pessoais que não pôde recuperar em virtude do incêndio, como roupa, acessórios, perfumes e outros produtos de cosmética e higiene, bem como outros aparelhos eletrónicos, entre os quais televisor, aparelhagem, computador e outros.
20. Em 17/03/2020, o A. foi notificado do edital para levantamento da interdição relativamente às partes da restauração do edifício e que permite a habitação dos apartamentos.
21. O A. encomendou um orçamento que ascende a 16.008,45€ para as obras necessárias na fração “K” para reparação de paredes de ligação entre quarto/suite e o W.C., o revestimento existente encontra-se em desagregação, regularização com argamassa adequada hidrófuga e colocação de rede em fibra de vidro; remoção e colocação de nova porta em madeira no W.C. da suite, que se encontra arrombada; verificação de todos os tubos de fornecimento de água, em todos os seus pontos e passagem, dos mesmos; verificação de todos os cabos, fios elétricos e aparelhagem elétrica existentes no apartamento, para verificação do estado dos mesmos; fornecimento eaplicação de algumas portas lacadas e dos caixotes em madeira na cozinha e lavandaria, assim como de todas as ferragens dos mesmos; raspagem e posterior emassamento e envernizamento de todo o piso em madeira; fornecimento e aplicação de sistema de pintura em paredes e tetos de todo o apartamento T3, paredes com tinta CIN Viny/Clean, cor a escolher, constituídos por primário, onde necessário e duas demão; fornecimento e aplicação de sistema de envernizamento de todas as madeiras, portas, roupeiros, guarnições, apainelados das janelas e roda pés, com verniz da CIN, com duas demão.
22. O prédio e a fração estão ainda desprovidos de energia e água.
23. À data do incêndio o A. estava ausente do país.
24. O A. sentiu-se desesperado e impotente para salvar os seus bens.
25. Sentiu-se angustiado durante toda a noite em que o incêndio se deu, pois não sabia o que poderia acontecer.
26. Sentiu desespero quando no dia seguinte soube que a sua fração estava afetada pelo fogo.
27. O A. despendeu tempo na procura de diversas outras habitações.
28. Mantém-se a pagar ao Banco por uma fração de que não usufrui.
29. O estabelecimento da 1.ª R. comercializa, e, ao tempo do incêndio, continha, plásticos, roupas de tecido sintético, produtos de limpeza doméstica, materiais em plástico, materiais em borracha, álcool etílico, acendalhas líquidas e álcool gel.
Da Contestação da segunda R.
30. Entre a 2.ª R., como seguradora, e A... Unipessoal, Lda., foi celebrado em Setembro de 2015 um contrato de seguro do ramo Comércio e Serviços – MR Empresas, titulado pela Apólice n.º ... que se rege por condições gerais, especiais e particulares.
31. O local do risco corresponde à Rua ..., Leça do Balio (fração A).
32. O capital seguro é de 750.000,00€, com franquia conforme mencionado nas condições gerais e especiais da apólice.
33. Foi contratualizado o plano 3- Multiriscos, Cobertura Base, Assistência no Estabelecimento e Proteção Jurídica.
34. Mediante o referido contrato de seguro ficaram garantidos, nos termos dessa apólice e dentro dos limites nela estabelecidos, os riscos expressamente subscritos pela tomadora A... Unipessoal, Lda..
35. O plano contratado incluía, com interesse in casu, incêndio, acção mecânica de queda de raio e explosão, com limite de indemnização (por sinistro e ano) equivalente ao valor do capital seguro, sem franquia por sinistro (sobre prejuízos indemnizáveis), e
36. Cobertura RC Proprietário, com capital seguro correspondente a 25% do capital contratado para o edifício, 187.500,00 € (750.000,00€ x 25%) independentemente do número de lesados, com uma franquia por sinistro (sobre prejuízos indemnizáveis) de 10%, com o mínimo de 100,00€, a abater na eventual indemnização devida.
37. A cláusula 45, n.º 1 das Condições Gerais e Especiais da apólice supra referida dispõe que a respetiva cobertura “Garante a satisfação das indemnizações legalmente exigíveis ao Segurado na sua qualidade de proprietário do Edifício ou Fracção Segura com fundamento em Responsabilidade Civil Extracontratual por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causadas a terceiros”.
38. O n.º 2 da mesma cláusula 45 estabelece as seguintes exclusões relativamente a esta cobertura: “Para além das exclusões mencionadas das cláusulas 3.ª e 38.º das presentes Condições Gerais, ficam ainda excluídos desta cobertura os danos resultantes: a) Acto criminoso praticado pelo Segurado ou pessoas por quem seja civilmente responsável; b) Deficiências de construção ou de projeto; c) O edifício já se encontrar, no momento da ocorrência do sinistro, danificado, defeituoso, desmoronado ou deslocado das suas fundações, de modo a afetar a sua estabilidade e segurança global; d) Desuso ou abandono do edifício; e) Exploração da atividade desenvolvida no edifício; f) Ascensores, monta-cargas e antenas de televisão individuais ou coletivas; g) Os danos decorrentes de obras no local de risco; h) Os danos causados por instalações precárias ou que não obedeçam aos requisitos legais de montagem, instalação e segurança; i) A responsabilidade civil emergente da propriedade de imóveis ou outras instalações não seguras por esta apólice; j) Os danos sofridos pelo Segurado e/ou por qualquer das pessoas que constituem o seu agregado familiar, independentemente da coabitação; k) Os danos sofridos por qualquer pessoa que mantenha com o Segurado relações de sociedade ou de trabalho; l) Os danos resultantes de qualquer atividade económica desenvolvida no local de risco; m) A responsabilidade e profissional; n) A responsabilidade criminal; o) As multas de qualquer natureza e as consequências pecuniárias de processo criminal ou de litígio com má-fé; p) As despesas de apelação e recurso do Segurado a tribunal superior, salvo se o Segurador o considerar necessário; q) Os danos decorrentes da propriedade ou posse de piscinas e jardins.
39. A cobertura RC Exploração não foi contratada na Apólice n.º ... supra id.
40. Consta do certificado de seguro associado ao contrato de locação financeira celebrado entre a 1.ª R. e a B... – B..., a cobertura de responsabilidade civil legal de natureza extra-contratual, por danos causados a terceiros relacionados com o imóvel locado e que possam ser imputados ao locador na sua qualidade de proprietário, até ao montante de 250.000,00 por sinistro e a cobertura de todo o conjunto patrimonial que constitui o imóvel locado e que em caso de sinistro indemnizável a correspondente indemnização deverá ser paga diretamente à referida B....
41. Entre a 2.ª R., como seguradora e A..., Lda., foi celebrado em setembro de 2015 um contrato de seguro do ramo Responsabilidade Civil Empresarial, titulado pela Apólice n.º ... que se rege por condições gerais, especiais e particulares.
42. O local do risco corresponde à Rua ..., Leça do Balio (fracção A).
43. O capital seguro é de 250.000,00€, com franquia de 10% sobre o valor do sinistro, no mínimo 250,00€ e máximo de 1.000,00€, a abater na eventual indemnização devida.
44. O objeto desta apólice ... é, de acordo com item 04 (Proprietário de Imóveis) das suas Condições Gerais e Especiais o seguinte: “Cláusula 1.ª – Objecto: 1- A presente Condição Especial tem por objeto a garantia da responsabilidade civil do Segurado na sua qualidade de proprietário de bens imóveis. 2 – A presente Condição Especial é contratada como seguro facultativo, não visando cumprir qualquer obrigação de seguro que possa estar prevista na lei para a qualidade mencionada no número anterior.
45. A cláusula 2.ª do referido item 04 daquelas condições dispõe que “1. A presente Condição Especial cobre, até ao limite de capital fixado nas Condições Particulares, as indemnizações -que possam legalmente recair sobre o Segurado, por responsabilidade civil extracontratual, por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais, decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causadas a Terceiros, na qualidade de proprietário do imóvel ou fracção referida nas Condições Particulares da Apólice” e que “2. No caso do Tomador do Seguro ser o administrador do imóvel, em regime de propriedade horizontal, cada um dos condóminos será considerado também como terceiro”.
46. Foram, ainda, contratualizadas as exclusões constantes da cláusula 3.ª do referido item 04: “Para além das exclusões previstas nas Condições Gerais, consideram-se ainda excluídos da garantia da presente Condição Especial os danos: a) Causados pelo Segurado, seu procurador e respetivos empregados ou colaboradores, sob influência de estupefacientes, estado de embriaguez ou demência; b) Resultantes da inobservância de disposições legais ou regulamentares relativas à conservação, manutenção e assistência do imóvel, respetivos elevadores e monta-cargas; c) Resultantes de excesso de lotação ou peso transportado pelos ascensores e/ou monta-cargas; d) Resultantes da utilização de ascensores e/ou monta-cargas por crianças ou outras pessoas inimputáveis; e) Causados por trabalhos de montagem, desmontagem, revisão ou substituição de antenas; f) Resultantes de vício de construção do imóvel, dos muros e gradeamento e demais bens de raiz, que constituam e façam parte integrante da Propriedade Segura; g) Que consistam em humidades que não sejam consequência directa de inundações; h) Resultantes da exploração no imóvel de qualquer indústria; i) Causados por torneiras deixadas abertas, salvo quando se tiver verificado uma falta de abastecimento de água”.
