ACÇÃO DECLARATIVA COM PROCESSO COMUM
CONSTITUIÇÃO DE SERVIDÃO
PEDIDO RECONVENCIONAL
DIREITO DE PREFERÊNCIA
ADMISSIBILIDADE
Sumário

Na acção em que o autor pede a constituição de uma servidão de passagem em benefício do seu prédio encravado (nos termos do art.º 1550.º do CC), não é admissível a dedução de reconvenção por parte do réu, proprietário do prédio confinante, visando o reconhecimento do direito de preferência na venda ao autor do referido prédio, com fundamento na confinância dos dois prédios (nos termos do art.º 1380.º do CC), por tal pedido reconvencional não emergir de facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa.

Texto Integral

Acordam os juízes na 8.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO

1.1. A, sociedade de responsabilidade limitada, intentou acção declarativa, com processo comum, contra B e mulher C, D e mulher E, F e mulher G, pedindo que «seja proferida decisão condenando os RR. na constituição de uma servidão de passagem de pessoas e veículos automóveis, com início na estrema nascente do prédios dos RR., junto à dita Rua…., seguindo em linha recta e terminando na estrema nascente que, do prédio da A. confina com o dos RR., confrontando norte e sul com o prédio dos RR., com um comprimento aproximado de 60 metros e a largura de 3 metros, sobre o prédio rústico dos RR. situado na ….., com registo de aquisição a seu favor, em comum e sem determinação de parte, pela AP. 1832 de 2018/12/12 e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo …., para servir o prédio da A. situado na ….., com registo de aquisição a seu favor por compra pela AP. 1 de 2005/12/05 e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo …».
Para tanto, alega, em síntese:
- ser proprietária do prédio rústico descrito na CRP ….sob o n.º ….. e inscrito na matriz predial sob o artigo …;
- tal prédio confronta pelo nascente com o prédio rústico descrito na mesma CRP sob o n.º …. inscrito na matriz predial sob o artigo …., propriedade dos RR.;
- o prédio da A. está encravado, não tendo saída para a via pública, nem qualquer acesso, sendo que para aceder à via pública o caminho mais curto e menos dispendioso é sobre o prédio dos RR.
Conclui que, nos termos do art. 1550.º, n.º 1 do CC, pode exigir a constituição de servidão de passagem sobre o prédio dos RR.
1.2. Os RR. D, E, F e G apresentaram, individualmente, articulado pelos mesmos subscrito, no qual requerem o arquivamento do processo quanto a si, por a área indicada para a servidão estar inserida no prédio que ficou a ser propriedade dos RR. B e C, após ter ocorrido divisão de coisa comum.
1.3. Os RR. B e C, contestaram nos seguintes termos:
- requerendo a intervenção principal provocada de U, como associado da A. nos termos do art.º 316.º, n.ºs 1 e 3, al. b) do CPC, por ser ele o efectivo proprietário do prédio rústico que a A. identifica como seu (em virtude da nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre a mesma, na qualidade de compradora, e o referido U, na qualidade de vendedor, que prestou falsas declarações, ao declarar que “não possui qualquer outros prédios rústicos confinantes com o prédio ora vendido”) e atento a pedido reconvencional do exercício de direito de preferência que os RR. pretendem efectuar na referida venda;
- arguindo a excepção da ilegitimidade activa da A., por não ser dona e legitima proprietária do prédio rústico descrito na CRP sob o n.º …. e inscrito na matriz predial sob o artigo …;
- arguindo a “excepção” da subtracção do encargo de ceder passagem, manifestando intenção de adquirir o prédio encravado pelo seu justo valor, nos termos do artigo 1551.º, n.º 1 do Código Civil;
- impugnando parte da factualidade alegada, por o prédio identificado pela A. ter servidão de passagem por outros prédios rústicos, o que permite estabelecer comunicação suficiente com via pública, sem excessivo incómodo ou dispêndio para a A., não havendo necessidade de constituição de qualquer nova servidão;
- defendendo que, ainda que se entenda que a A. tem direito a constituir servidão sobre o prédio dos RR. e que os mesmos não poderão subtrair-se ao encargo de ceder passagem, o modo e lugar de passagem deverá ser outro, por menos inconveniente para o prédio dos RR;
- defendendo que, a ser procedente a constituição de alguma servidão sobre o prédio dos RR., estes terão direito a uma indemnização agravada pela A., nos termos do artigo 1552.º. n.º 2 do Código Civil, a liquidar em execução de sentença;
- deduzindo reconvenção, pela qual formulam os seguintes pedidos:
«f) Que se reconheça aos RR. reconvintes o direito de preferência sobre o prédio rústico identificado no artigo 1º da P.I., substituindo-se A. na escritura de compra e venda, celebrada em 30 de novembro de 2005;
g) Que sejam a A. e o chamado condenados a entregarem o referido prédio aos RR., livre e desocupado.
