DIREITO A ALIMENTOS
EX-CÔNJUGES
CARÁCTER EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
Sumário

- O direito a alimentos na sequência do divórcio assume caráter excecional, apenas devendo ser concedido numa situação económica financeira manifestamente deficitária do credor e perante manifesto desafogo do devedor, dando-se assim prevalência ao princípio da autossuficiência.
- Carece de alimentos o ex-cônjuge que não consegue prover à sua subsistência: suporta despesas, na quantia mensal de cerca de €750,00, e aufere como único rendimento o montante de €189,66, a título de prestação mensal de Rendimento Social de Inserção.
- Tem capacidade para lhe prestar alimentos o seu ex-cônjuge que aufere uma pensão mensal de reforma no valor mensal líquido de €4773,94.525, paga 14 vezes ao ano, não se tendo apurado despesas concretas.

Texto Integral

Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

IR intentou ação especial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, com pedido de fixação judicial de prestação de alimentos provisórios e definitivos, contra AE, pedindo:
- seja decretado o divórcio sem consentimento do outro cônjuge, retroagindo-se os seus efeitos à data da separação de facto.
- seja fixada uma prestação mensal de alimentos, no valor de 750,00€, a pagar pelo R., a favor da A., a ter início com a entrada dos autos.
Realizada tentativa de conciliação revelou-se a mesma infrutífera.
O R. apresentou contestação, impugnando a matéria alegada pela A..
Realizada audiência prévia foi proferido despacho saneador, delimitado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Após realização da audiência de julgamento foi proferida decisão com o seguinte dispositivo ((retificado por despacho de 18/01/2023):
“a) julgo procedente por provado o pedido da Autora e, consequentemente, decreto o divórcio requerido, dissolvendo o casamento celebrado em 19 de fevereiro de1998, entre a Autora e o réu;
b) Fixo os efeitos patrimoniais do divórcio a partir de 21 de fevereiro de 2017;
c) Julgo improcedente o pedido de condenação do Réu no pagamento de alimentos provisórios à A., do mesmo o absolvendo;
d) Julgo parcialmente procedente, por provado o pedido de alimentos definitivos formulado pela Autora e em consequência condeno o Réu no pagamento à Autora da quantia mensal de €500,00, atualizável, em Janeiro de cada ano, segundo o índice de preços do consumidor publicado pelo INE relativo ao ano anterior, desde a data em que transitar em julgado a presente condenação.
e) Julgo improcedente o pedido de condenação do Réu como litigante de má fé, absolvendo-o do mesmo;
d) Determino que, oportunamente, se dê cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 78º do Código do Registo Civil.
Fixo o valor da causa em 30.000,01 euros (artigos 296º, 303.º, n.º 1 e 306.º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil e artigo 44º, n.º 1 da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aplicável ex vi do artigo 932.º, do mencionado diploma legal).“

O R. interpôs recurso da sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
“a) Deu como provado a Douta Sentença que a Recorrida incorreria em despesas mensais de €750, o que resultaria de documentos existentes nos autos e também dos depoimentos das testemunhas, em concreto a filha e genro da Recorrida.
b) Foram, de acordo com o expressamente feito constar da Douta Sentença, os depoimentos de SE (filha da Recorrida) e FS (genro da Recorrida) os determinantes para se chegar aquele valor mensal de €750 atinente em despesas em que a Recorrida incorreria encontrando-se tais depoimentos registados nos autos com a mera referência à Acta da Audiência Final, de 03-12-2018, pelas 10:30 horas, e não existindo no CITIUS ou em suporte de papel qualquer outra referência que permita dar cumprimento de modo diferente ao imposto pelo artigo 640º, nº 2 a) do CPC.
c) Sucede que, e em primeiro lugar, os documentos existentes nos autos a que a Douta Sentença faz alusão não dão respaldo ao entendimento de que a Recorrida teria despesas mensais no valor de €750 e isto se conclui por mera operação aritmética simples e não só não o dão como tais documentos foram, na altura própria, alvo de impugnação por parte do Recorrente.
d) Quando em sede de contestação se impugna um facto significa que se rejeita, nega, não aceita o mesmo como verdadeiro, sendo tal isso o que quer dizer/significar defesa por impugnação.
e) Face a tal impunha-se à Recorrida fazer prova do por si alegado como comanda o artigo 342º do Código Civil e isto uma vez que tal seriam factos constitutivos do direito à pensão que a Recorrida se arrogava.
f) E para tal prova entrariam então os depoimentos das duas testemunhas supra referidos a que a Douta Sentença deu relevância afirmando que resultaria dos mesmos que a Recorrida teria o valor mensal de despesas na ordem de grandeza de €750, sucedendo que tal não é verdade pois que presenciados e ouvidos aqueles dois depoimentos, únicos onde a Douta Sentença se alcandora para considerar provados os €750 de despesas mensais em que a Recorrida incorreria, constantes nos autos com a mera referência à Acta da Audiência Final, de 03-12-2018, pelas 10:30 horas, não se retira de ponto algum de tais depoimentos que a Recorrida tivesse aquele montante de despesas mensais.
g) Tais depoimentos ficaram-se por meras generalidades não quantificando precisa e individualizadamente cada tipo de despesas em que a Recorrida putativamente incorreria.
h) Nada de nada as aludidas testemunhas nos seus depoimentos esclareceram, isto quantificando concreta e separadamente cada uma das putativas rúbricas de despesas em causa.
i) Urge assim concluir que tendo os documentos em causa sido impugnados e não resultando dos depoimentos de SE e FS qualquer corroboração minimamente sólida dos mesmos então deve ser expurgado do probatório fixado o constante de ponto 45, todas as alíneas do ponto 54.5 e o constante do ponto 54.6, resultando, assim, não provadas as alegadas despesas mensais em que a Recorrida diz incorrer.
j) Resulta documentado nos autos que Recorrente e Recorrida eram casados no regime da separação de bens.
k) Resulta do ponto 46 do probatório fixado que o Recorrente colocou, 4/5 anos antes da separação do casal, em conta bancária da Recorrida o valor de €150.000 e verba esta que a dita Recorrida usou em seu proveito após a separação para adquirir uma casa em … e na mesma realizar obras e tal foi dado como provado com suporte nos depoimentos das testemunhas SE e FS.
l) Sucede que, como também feito constar da Douta Sentença, daqueles depoimentos resultaria aquela cifra monetária foi colocada pelo Recorrente em conta bancária da Recorrida para assegurar a sobrevivência desta no caso de vir a ocorrer algo de nefasto que resultasse de operação a que o Recorrente viria a ser submetido mas tal apesar de constar do texto da Douta Sentença não consta do probatório fixado, pelo que ao mesmo terá de ser aditado.
m) E ao aditar-se tal facto afastar-se-á a abusiva conclusão da Douta Sentença de que o Recorrente teria efectuado uma doação à Recorrida dos € 150.000, doação essa quer nem sequer foi feita constar do probatório fixado note-se bem.
n) Pois que é notório, palmar e evidente que o Recorrente, estando ainda hoje vivo e não lhe tendo acontecido nada de negativo decorrente da cirurgia de que foi alvo, não efectuou qualquer doação à Recorrida, ou dito de outro modo, a ter feito uma doação seria uma doação condicional que é aquela em que o doador estipula uma condição (evento futuro e incerto) ao negócio que no presente caso seria a sua morte, morte essa que não se verificou.