47. Entre a 2.ª R., como seguradora, e 1.ª R. A... Unipessoal, Lda., foi celebrado em Março de 2016 um contrato de seguro do ramo comércio e serviços – MR Empresas, titulado pela apólice n.º ... que se rege por condições gerais, especiais e particulares.
48. O local do risco corresponde à Rua ..., ..., Leça do Balio (fração B).
49. O capital seguro é de 139.500,00€, com franquia conforme mencionado nas condições gerais e especiais da apólice.
50. Foi contratualizado o plano 3- Multiriscos, Cobertura Base, Assistência no Estabelecimento e Protecção Jurídica.
51. Mediante o referido contrato de seguro ficaram garantidos, nos termos dessa apólice e dentro dos limites nela estabelecidos, os riscos expressamente subscritos pela tomadora A... Unipessoal, Lda..
52. O plano contratado incluía, com interesse in casu, incêndio, ação mecânica de queda de raio e explosão, com limite de indemnização (por sinistro e ano) equivalente ao valor do capital seguro, sem franquia por sinistro (sobre prejuízos indemnizáveis), e
53. Cobertura RC Proprietário, com capital seguro correspondente a 25% do capital contratado para o edifício, 34.875,00 € (139.500 x 25%), independentemente do número de lesados, com uma franquia por sinistro (sobre prejuízos indemnizáveis) de 10%, com o mínimo de 100,00 €, a abater na eventual indemnização devida.
54. A cláusula 45, n.º 1 das Condições Gerais e Especiais da apólice n.º ... supra referida dispõe que a respetiva cobertura “Garante a satisfação das indemnizações legalmente exigíveis ao Segurado na sua qualidade de proprietário do Edifício ou Fracção Segura com fundamento em Responsabilidade Civil Extracontratual por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causadas a terceiros”.
55. O n.º 2 da mesma cláusula 45 estabelece as seguintes exclusões relativamente a esta cobertura: “Para além das exclusões mencionadas das cláusulas 3.ª e 38.º das presentes Condições Gerais ficam ainda excluídos desta cobertura os danos resultantes de: a) Acto criminoso praticado pelo Segurado ou pessoas por quem seja civilmente responsável; b) Deficiências de construção ou de projecto; c) O edifício já se encontrar, no momento da ocorrência do sinistro, danificado, defeituoso, desmoronado ou deslocado das suas fundações, de modo a afectar a sua estabilidade e segurança global; d) Desuso ou abandono do edifício; e) Exploração da actividade desenvolvida no edifício; f) Ascensores, monta-cargas e antenas de televisão, individuais ou colectivas; g) Os danos decorrentes de obras no local de risco; h) Os danos causados por instalações precárias ou que não obedeçam aos requisitos legais de montagem, instalação e segurança; i) A responsabilidade civil emergente da propriedade de imóveis ou outras instalações não seguras por esta Apólice; j) Os danos sofridos pelo Segurado e/ou por qualquer das pessoas que constituem o seu agregado familiar, independentemente da coabitação; k) Os danos sofridos por qualquer pessoa que mantenha com o Segurado relações de sociedade ou de trabalho; l) Os danos resultantes de qualquer actividade económica desenvolvida no local de risco; m) A responsabilidade profissional; n) A responsabilidade criminal; o) As multas de qualquer natureza e as consequências pecuniárias de processo criminal ou de litígio com má-fé; p) As despesas de apelação e recurso do Segurado a tribunal superior, salvo se o Segurador o considerar necessário; q) Os danos decorrentes da propriedade ou posse de piscinas e jardins.
56. A cobertura RC Exploração não foi contratada na apólice n.º ... supra id.
57. Entre a 2.ª R., como seguradora, e A... Unipessoal, Lda., foi celebrado em Março de 2016 um contrato de seguro do ramo Responsabilidade Civil Empresarial, titulado pela Apólice n.º ... que se rege por condições gerais, especiais e particulares.
58. O local do risco corresponde à Rua ..., ..., Leça do Balio (fracção B).
59. O capital seguro é de 250.000,00€, com franquia de 10% sobre o valor do sinistro, no mínimo 250,0€ e máximo de 1.000,00€, a abater na eventual indemnização devida.
60. O objeto desta apólice ... é, de acordo com item 04 (Proprietário de Imóveis) das suas Condições Gerais e Especiais o seguinte: “Cláusula 1.ª – Objecto: 1- A presente Condição Especial tem por objecto a garantia da responsabilidade civil do Segurado na sua qualidade de proprietário de bens imóveis. 2 – A presente Condição Especial é contratada como seguro facultativo, não visando cumprir qualquer obrigação de seguro que possa estar prevista na lei para a qualidade mencionada no número anterior.
61. A cláusula 2.ª do referido item 04 daquelas condições dispõe que “1. A presente Condição Especial cobre, até ao limite de capital fixado nas Condições Particulares, as indemnizações que possam legalmente recair sobre o Segurado, por responsabilidade civil extracontratual, por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais, decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causadas a Terceiros, na qualidade de proprietário do imóvel ou fracção referida nas Condições Particulares da Apólice” e que “2. No caso do Tomador do Seguro ser o administrador do imóvel, em regime de propriedade horizontal, cada um dos condóminos será considerado também como Terceiro”.
62. Foram, ainda, contratualizadas as exclusões constantes da cláusula 3.ª do referido item 04: “Para além das exclusões previstas nas Condições Gerais, consideram-se ainda excluídos da garantia da presente Condição Especial os danos: a) Causados pelo Segurado, seu procurador e respectivos empregados ou colaboradores, sob influência de estupefacientes, estado de embriaguez ou demência; b) Resultantes da inobservância de disposições legais ou regulamentares relativas à conservação, manutenção e assistência do imóvel, respectivos elevadores e monta-cargas; c) Resultantes de excesso de lotação ou peso transportado pelos ascensores e/ou monta-cargas; d) Resultantes da utilização de ascensores e/ou monta-cargas por crianças ou outras pessoas inimputáveis; e) Causados por trabalhos de montagem, desmontagem, revisão ou substituição de antenas; f) Resultantes de vício de construção do imóvel, dos muros e gradeamento e demais bens de raiz, que constituam e façam parte integrante da Propriedade Segura; g) Que consistam em humidades que não sejam consequência direta de inundações; h) Resultantes da exploração no imóvel de qualquer indústria; i) Causados por torneiras deixadas abertas, salvo quando se tiver verificado uma falta de abastecimento de água”.
63. A propriedade da supra referida fração C está registada a favor da 1.ª R. desde 20/01/2011.
64. A locação financeira celebrada pela 1.ª R. relativamente à supra id. fração A está registada desde 14/09/2015 e corresponde a um estabelecimento comercial no piso 0 (2.ª Cave), destinado a restaurante e bebidas, prestação de serviços, ramo alimentar e outras atividades, com entrada pelos n.ºs ... e ... da Rua ..., duas zonas de armazenagem, 17 aparcamentos no piso 0 (segunda Cave) com entrada pelo n.º ... da Rua ..., descrito na CRP de Matosinhos sob o n.º .......
65. A locação financeira celebrada pela 1.ª R. relativamente à supra id. fração B está registada desde 14/03/2016 e corresponde a um estabelecimento comercial no piso 0 (2.ª Cave) destinado ao ramo alimentar, prestação de serviços e outras atividades que não exijam alvará sanitário, com entrada pelos n.ºs ... e ... da Rua ..., descrito na CRP de Matosinhos sob o n.º .......
66. Depois de ter celebrado os referidos contratos de locação financeira, uma vez que as frações “A” e “B” eram adjacentes à fração “C”, a 1.ª R. removeu as paredes interiores que ligavam essas frações, eliminando as divisórias existentes entre as mesmas.
67. E consequentemente, essas três frações passaram a ser acessíveis umas às outras, por inexistir qualquer separação entre elas.
68. As referidas três frações “A”, ”B” e “C” não foram objeto de união em termos prediais e jurídicos, mantendo, a esse nível, autonomia entre elas: ou seja, as três frações continuaram a ser unidades independentes no que toca à sua descrição na Conservatória do Registo Predial e na inscrição material.
69. A fração “C” tinha uma área de 81.30 m2 e as outras duas frações tinham as seguintes áreas: a fração “A” tinha uma área de 1.838 m2 e a fração “B” tinha uma área de 228,70 m2.
70. Nas frações seguras, a seguradora da R. mantinha artigos de venda ao público como roupa, calçado, artigos de limpeza, bricolage de jardim e de casa.