h) Que seja ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que A., compradora, haja feito a seu favor em consequência da compra do supra referido prédio, designadamente o constante da inscrição de aquisição por compra, da apresentação 1 de 2005/12/05 e outras que esta venha a fazer, sempre com todas as demais consequências que ao caso couberem».
Sustentam tais pedidos, na seguinte factualidade:
- só com a citação da presente ação, os RR. tiveram conhecimento que U vendeu à A. o prédio rústico descrito na CRP de …. sob o n.º …. e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …., que é inferior à unidade de cultura;
- U e/ou a A. nunca notificaram os RR. ou os seus irmãos comproprietários para exercício de qualquer direito de preferência, enquanto proprietários confinantes;
- ambos os prédios são aptos para o mesmo tipo de cultura;
- a A. compradora, à data da compra e venda, não era, nem é, proprietária de qualquer outro prédio confinante com o prédio adquirido.
Concluem que, nos termos previstos no art.º 1380.º, n.º 1, do CC, gozam do direito de preferência nos casos de venda de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinantes.
Atribuem à reconvenção o valor de €25.000,00, correspondente ao valor do preço da compra e venda celebrada entre a A. e o referido U.
1.4. A A. replicou, pronunciando-se pelo indeferimento da intervenção principal requerida, pela improcedência das excepções deduzidas e pela improcedência da reconvenção, alegando que caducou o direito de preferência que os RR. pretendem fazer valer e que a titular de tal direito era a herança aberta por óbito dos pais dos RR. e defendendo que o exercício pretendido deverá ter em conta o valor (justo) actual do prédio, e não o de 2005, acrescido das despesas e impostos respectivos.
1.5. Por despacho de 20.06.2022, foi indeferida a intervenção principal de U, com o seguinte fundamento «o pedido de declaração de nulidade do contrato de compra e venda apenas poderia ser deduzido em sede de reconvenção já que é um pedido diferente e não decorre do pedido do Autor, pelo que não tendo sido deduzido esse pedido, não poderá o Tribunal apreciar essa questão, e bem assim admitir como autor o chamado, uma vez que até decisão em contrário o prédio pertence ao Autor».
Os RR. contestantes, ainda, vieram requerer que o tribunal se pronunciasse sobre o pedido de intervenção provocada de U para intervier nos autos como reconvindo, por considerarem que, por manifesto lapso, ficou por apreciar tais fundamentos, mas sobre tal requerimento (de 27.06.2022) não recaiu qualquer despacho.
Do despacho que indeferiu a intervenção foi interposto recurso pelos RR. contestantes (em 15.09.2022), que foi admitido como apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo (apenso A), sendo que, por despacho do respectivo relator, datado de 13.02.2022, foi decidido não conhecer do objecto do recurso e julgá-lo findo, por a decisão não admitir recurso, atento o valor da causa.