o) Pelo que não se verificou a condição que permitiria que se consolidasse uma qualquer doação a favor da Recorrida.
p) A existir uma qualquer doação incondicional, o que não se concede mas que aqui se coloca apenas ad absurdum, a mesma seria uma doação por morte e tal tipo de doação é absolutamente proibida nos termos do artigo 946º do Código Civil e, logo, nula.
q) Aqui chegados e vislumbrando-se a existência de uma deslocação patrimonial de €150.000 da esfera do Recorrente para a esfera da Recorrida, e verba esta:
I) Com que a Recorrida adquiriu um imóvel para sua habitação e nele fez obras;
II) E que deixou de ter qualquer causa justificativa, pois o Recorrente permanece vivo, assim como a existir doação a mesma seria nula, Então apenas é possível concluir que quem se locupletou em proveito próprio com dinheiro alheio incorre em manifesto abuso de direito ao pretender, em cúmulo com o que já recebeu, ainda vir a auferir uma pensão de alimentos daquele a quem subtraiu a quantia de €150.000.
r) Tal pretensão da Recorrida, e reconhecida parcialmente pela Douta Sentença, não resiste ao crivo do artigo 334º do Código Civil pois que se está perante uma clamorosa e ostensiva situação de abuso de direito.
s) Pelo que o presente recurso não pode deixar de proceder, absolvendo-se o Recorrente integralmente da pretensão alimentícia da Recorrida.
t) Violou a Douta Sentença ora alvo de escrutínio os artigos 342º e 946º do Código Civil, assim como fez uma errónea interpretação da matéria de facto e que deve levar a que:
I) Seja expurgado do probatório fixado o constante de ponto 45, todas as alíneas do ponto 54.5 e o constante do ponto 54.6, resultando, assim, não provadas as alegadas despesas mensais em que a Recorrida diz incorrer;
II) Seja aditado ao probatório que a cifra monetária de €150.000 foi colocada pelo Recorrente em conta bancária da Recorrida para assegurar a sobrevivência desta no caso de vir a ocorrer algo de nefasto que resultasse de operação a que o Recorrente viria a ser submetido, mas que tal não ocorreu.
Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o presente recurso obter o beneplácito do provimento e, em consequência ser revogada a Douta Sentença e substituída a mesma por uma decisão que absolva o Recorrente integralmente do pagamento da pensão alimentícia em que foi condenado, tudo o mais com as consequências legais.”

A A. apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
“a. A sentença foi notificada ao Requerido, na pessoa do seu mandatário, através de comunicação eletrónica, a 08 de Julho de 2022.
b. O Requerido interpôs recurso da sentença a 06 de Outubro de 2022, tendo por objeto a reapreciação de prova.
c. O Recorrente, alega ter impugnado a decisão relativa à matéria de facto, e entende beneficiar do alargamento do prazo de dez dias, previsto no art.º 638.º, n.º 7, do Código de Processo Civil (CPC).
d. No entanto, esqueceu o ora Recorrente a reapreciação da prova gravada.
e. Pois, pretendendo-se impugnar a decisão sobre a matéria de facto sem ter por objeto a reapreciação da prova gravada,
f. o recorrente não pode beneficiar do alargamento do prazo, por mais dez dias, previsto no n.º 7 do art.º 638.º do CPC, pois, para a interposição do recurso de apelação, o prazo geral corresponde a 30 dias, nos termos do disposto no art.º 638.º, n.º 1, do CPC.
g. Porém, “se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, ao prazo de interposição e de resposta acrescem 10 dias” (art.º 638.º, n.º 7, do CPC).
h. Tal, benefício no prazo justifica-se, inicialmente, pelo ónus que recaía sobre o recorrente de “proceder à transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda” (art.º 690.º-A do CPC/1961, introduzido pelo DL n.º 39/95, de 15 de fevereiro), com razão de ser, posteriormente, de forma a permitir o cumprimento do ónus de alegação consagrado no art.º 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC, para o qual, evidentemente, é indispensável a audição da prova gravada (LOPES DO REGO, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, 2004, págs. 594 e 595, e AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 2000, pág. 138).
i. Não obstante, para o benefício do prazo, não é suficiente a mera impugnação da decisão relativa à matéria de facto, como parece sugerir o Recorrente, sendo ainda necessário que a impugnação respeite à reapreciação da prova gravada.
j. Efetivamente, tanto pela expressão da lei, ao referir-se especificamente a “prova gravada”, como pela sua razão de ser, que antes se enunciou, é essa a interpretação que se retira do disposto no art.º 638.º, n.º 7, do CPC.
k. Folheando as alegações de recurso, verifica-se que a impugnação da decisão relativa à matéria de facto não tem por objeto a reapreciação da prova gravada, não obstante aquela se ter realizado, mas apenas a reapreciação da prova documental especificada.
l. Não ocorrendo qualquer dificuldade na reapreciação da prova documental, pois é fácil localizar e examinar os documentos especificados, na impugnação da matéria de facto, não se justifica o benefício do alargamento do prazo para a interposição do presente recurso.
m. O tratamento diferenciado, quando o objeto do recurso é a reapreciação da prova gravada, encontra-se justificado, nomeadamente como forma de permitir o cumprimento do exigente ónus de alegação na impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
n. Ao contrário do que pressupõe a alegação do Recorrente, o alargamento do prazo representa um benefício para o recorrente, que assim dispõe de um alargamento por mais dez dias, não podendo esta constituir uma limitação intolerável e injusta da tutela jurisdicional efetiva.
o. Pelo que, o prazo, para a interposição do recurso de apelação da sentença, era de trinta dias, por aplicação do disposto no art.º 638.º, n.º 1, do CPC.
p. Não obstante, o objeto do recurso contemplar a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, não incluiu a “reapreciação da prova gravada”, mas apenas a reapreciação da prova documental, situação à qual não é aplicável o alargamento do prazo, por mais dez dias, previsto no art.º 638.º, n.º 7, do CPC.
q. O Recorrente interpôs o recurso para além do prazo de trinta dias, após a notificação da sentença, sendo o recurso intempestivo e, por esse motivo, não pode o seu objeto ser conhecido, como não foi, pelo que, reitere-se, desde já se arguiu a intempestividade do recurso.
r. Não obstante, à cautela e por dever de patrocínio, apresenta a Recorrida a sua posição e contra-alegações ao recurso apresentado.
s. A Meritíssima Juiz a quo, e muito bem, considerando os argumentos plasmados na Douta Sentença, concluiu julgar procedente por provado o pedido da Autora e, consequentemente, decretar o divórcio, dissolvendo o casamento celebrado em 19 de fevereiro de 1998.
t. Resultando da Douta sentença, na parte “De Direito: a) Da verificação dos fundamentos do divórcio:” no antepenúltimo parágrafo que “Estão, pois, apurados os factos integradores da causa de pedir invocada na al d) do art.º 1781º, devendo por isso o divórcio ser decretado, tal como peticionado.” – SIC nosso sublinhado e a negrito.
u. E, no último parágrafo “De Direito: a) Da verificação dos fundamentos do divórcio:” a Douta sentença refere que “No caso tendo sido requerida a retroação dos efeitos patrimoniais do casamento à data da separação de facto e tendo esta resultado apurada em 21.09.2017, tal pedido também procede ao abrigo do disposto no art.º 1789º, nº2 do C. Civil.” – SIC nosso sublinhado e a negrito.