71. O prédio em regime de propriedade horizontal onde se inseriam estas frações era composto, no total por 52 frações, designadas pelas letras “A” a “AZ”.
72. As referidas frações “A”, “B” e “C” tinham a permilagem de 148; 22 e 7,8 respetivamente.
73. No dia 5/06/2017, entre as 20.00 e as 20.30 h., pessoas cuja identidade se desconhece, entre as quais se contam um jovem e um casal, ingressaram no estabelecimento da 1.ª R.
74. No interior desse estabelecimento pelo menos o apontado jovem deslocou-se até ao fundo da loja, ingressando na zona da fração “A” do imóvel e nesta para área situada fora do campo visual dos funcionários da loja.
75. Pelas 20.30 h foi acionado o alarme de fogo existente na loja (sistema automático de deteção de incêndio) que passou a emitir um sinal sonoro.
76. Assim que se aperceberam do acionamento desse alarme, os funcionários da loja muniram-se de extintores existentes no local, bem como de recipientes com água, e tentaram combater o fogo.
77. Mal deflagrou o acidente, começou a produzir-se e alastrou-se por toda a área da loja, grande quantidade de fumo intenso e denso.
78. Escassos segundos depois de detetado o fogo, o sistema de iluminação do estabelecimento deixou de funcionar, tornando em quase total escuridão o interior da loja.
79. Dada a intensidade das chamas, a quantidade de fumo produzido e a quase total escuridão que se instalou, os funcionários da loja não foram capazes de prosseguir o combate ao fogo, nem puderam dominá-lo.
80. E, sob pena de risco para a sua própria integridade física, os funcionários da 1.ª R. tiveram de sair da loja e refugiar-se no exterior.
81. Os funcionários da 1.ª R. alertaram, de imediato, as entidades de segurança, nomeadamente os bombeiros que acudiram de imediato ao local.
82. O alerta quanto à deflagração do incêndio foi dado pelos funcionários da 1.ª R., telefonicamente, às 20.35 h.
83. Os bombeiros de Leça do Balio saíram do Quartel pelas 20.39 h e chegaram ao local pelas 20.45 h.
84. Tendo, de imediato, iniciado o combate às chamas.
85. O local onde deflagrou o incêndio correspondia a uma zona confinada por paredes ou muros de betão, situada num espaço afastado do acesso à loja – que se fazia através de fracção B – e de vãos de abertura ao exterior.
86. No local onde deflagrou o incêndio existiam umas prateleiras com materiais de limpeza e plásticos.
87. A partir do ponto onde deflagrou o incêndio, verificou-se uma progressão do fogo em “V” desde as prateleiras mais baixas e junto ao chão, atacando as restantes prateleiras, bem como pilares ali existentes.
88. O fogo afetou, primeiro, a fração “A”, de seguida a totalidade da fração “B” e finalmente, com menor intensidade, parte da fração “C”.
89. Ao longo do caminho percorrido pelo fogo no indicado sentido, verificou-se, depois de extinto o incêndio, uma maior carbonização na área da fração “A”.
90. Verificou-se ainda uma destruição descendente desde o pilar 1 até ao pilar 4, todos colocados na fração “A” do prédio.
91. A partir do ponto de início do incêndio, verificou-se na vertical a projeção no teto, o qual foi destruído junto a esse local, bem como as paredes circundantes, que apresentam um elevado grau de destruição.
92. A partir daquele ponto situado na fração “A” e em direção à fração “C”, passando pela fração “B”, o grau e sinais de destruição vão abrandando.
93. A instalação elétrica existente nas frações “A”, “B” e “C” do prédio não apresentava qualquer colapso ou anomalia, estando as cablagens intactas e sem qualquer fusão.
94. O incêndio em causa não deflagrou nem ocorreu por qualquer acidente ou acidente elétrico.
95. Na zona onde deflagrou o incêndio não existia qualquer tomada ou aparelho elétrico, com exceção das lâmpadas de iluminação que não apresentavam, depois de extinto o fogo, qualquer sinal de colapso ou anomalia.
96. No dia 5/5/2017 EE teve um desentendimento com um dos funcionários da 1.ª R. no interior do seu estabelecimento, na sequência do que esta apresentou participação policial.
97. Posteriormente, a mãe de EE tentou desistência de queixa que não teve lugar.
98. O jovem que se encontrava na loja nos instantes que antecederam o acionamento do alarme de fogo adquiriu umas luvas de borracha que se encontravam no espaço da fração “A”.
99. O estabelecimento da R. dispunha de vários extintores portáteis.
100. A loja dispunha de um alarme de deteção de incêndio (Sistema Automático de Deteção de Incêndio) que se encontrava em funcionamento e foi acionado.
101. Para combater o incêndio deflagrado na fração “A” do prédio foi necessária a intervenção de 32 veículos e 94 elementos de 13 corporações de bombeiros de vários concelhos (Gondomar, Vila Nova de Gaia, Matosinhos, Maia, Paços de Ferreira, Porto, Paredes e Trofa).
102. Na fração onde deflagrou o incêndio (fração “A”) e na fração “B” existiam umas prateleiras com material de limpeza e plásticos, nomeadamente baldes, vassouras, luvas, caixas e outros materiais e limpeza.
103. Na fração C a 1.ª R. mantinha escaparates com sapatos e malas.
104. O estabelecimento da 1.ª R. dispunha de sinalética e plantas de segurança.
105. Nunca foi imposto à 1.ª R. aquando da emissão da licença de utilização ou exploração do imóvel a colocação de rede de sprinklers.
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2. FACTOS NÃO PROVADOS
Todos os que se mostram em contradição com os que acima se deram como provados e ainda que:
Da PI
- O pagamento mensal devido pelo A. para pagamento do mútuo bancário contraído para a aquisição da fração “K” fosse de 461,24€.
- A máquina de lavar louça do A. valesse 500€.
- O seu forno de encastrar valesse 430€.
- A sua placa de indução valesse 430€.
- O seu frigorífico valesse 830€.
- A sua máquina de secar roupa valesse 800€.
- A sua máquina de lavar roupa valesse 480 €.
- O A. tivesse uma arca congeladora horizontal.
- O micro-ondas do A. valesse 160€.
- Os outros utensílios de cozinha do A. inutilizados pelo incêndio valessem 500€.
Da Contestação da 2.ª R.
- O incêndio em causa tenha tido origem num acto criminoso.
- O incêndio ocorrido no dia 5/06/2017 tenha sido propositadamente deflagrado.
- Uma das pessoas que estava no interior do estabelecimento pouco antes das 20.30 h do dia 5/06/2017 de forma voluntária e propositada e na execução de um plano previamente delineado, tenha deflagrado um incêndio.
- Usando uma fonte de fogo ou calor desconhecida, essa pessoa ou pessoas tenham lançado fogo sobre objetos que se encontravam nesse local.
- Tenha sido essa pessoa ou pessoas a dar origem ao incêndio que teve início na fração “A”.
- Os bombeiros tenham iniciado o combate às chamas 15 m. depois da deflagração do incêndio.
- Cerca de 3 meses antes do incêndio EE tenha sido surpreendido na loja enquanto tentava furtar 2 casacos.
- EE tenha removido o alarme instalado nesses casacos e os tenha envergado por baixo do vestuário que então usava.
- EE tenha tentado ausentar-se da loja com esses casacos ocultados.
- EE tenha acabado por ser detetado por funcionários do estabelecimento.
- EE se tenha envolvido em agressões com aqueles.
- EE tenha acabado por devolver os casacos.
- A mãe de EE tenha tentado um acordo com a 1.ª R. que passasse pelo pagamento dos casacos.
- A 1.ª R. não tenha aceitado a desistência de queixa.
- O fogo tenha sido ateado propositadamente.
- As luvas de borracha adquiridas pelo jovem nos instantes que antecederam o acionamento do alarme estivessem colocadas junto ao ponto do início do incêndio.
- Todos os extintores estivessem em bom estado de conservação e funcionamento.
- Existissem nas proximidades do estabelecimento diversas bocas de incêndio.
- O sistema interno de vídeo-vigilância abrangesse toda a loja.
- Os funcionários da 1.ª R. tenham chamado os bombeiros não mais de 4 m. depois da deflagração do incêndio.
- O estabelecimento da 1.ª R. não tivesse qualquer material inflamável ou auto-inflamável.
- Não existissem em todo o espaço da loja materiais ou substâncias que pudessem reagir entre si resultando em reação química de auto-combustão.
- Sapatos e malas fossem os únicos produtos existentes na fração “C”.
- O incêndio não tenha sido provocado ou iniciado por bens existentes nas frações “A” e “B”.
- As frações “A”, “B” e “C” tivessem bocas de incêndio.
*
II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. Da impugnação da decisão de facto
1.1. Do erro de julgamento
Impugnada a decisão da matéria de facto, verifica-se que as impugnantes observaram os ónus legalmente impostos em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, que vêm enunciados nos arts 639º e 640º, os quais constituem requisitos habilitadores a que o tribunal ad quem possa conhecer da impugnação e decidi-la.