1.6. Foi, entretanto, realizada audiência prévia (em 21.11.2022), onde:
- a A. requereu a seguinte retificação «a constituição de servidão de passagem requerida na petição inicial localiza-se apenas sobre o prédio propriedade dos Réus B e C, descrito sob o artigo …, da freguesia …., Concelho de …., e inscrito na matriz sob os n.ºs ….» que, perante a não oposição dos RR., foi admitida;
- os RR. D, E, F e G foram julgados «parte ilegítima na presente ação, absolvendo-os do pedido, porquanto a servidão de passagem requerida não abrange imóvel dos quais estes sejam proprietários»;
- foi julgada improcedente a excepção da ilegitimidade activa;
- foi fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
1.7. Ainda na referida audiência e quanto à reconvenção deduzida, foi proferida a seguinte decisão:
«Pelo exposto, não sendo a reconvenção deduzida subsumível à previsão de qualquer uma das alíneas consagradas no n.º 2 do artigo 266.º do Código de Processo Civil, julgo a mesma inadmissível, rejeitando, consequentemente, a reconvenção ora deduzida.
Trata-se de exceção dilatória inominada que importa a abstenção do conhecimento do pedido e determina a absolvição da Autora-Reconvinda da instância reconvencional, nos termos do artigo 278.º n.º 1 alínea e) do CPC».
1.8. Inconformado, apelou o A. (em 06.01.2023), pedindo que a decisão recorrida seja revogada, formulando, para tanto, as seguintes conclusões:
« I. O presente recurso tem por objeto o douto que entendeu que “a reconvenção [não é] deduzida subsumível à previsão de qualquer uma das alíneas consagradas no n.º 2 do artigo 266.º do Código de Processo Civil” julgando a “mesma inadmissível, rejeitando, consequentemente, a reconvenção ora deduzida;
II. O(s) facto(s) jurídico(s) em causa, para efeitos do artigo 266.º do CPC, na petição, são desde logo a (1) propriedade do dito prédio rústico descrito sob o n.º …., (2) se tal prédio é (ou não) encravado e (3) se os RR. são proprietários de prédio confinante que melhor assegura a assegura da eventual servidão;
III. O pedido reconvencional – direito de preferência - dos RR. emerge exatamente do(s) facto(s) jurídico(s) da propriedade do prédio pertencer à A. e o RR. serem proprietários (preferentes) de prédio confinante;
IV. A procedência do pedido reconvencional dos RR. afeta irremediavelmente o pedido da A., pois sendo procedente a preferência peticionada na reconvenção não só a A. perde a sua causa de pedir, pois deixa de ser a proprietária do prédio alegadamente encravado, como inclusive a propriedade de tal prédio ao transferir-se para os RR. implica a impossibilidade de existência de servidão, nos termos do artigo 1569.º, n.º 1, alínea a) do Código Civil;
V. Assim, o servindo o facto jurídico da reconvenção dos RR. de fundamento à sua defesa, extinguindo o direito da A. está verificado o pressuposto do artigo 266.º, n.º 2, alínea a) do Código do Processo Civil;
VI. Ou até mesmo, o pressuposto da alínea d) do n.º 2 do artigo 266.º, na medida em que em passando a propriedade do prédio da A. para os RR, passam a ser estes os titulares da servidão e não a A.
VII. Pelo que o despacho recorrido violou os artigos 266.º, n.º 2, alíneas a) e d) do Código do Processo Civil, impõe-se a sua a revogação e substituição por outra decisão que admita o pedido reconvencional deduzido pelos RR.».
1.9. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.10. Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
Decorre do disposto nos art.ºs 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 do CPC, que as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pág. 105 a 106).
Assim, atendendo às conclusões supra transcritas, a questão essencial a decidir consiste em saber se é o não admissível a reconvenção deduzida.
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos relevantes a atender para efeitos de apreciação do objecto do presente recurso são os que dimanam do antecedente relatório (ponto I deste acórdão).