v. Andou bem o Tribunal a quo decidindo fixar os efeitos patrimoniais do casamento, retroagindo à data da separação a 21.09.2017, por ter resultado provado.
w. Mas, por evidente e manifesto lapso de escrita, a Meritíssima juíza a quo, na douta Sentença, fez constar a fls., “IV – Decisão: (...) b) Fixo os efeitos patrimoniais do divórcio a partir de 21 de fevereiro de 2021;”
x. Ou seja, a Juíza a quo escreveu “21 de fevereiro de 2021”, quando na verdade, queria ter escrito 21 de setembro de 2017, conforme consta da Sentença, na parte “a) Da verificação dos fundamentos do divórcio:”, reitere-se, “(...) tendo sido requerida a retroação dos efeitos patrimoniais do casamento à data da separação de facto e tendo esta resultado apurada em 21.09.2017.”
y. Face ao manifesto lapso de escrita, desde já se requer a V. Exas, Venerandos Desembargadores se dignem mandar retificar aquela data, de acordo com o teor da sentença, “Do Direito: a) Da com verificação dos fundamentos do divórcio” para que passe a constar “IV – Decisão: (...) b) Fixo os efeitos patrimoniais do divórcio a partir de 21 de setembro de 2019.”, deixando, assim, de constar a data de 21 de fevereiro de 2021.
z. Destarte, a retificação do erro constitui uma consequência da regra prescrita no artigo 236.º Código Civil, pois que, revelado esse erro, conforme sucedeu in casu, ficou-se a saber ou a poder e dever saber que, na sentença, consta um lapso de escrita, quanto à data, não se podendo olvidar que aquela situação em concreto, deriva de um mero erro.
aa. Nesse sentido, refere o artigo 249.º do Código Civil, “o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito a retificação desta”, conforme se requer a V. Exas, Venerandos Desembargadores.
bb. Face à prova carreada para os autos e da reapreciação da matéria de facto, não restaram dúvidas à Meritíssima Juiz a quo, para concluir e julgar procedente por provado o pedido da Autora, e, consequentemente, decretar o divórcio, fixar os efeitos patrimoniais do divórcio, bem como ter julgado parcialmente procedente o pedido de alimentos definitivos formulado pela Autora, ora Apelada.
cc. Mas, o Réu/Apelante não se conformando com tal decisão invocou que “(...) a Douta Sentença afastou-se do melhor Direito assim como fez uma errónea interpretação da matéria de facto.”
dd. Com o devido respeito, o recurso do Apelante não tem qualquer fundamento, nem de facto, nem de direito, pois alega que, “(...) a Douta Sentença afastou-se do melhor Direito assim como fez uma errónea interpretação da matéria de facto.” e, em consequência, foi “(...) condenado a efectuar o pagamento aquela de uma pensão de alimentos no valor de €500/mês, actualizável anualmente.”
ee. Ao invés, face à prova constante dos autos, documental e testemunhal, andou bem a Meritíssima Juiz a quo ao ter dado como provado, na Douta Sentença, que a Recorrida incorria em despesas mensais de 750€.
ff. Não obstante, a douta sentença, apenas, fixou o valor de 500€, ao arrepio de tudo quanto havia dado como provado, pelos documentos juntos aos autos e pelos depoimentos das testemunhas.
gg. Apesar de ter resultado provado que a Recorrida durante os anos em que esteve casada, mais de 30 anos, nunca pôde trabalhar, pois como com o Recorrente era Comandante da TAP dava-lhe jeito ter a mulher em casa, a cuidar do filho deste, durante as suas longas estadias no estrangeiro.
hh. a Recorrida carece, verdadeiramente de alimentos, tem mais de 63 anos, não tem qualquer reforma, é doente oncológica e não tem quaisquer possibilidades de arranjar emprego, conforme resulta da prova, a qual dada como provada pela Meritíssima Juiz a quo.
ii. Ao invés, o Recorrente vive de forma abastada, conforme resulta da prova carreada para os autos, os quais foram dados como provados, carecendo de total fundamentação tudo alega o Recorrente.
jj. O Recorrente, distorce a prova produzida, tudo para não pagar a pensão de alimentos àquela que foi a sua mulher durante, mais de 30 anos, como resultou provado na douta sentença.
kk. O Recorrente pretendia sim, pagar à Recorrida, mensalmente, uma pensão/ordenado, se a Recorrida aceitasse ser sua empregada doméstica, para cuidar da sua roupa e casa.
ll. E, tal intenção, de ter a Recorrida como sua empregada doméstica, continua, na presente data, continuando a enviar-lhe dezenas de emails, com aquela e outras propostas, as quais VERGONHOSAS, como tal, a título de exemplo, veja-se o email datado de 20.07.2022.
mm. Recorrido deveria ter sido condenado ao pagamento da pensão de alimentos, no valor de 750€/mês, tal como resultou provado, quanto às despesas e necessidades mensais da Recorrida.
nn. Pelo que, andou mal o douto tribunal a quo, ao condenar o Recorrente, parcialmente, no pedido da Recorrida, fixando a pensão de alimentos em 500€, mensais.
oo. Pelo que, desde já se requer a V. Exas., Venerandos Desembargadores, face à prova constante dos autos, a idade da Recorrida, as suas necessidades, a doença oncológica que padece, seja a pensão de alimentos fixada no montante de 750€, pois o Recorrente tem meios económicos e pode prover pelo seu sustento e da sua ex-mulher.
pp. Pelo que, deve improceder o argumento do Recorrente que apenas alega ter impugnado os documentos juntos aos autos, os quais argumenta serem prova bastante, para recorrer da douta sentença.
qq. Com efeito as alegações do Recorrente, com o devido respeito, são meras generalidades e considerandos de quem nada quer pagar, com total desrespeito àquela que foi sua mulher durante mais de 30 anos.
rr. Pelo que, salvo o devido respeito, é intelectualmente desonesto o Recorrente, pretender que àquela que foi sua mulher, reitere-se, durante 30 anos, doente oncológica, vá limpar a sua casa e cuidar da sua roupa, para justificar a pensão de alimentos a que foi e bem condenado.
ss. Mais, é completamente falso tudo quanto consta das alegações do Recorrente, as quais chegam a ser grosseiras e atentam contra os mais elementares princípios da boa-fé, porquanto, resultou provado, conforme consta da douta sentença – II. Fundamentação de facto: 2.1 Factos provados, in fine “(...) que a quantia utilizada pela A. na compra da Casa foi doada pelo Réu (e não ilicitamente apropriada por esta)”. – Sic nosso sublinado.
tt. Ora, a quantia monetária doada pelo ora Recorrente, ao longo de 30 anos, estava na conta titulada pela Recorrida, tal como estava a herança que havia recebido, por morte da sua mãe, pelo que, andou bem o tribunal a quo ao dar como provado, que foi doada e não ilicitamente apropriada.
uu. Pelo que, a existir abuso de direito nos presentes autos só poderá ser imputado ao Recorrente que, não tem qualquer pejo em alegar factos falsos e barbaridades para protelar o trânsito em julgado da sentença e tentar eximir-se ao pagamento da pensão de alimentos, que o mesmo sabe ser devida e que a Recorrida carece.
Nestes termos deve o recurso improceder, mantendo-se a decisão proferida pela Meritíssima Juiz a quo, com a condenação do Recorrente no pagamento da pensão de alimentos, fixando os efeitos patrimoniais do divórcio a partir de 21 de setembro de 2017 conforme supra descrito.”