Com efeito, apresentaram as Rés alegações, observando o ónus de alegar e de formular conclusões, consagrado no nº 1, do referido artigo, e deram cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1, als. a), b) e c), pois que fazem referência aos concretos pontos da matéria de facto que consideram incorretamente julgados, indicam elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por elas propugnados e a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida e ainda passagens da gravação.
Apreciando, não podemos deixar de dar razão ao apelado, por bem ter o Tribunal a quo decidido com base na análise crítica, conjunta e conjugada de toda a prova produzida, tendo este Tribunal ficado com a convicção de esta não ser suficiente para dar uma resposta diversa aos referidos factos não provados.
Na verdade, fundamenta o Tribunal a quo a resposta que deu na ausência de prova. E assim considerou, na verdade, que “Os factos não provados ficaram a dever-se à ausência ou insuficiência de prova”. Fundamenta, ainda, o Tribunal a quo o inquérito de fls. 294 e ss. o relatório de peritagem de fls. 639 e ss. e, em conjugação com os referidos documentos, foram ponderados os depoimentos das testemunhas “… BB, FF, inspectores da Polícia Judiciária, especialistas na área de incêndios, que procederam à vistoria do local, este último elaborando a reportagem fotográfica, GG, agente da PSP que se deslocou ao local elaborando participação de fls. 314 e ss., HH, II da empresa que fez a peritagem para a 2.ª R., JJ, KK, empregados da 1.ª R., DD, filha do legal representante da R., que ao tempo se encontravam na loja, LL, bombeiro 1.º comandante subscritor do relatório de fls. 22, MM e NN, autores da peritagem para a Companhia de Seguros C... que elaboraram o relatório de fls. 639 e ss.
Todas as apontadas testemunhas, em função da respectiva qualidade, se aperceberam numa ou noutra fase do incêndio na loja da 1.ª R assim como da sua dimensão, depondo, no essencial, em termos coincidentes nos termos que vieram a dar-se como assentes, porquanto sustentados igualmente pelos relatórios juntos aos autos, mais concretamente o relatório técnico da FEUP de fls. 32 e ss.; nas conclusões da Polícia Judiciária de fls. 513 v. e ss., e no relatório da peritagem levado a cabo pela Companhia de Seguros C... relativa a seguro da fracção “C, donde, além do mais, se colhe que o incêndio teve a sua origem na fracção “A” onde, tal como nas contíguas fracções “B” e “C” (cfr. planta de fls. 396), a 1.ª R. tem instalado o seu estabelecimento comercial onde comercializa inúmeros e variados produtos, como roupas, calçado, produtos de limpeza, utensílios em plástico, etc., e se desenvolveu nos termos melhor descritos no relatório da PJ de fls. 516 v. e ss.
Quanto à causa do incêndio, ainda que afastado o incidente eléctrico nos termos melhor expostos no relatório de fls. 517, o Tribunal considerou que os elementos existentes, como seja a presença de três clientes no interior da loja imediatamente antes do início do incêndio (fls. 445 e ss), não permitem a conclusão de que este tenha a sua origem na intervenção humana muito menos na intervenção de alguma daquelas pessoas com aquele propósito, posto que inexiste qualquer outro elemento que de forma sustentada e concreta suporte esta hipótese.
Na verdade, o desacato na loja alguns meses antes cujos contornos, não obstante o teor das declarações de fls. 443 v./444, se desconhece, por si só não constituem sequer um preditor, justificação ou prova de que o incêndio em discussão foi provocado por alguém, designadamente pelas pessoas que se encontravam no estabelecimento, tanto mais que as imagens da vídeo vigilância de fls. 445 ss. não contêm qualquer elemento que o sustente…” (negrito nosso).
Ora, o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, deve conter-se dentro dos seguintes parâmetros:
a)- o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente;
b)- sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
c)- nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Dentro destas balizas, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição, que é, está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que, neste âmbito, a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de 1ª Instância, apenas ficando aquém quanto a fatores de imediação e de oralidade.
Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode deitar por terra a livre apreciação da prova, feita pelo julgador em 1ª Instância, construída dialeticamente e na importante base da imediação e da oralidade.
A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova[1](consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC) que está atribuído ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também, elementos que escapam à gravação vídeo ou áudio e, em grande medida, na valoração de um depoimento pesam elementos que só a imediação e a oralidade trazem.
Com efeito, no vigente sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base apenas no juízo adquirido no processo. O que é essencial é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado[2].A lei determina expressamente a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4).
O princípio da livre apreciação de provas situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis[3].
E na reapreciação dos meios de prova, o Tribunal de segunda instância procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção - desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância. Impõe-se-lhe, assim, que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação (seja ela a testemunhal seja, também, a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da, demais, prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser, também, fundamentada).
Ao Tribunal da Relação competirá apurar da razoabilidade da convicção formada pelo julgador, face aos elementos que lhe são facultados.
Porém, norteando-se pelos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e regendo-se o julgamento humano por padrões de probabilidade, nunca de certeza absoluta, o uso dos poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto, proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, pelo Tribunal da Relação deve restringir-se aos casos de desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados[4], devendo ser usado, apenas, quando seja possível, com a necessária certeza e segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Assim, só deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam para direção diversa e impõem uma outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância.
Na apreciação dos depoimentos, no seu valor ou na sua credibilidade, é de ter presente que a apreciação dessa prova na Relação envolve “risco de valoração” de grau mais elevado que na primeira instância, em que há imediação, concentração e oralidade, permitindo contacto direto com as partes e as testemunhas, o que não acontece neste tribunal. E os depoimentos não são só palavras; a comunicação estabelece-se também por outras formas que permitem informação decisiva para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras da experiência comum e que, no entanto, se trata de elementos que são intraduzíveis numa gravação.
Por estas razões, está em melhor situação o julgador de primeira instância para apreciar os depoimentos prestados uma vez que o foram perante si, pela possibilidade de apreensão de elementos que não transparecem na gravação dos depoimentos.
Em suma, o Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se formar a convicção segura da ocorrência de erro na apreciação dos factos impugnados.
E o julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida. Cada elemento de prova tem de ser ponderado por si, mas, também, em relação/articulação com os demais. O depoimento de cada testemunha tem de ser conjugado com os das outras testemunhas e todos eles com os demais elementos de prova, designadamente a documental.
Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjetivas – como declarações de parte e prova testemunhal -, a respetiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e o tribunal de 2.ª instância só deve alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando, efetivamente, se convença, com base em elementos lógicos ou objetivos e com uma margem de segurança elevada, que houve erro na 1.ª instância.
Em caso de dúvida, deve, aquele Tribunal, manter o decidido em 1ª Instância, onde os princípios da imediação e oralidade assumem o seu máximo esplendor, dos quais podem resultar elementos decisivos na formação da convicção do julgador, que não passam para a gravação.
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Invocam as Rés erro na apreciação da prova pretendendo:
i) a 1ª Ré que sejam considerados provados os seguintes factos dados como não provados pelo Tribunal a quo:
“1. O incêndio em causa tenha tido origem num acto criminoso;
2. O incêndio ocorrido no dia 5/06/2017 tenha sido propositadamente deflagrado
3. O fogo tenha sido ateado propositadamente;
4. Todos os extintores estivessem em bom estado de conservação e funcionamento;
5. Os funcionários da 1.ª R. tenham chamado os bombeiros não mais de 4 m. depois da deflagração do incêndio;
6. Não existissem em todo o espaço da loja materiais ou substâncias que pudessem reagir entre si resultando em reação química de autocombustão”,
alteração que afirma impor-se face ao relatório da Polícia Judiciária e pelos depoimentos das testemunhas BB, CC e DD, principalmente pelo daquela primeira testemunha, Inspetor da Polícia Judiciária referindo, ainda, estar o supra referido facto não provado, “Os funcionários da 1.ª R. tenham chamado os bombeiros não mais de 4 m. depois da deflagração do incêndio”, em contradição com os factos dados por provados, concretamente com os dos pontos 81, 82 e 83 da sentença.
ii) a 2ª Ré que sejam considerados provados os seguintes factos dados como não provados pelo Tribunal a quo:
“• O incêndio em causa tenha tido origem num ato criminoso.
• O incêndio ocorrido no dia 5/06/2017 tenha sido propositadamente deflagrado.
• Uma das pessoas que estava no interior do estabelecimento pouco antes das 20.30 h do dia 5/06/2017 de forma voluntária e propositada e na execução de um plano previamente delineado, tenha deflagrado um incêndio.
• Usando uma fonte de fogo ou calor desconhecida, essa pessoa ou pessoas tenham lançado fogo sobre objectos que se encontravam nesse local.