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
4.1. Vejamos, então, se, numa acção em que se pede a constituição de uma servidão de passagem em benefício de um prédio encravado (nos termos do art.º 1550.º do CC), é ou não admissível a dedução de reconvenção por parte do proprietário do prédio confinante, visando o reconhecimento de direito de preferência na venda daquele prédio encravado (nos termos do art.º 1380.º do CC).
O tribunal recorrido entendeu que essa reconvenção não era admissível com base nos seguintes fundamentos:
«O caso em análise não se subsume a qualquer uma das alíneas previstas no artigo 266.º n.º 2 do CPC, nem os Réus B e C identificaram a concreta alínea donde promana tal admissibilidade, mesmo após convite endereçado pelo Tribunal, razão pela qual se impõe rejeitar a mesma, por inadmissibilidade legal.
Com efeito, a causa de pedir da ação diz respeito à existência de prédio encravado, sem saída para a via pública e sem qualquer acesso, ao passo que os Réus B e C pretendem, na respetiva contra-acção, exercer o direito de preferência no negócio pelo qual foi transferida para a Autora a propriedade do alegado prédio encravado – pretendendo obter uma decisão judicial em sede reconvencional sobre algo que vai muito além do que aquilo que é discutido na ação e assente em factos totalmente distintos à constituição da servidão de passagem requerida pela Autora».
Os Reconvintes/recorrentes, conforme ressalta das suas conclusões, consideram que o pedido reconvencional emerge do facto jurídico que servem de fundamento à acção e à defesa, que consideram ser a propriedade de prédios confinantes (art.º 266.º, n.º 2, al. a) do CPC), e do facto de tal pedido visar conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que a A. se propõe obter, já que, na procedência do pedido reconvencional, os RR. passarão a ser os titulares da servidão (art.º 266.º, n.º 2, al. d) do CPC).
Acrescentam, ainda, que a procedência do pedido reconvencional afecta, irremediavelmente, o pedido da A., que perde a sua causa de pedir: a A. deixa de ser a proprietária do prédio alegadamente encravado.
O que entender?
4.2. Antes de mais, importa ter presente que, por via reconvencional, pretendem os RR. exercer o direito de preferência como proprietários do prédio confinante, nos termos do art.º 1380.º do CC (é o que decorre, expressamente, da contestação/reconvenção e vem reiterado nas conclusões do presente recurso, mormente, da conclusão 3.ª).
Não, estamos, portanto, perante o exercício do direito de preferência previsto no art.º 1555.º do CC, posto que a causa de pedir do pedido reconvencional não reside na circunstância de o prédio da A. ser um prédio encravado.
Acresce que o direito de preferência previsto neste artigo (para os casos de alienação de prédio encravado e, por isso, dominante) pertence ao proprietário do prédio onerado com a servidão legal de passagem, o que pressupõe, portanto, que esta esteja já constituída.
Ora, tal não sucede no caso dos autos, em que a A. pretende obter a constituição da própria servidão e os RR. se opõem a ela, não reconhecendo qualquer direito de passagem.
Daí que, não estado o prédio dos RR. onerado – ainda - com qualquer servidão, nunca poderiam estes pretender exercer o direito de preferência previsto no art.º 1555.º do CC, sendo certo que o pedido reconvencional que formulam não vem deduzido em termos subsidiários.
4.3. A admissibilidade da reconvenção - que consiste num pedido deduzido em sentido inverso ao formulado pelo autor, numa contra-acção que se cruza com a acção proposta pelo autor – depende, como é consabido, da verificação de determinados requisitos objectivos ou substanciais e processuais (estes últimos, referentes à competência e à forma do processo).
Os requisitos objectivos, que são os que ora relevam, traduzem-se na exigência de uma certa conexão ou relação entre o pedido reconvencional e o pedido do autor.
É o n.º 2 do artigo 266.º que estabelece, taxativamente, os factores de conexão entre o objecto da acção e o da reconvenção, que tornam esta admissível:
«2. A reconvenção é admissível nos seguintes casos:
a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa;
b) Quando o réu se propõe tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;
d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter».