*
A decisão recorrida considerou como provada a seguinte matéria de facto:
 “1. No dia 19 de Fevereiro de 1988, a A., com 30 anos e o R., com 44 anos contraíram matrimónio, com convenção antenupcial, no regime da separação de bens;
2. A A. casou na expectativa, comum a todos os nubentes, de que teria uma vida conjugal feliz e que a completasse.
3. Acontece que tal não se verificou;
4. A relação conjugal terminou em 21.09. 2017, quando a A. abandonou a casa de morada de família.
5. Porquanto, a permanência em casa, junto do R., face ao seu comportamento, tornou-se insuportável para a A.
6. O R. na constância do matrimónio estabelecia regras para tudo, obrigando a A. a sacrifícios, situação que se foi agravando nos últimos anos;
7. Durante anos consecutivos, o ora R. fechava os estores de todos os compartimentos da casa de morada de família, pelas 16.30 horas, obrigando a A. a viver praticamente às escuras.
8. A A., tinha que obedecer às regras impostas pelo R., nomeadamente, no contacto com a filha ou neta.
9. Pois, a A., não tinha liberdade para conviver com a família ou amigos, quando queria.
10. O R. vivia obcecado em controlar tudo o que a sua mulher, ora A. fazia.
11. Fora de casa, a A. não tinha sequer liberdade para se ausentar de casa, sozinha.
13. Não tinha sequer liberdade, para se deslocar, sozinha, a casa da sua filha e neta, apesar de o fazer em épocas festivas, o que lhe causava grande desgosto e problemas emocionais.
14. Acresce que, quando a A. se deslocava, sozinha, ao supermercado ou outros estabelecimentos similares, para fazer as compras para casa, tinha o tempo “controlado” e o dinheiro “contado”, pois, tinha de devolver ao R., o troco ao cêntimo;
15. O R. controlava toda a correspondência que vinha em nome da A.
16. Porquanto, toda a correspondência que chegava a casa, era aberta pelo R., pois a A., estava proibida de a abrir.
17. O R. ameaçava a A. com mais restrições dentro de casa, caso não seguisse as regras
18. Em momentos concretamente não apurados a A. teve um papagaio, que morreu, e mais tarde uma cadela, com problemas de saúde, que também morreu;
19. A A. estava convencida que o Réu atropelou o papagaio e fazia mal à cadela;
20. O R. é piloto de aviação civil, reformado da TAP.
21. O R., foi Comandante ao serviço da TAP, durante muitos anos.
22. Os pilotos da TAP e seus familiares obtêm grandes vantagens em viajar por aquele meio, para qualquer parte do mundo.
23. Não obstante, o R. ter sido Comandante da TAP, apenas levou a A., em duas viagens para o estrangeiro e, isto, durante os 30 anos de casados.
24. Acresce que, o R. tem um filho, maior, do seu primeiro casamento, CC.
25. O qual, desde de cedo, ficou à guarda do R. e ao cuidado da ora A., que o tratou como se seu filho fosse.
26. Aliás, motivo pelo qual, o R. nunca deixou a A. trabalhar,
27. Apesar da A., ter assumido a tempo inteiro, todas as responsabilidades por cuidar do CC, filho do R. que frequentava o colégio ….
28. Pois, enquanto o R., viajava em trabalho, era a A. quem assumia a responsabilidade de o levar e buscar ao colégio, bem como o levava a visitar os avós maternos.
29. Por tal, dedicação familiar, o filho do R., já adulto, continua a manter uma excelente relação de afeto e amizade com a ora A.
30. Mantendo um contacto regular, com a A. quer quando está no … a trabalhar, quer quando regressa a Portugal de férias.
31. Com esta rutura, deixou de existir, entre a A. e R., qualquer ligação afetiva, muito menos, comunhão de leito, mesa e habitação.
32. Rutura que dura desde Setembro de 2017 e, durante todo este tempo, não existiu qualquer contacto ou reaproximação entre a A. e R.
33. A partir do momento em que a A. saiu da casa de morada de família, passou a ser ajudada pela sua filha e genro.
34. Pois, foram estes que a apoiaram financeiramente, na sua sobrevivência, para que a A. pudesse ter uma vida com alguma dignidade.
35. Não havendo, assim, qualquer possibilidade de reconciliação ou qualquer comunhão de vida entre A. e R..
36. Ora, a falta de comunhão de vida entre A. e R. mantém-se, ainda, na presente data, sem qualquer interrupção ou vontade de reaproximação por parte da A..
37. Não existe assim, qualquer relação pessoal ou íntima entre A. e R., que justifique a manutenção do vínculo conjugal, porquanto vivem, completamente, separados e independentes, sem vontade de retomar a vida em conjunto.
38. O R., mesmo separado de facto, aproveitando-se da sua fragilidade económica e emocional, propôs à A., trabalhasse em sua casa, como uma mulher a dias, oferecendo-lhe um ordenado para se sustentar.
39. A A. recusou-se a trabalhar na casa do R.;
40 O R. nunca ajudou economicamente a A., mesmo sabendo que esta não beneficiava de qualquer rendimento mensal,
41 A A. deixou de trabalhar, por vontade e exigência impostas pelo R., o qual, desde sempre a condicionou à atividade doméstica, dizendo que ele ganhava muito bem e para os dois.
42. Ou seja, no entendimento do R., a A., não precisava de trabalhar, pois este sustentava toda a família, o que sucedeu.
43. Aliás, desde sempre que o R., sujeitou a A., à sua total dependência económica.
44. Atenta a sua idade – 60 anos à data da propositura da ação e atualmente 64 – a A., não preenche os requisitos para se apresentar à reforma, ou seja, não tem nem idade suficiente, nem anos de descontos para a segurança social.
45. Assim, a partir de 21 de Setembro de 2017, data em que abandonou a casa de morada e família, a A. gastou, em média, a quantia de pelo menos 750,00€, mensais, referentes a renda, alimentação, água, luz, gás e demais despesas correntes, sendo que entretanto, em data não concretamente apurada de 2018, adquiriu casa própria em …, com as inerentes despesas;
46. Cerca de 4/5 anos antes da separação do casal o R. colocou em conta bancária em nome da A. uma quantia de cerca de 150.000,00€, quantia que, após a separação e em momento não concretamente apurado mas sempre anterior a abril de 2018, a A. utilizou na compra da casa mencionada em 45) “supra” e realização de obras na mesma;
47. O R. não pôs objeções que a Autora durante anos trabalhasse como voluntária no jardim zoológico;
48. A A. como tinha um hobby que adorava que era a fotografia de animais;
49.Comprou e ofereceu à Autora várias máquinas fotográficas.
50. Acompanhava a Autora todas as semanas para o sul do rio Tejo, ficando por vezes uma ou duas horas à espera dentro do carro enquanto a Autora fotografava.
51.Quando a Autora deixou de ser voluntária no jardim zoológico, comprou-lhe pelo menos um passe de livre trânsito no jardim para que ela pudesse aí ter acesso sem pagar entrada e para aí fotografar os animais à sua vontade.
52.O Réu ia de manhã deixar a Autora no jardim, e voltava ao jardim ao fim da tarde para a ir buscar.
53.O Réu instalou em casa internet fixa com gasto ilimitado.