• Tenha sido essa pessoa ou pessoas a dar origem ao incêndio que teve início na fraccão “A”.
• O fogo tenha sido ateado propositadamente.
• As luvas de borracha adquiridas pelo jovem nos instantes que antecederam o acionamento do alarme estivessem colocadas junto ao ponto do início do incêndio.
• Todos os extintores estivessem em bom estado de conservação e funcionamento”.
impondo o depoimento da testemunha BB bem, ainda, o inquérito de fls. 294 e ss, seja dado como provado:
• O incêndio em causa teve origem num ato criminoso.
• O incêndio ocorrido no dia 5/06/2017 foi propositadamente deflagrado por pessoa não concretamente identificada, usando uma fonte de fogo ou calor desconhecida sobre os objectos que se encontravam nesse local.
• Foi essa pessoa ou pessoas a dar origem ao incêndio que teve início na fraccão “A”.
• O fogo foi ateado propositadamente.
• As luvas de borracha adquiridas pelo jovem nos instantes que antecederam o acionamento do alarme estavam colocadas junto ao ponto do início do incêndio.
• Todos os extintores estivam em bom estado de conservação e funcionamento.
Ora, quanto à invocada contradição, tendo os pontos referidos a seguinte redação:
81. Os funcionários da 1.ª R. alertaram, de imediato, as entidades de segurança, nomeadamente os bombeiros que acudiram de imediato ao local.
82. O alerta quanto à deflagração do incêndio foi dado pelos funcionários da 1.ª R., telefonicamente, às 20.35 h.
83. Os bombeiros de Leça do Balio saíram do Quartel pelas 20.39 h e chegaram ao local pelas 20.45 h”,
nenhuma contradição existe, pois, que apesar de provado estar que
os funcionários da 1.ª R. alertaram, de imediato, as entidades de segurança, nomeadamente os bombeiros que acudiram de imediato ao local, tendo o alerta quanto à deflagração do incêndio sido dado pelos funcionários da 1.ª R., telefonicamente, às 20.35 h. e os bombeiros de Leça do Balio saíram do Quartel pelas 20.39 h e chegaram ao local pelas 20.45,
bem resulta que os funcionários da 1ª Ré se não aperceberam do incêndio no momento do seu deflagrar, mas somente após este momento, quando este já deflagrado se encontrava, nenhuma contradição existindo entre os factos.
E nada permite dar como provado que os funcionários da 1.ª R. chamaram os bombeiros não mais de 4 m. depois de o incêndio deflagrar. Com efeito, bem explicou a testemunha BB nada permitir determinar quando o deflagrar aconteceu, podendo o incêndio ter-se desencadeado e desenvolvido de modo muito lento ou muito rápido e, sempre, mediaram vários minutos, mais de quatro, entre o momento em que foi notado e o momento em que os funcionários da 1ª Ré, depois de se aperceberem das proporções que o fogo estava a tomar, de reagirem ao que estavam a presenciar (cfr. factos provados 75º e segs, designadamente “os funcionários da loja muniram-se de extintores existentes no local, bem como de recipientes com água, e tentaram combater o fogo”) e de, através do fumo e na escuridão, fugirem para a rua, chamaram os bombeiros. Tal decorre do depoimento das duas testemunhas acima referidas, funcionários do estabelecimento comercial em causa que se encontravam no local no momento em que o incêndio foi notado.
Tendo presentes os mencionados princípios orientadores, revisitada a prova e visto o despacho que fundamentou a decisão da matéria de facto, ficou-nos a convicção de que, in casu, não existe qualquer erro de julgamento, ao invés a matéria de facto foi livremente e bem decidida, sendo que cada elemento de prova de livre apreciação, designadamente depoimentos de testemunhas, não pode ser considerado de modo estanque e individualizado. Há que proceder a uma análise crítica, conjunta e conjugada dos aludidos elementos probatórios, para que se forme uma convicção coerente e segura. Fazendo essa análise crítica, conjunta e conjugada de toda a prova produzida, e com base nas regras de experiência comum, não pode este Tribunal, com segurança, divergir do juízo probatório do Tribunal a quo.
Efetuou este Tribunal a análise crítica da prova e não há elementos probatórios produzidos no processo que imponham decisão diversa – como exige o artigo 662.º, n.º 1, do mesmo diploma, para que o Tribunal da Relação possa alterar a decisão da matéria de facto.
O Tribunal Recorrido decidiu de uma forma acertada quando considerou a referida factualidade, de acordo com a livre convicção que formou de toda a prova produzida.
Assim, tendo-se procedido a nova análise da prova, ponderando, de uma forma conjunta e conjugada e com base em regras de experiência comum, os meios de prova produzidos, que não foram validamente contraditados por quaisquer outros meios de prova, pode este Tribunal concluir que o juízo fáctico efetuado pelo Tribunal de 1ª Instância, no que concerne a esta matéria de facto, se mostra conforme com a prova, de livre apreciação, produzida, não se vislumbrando qualquer razão para proceder à alteração do ali decidido, que se mantém, na íntegra. Do mesmo modo que o Tribunal a quo, considera este Tribunal que, quanto à causa do incêndio, ainda que afastado o incidente elétrico nos termos expostos no relatório de fls. 517, o Tribunal considerou que se não provou que o incêndio tenha tido a sua origem em intervenção humana, com o propósito de causar incêndio e destruição, muito menos que tenha tido a intervenção de algum dos clientes que momentos antes do incêndio ser notado estavam na loja. Nenhuma prova foi produzida que, de modo credível e seguro e com o mínimo rigor, permita dar como provado o que o provocou, não ajudando as imagens da vídeo vigilância a formar qualquer convicção de que foi ateado fogo (designadamente por fosforo/ isqueiro,…).
E, na verdade, não obstante as críticas que são dirigidas pelas Recorrentes, não se vislumbra, à luz dos meios de prova invocados qualquer contradição ou erro ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida – sujeita à livre convicção do julgador –, à luz das regras da experiência, da lógica ou da ciência, bem tendo, por falta de prova, a matéria em causa sido julgada não provada. Nenhuma prova, minimamente credível e segura, foi feita no sentido de que, efetivamente, o fogo, causador do incêndio referido nos autos tenha sido propositadamente ateado e deflagrado, que uma das pessoas que estava no interior do estabelecimento pouco antes das 20.30 h do dia 5/06/2017 de forma voluntária e propositada e na execucão de um plano previamente delineado, tenha deflagrado um incêndio, que usando uma fonte de fogo ou calor desconhecida, essa pessoa ou pessoas tenham lançado fogo sobre objectos que se encontravam nesse local, que tenha sido essa pessoa ou pessoas a dar origem ao incêndio que teve início na fraccão “A”, que as luvas de borracha adquiridas pelo jovem nos instantes que antecederam o acionamento do alarme estivessem colocadas junto ao ponto do início do incêndio, que todos os extintores estivessem em bom estado de conservação e funcionamento, que os funcionários da 1.ª R. tenham chamado os bombeiros não mais de 4 m. depois da deflagração do incêndio e que não existissem em todo o espaço da loja materiais ou substâncias que pudessem reagir entre si resultando em reação química de autocombustão, pelo que nunca tal convicção podia ser formada por forma a ser dada uma resposta positiva a esta matéria. Nem mesmo o depoimento da testemunha BB, inspetor da polícia judiciária, revelador de experiência profissional em matéria de incêndios, foi suficientemente esclarecedor e convincente para permitir uma resposta positiva aos referidos factos que, por isso, se mantêm não provados, bem tendo o mesmo deixado transparecer que, mesmo que o incêndio tenha tido causa humana, bem podia, até, não ter sido provocado intencionalmente.
Meras convicções subjetivas, suposições, suspeitas, desconfianças não, objetivamente, fundadas, não servem para formar a convicção do julgador para dar uma resposta positiva.
A convicção do julgador para a resposta negativa tem, a nosso ver, apoio nos ditos meios de prova produzidos, e na ausência de prova que permita fundar resposta diversa, sendo, portanto, de manter a factualidade tal como decidido pelo tribunal recorrido, não sendo de aderir ao mero convencimento subjetivo das Rés apelantes.
Não resultando os pretensos erros de julgamento, antes convicção livre e adequadamente formada pelo julgador (ante a prova prestada perante si e, por isso, com oralidade e imediação), tem de se concluir pela improcedência da apelação, nesta parte.
*
2. Da reapreciação da decisão de mérito: responsabilidade civil, natureza e limites:
2.1 - a da 1ª Ré, lesante
Imputa o Autor às Rés/Apelantes responsabilidade civil pelos danos por si sofridos, à primeira enquanto detentora da fração onde deflagrou o incêndio e que, no momento em que o mesmo teve início, explorava o estabelecimento comercial, e a segunda por ter assumido a responsabilidade civil extracontratual por força de contrato de seguro celebrado com a primeira.