No caso concreto estão, apenas, em causa, como se viu, as hipóteses previstas nas als. a) e d).
Esta última, no entanto, pode ser já arredada, por ser manifesto que não se verifica, traduzindo-se a sua referência, por parte dos reconvintes/recorrentes, num mero jogo de palavras, na vã tentativa de sustentar a admissibilidade dos seus pedidos.
É que o efeito jurídico que a A. se propõe obter na acção é a constituição de uma servidão de passagem em benefício do seu prédio encravado sobre o prédio dos RR./reconvintes, ao passo que o efeito jurídico pretendido por estes é o reconhecimento do direito de preferência na venda à A. daquele prédio, com a sua consequente substituição naquele negócio.
São, claramente, efeitos jurídicos distintos, não procedendo o argumento segundo qual, caso o pedido reconvencional proceda, passarão os reconvintes a ser os titulares da servidão, uma vez que, por um lado, não é isso que peticionam, nenhuma referência fazendo nos seus pedidos à servidão, e, por outro lado, tal efeito jurídico não pode ter-se por implícito nos pedidos reconvencionais formulados, sabido que é que a servidão se extingue pela reunião dos dois prédios, dominante e serviente, no domínio da mesma pessoa (art.º 1569.º, n.º 1 al. a) do CC), consequência que decorreria da procedência dos pedidos reconvencionais.
Resta-nos, pois, analisar a questão da admissibilidade ou não da reconvenção, à luz da al. a) do n.º 2 do art. 266.º do CPC: o pedido dos RR. emerge, in casu, do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa?
4.4. Ora, no caso previsto na al a), do n.º 2, do art. 266.º, a conexão que deve existir entre o pedido principal e o pedido reconvencional traduz-se numa ligação através do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa.
Importa ter presente, na interpretação desta norma, a sua razão de ser: «tendo o tribunal de conhecer da matéria do litígio para que possa decidir da pretensão deduzida pelo autor em juízo, nenhum embaraço virá á causa, da reconvenção, uma vez que o tribunal não irá despender maior actividade» (cfr. Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, I, Almedina Coimbra, 1981, p. 174).
A expressão “quando o pedido do réu emerge”, pode ser entendida, mais restritivamente, como o pedido que tenha por fundamento o acto ou facto que constitui a base da acção ou da defesa, ou, mais amplamente, como o pedido que seja atinente a esse acto ou facto.
Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, II, p. 99 e 100, considera que a primeira interpretação é a correcta, na medida em que um pedido só pode considerar-se emergente de determinado acto ou facto jurídico quando tem o seu fundamento nesse acto ou facto, isto é, quando brota do acto ou facto jurídico (real e concreto) que serve de fundamento à acção ouà defesa (cfr., também, Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª ed., p. 327 e 328).
Como é consabido, a contestação pode consistir em defesa por impugnação (quando o R. nega os factos que constituem a causa de pedir, isto é, os pressupostos fácticos da norma que fundamenta o direito do A.) e/ou em defesa por excepção (quando o R. alega factos que constituem pressupostos de uma contra-norma impeditiva, modificativa ou extintiva do direito do A.).
No primeiro caso, a defesa do R. emerge dos factos que fundamentam a acção, sendo que, no segundo caso, emerge de factos que servem de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito do A..
Assim, para que a reconvenção seja admissível ao abrigo desta alínea, é necessário que o pedido reconvencional tenha a mesma causa de pedir da acção – ou parte dela - ou emerja do acto ou facto jurídico que serve de fundamento à defesa, embora desse acto ou facto jurídico se pretenda, neste caso, obter um efeito diferente (cfr., neste sentido, Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, II, 3.ª ed., p. 32).
Na situação sub judice, parece-nos claro que o pedido (reconvencional) dos RR. não emerge da causa de pedir que serve de suporte ao pedido formulado pela A.