*
54.A Autora:
54.1. Está inscrita no Instituto do Emprego e Segurança Social de … desde 29.05.2029, na situação de desempregada à procura de novo emprego;)fls. 126)
54.2: Na declaração de rendimentos relativa ao ano de 2017 ( a primeira que apresentou sozinha sem o marido) declarou para efeitos fiscais a alienação onerosa de partes sociais/valores mobiliárias no total de €136.740,20 ( sendo o preço da aquisição 158.604,48) e declarou como despesas anuais de saúde €1388,33; 55,40€ como prémio de seguro de saúde e €3120,00 a título de encargos com rendas de prédio destinado à habitação própria permanente e suportados pelo arrendatário, com referência a imóvel sito na freguesia de … (cod. 1060), indicando o NIF do locador;
54.3 Nas declarações de rendimentos de 2018, 2019, e 2020, a Autora não declarou para efeitos fiscais qualquer rendimento, sendo que em 2018 declarou de despesas de saúde €370,48 e despesas com rendas para habitação própria e permanente no valor de €1560,00, relativas ao mesmo prédio referenciado no ponto antecedente (2018, fls. 92 a 94); em 2019 declarou para efeitos fiscais como despesas de saúde €736,50; e m 2020 declarou como despesas de saúde €0,1 (fls. 131 a 135);
54.2 A Autora está a receber uma prestação mensal de Rendimento Social de Inserção de €189,66 desde setembro de 2019, prestação renovada em setembro de 2021 por mais um ano; (fls. SS 124 e 125))
54.3 Em Setembro de 2021 foi detetado pelo Centro Hospitalar Universitário de Lisboa … à Autora um cancro da mama, com indicação de quimioterapia a iniciar de imediato e cirurgia; fls. 136.
54.4 Esteve com incapacidade para o trabalho entre 05.11.2021 e 04.12.2021;
54.5 A Autora desde a separação do Réu teve, nomeadamente, as seguintes despesas:
a) cerca de €400,00 com alimentação:
b) €51,82 com o condomínio;
c) €71,38 com gás e eletricidade;
d) €16,78, com água; todas em Julho de 2018:
e) €49,99, com o pacote de TV, telefone, telemóvel e internet – Junho de 2018
f) €74,00 de seguro multirriscos/casa anual; em março de 2018, correspondendo ao gasto mensal €6,17;
54.6: Para além das despesas mencionadas na alínea anterior a A. tem outros, tais como de saúde, vestuário, calçado, cabeleireiro.
55) O Réu:
55.1: Vive só em moradia com jardim;
55.2: Não necessita de pagar uma renda para nela residir;
55.3 Tem pelo menos acesso a uma segunda habitação que usa para férias;
53.4: É reformado, auferindo uma pensão mensal de reforma paga pelo Centro Nacional de Pensões no valor mensal líquido em Dezembro de 2018 de €4773,94.525 (cfr fls.87), paga 14 vezes ao ano;
55.5) Obteve, pelo menos, os seguintes rendimentos declarados como relevantes para efeitos fiscais:
a) Em 2013: o valor anual bruto de €83.724,01; €1.026.386,67 de alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários, cuja valor de aquisição fora de €948086,93 (fls. 63 A 66).
b) Em 2014: o valor anual bruto de 83.687,22; €482.476,54 de alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários, cuja valor de aquisição fora de € 430.787,07; (fls. 60 verso a 62 verso)
c) Em 2015: o valor anual bruto de 83.697,22; Declarou como alienação onerosa de partes sociais e valores mobiliários €266.039,55, cuja valor de aquisição fora 262.856,43; Fls. 55 verso a 59);
c) Em 2016: o valor anual bruto de €83.687,22); €82.367,00 de alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários, cuja valor de aquisição fora de€79,313,25; (fls. 51 verso a 55);
d) Em 2017: O valor anual bruto de 81.167,14, sendo o rendimento coletável antes dos imposto de €77.083,14; (liquidação de fls. 77)
e) Em 2018: O valor anual bruto de €83.693,00, sendo o rendimento coletável aparado antes dos impostos de 86.038,00 (fls. 165e fls. 160 a 163)
f) Em 2020: O valor anual de bruto €86.38,00, sendo o rendimento coletável antes dos impostos de € 86.038,00 (fls. 164e 166 e segs)
55.6) Tem despesas com: - alimentação, gás, água, eletricidade, internet e telefone, telemóvel, calçado e vestuário, despesas médicas;
*
A sentença recorrida considerou como não provada a seguinte matéria de facto:
“Da petição inicial:
1. A relação conjugal terminou em Agosto de 2017
2. O A. impunha regras para almoçar, jantar, deitar e levantar
3. Não obstante, ter muito tempo livre, a A., apenas contactava com a sua neta, através das redes sociais, “facebook”.
4. Mas, até a simples utilização do computador era controlada pelo R..
5. Ou seja, a A. só podia comunicar com a neta, nas condições impostas pelo R. e, desde que, o computador estivesse virado para o R..
6. Ou seja, quando o R., estivesse a ver televisão ou a ler o jornal, sentado numa poltrona atrás de si.
7. Aliás, o próprio filho do R., entendeu, perfeitamente, o abandono de casa por parte da A.
8. O R., apesar de beneficiar de viagens, por ser ter sido Comandante da TAP, nunca se deslocou ao estrangeiro para visitar o filho, nem sequer permitiu essa possibilidade à A..
9. Ademais, o filho CC, quando ligava para comunicar com eles, fazia-o para o telemóvel da A. e não para o R.
10. Tais factos (mencionados em 8), causaram grande desgosto na A..
11. A simples saída da sala de estar para a casa de banho ou quarto era motivo bastante, para o R. questionar a A., do motivo do afastamento.
12. E, caso a ausência se prolongasse mais do que, alegadamente, devia, rapidamente o R. ia verificar o que a A. estava a fazer.
13. O R. fazia questão de a seguir para todo o lado, no sentido de controlar todos os seus movimentos.
14. Chegando mesmo a esconder-se em vários sítios da casa e, inesperadamente, aparecer-lhe de repente, para a surpreender.
15. Em outras ocasiões, a A. aproveitava as suas consultas médicas, para ver e estar com a sua filha e neta.
16. Não obstante, o R. obrigava a A. a assinar documentos, sem sequer permitir que esta os lesse, nem tampouco, dar-lhe qualquer explicação do seu conteúdo.
17. Dizendo-lhe que, a iria compensar ao longo da vida.
18. Mas, na verdade, o R. nunca pretendeu compensar a A., nem sequer psicologicamente.
19. A quantia de €750,00 é muito inferior àquela que o Reu gastava com o sustento da A.;
20.A. e R. tentaram divorciar-se por mútuo consentimento, no entanto, todas as tentativas saíram frustradas,
21. A A. não consegue precisar a quantia da reforma do R., porquanto, o R. nunca permitiu que a A., soubesse a quantia que recebia mensalmente, quer no ativo, quer na reforma.
22. A maior das viagens referenciadas nos factos provados em 22. ficam praticamente gratuitas.
23 O imóvel do Réu integralmente pago e registado a seu favor;
24. O Réu tem mais do que um veículo automóvel;
Da contestação:
25. A saída da Autora, com o abandono da casa de morada de família, resultou de um ato unilateral seu e sem que o Réu tenha contribuído para tal.
26. Local onde havia residido durante 30 anos com o Réu e onde tinha uma vida normal e equiparável à de qualquer casal equilibrado.
27. Quando abandonou a casa de morada de família a Autora fê-lo limitando-se a deixar um bilhete manuscrito direcionado ao Réu e onde dizia tão simplesmente que se tinha isso embora e não tencionava voltar.