Consabido é distinguir-se na responsabilidade civil a contratual, que é a que decorre da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, da extracontratual que é a que advém da violação de direitos absolutos ou da prática de certos atos que, embora lícitos, causam prejuízo a outrem, sendo categorias desta:
i) a emergente de atos ilícitos;
ii) a emergente de atos lícitos (ato consentido por lei mas que a mesma lei considera de justiça que o seu titular indemnize o terceiro pelos danos que lhe causar);
iii) a emergente do risco (alguém responde pelos prejuízos de outrem em atenção ao risco criado pelo primeiro).
E a responsabilidade civil contratual distingue-se da extracontratual ou aquiliana pelo facto de naquela estar em causa a violação de direitos de crédito ou de obrigações em sentido técnico, nelas se incluindo não só os deveres primários de prestação, mas também deveres secundários e esta emergir da violação de deveres de ordem geral e correlativamente de direitos absolutos do lesado.
Estas duas categorias de responsabilidade civil - porque diferentes - foram tratadas pelo Código Civil, diploma a que doravante nos reportamos, em secções distintas quanto à regulação da sua fonte (nos artigos 483.º ss para a responsabilidade civil extracontratual e nos artigos 798.º e ss para a responsabilidade contratual), ainda que seja hoje dominante uma corrente que considera não ser esta repartição estanque, existindo normas no sector reservado à responsabilidade delitual que se aplicam, manifestamente, à responsabilidade contratual, como é o caso das referentes à obrigação de indemnizar, que foi objeto de um tratamento unitário pelo legislador nos artigos 562.º e seguintes.
Dispondo o artigo 483°, sob a epigrafe "Princípio geral":
1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”.
constata-se serem, pois, pressupostos da responsabilidade civil: o facto voluntário, a ilicitude (que é a infração de um dever jurídico, por violação direta de um direito de outrem e violação da lei que protege interesses alheios ou violação de obrigação contratualmente assumida), o nexo de imputação do facto ao agente (culpa - dolo ou mera culpa -, implicando uma ideia de censura ou reprovação da conduta do agente), o dano (perda que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses materiais, espirituais ou morais, que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar) e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (tendo o facto de constituir a causa do dano).
Na responsabilidade extracontratual incumbe ao lesado o ónus de provar todos os referidos pressupostos consagrados no nº1 do art. 483º, entre eles, como vimos, a culpa do autor da lesão, nos termos dos artigos 487º, nº 1 e 342º, nº 1, ambos daquele Código, salvo existindo presunção especial de culpa, já que a obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, só existe nos casos especificados na lei - v. nº 2 do artigo 483º, contando-se, entre eles, o consagrado no nº1, do artigo 493º.
Este preceito dispensa a prova do facto presumido, ou seja, a culpa. Porém, só se passa à culpa (que se presume) depois de verificada a ilicitude do facto, dividindo-se, presentemente, a Doutrina e a Jurisprudência quanto à questão do ónus de prova da ilicitude.
Analisemos a situação do nº1, do art. 493º e da subsunção do caso, em que o Autor alicerça a sua pretensão em responsabilidade civil extracontratual da 1ª Ré pelos danos causados por imóvel de que esta tinha o dever de vigiar, transferida, nos termos e com os limites supra referidos, para a 2ª Ré, Seguradora, por contrato de seguro celebrado entre as apelantes, ao referido preceito.
Estatui o mesmo, tendo o artigo a epígrafe “Danos causados por coisas, animais ou atividades”:
1. Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.”.
Consagra, assim, o mesmo um título de imputação de responsabilidade civil extracontratual ou delitual relativamente a danos causados por coisas ou animais por quem tem o dever de os vigiar, abrangendo, dado nenhuma restrição se fazer, todas as coisas que estejam em poder de alguém, sendo que para que se possa ser responsabilizado basta que exista detenção, controlo material da coisa com o dever de a vigiar, seja de origem legal seja negocial e, uma vez produzidos os danos pela coisa ou pelo animal adstrito à vigilância, cai-se no seu âmbito, consagrada estando uma presunção de culpa (a excecionar o regime geral do nº1, do art. 487º).
Esclarece Ana Prata “Impõe-se a obrigação de indemnizar terceiros lesados por coisas ou animais àqueles que os tenham em seu poder com o encargo da sua vigilância, do mesmo passo se dispondo uma presunção de culpa para os últimos. Embora neste preceito pareça clara a letra da lei no sentido de consagrar uma presunção de culpa, o STJ já afirmou que “a norma do art. 493º, nº1, do CC, estabelece uma presunção de culpa que, em bom rigor, é simultaneamente, uma presunção de ilicitude, de tal modo que, face à ocorrência de danos, se presume ter existido, por parte da pessoa que detém a coisa, incumprimento do dever de vigiar” (ac. de 10-12-13, 68/10.1TBFAG.C1.S1: Nuno Cameira). Não é realmente fácil destrinçar a ilicitude (omissão da vigilância) da culpa (diligência na vigilância), mas julgamos que, apesar das dificuldades que a apreciação das situações possa colocar, deve, na medida do possível, procurar separar-se as duas realidades, apenas considerando presumida a segunda” e “compensa-se a presunção de culpa com a relevância negativa de causa virtual: o agente afastará a sua responsabilidade se provar que uma outra causa desencadearia idêntico prejuízo, ainda que não tivesse ocorrido a falta de diligência na vigilância”[5].
Assim, o âmbito da presunção tem sido objeto de controvérsia jurisprudêncial e doutrinal bem dando conta Maria da Graça Trigo e Rodrigo Moreira que “Segundo a orientação tradicional, a presunção abrange apenas o pressuposto da culpa, concretizando a ressalva final do artigo 487º, nº1, pelo que ao lesado caberá demonstrar a ilicitude, para além dos demais requisitos da responsabilidade civil, não bastando a mera demonstração dos danos (Ac. STJ 21/11/1978, e, por exemplo, Almeida Costa, 2009:586-587). No entanto, segundo orientação distinta, que tem colhido crescente apoio, a presunção de culpa neste âmbito de responsabilidade delitual é indissociável da presunção da própria ilicitude, pelo que abrange ambos os pressupostos (Ac. do STJ de 30/09/2014, Meneses Cordeiro, 2014: 580 e 584, Mascarenhas Ataíde, 2015: 857-864, e Mafalda Miranda Barbosa: 2017, 244-245)[6] (negrito nosso).
A jurisprudência orienta-se, efetivamente, neste sentido, bem se tendo assim decidido, entre muitos[7] , no TRP no Ac. de 8/7/2015, onde se afirma:
I. Se o autor provar que o incêndio que se propagou ao seu prédio e que o danificou proveio do interior do prédio do réu, mostra-se preenchido o ónus da sua prova (artigo 342.º do Código Civil) de que o facto danoso teve origem ou causa na coisa sob vigilância do réu (artigo 493.º/1 do Código Civil), não lhe cumprindo provar ainda a razão (sub-causa) desse incêndio (que poderá ter tido origem em variadas causas como um bico aceso do fogão, um curto circuito na instalação elétrica etc.).(negrito e sublinhado nosso).
II - Estabelecendo o artº 493º nº1 uma presunção de culpa – que, em bom rigor, é simultaneamente uma presunção de ilicitude - face à ocorrência de danos, presume-se ter existido incumprimento do dever de vigiar a cargo do proprietário onde deflagrou o incêndio;
III – Caberia então ao recorrido ilidir essa presunção, o que não fez, pelo que se mostra responsável pelos danos ocasionados no prédio dos AA.
IV - Tais danos carecem, no entanto de ser alegados e provado pelo A. ..”.[8].
A norma do nº1, do art. 493º, estabelece uma presunção de culpa que é, simultaneamente, uma presunção de ilicitude, de tal modo que, em face da ocorrência de danos, se presume ter existido, por parte da pessoa que detém a coisa – proprietário, locatário, … - incumprimento do dever de vigiar[9].
Assim, o ónus da prova de que o facto ocorreu ou foi causado pela coisa sob vigilância cabe ao Autor (nº1, do art. 342º, do CC) e mostra-se cumprido com a prova de que o incêndio que destruiu o imóvel começou em fração detida pela Ré, não sendo exigível a prova da sub-causa, isto é do que concretamente originou o incêndio.
O nº1, do art. 493º consagra uma presunção de culpa que, em rigor, é também uma presunção de ilicitude, presumindo-se, por isso, perante a ocorrência de danos, a existência de incumprimento do dever de vigiar por parte da pessoa que detém a coisa[10], respondendo esta civilmente pelos danos causados, a menos que logre ilidir aquela presunção. A responsabilidade pelos danos causados por coisas ou animais constitui materialização da responsabilidade pela “violação dos deveres no tráfego ou deveres de prevenção do perigo” e a presunção de culpa/ilicitude tem fundamento em “quem participa no tráfego mediante o controlo de certos meios, sejam eles coisas ou animais, ainda que não perigosos, assume a responsabilidade de providênciar as necessárias medidas de segurança para evitar que desses meios resultem danos para terceiros, encontrando-se numa situação favorável, em virtude da sua posição de facto perante a coisa, para demonstrar que o prejuízo não resultou da falta ou insuficiência dessas medidas (Mascarenhas Ataíde, 2015:357)”[11].