Com efeito, a causa de pedir que suporta o pedido da A. (constituição da servidão de passagem em seu benefício sobre o prédio dos RR., nos termos do art.º 1550.º do CC) consiste na propriedade de um prédio encravado, isto é, sem comunicação com a via pública.
Já a causa de pedir do pedido reconvencional (reconhecimento do direito de preferência na venda do prédio à A., nos termos do art. 1380.º, n.º 1, do CC) reside na propriedade de um prédio confinante com o prédio vendido a quem não era proprietário confinante e na falta de comunicação dos elementos essenciais do negócio.
Afastada fica, pois, a previsão da primeira parte da al. a) do n.º 2 do art.º 266.º do CPC.
4.5. Emergirá, então, o pedido dos RR./reconvintes do facto jurídico que serve de fundamento à defesa?
Nos termos da segunda parte da al. a) do n.º 2 do art.º 266.º do CPC, a reconvenção é admissível quando assenta em qualquer acto ou facto jurídico que o R. invoque como meio de defesa, isto é, que tenha efeito defensivo útil (na expressão adoptada no acórdão do STJ de 19.07.1963, in BMJ 129.º, p.410) e, portanto, virtualidade de impedir, modificar ou extinguir o pedido do A.
Nas palavras de Anselmo de Castro, Ob. Cit., III, Almedina Coimbra, 1982, p. 215, «nessa defesa entrarão (..:) todos os factos que possam conduzir a que o direito do autor que poderia ter nascido, efectivamente não nasceu – factos impeditivos -, ou que modificaram as condições desse nascimento ou o extinguiram – factos modificativos e extintivos».
Ora, analisando o pedido reconvencional formulado pelos RR., e os factos concretos em que fundamentam a reconvenção e que constituem a sua causa de pedir, logo se conclui que esses factos não têm conexão com os factos que os mesmos RR. invocaram como fundamento da sua defesa por impugnação e por excepção.
Voltando à causa de pedir da reconvenção (reconhecimento do direito de preferência na venda de um prédio confinante), ela consiste na propriedade de um prédio confinante com o alienado e na falta de comunicação dos elementos essenciais do negócio.  
Já os factos em que os RR./reconvintes assentam a sua defesa, no intuito de impedir, modificar ou extinguir o pedido da A., são:
- a nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre a A. e o anterior proprietário do prédio em causa (inscrito na matriz sob o artigo ….  e descrito na CRP de …. sob o n.º ….);
- a possibilidade de os RR. se subtraírem ao encargo de ceder passagem, adquirindo o prédio da A.;
- a circunstância de o prédio da A. não ser um prédio encravado, por beneficiar já de servidão de passagem menos prejudicial que a que se pretende ver constituída sobre o prédio dos RR.;
- o direito de indemnização pelos prejuízos decorrente da eventual constituição da servidão;
- a constituição da servidão em termos menos gravosos para os RR.
Na sua defesa, os RR. começam, pois, por colocar em causa o direito de propriedade da A., argumentando que esse direito não existe na sua esfera da A., na medida em que o negócio que a mesma celebrou com o proprietário do prédio encravado é nulo.
Trata-se de uma defesa por excepção, pois que, tal como salienta Anselmo de Castro, Ob. Cit., p. 216, «na defesa por excepção, o facto constitutivo não é negado, e tão só (reportamo-nos, é óbvio, aos factos impeditivos), se alegam outros que, segundo a lei, infirmam os seus efeitos no próprio acto do nascimento, ou seja, na sua raiz».
Ora, defendendo os RR. que tal negócio é nulo e, portanto, ineficaz, nunca poderiam pretender substituir-se à adquirente, ora A., nesse negócio ineficaz, o que evidencia que o pedido reconvencional (exercício do direito de preferência) não emerge destes factos que servem de fundamento à defesa.