28. Foi a Autora viver para casa de sua filha.
29. Ao que o Réu conseguiu vir a perceber o abandono da casa de morada de família ficou a dever-se ao facto de a Autora lhe imputar a responsabilidade pela morte da sua cadela, que para esta significava mais do que tudo na vida.
30. Desde que a Autora saiu de casa o Réu fez, pessoalmente, por mail e por telefone vários contactos com a Autora no sentido de a fazer ver o absurdo da acusação e a convencer a voltar para casa.
31. Pedidos que a Autora sempre recusou.
32. Quando por fim tomou consciência do absurdo da acusação, a Autora passou a justificar o não querer regressar a casa com o facto de, como afirmou várias vezes, pretender agora passar a ser uma mulher livre, coisa que diz nunca ter sido na vida.
33.O Réu sempre teve pela Autora enorme respeito, carinho, afeto, estima e bem querer.
34.Pelo que foi para si um enorme choque esta posição assumida pela Autora.
35.Passou então o Réu a ficar fundadamente convencido de que o que a Autora pretende é pura e simplesmente mudar de vida, apoiada não só numa pensão de alimentos que pretende exigir ao Réu como também com cerca de €150.000 que são propriedade daquele e dos quais a Autora, ao sair de casa, ilicitamente se locupletou, abusando da confiança que marido nela depositava.
36.Pode-se considerar os 30 anos de vivência em comum do casal, dividido em três períodos distintos.
a) Dos primeiros anos em que não houve animais em casa;
b) Os restantes anos em que passou a haver animais em casa;
c) E o período após a Autora ter sabido, pelo veterinário a quem recorria, que a sua cadela, que ela adorava, tinha uma doença crónica e estava condenada a viver não mais de um ou dois anos.
37.Durante o período identificado como a) o Réu e a Autora viveram uma vida muitíssimo feliz.
38. Ao contrário do que é afirmado pela Autora, o Réu não só a levou várias vezes ao estrangeiro como também a levou com ele dezenas de vezes para as estadias que o Réu fazia no Algarve ao serviço da TAP e da Air Atlantis.
39. Enquanto o Réu a partir de Faro fazia voos de ida e volta a Autora ficava aí instalada sempre nos melhores hotéis do Algarve passando os dias na piscina do hotel ou na praia.
40. A vida em comum durante esse período era, como a Autora costumava dizer amiúde, uma festa.
41. Durante o período identificado como b) em 36. “supra” , o máximo que se pode dizer é que decorreu num ambiente menos caloroso que o anterior.
42. Começou quando o Réu teve a infeliz ideia de trazer de S. Tomé, a pedido do seu irmão, um papagaio.
43. Quando o Réu se preparava para o levar para ser entregue ao seu destinatário, a Autora entrou num choro de tal maneira compulsivo que o réu, não teve coragem de não lhe fazer a vontade ficando com o animal.
44.A partir da entrada dessa ave em casa, à qual se seguiu uma catatua e depois a cadela, o calor da vivência do casal diminuiu um pouco.
45. Continuaram a ser felizes, mas agora o foco principal da felicidade da Autora passou a ser os animais dos quais ela nunca mais se quis separar.
46.Isso e também um hobby que posteriormente a Autora arranjou, referente a fotografia de animais e que o Réu sempre apoiou pois sabia que isso a fazia feliz.
47.Nesse tempo ainda era frequente a Autora, depois de jantar e tratar da cadela, sentar-se na sua secretária frente ao computador e, talvez com um pouco de exagero, exclamar: “Tenho a vida que pedi a Deus“.
48.Também não pode a Autora alegar de que poderia ter viajado mais, pois tal era impossível.
49. E isto pela simples razão de não querer, em circunstância alguma, separar-se dos animais.
50. Até à casa de praia do casal deixou de ir por achar que a cadela se cansava muito.
51. Quanto à alegada vigilância que o Réu faria sobre a Autora tal é completamente falso.
52. E é-o não só porque o que a Autora alega é contrário ao modo de ser estar e sentir do Réu como a Autora nunca lhe deu motivo algum de desconfiança para sobre ela exercer qualquer controlo fosse de que natureza fosse.
53. Além de que se algum controlo o Réu quisesse fazer não necessitaria de usar dessa espécie de comportamento alegados pela Autora, pois, tanto o Réu como a Autora sempre possuíram mutuamente todas as senhas de internet, de mail, de facebook etc.
54.Nunca tendo havido segredos entre ambos.
55.Também não se percebe como é que o Réu poderia condicionar a relação da Autora com a sua família se aquele sempre a recebeu em sua casa com grande alegria e a pequena I como uma princesa.
56.E a mesma sensação de “bem vindo“ sempre sentiu quando ia almoçar ou jantar a casa de sua filha.
57. E estava sempre desejoso de ir a casa de sua filha para ver a menina que muito amava e ama e que durante cerca de 3 anos ajudou a criar.
58. Pelo contrário, perante os protestos da Autora, quando esta se via obrigada a alterar a rotina dos cuidados da sua cadela caso a sua filha lhe pedisse uma ajuda de última hora, era o Réu que insistia para que ela fosse ajudar.
59. Como o pai e a mãe da pequena Inês trabalhavam, era a Autora, sua avó de sangue, que, em casa de sua filha, tomou conta da menina até esta, aos 4 anos, ir para o colégio.
60. Para tal o Réu não só abdicava de almoçar em sua própria casa como, após o almoço, se encarregava de adormecer a menina.
61. Abdicou o Reu de dormir centenas de sestas para se ocupar no embalar da Inês.
62. Contou-lhe centenas de histórias.
63.Cantou-lhe centenas de canções.
64.Ensinou-lhe as primeiras letras e os primeiros algarismos.
65.Tudo com uma dedicação e amor que poucos avós dispensariam a uma neta de sangue.
66. Ao contrário do que a Autora alega nunca o Réu se poupou a esforços para fazer a sua mulher feliz.
67. Que o A. pôs internet ilimitada na casa para a Autora poder aí colocar, sem olhar a despesas, todas as fotografias que bem entendesse pois que para uso pessoal do Réu era mais do que suficiente a internet móvel de que também é subscritor.
68. Que nas circunstâncias apuradas 51 e 52) “supra” o réu regressava a casa onde fazia o almoço e almoçava sozinho
69.O Réu sempre reconheceu, e continua a reconhecer, o muito que a Autora fez pelo seu filho.
70. O período supra identificado como c), ou seja, o último ano em que a Autora permaneceu em casa, mesmo sem que tenham havido discussões dignas desse nome, muito menos qualquer agressão ou sequer a mínima ameaça física ou psicológica que justificasse o abandono da casa, o Réu aceita que tal período decorreu num ambiente menos afectivo.
71. E isto porque a Autora, que já anteriormente ao aperceber-se da pouca saúde da cadela andava muito abalada, chegando, aconselhada da sua médica, a fazer tratamento psiquiátrico durante uns meses, ficou totalmente traumatizada com o facto de saber, pelo veterinário a quem recorria, que a cadela não duraria muito mais.
72. Entrou assim num ciclo de descontrolo total e a fumar desesperada e compulsivamente.
73. E, apesar da enorme paciência e compreensão com que o Réu lidou com a situação, não conseguiu evitar que o final fosse este em que o casal se encontra agora.