Assim, e revertendo para o caso, constata-se que bem decidiu o Tribunal a quo, sendo que o incêndio, verificado em fração que estava na detenção da 1ª Ré, sem que demonstrada se encontre a causa, implica o juízo de que o mesmo se ficou a dever a incumprimento do dever de vigilância a que a mesma se encontrava adstrita.
Com efeito, verifica-se que a 1.ª R. é locatária das frações “A” e “B” e proprietária da fração “C” do edifício identificado nos autos, explorando naquelas frações um único estabelecimento comercial onde, estando o mesmo em atividade, deflagrou um incêndio que atingiu outras frações do edifício, entre as quais a fração K, pertencente ao Autor. E certo sendo que se desconhece a causa daquele incêndio, em prejuízo da prova de que a 1.ª R. agiu com dolo ou mera culpa efetiva, como o impõe a regra geral da responsabilidade civil por factos ilícitos, prevista no art. 483º, sendo, ainda, regra, imposta pelo art. 487.º, n.º 1, ser ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, contudo admite-se, como exceção, situação de presunção de culpa, sendo o caso de danos provocados causados por coisas, nos termos do nº1, do art. 493º, presunção esta que, como bem considerou o Tribunal a quo, onera aqueles que têm a possibilidade e a obrigação de evitar a ocorrência de danos, por terem o poder de facto sobre a coisa e o dever de a vigiar.
Bem refere o Tribunal a quo citando o referido Ac. TRP de 8/7/2015 “o preceito em análise prescreve uma solução assente na presunção de culpa do proprietário ou possuidor da coisa ou da pessoa a quem incumbe o dever de a vigiar, presunção que apenas se considera ilidida quando o agente a quem é imputada a responsabilidade demonstrar que não houve qualquer culpa da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que agisse com toda a diligência. Na justificação desta solução legal, Vaz Serra (Trabalhos Preparatórios do Cód. Civil, BMJ 85º, pág. 365) concluía que “quem tem a coisa à sua guarda deve tomar as medidas necessárias a evitar o dano. As coisas abandonadas a si mesmas podem constituir um perigo para terceiros e o guarda delas deve, por isso, adoptar aquelas medidas; por outro lado, está (o obrigado à vigilância) em melhor situação do que o prejudicado para fazer a prova relativa à culpa, visto que tinha a coisa à sua disposição e deve saber, como ninguém, se realmente foi cauteloso na guarda”. Este preceito responsabiliza, assim, quem tem a vigilância de coisa imóvel pelos danos que essa coisa causar a terceiros.
E deve entender-se por vigilância – no caso de imóveis - todo o ato do proprietário (ou do obrigado à vigilância) necessário a cuidar do seu estado de conservação e bom estado, de modo a que os mesmos não ponham em risco a integridade das pessoas e das coisas alheias. Daí que, se de um prédio, designadamente do seu interior, provém um incêndio, cabe ao respectivo proprietário responder pelos danos decorrentes da propagação desse incêndio e da água necessária para o combater, provocados nos apartamentos contíguos, visto que, feita a prova de que o incêndio provém de um determinado prédio e localizadamente do seu interior, isso significa que foi nesse prédio e no seu interior que teve origem, estando apenas indeterminado o facto concreto que levou à sua deflagração, mas não estando indeterminado o local de origem do mesmo. Ora, conseguindo os lesados provar que o incêndio teve a sua origem, proveniência ou causa no interior do imóvel do réu, os lesados produziram a prova necessária e suficiente para ser imputada a este último a responsabilidade pelos danos causados, não sendo exigível que provassem a causa, ou melhor, a sub-causa que em concreto originou o dito incêndio, porventura um bico do fogão acesso ou um curto circuito na instalação elétrica. Era, pois, ao réu que competia ilidir essa presunção de culpa demonstrando que não houve qualquer culpa da sua parte (justificando a causa do incêndio) ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que agisse com toda a diligência – o que não fez. É o proprietário do imóvel que tem o dever de o vigiar, assim como o estado da sua conservação, de sorte a impedir que nele se ocasionem focos danosos (Ac STJ de 14 de Setembro de 2010, em www.dgsi.pt e Acs. do S.T.J. de 31-1-2002 (Moitinho de Almeida) (revista n.º 4050/01 - 2ª secção); Ac. do S.T.J. de 24-5-2005 (Barros Caldeira) (revista n.º 4695/04 -1ª secção); Ac. do S.T.J. de 7-12-2005 (Lucas Coelho) (P. 2154/2005); e Ac. do S.T.J. de 11-7-2006 (Fernandes Magalhães) (revista n.º 1780/06 - 6ª secção) todos citados no primeiro, no qual se refere que o lesado não tem de provar as sub causas do facto danoso”.
Mais cita o Tribunal a quo o decidido no Ac. desta Relação, de 23.01.2006, disponível em www.dgsi.pt, “Se o Autor demanda o Réu para obter dele o pagamento de indemnização por danos que se manifestaram no seu prédio, provocados por deficiente manutenção do saneamento de prédio contíguo, face à presunção de culpa do dono deste imóvel – art. 493º, nº1, do Código Civil – não tem o Autor/lesado que alegar a culpa do Réu – proprietário e detentor daquele imóvel – na produção de tais danos, face à presunção de culpa estabelecida naquele normativo, presunção essa que cabe ao Réu ilidir; face ao disposto no art. 1305º do CCivil, sendo o proprietário quem «... goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso e disposição das coisas que lhe pertencem, ...» deve fazê-lo «... dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas», daí se depreendendo que sobre ele não só subsiste um dever de vigiar o imóvel, sua pertença, a fim de prevenir o surgimento nele de vício ou defeito que possa causar danos a terceiros, como de proceder à sua conservação de modo a que nele não surjam vícios causadores de danos em outros imóveis, designadamente, que lhe possam ser contíguos. Daí que, existindo presunção legal de culpa do lesante (proprietário e detentor do imóvel causador dos danos) face ao disposto no art. 493º, nº 1 do CCivil, não tem o lesado que provar e, consequentemente, alegar o facto integrador da culpa – cfr. art. 350º, nº 1 do CCivil -, cumprindo, pelo contrário, ao lesante provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos teriam ocorrido mesmo que não houvesse culpa sua, como, aliás, entendeu o, ora R., atenta a oposição que deduziu ao pedido formulado pelo A..”. Como consta também do sumário do Acórdão do STJ de 10.12.2013, proferido no proc. 68/10.1TBFAG.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt: “A norma do art. 493.º, n.º 1, do CC estabelece uma presunção de culpa que, em bom rigor, é, simultaneamente, uma presunção de ilicitude, de tal modo que, face à ocorrência de danos, se presume ter existido, por parte da pessoa que detém a coisa, incumprimento do dever de vigiar” (in www.dgsi.pt)”.
Cita, ainda, o Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11/07/2013, no mesmo sentido: “O artigo 493º, nº 1, do Código Civil quando prescreve que “ quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel com o dever de a vigiar e bem assim quem tiver assumido o encargo de vigilância de quaisquer animais responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua” está a responsabilizar quem tem a vigilância de coisa imóvel, no caso a vigilância do estado e das condições de um apartamento.
Assim, «(…), se de uma fracção, designadamente do seu interior, provém água, cabe ao respectivo proprietário responder pelos danos decorrentes da inundação ou infiltrações provocados nos pisos ou apartamentos inferiores visto que, feita a prova de que a água provém de uma fracção, e localizadamente do seu interior, isso significa que nessa fracção e no seu interior teve origem, estando apenas indeterminado o que levou à inundação, mas não estando indeterminado o local de origem da inundação. (…). A lei admite que a presunção de culpa que incide sobre quem tem o dever de vigilância seja ilidida: uma coisa é a ilisão quanto à culpa, outra a prova de que o dano não teve origem na coisa sob vigilância. Ali há uma excepção, aqui, mais rigorosamente, uma contraprova, pois compete ao autor o ónus de provar (artigo 342.º/1 do Código Civil) que o facto danoso ocorreu ou foi causado pela coisa sob vigilância.»[6] Assim, conseguindo a autora/lesada provar que as águas infiltradas na sua fracção tiveram a sua origem, proveniência ou causa no interior do imóvel da ré, a autora produziu a prova necessária e suficiente para ser imputada a esta última a responsabilidade pelos danos causados, não sendo exigível que provassem a causa, rectius, a sub-causa que em concreto originou o escorrimento das águas, porventura uma ruptura de canalização, porventura uma possível torneira deixada aberta. O proprietário tem o dever de vigiar o estado de conservação do imóvel que é sua propriedade de sorte a impedir que nele se ocasionem focos danosos” (in www.dgsi.pt)”.