De igual forma, o exercício do direito de preferência não emerge da possibilidade de afastamento da servidão, pela aquisição do prédio da A., já que esta aquisição prejudica o direito de preferência, pela reunião na mesma esfera jurídica da propriedade dos prédios em jogo.
O pretenso direito de preferência não emerge, ainda, da circunstância de o prédio da A. beneficiar já de uma servidão de passagem e, portanto, não ser um prédio encravado, dado que tal nada tem que ver com a confinância que suporta aquele direito de preferência.
Finalmente, o exercício do direito de preferência não brota do direito de indemnização dos RR., caso a servidão de passagem pretendia venha a ser constituída, nem da constituição da servidão de passagem noutros termos menos gravosos para os RR., direitos esses que poderiam fundar pedidos reconvencionais nesse sentido, mas que, curiosamente, os RR. não formulam, nem em termos subsidiários.
Enfim, os factos que sustentam o pedido reconvencional (repete-se, a propriedade de um prédio confinante com o alienado e a falta de comunicação dos elementos essenciais do negócio) nada têm que ver com os factos que os RR. invocam para impedir, modificar ou extinguir o direito da A., não possuindo o referido efeito defensivo útil.
Destarte, terá de concluir-se que inexiste a indispensável conexão entre os factos invocados como causa de pedir na acção e na reconvenção, sendo que o pedido reconvencional, baseado na confinância dos prédios, nada tem que ver e nem pressupõe sequer a constituição da servidão de passagem, não se mostrando preenchido o requisito substantivo previsto na alínea a) do n.º 2 do citado art.º 266.º do CPC.
Neste sentido, veja-se o acórdão da RC de 15.01.2008, in www.dgsi.pt, onde se decidiu que: «se a causa de pedir que serve de suporte ao pedido principal formulado na acção radica na alegação de factos concretos que, na perspectiva dos autores, consubstanciam a constituição, por usucapião, de uma servidão de passagem a onerar o prédio alegadamente pertencente aos Réus, não será admissível a estes deduzir pedido reconvencional de reconhecimento do direito de preferência, por serem proprietários de prédio confinante».
Não desconhecemos o acórdão da RP, de 05.07.2011, in www.dgsi.pt, que decidiu que «tratando-se de uma acção em que se pede o reconhecimento de uma servidão de passagem com base na usucapião, é admissível a dedução da reconvenção em que os réus pedem o reconhecimento do direito de preferência na compra efectuada pelos autores do prédio dominante».
Sucede que, neste último aresto, estava em causa o exercício do direito de preferência previsto no art.º 1555.º, n.º 1 do CC, o que não sucede, como se viu, no caso que nos ocupa.
Na verdade, contrariamente à situação dos autos, ali pretendia-se o reconhecimento de uma servidão de passagem por usucapião, portanto já constituída e onerando o prédio dos RR., tendo estes deduzido pedido consentâneo com o exercício do direito de preferência, para o caso de vir a entender-se que o prédio dos reconvindos era um prédio encravado e beneficiário de uma servidão – já constituída – que onerava o prédio dos reconvintes.
Aliás, o próprio acórdão da RP de 05.07.2011 tem o cuidado de salientar esta diferença, ao escrever «(…) a situação destes autos não é idêntica ao caso tratado no acórdão da RC de 15/1/2008 (…), sendo antes bem diferente, na medida em que ali o direito de preferência invocado radicava na confinância e no disposto no art.º 1380.º do Código Civil, enquanto que aqui se baseia na existência de uma servidão de passagem e no preceituado no art.º 1555.º do mesmo Código».
E, assim sendo, conclui-se pela improcedência das conclusões dos recorrentes, devendo manter-se a decisão recorrida.
A recorrente suportará as custas do recurso, por ter ficado vencida (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
 
V – DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo R., confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Notifique.
*
Lisboa, 09.03.2023
Rui Manuel Pinheiro de Oliveira
Teresa Pais
Carla Mendes