74. Não é verdade que a Autora tenha deixado de trabalhar a por exigência do Réu.
75. Isso aconteceu por acordo entre ambos.
76.De facto a Autora trabalhava numa sociedade em situação falimentar e, tanto quanto o Réu se recorda, há data do casamento já nem ordenado recebia, ou se algo recebia era dum modo intermitente.
77. Chegando o Réu, mesmo antes do casamento, para ajudar a Autora, e para que a esta se não sentisse humilhada, a fazer com ela umas apostas sem sentido, que a Autora ganhava sempre e com isso recebia dinheiro.
78.A A. não se coibiu, de alegar carecer de alimentos para pagar uma renda de casa que sabe perfeitamente que não paga.
79. Que a casa adquirida pela A. foi com o dinheiro do Réu e de que ilícitamente se apoderou.
80. a Autora apoderou-se ilegitimamente, dos referidos €150.000 que era propriedade do Réu além de possuir numa outra sua conta no Banco BIG cerca de €70.000 euros que herdou de sua mãe;
81. Não é verdade que a Ré tenha ficado dependente da sua filha, para sobreviver;
82. A A. queixou-se ao Réu que, ao contrário do que imaginava, não conseguia arranjar emprego, pedindo a este por telefone e por mail que lhe desse uma ajuda, o Réu sempre mostrou para isso abertura e disponibilidade, que enquanto esta não arranjasse emprego a ajudaria pedindo-lhe em troca que ela lhe desse também uma ajuda na logística de sua moradia e na rega do quintal quando o Réu estivesse ausente.
83.Com esse intuito o Réu disse, pessoalmente e por mail, à Autora, não num espírito de criada como esta afirma e muito menos de humilhação, mas sim num espírito de colaboração, entreajuda e amizade que, apesar de tudo o Réu sempre se esforçou por continuar a manter com a Autora.”
*
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo apelante e das que forem de conhecimento oficioso (art.ºs 635º e 639º do CPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do CPC).
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1. Da impugnação da decisão de facto
2. Dos alimentos

1. Da impugnação da decisão de facto
Estabelece o art.º 640º do CPC:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pág. 165-169, escreve:
“a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) (…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente. (…)
A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (art.ºs 635º, nº 4 e 641º, nº 2, al. b));
b) Falta de especificação, nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art.º 640º, nº 1, al. a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios de prova constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.)
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação. (…)” (sublinhados nossos)
Tem-se entendido que o cumprimento do ónus imposto pela al. a) do nº 2 do preceito em análise se basta com a indicação do início e termo de cada um dos depoimentos das testemunhas ou a indicação do ficheiro em que os mesmos se encontram gravados no suporte técnico e complementado estas indicações com a transcrição, no corpo das alegações, dos excertos dos depoimentos relevantes para o julgamento do objeto do recurso. (Ac. STJ de 21/03/2019, in www.dgsi.pt)
Reportando-se ao ónus da al. a) do nº 2 do art.º 640º, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pág. 169, nota 276, defende “tal como ocorre com a concretização dos meios de prova, também esta indicação não tem que figurar nas conclusões, sendo suficiente a sua inserção na motivação. Além disso, se, em lugar de uma sincopada e por vezes estéril localização temporal dos segmentos dos depoimentos gravados, o recorrente optar por transcrever esses trechos, ilustrando de forma mais completa e inteligível os motivos das pretendidas modificações da decisão de facto, deve considerar-se razoavelmente cumprido o ónus de alegação neste campo. A indicação exata das passagens das gravações não passa necessariamente pela sua localização temporal, sendo a exigência formal compatível com a transcrição das partes relevantes dos depoimentos.”
E se é certo que “a falta da indicação exata e precisa do segmento da gravação em que se funda o recurso, nos termos da al. a) do n.º 2 do art.º 640.º do CPC não implica, só por si, a rejeição do pedido de impugnação sobre a decisão da matéria de facto”, necessário é, contudo, que “o recorrente se reporte à fixação eletrónica/digital e transcreva os excertos que entenda relevantes de forma a permitir a reanálise dos factos e o contraditório” (Ac. STJ de 18/02/2020, in www.dgsi.pt).
O apelante indicou, nas conclusões, os factos que impugna – factos provados nºs 45, 54.5, 54.6 -; pugnando, ainda, pelo aditamento de um facto provado; e na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (os referidos factos provados devem ser considerados não provados).
Sustenta a sua posição na discordância quanto aos meios de prova que na sentença foram valorados, nomeadamente argumenta que dos depoimentos das testemunhas Susana Enes e Fernando Afonso da Silva não resulta a demonstração daqueles, uma vez que se ficaram por meras generalidades, não quantificando precisa e individualizadamente cada tipo de despesas em que a recorrida putativamente incorreria.
De igual modo, defende que os documentos valorados na sentença, “não dão respaldo ao entendimento de que a recorrida teria despesas mensais no valor de €750”, acrescendo que os documentos foram impugnados, competindo à recorrida a prova dos respetivos factos.
Aduz, ainda, que daqueles depoimentos resultaria que a quantia de €150.000, mencionada no facto provado nº 46, foi colocada pelo recorrente em conta bancária da recorrida para assegurar a sobrevivência desta no caso de vir a ocorrer algo de nefasto que resultasse de operação a que o recorrente viria a ser submetido, facto que assim deve ser aditado aos provados.
Todavia, o apelante não indicou as passagens da gravação dos depoimentos das testemunhas que indicou, nem transcreveu excertos, em obediência ao comando da alínea a) do nº 2 do art.º 640º do CPC.
É certo que pretendeu justificar tal omissão ao afirmar “os depoimentos destas duas testemunhas encontram-se registados nos autos com a mera referência à Acta da Audiência Final, de 03-12-2018, pelas 10:30 horas, e não existindo no CITIUS ou em suporte de papel qualquer outra referência que permita dar cumprimento de modo diferente ao imposto pelo artigo 640º, nº 2 a) do CPC.”
Não lhe assiste razão.
Como acima assinalado, tem-se entendido que o cumprimento do ónus imposto pela al. a) do nº 2 do art.º 640º do CPC se basta com a indicação do início e termo de cada um dos depoimentos das testemunhas ou a indicação do ficheiro em que os mesmos se encontram gravados no suporte técnico e complementado estas indicações com a transcrição, no corpo das alegações, dos excertos dos depoimentos relevantes para o julgamento do objeto do recurso. (Ac. STJ de 21/03/2019, in www.dgsi.pt)
Nenhum obstáculo vem alegado quanto à indicação exata das partes relevantes de cada depoimento (por referência a minutos e segundos da gravação), ou à indicação exata do início e termo de cada um – informações que se obtêm nos respetivos ficheiros da gravação -, complementado com a transcrição dos excertos relevantes (também quanto à transcrição nenhum impedimento foi alegado) – o que inviabiliza que este Tribunal proceda à reapreciação da prova gravada. Com efeito, ocorrendo total omissão de referência ao suporte eletrónico/digital (passagem exata, sessão, início e termo) em que cada declaração/depoimento foi prestado ou transcrição dos excertos relevantes, impõe-se concluir que o apelante não observou o ónus exigido pelo art.º 640º, nº 2, al. a) do CPC.
A alusão genérica aos documentos juntos aos autos mencionados na sentença também não cumpre o ónus exigido no art.º 640º, nº 1, al. b), pois não especificou os concretos documentos em que se baseia, em relação a cada facto impugnado.