Deste modo, e regressando às circunstâncias do caso, constata-se que os danos na fração do Autor foram provocados pelo incêndio que teve origem na fração “A”, utilizada pela 1.ª R., pelo que face ao estatuído pelo nº1, do art. 493.º, não pode deixar de se concluir, como o fez o Tribunal a quo, pela responsabilidade da 1.ª R., posto que, enquanto locatária daquela fracção lhe cabe zelar e vigiar não só a sua estrutura mas também os seus componentes e conteúdo de molde a evitar que os mesmos constituam uma fonte de danos para terceiros, independentemente da concreta causa que os origine. A presunção, de ilicitude e de culpa, consagrada se encontra em função daquele dever de vigilância. E mesmo no desconhecimento do fenómeno concreto que originou a deflagração do incêndio na fração “A”, permanece a presunção de ilicitude e culpa da 1.ª R., por violação do dever que, enquanto locatária e única utilizadora, tinha de vigilância do seu estado e das suas condições de funcionamento, sendo ela a “polícia” do local, com especial dever de prevenção do perigo de incêndio e de evitar danos como os que o Autor sofreu, decorrentes do incêndio que teve origem em tal fração.
Está, pois, como bem entendeu o Tribunal a quo em face aos factos que considerou provados, e cuja decisão de facto, como supra se decidiu, aqui se mantém, a 1.ª Ré obrigada a indemnizar o A. por todos os danos por ele sofridos, ascendendo o quantum indemnizatório pelos mesmos a 42.508,45€, o que não é posto em causa no recurso.
Neste conspecto, e em suma, temos que consagra o referido artigo um regime de responsabilidade civil extracontratual dependente de culpa, ainda que presumida, fundada na violação de deveres de diligência que devem ser observados, obrigado estando o detentor da coisa a tomar as providências necessárias para prevenir os danos e por eles respondendo no caso de não conseguir ilidir a presunção de culpa que sobre si recai ou de não provar que os danos se teriam igualmente produzido ainda que agisse com toda a diligência.
Estabelece-se neste artigo uma mera presunção de culpa e não a responsabilidade objetiva detentor/possuidor/propritário.
O legislador presume a culpa do agente e a ilicitude, que daquela se não pode dissociar, responsabilizando-o pela produção do dano, embora através de uma presunção iuris tantum, que poderá ser invalidada pela prova de coisa diversa. Inverte-se o ónus da prova em benefício do lesado, mas para equilibrar, consagra-se, a compensar tal presunção, a relevância negativa da causa virtual.
Verificando-se os pressupostos de responsabilidade civil da 1ª Ré/Apelante detentora da fração à data do incêndio (pressupostos esses supra identificados), entre eles a omissão da devida vigilância (ilicitude) da fração autónoma em que começou o incêndio e a falta de diligência na vigilância (culpa), tanto mais que o incêndio que deflagrou na fração detida pela Ré e que foi a causa dos danos sofridos pelo Autor, só foi notado pelos funcionários da Ré quando tinha já assumido tão graves dimensões que já nada puderam fazer para evitar a sua propagação, bem resultando não dispor a Ré de meios eficazes para vigiar e prevenir o dano, tem de improceder o recurso interposto pela 1ª Ré, estando esta obrigada a indemnizá-lo pelos danos que o mesmo sofreu.

2.2 – a da 2ª Ré, Seguradora

Não podendo deixar de se concluir, nos termos expostos, pela verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, por facto imputável à 1ª Ré, e pela obrigação de indemnizar no quantum determinado, cumpre, agora, analisar da responsabilidade da 2ª Ré.
Esta Ré, que com a 1.ª Ré celebrou um contrato de seguro de responsabilidade civil, titulado pela apólice n.º ..., a cobrir, nos termos do art. 137.º da Lei do Contrato de Seguro, o risco de constituição, no património da 1.ª R. da obrigação de indemnizar terceiros por danos relacionados com a fração “A”, responde, também ela, pelos danos sofridos pelo Autor, bem tendo o Tribunal a quo decidido:
- “tendo a 2.ª R. assumido a obrigação de garantir a um terceiro beneficiário, o cumprimento da obrigação do segurado/lesante, aqui 1.ª R., a prestação a exigir pelo beneficiário é só uma, podendo a mesma ser exigida por força do contrato, tanto ao segurado como à seguradora (neste sentido cfr. José Vasques, Contrato de Seguro, pág. 258/259).
Efectivamente, como decorre do ponto 40 dos factos provados, a cobertura de seguro abrangia a responsabilidade civil de natureza extracontratual, pela qual a 2.ª R. assumiu o pagamento dos danos causados a terceiros relacionados com o imóvel locado e que possam ser imputados ao locador na sua qualidade de proprietário, pagamento esse a ser realizado, necessariamente, aos terceiros lesados”, bem tendo considerado “Ao valor do capital seguro, 250.000,00€, a 2.ª R. tem direito a deduzir a franquia a cargo do segurado, 1.ª R., no valor correspondente a 10% a abater no valor da indemnização devida.
O capital seguro foi, todavia, fixado por sinistro, pelo que, sendo vários os lesados, pode suceder que o valor total das indemnizações ultrapasse o capital seguro, in casu 250.000,00€, caso em que as pretensões dos lesados, por força do art. 142.º, n.º 1 da LCS, são proporcionalmente reduzidas até à concorrência desse capital.
Desconhecendo-se, no caso, se o valor das indemnizações devidas ultrapassa ou não o capital seguro, o Tribunal não dispõe de elementos suficientes para fixar com exactidão o valor da indemnização devida ao A., pelo que, ao abrigo do 609.º, n.º 2 do CPC, é forçoso condenar a 2.ª R. no que vier a ser liquidado.
Por tudo o que vem de se dizer, cabe à 1.ª R. pagar ao A. a quantia de 42.508,45€ e à 2.ª R. pagar-lhe, desta quantia, deduzida de 10% da franquia a cargo daquela, o que vier a ser liquidado, uma e outra acrescidas de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano desde a citação até integral pagamento (Portaria n.º 291/03 de 8/04), nos termos das disposições conjuntas dos arts. 805.º, n.º 3, 2.ª parte e 806.º, n.º 1 e 2 e 559.º, n.ºs 1 e 2, todos do Cód. Civil (sobre a incidência de juros de mora desde a citação/notificação sobre a indemnização por danos não patrimoniais veja-se entre outros os Acs. do STJ de 17/01/1995, BMJ, n.º 443, pág. 270; 30/05/1995, BMJ, n.º 447, pág. 485)”.
Assim, e conforme bem entendeu o Tribunal a quo, o que, verdadeiramente, não é, sequer, posto em causa pelas Rés Apelantes, como se pode verificar das conclusões supra:
i) a segunda Ré, Seguradora, apenas tem a pagar ao Autor da quantia de 42.508,45 € deduzida de 10%, o que vier a ser liquidado, nos termos supra referidos;
ii) a 1ª Ré, tem a pagar aquela quantia de 42.508,45€ (sendo que o valor da franquia – dos referidos 10% de tal montante – sempre fica a seu, exclusivo, cargo).
Improcedem, por conseguinte, as conclusões das apelações, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pelas apelantes, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
*
III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
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Custas de cada um dos recursos pela respetiva apelante, pois que ficou vencida – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.

Porto, 27 de fevereiro de 2023
Assinado eletronicamente pelas Juízas Desembargadoras
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
Teresa Fonseca
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[1] Ac. RC de 3 de outubro de 2000 e 3 de junho de 2003, CJ, anos XXV, 4º, pág. 28 e XXVIII 3º, pág. 26
[2] Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 348.
[3] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, vol II, pag.635.
[4] Ac. RP de 19/9/2000, CJ, 2000, 4º, 186 e Apelação Proc. nº 5453/06.3
[5] Ana Prata, Código Civil Anotado, Volume I, Anotação ao art. 493º, Almedina, pág. 639
[6] Maria da Graça Trigo e Rodrigo Moreira em anotação ao artigo 493º, in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, pág. 321
[7] Ac. do STJ de 10/12/2013, proc. 68/10: Sumários, 2013, pág. 781, citado in Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição Actualizada, Abril/2018, Ediforum, pág. 519
[8] Ac. TRP de 8/7/2015, proc. 897/10.6TVPRT.P1, in dgsi.pt
[9] Ac. do STJ de 30/9/2014, proc. 368/04, Sumários, 2014, p. 485, citado in Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição Actualizada, Abril/2018, Ediforum, pág. 520
[10] Cfr. referido Ac. do STJ de 10/12/2013, proc. 68/10 e, ainda, entre muitos, Ac. RC de 7/6/2011: CJ, 2011, 3º, 44 e Ac. do STJ de 2/3/201, proc. 1639/03.dgsi.net, citado in Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição Actualizada, Abril/2018, Ediforum, pág. 515
[11] Maria da Graça Trigo e Rodrigo Moreira, idem, pág. 325