Verifica-se que o apelante se limitou a afirmar a sua convicção quanto à decisão de facto, baseada em impugnação de despesas da recorrida, que havia efetuado anteriormente, revelando mera discordância quanto àquela decisão.
Assim, rejeita-se o recurso da decisão de facto, por inobservância dos ónus exigidos pelo art.º 640º, nº 1, al. b) e nº 2, al. a) do CPC. 
2. Dos alimentos
O apelante foi condenado no pagamento à A./apelada da quantia mensal de €500,00, a título de alimentos definitivos.
Dispõe o art.º 2016º do CC que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio” (nº 1), e “qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio.” (nº 2).
Estabelece o art.º 2016º-A, nº 1 do CC que “na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta.”
Por outro lado, o “cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio” (nº 3 do art.º 2106º-A). [1]
Com a alteração legislativa introduzida pela Lei nº 61/2008, de 31 de outubro, o direito a alimentos na sequência do divórcio passou a assumir caráter excecional, apenas devendo ser concedido numa situação económica financeira manifestamente deficitária do credor e perante manifesto desafogo do devedor, dando-se assim prevalência ao princípio da autossuficiência, consagrado nos art.ºs 2016º, nº 1 e 2004º, nº 2 do CC. [2] Confere-se natureza reabilitadora aos alimentos, que devem ser concedidos enquanto não existe autossuficiência do credor.
Como se refere no acórdão desta Relação, de 07/12/2021, proc. nº 869/19.5T8SXL.L1-7, www.dgsi.pt, a fixação dos alimentos pressupõe dois momentos sucessivos:
1.º- Verificação da incapacidade do alimentado para prover à sua subsistência;
2.º- Ponderação das necessidades do demandante e das possibilidades do demandado.
De acordo com o artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, é ao/à requerente dos alimentos que cabe o ónus da prova dos elementos constitutivos do seu direito, ou seja:
i- da sua incapacidade para prover à sua subsistência (por exemplo, por força da sua idade, da sua saúde débil, da impossibilidade de iniciar o exercício de uma qualquer actividade profissional para prover à sua subsistência, etc.) - artigo 2016.ºA);
ii- das suas necessidades - artigos 2003.º e 2004.º;
iii- de o requerido ter possibilidades de os prestar - artigos 2003.º e 2004.º.
Quanto ao requerido, caber-lhe-á o ónus (nos termos do n.º 2 do artigo 342.º) de provar as circunstâncias que poderão justificar a não atribuição do direito a alimentos:
i- a sua impossibilidade de dar alimentos em face da sua condição económica;
ii- a iniquidade em que se traduziria ficar com o encargo de pagar uma pensão de alimentos ao ex-cônjuge.”
O apelante pugna pela revogação da sentença e sua substituição por decisão que o absolva integralmente do pagamento da pensão alimentícia em que foi condenado, no pressuposto da alteração da decisão de facto, nos termos da impugnação que apresentou (que as despesas mensais suportadas pela apelada fossem consideradas não provadas e que se desse por provado que a quantia de €150.000 foi colocada pelo recorrente em conta bancária da recorrida para assegurar a sobrevivência desta no caso de vir a ocorrer algo de nefasto que resultasse de operação a que o recorrente viria a ser submetido, mas que tal não ocorreu).
Todavia, perante a rejeição do recurso da decisão de facto quedam inalterados os factos considerados provados e não provados na sentença recorrida, nos termos do disposto no art.º 663º, nº 6 do CPC.
E dos factos provados, mormente dos pontos 45, 54.1, 54.2, 54.3, 54.2 (segundo), 54.5, 54.6, dúvidas não restam que a A./apelada carece de alimentos, com base nas despesas por si suportadas (na quantia mensal de cerca de €750,00) e rendimentos auferidos (€189,66, a título de prestação mensal de Rendimento Social de Inserção).
Na contraposição das despesas e rendimentos impõe-se concluir que a A./apelada não consegue prover à sua subsistência.
Autora e Réu casaram em 19/02/1988 e desde 21/09/2017 encontram-se separados de facto. Durante o casamento a A. deixou de trabalhar, por vontade e exigência impostas pelo R., o qual, desde sempre a condicionou à atividade doméstica, pois entendia que a A. não precisava de trabalhar, pois sustentava toda a família, o que sucedeu; desde sempre que o R. sujeitou a A. à sua total dependência económica.
Por seu turno, o R. tem possibilidades de prestar alimentos, conforme factos provados 55.1 a 55.6, de que se destaca:  vive só em moradia com jardim; não necessita de pagar uma renda para nela residir; tem pelo menos acesso a uma segunda habitação que usa para férias; é reformado, auferindo uma pensão mensal de reforma paga pelo Centro Nacional de Pensões no valor mensal líquido em dezembro de 2018 de € 4773,94.525, paga 14 vezes ao ano.
O R. não logrou demonstrar, como lhe competia (art.º 342º, nº 2 do CC), as circunstâncias que poderiam justificar a não atribuição do direito a alimentos: a sua impossibilidade de dar alimentos em face da sua condição económica; a iniquidade em que se traduziria ficar com o encargo de pagar uma pensão de alimentos ao ex-cônjuge, nem que a A. se tenha apoderado ilegitimamente da quantia de €150.000, sua propriedade (cfr. factos não provados 35 e 80). A este propósito o apelante na alegação de recurso veio argumentar que a referida quantia a ser considerada doação, estaria sujeita a condição, que não se verificou, além do que seria nula. Os factos subjacentes a tal entendimento - destinar-se aquele montante, colocado pelo apelante em conta bancária da apelada, a assegurar a sobrevivência desta no caso de vir a ocorrer algo de nefasto que resultasse de operação a que o Recorrente viria a ser submetido, mas que tal não ocorreu – apenas em sede do presente recurso foram aduzidos, e não na contestação, momento oportuno para o efeito, sob pena de preclusão. O que equivale a afirmar que fica prejudicada a apreciação do abuso de direito na fixação de alimentos a favor da apelada, invocado no referido pressuposto da apropriação ilícita ou nulidade da doação.
Na alegação de recurso a apelada requer seja a pensão de alimentos fixada no montante de 750€, montante por si peticionado na ação. Terminou a alegação nos seguintes termos: “deve o recurso improceder, mantendo-se a decisão proferida pela Meritíssima Juiz a quo, com a condenação do Recorrente no pagamento da pensão de alimentos (…)”
A apelada não interpôs recurso independente ou subordinado (art.º 633º do CPC), como lhe competia caso pretendesse a revogação e substituição da sentença no segmento dos alimentos, de molde a que fossem os mesmos fixados no montante mensal de €750,00, estando vedado a este Tribunal apreciar a sua pretensão (que, como referido, nem foi objeto da conclusão final da alegação).
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo do apelante.

Lisboa, 9 de março de 2023
Teresa Sandiães
 Octávio Diogo
Cristina Lourenço
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[1] Neste sentido v., entre outros, ac. STJ de 09/12/2021 (proc. nº 10093/17.6T8PRT-C.P1.S1), ac. RL de 11/12/2019 (proc. nº 21/19.0T8AMD.L1-7) , disponíveis em www.dgsi.pt
[2] Neste sentido cfr. ac. RL de 12/10/2017 (proc. nº 3070/12.5TBBRR-2) e de 14/12/2020 (proc. nº 487/18.5T8CLD.C1), ac. RP de 13/10/2016 (proc. nº 224/11.5T6AVR-B.P2),  ac. RC de 21/01/2020 (proc. nº 1558/19.6T8CBR.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt