SENTENÇA ESTRANGEIRA
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
REVISÃO E CONFIRMAÇÃO
TRIBUNAL COMPETENTE
IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO
Sumário

- Inexiste qualquer preceito na legislação administrativa, nomeadamente ETAF (Lei 13/2002, de 19712 na redacção do DL 214-G/2015 de 2/10) que atribua competência aos tribunais administrativos para proceder à revisão e confirmação de sentenças estrangeiras.
- A competência para a revisão e confirmação de sentenças estrangeiras pertence ao Tribunal da Relação (secções cíveis), in casu, ao Tribunal da Relação de Lisboa.
- São estes tribunais (Relação) que julgam os processos de revisão e confirmação de sentença estrangeira – cfr. art.ºs 979 CPC, 73 e) LOSJ (Lei de Organização Judiciária/Lei 62/2013 de 26/8).
- Face ao extractado supra, afastada qualquer inconstitucionalidade das normas citadas já que o próprio legislador retirou aos tribunais administrativos a competência para julgar os processos de revisão e confirmação, de sentença estrangeira, atribuindo-a aos tribunais judiciais, in casu, aos Tribunais da Relação (competência residual).

Texto Integral

1932/22.0YRLSB – Revisão de Sentença Estrangeira

Banca Ifis, S.P.A., sociedade anónima de direito italiano, intentou processo especial de revisão de sentença estrangeira, contra o Estado Português, pedindo a revisão e confirmação da sentença proferida, em 2/8/2011, pela 1ª secção do Tribunal Administrativo de Lácio, Itália.
Alegou, para tanto, que, em 2/8/2011, o Tribunal Administrativo de Lácio proferiu sentença no proc. 6907/2011, tendo condenado o Estado Português, através do Ministério das Obras Públicas e dos Transportes, no pagamento de €74.219,68, acrescido dos juros e reavaliação monetária, desde a data de maturação do crédito até à data da publicação da sentença à sociedade Construzioni Callisto Pontello S.P.A.  
Em 20/10/2004, foi declarada a falência desta sociedade passando a estar representada pelo Curador de Falência.
Em 18/11/2014, foi autorizada judicialmente a venda em leilão de um conjunto de créditos da sociedade, venda essa que ocorreu, em 13/12/2014.
Nos créditos apresentados em leilão estava o crédito mencionado supra, crédito esse, entre outros, que veio a ser adjudicado à requerente, tendo esta celebrado, em 2/2/2015, com o Curador de Falência o contrato de cessão de créditos, contemplando este crédito.
Em 10/12/2016, foi aposta a fórmula executória à sentença revidenda, já transitada.
Até à data, os créditos emergentes da sentença estão por liquidar.
Não estando reconhecimento das decisões judiciais em matérias administrativas regulados em tratados, convenções ou regulamentos da União Europeia, devem aplicar-se as normas nacionais relativas à revisão e confirmação de sentenças, sendo da competência do Tribunal da Relação territorialmente, in casu, ao Tribunal da Relação de Lisboa, ex vi art.ºs 978, 706/1, 979 e sgs. CPC 73 e) LOSJ (Lei de Organização do Sistema Judiciário), verificando-se os requisitos do art.º 980 CPC.

Citado, o Ministério Público, em representação do Estado Português, arguiu a incompetência material do Tribunal da Relação de Lisboa, pugnando pela competência do Tribunal Administrativo Central do Sul, sustentou que o art.º 978 CPC abrange, tão só, os direitos privados, civis e comerciais e não já os direitos públicos decorrentes das relações subordinadas ao Direito Administrativo, defendeu também imunidade de jurisdição (restringe aos actos praticados com jus imperii, excluindo da imunidade os actos de jure gestionis, por tal se entendendo, aqueles em que os Estados intervêm como pessoas de direito privado em relações de direito privado, não exercendo poderes públicos no contexto dessas relações), uma vez que o Tribunal Administrativo de Lácio não poderia ter apreciado o litígio, bem como a competência exclusiva dos Tribunais Portugueses (art.º 980/1 c) CPC), nomeadamente os Tribunais Administrativos, sendo a decisão incompatível com os princípios de ordem pública internacional do Estado Português, sob pena de violação do art.ºs 979 CPC, 212/3 e 204 CRP, concluindo pela procedência da excepção de incompetência material do Tribunal da Relação de Lisboa, absolvendo-se o Estado Português da instância ou, se assim se não entender, pela absolvição do pedido – fls. 77 v e sgs.
Na resposta, a requerente respondendo às excepções suscitadas concluiu pela sua improcedência, concluindo pela confirmação da sentença – fls. 88 e sgs.
O Ministério Público, face à resposta da requerente pugnou no sentido de considerarem não escritos os arts. 28 a 92 da resposta por conterem matéria de impugnação ao legado na contestação – fls. 103 e sgs.
Por despacho, de 6/12/2022, atendeu-se ao defendido pelo Ministério Público e consideraram-se não escritos os art.ºs 28 a 92 da resposta à oposição – fls. 106 e sgs.
Facultado o processo para alegações, a requerente alegou no sentido da confirmação da decisão revidenda e o Ministério Público pugnou no sentido da sua não confirmação.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
As questões a decidir consistem em saber, se o tribunal da Relação de Lisboa é incompetente em razão da matéria, imunidade de jurisdição e se estão ou não verificados os pressupostos legais para que a sentença possa ser confirmada (art. 978 e 980 c) e f) CPC) e se foi violada a regra de imunidade de jurisdição.
a) Incompetência absoluta
Defende o Ministério Público a incompetência absoluta (em razão da matéria) do tribunal da Relação de Lisboa para proceder à revisão da sentença proferida pelo Tribunal Italiano, sustentando que, por se tratar de matéria de natureza administrativa, o tribunal competente é o Tribunal Central Administrativo Sul, sendo certo que o art.º 979 CPC, quando interpretada no sentido de permitir revisão de sentenças que dirimam litígios emergentes de relações jurídicas administrativas é inconstitucional devendo ser recusada a sua aplicação e, como tal, deverá o Estado Português ser absolvido da instância.
In casu, com esta acção de revisão e confirmação de sentença estrangeira pretende-se o reconhecimento pela nossa ordem jurídica da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo Regional de Lácio, em Itália (proc. 6907/2011) que condenou o Estado Português, através do Ministério das Obras Públicas e dos Transportes, ao pagamento € 74.819,68, para além dos juros e reavaliação monetária, desde a data de maturação do crédito até à data da publicação da sentença, à sociedade Construzione Callisto Pontello, S.P.A.
"Entre nós, o processo de revisão e confirmação de sentenças estrangeiras segue o modelo de delibação – sistema de reconhecimento individualizado de tipo formal das decisões estrangeiras.
A causa de pedir, nas acções de delibação é a própria sentença ou acto revidendo, como dizia Castro Mendes – a causa de pedir na acção de revisão de sentença estrangeira não é um acto substantivo (mútuo, adultério, ilícito civil, compra e venda, mandato), mas um acto processual, é a própria sentença, nos termos do art.º 581/4 CPC (LV (art.º 498/4) – cfr. "Alguns Problemas sobre revisão de Sentença Estrangeira" in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XIX, 1965, 145/146.
O pedido, por sua vez, é o reconhecimento do acto revidendo e a sua eficácia na ordem jurídica interna portuguesa — art.º 978 CPC (LV art.º 1094)" — cfr. Luís Correia de Mendonça, in o Direito, ano 152/2020, III.
"O reconhecimento de decisões estrangeiras decorre de preenchimento de certos requisitos formais, não implicando nenhuma reapreciação do mérito da causa pelo tribunal de reconhecimento – a regra é a da proibição da révision au fond da decisão estrangeira por esse tribunal" – cfr. Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, in Manual de Processo Civil II, Lisboa, 2022, 321/322.
Ou seja, o nosso sistema de revisão é um sistema de revisão meramente formal (delibação), limitando-se o tribunal a verificar se a sentença estrangeira satisfaz ou não os requisitos formais (art.º 980 CPC), independentemente do conteúdo e da natureza da relação jurídica sobre a qual a sentença se pronunciou, bem como do regime substantivo aplicável, i. é, a revisão/confirmação não conhece do fundo ou mérito da causa — cfr. Ac. STJ de 12/7/2011, in www.dgsi.pt.
Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais – art. 211 CRP (competência residual).
Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento de acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais – art.º 212/3 CRP.
Inexiste qualquer preceito na legislação administrativa, nomeadamente ETAF (Lei 13/2002, de 19712 na redacção do DL 214-G/2015 de 2/10) que atribua competência aos tribunais administrativos para proceder à revisão e confirmação de sentenças estrangeiras.
A competência para a revisão e confirmação de sentenças estrangeiras pertence ao Tribunal da Relação (secções cíveis), in casu, ao Tribunal da Relação de Lisboa.
São estes tribunais (Relação) que julgam os processos de revisão e confirmação de sentença estrangeira – cfr. art.ºs 979 CPC, 73 e) LOSJ (Lei de Organização Judiciária/Lei 62/2013 de 26/8).
Assim, face ao extractado supra, afastada qualquer inconstitucionalidade das normas citadas já que o próprio legislador retirou aos tribunais administrativos a competência para julgar os processos de revisão e confirmação, de sentença estrangeira, atribuindo-a aos tribunais judiciais, in casu, aos Tribunais da Relação (competência residual).
Destarte, afastada está a competência dos tribunais administrativos, sendo o Tribunal da Relação de Lisboa, o competente em razão da matéria para julgar/conhecer esta acção (revisão e confirmação de sentença estrangeira), falecendo a pretensão.
b) Imunidade de Jurisdição
Sustenta o Ministério Público, invocando a imunidade de jurisdição que, subsumindo-se o direito a uma eventual indemnização a um direito público, a sua apreciação é da exclusiva competência dos tribunais administrativos.
A imunidade de jurisdição, enquanto corolário do princípio da igualdade entre Estados, radica numa regra costumeira de acordo com a qual nenhum Estado Soberano pode ser submetido, contra sua vontade, à condição de parte perante o foro doméstico de outro Estado (par in parem non habet judicium).
Este princípio, imunidade de jurisdição dos Estados (regra de direito internacional), traduz-se numa defesa que um Estado pode invocar quando demandado por outro Estado.
Esta regra subsume-se aos actos praticados com jus imperii, exclusão feita aos actos de jus gestiones (actos em que o Estado intervém como pessoa de direito privado em relações de direito privado, não exercendo poderes públicos no contexto dessas relações.
In casu, a decisão contida na sentença revidenda apreciou um pedido de indemnização da autora, a título de responsabilidade civil (indemnização do dano relativo à falta de adjudicação do contrato IP2 Soalheira-Castelo Branco com uma quantia base de leilão de Esc: 3.600.000.000 para o qual a requerente apresentara uma proposta de Esc: 3.098.460.186), ainda que alicerçada em danos causados por um acto administrativo, subsumindo-se, este último, a um acto de jus imperii.
Não obstante, certo é, que a ilegalidade deste acto administrativo foi apreciada por, acórdão/sentença, de 7/12/99, proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo português que anulou a adjudicação disposta a favor de outras empresas concorrentes, considerando ilegítima a exclusão de uma proposta considerada anormalmente baixa em defeito da activação do necessário contraditório destinado a consentir que a referida empresa pudesse apresentar as suas justificações – cfr. sentença revidenda fls. 29 e sgs. (tradução).
Daqui se extrai, que a sentença revidenda não apreciou nenhum acto de jus imperii do Estado Português, debruçando-se a decisão sobre matéria respeitante a jus gestiones do Estado Português.
Acresce, que o Estado Português, demandado na acção, interveio no processo pugnando pela improcedência da acção, pelo que não pode agora invocar/alegar imunidade de jurisdição obstando à revisão de sentença revidenda.
Destarte, soçobra a pretensão.
c) Falta de pressupostos do art.º 978 CPC
Defende o Ministério Público que o vínculo de eventual responsabilidade civil entre a requerente e o Estado Português é subordinado ao Direito Administrativo, pelo que os direitos e deveres recíprocos são públicos e não privados pelo que não sendo o direito de indemnização cujo crédito foi cedido à requerente, um direito privado, mas sim público, afastado está o seu reconhecimento uma vez que não cabe na previsão da norma do art.º 978 CPC que se reporta aos direitos privados.
Conforme extractado supra, a acção de delibação visa o reconhecimento individualizado de tipo formal das decisões estrangeiras e a sua eficácia na ordem jurídica interna portuguesa, sem que haja pronúncia sobre o fundo ou mérito da causa.
As sentenças proferidas por tribunais ou por árbitros em país estrangeiro, independentemente do estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais, só podem servir de base à execução se revistas e confirmadas pelo tribunal português competente – cfr. art.º 706 CPC.
Por seu turno, o art.º 978 CPC, estipula que: Nenhuma decisão sobre direitos privados, independentemente do estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes sem estar revista e confirmada.
Acresce ainda, que a decisão que do tribunal administrativo italiano que condenou o Estado Português a pagar uma indemnização por perda de chance de uma empresa italiana num concurso público realizado em Portugal insere-se/está contida no segmento “decisão sobre direitos privados” (art.º 978 CPC) já que envolve o direito privado da empresa a participar em condições de igualdade com os demais concorrentes.
 Daqui se extrai, que uma sentença estrangeira para ter eficácia em Portugal necessita de ser revista e confirmada.
Ora, atento o extractado supra, aquando da apreciação das questões anteriores sobre a natureza da acção de delibação, bem como a inexistência de imunidade de jurisdição (acto de jus gestiones), inexiste violação do preceituado no art. 978 CPC, soçobrando a pretensão.
d) Violação do art.º 980/ c) CPC
Defende o Ministério Público que a sentença revidenda versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais portugueses uma vez que os tribunais italianos não têm competência internacional para conhecer de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas portuguesas.
 Dispõe a alínea c) do art.º 980 CPC que: Para que a sentença seja confirmada é necessário que provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada por fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses.
“Compete ao tribunal apreciar se é competente internacionalmente, constituindo a sua violação (regras da competência internacional) uma excepção dilatória – cfr. art.ºs 96, 97/, 577 a), 578 e 984 CPC.
Quanto ao âmbito, a competência pode ser interna ou internacional – cfr. art.º 37 da LOSJ e 62 e 63 CPC.
No âmbito da competência internacional importa distinguir entre a competência directa e a competência indirecta.
A competência directa é aquela que se refere à apreciação de uma causa e que decorre das regras (nacionais ou internacionais) que distribuem a competência pelos tribunais dos vários Estados enquanto a competência indirecta respeita ao controlo, realizado pelos tribunais de um Estado, sobre a competência dos tribunais de outro Estado para o julgamento de uma acção, ou seja, à competência que os tribunais do foro reconhecem aos tribunais de outro Estado” – cfr. Luís Correia de Mendonça in obra cit. e Miguel Teixeira de Sousa in “A Nova Competência dos Tribunais Civis”, Lex, Lisboa, 1999: 21/22.
“O legislador não se limitou a determinar a competência dos nossos tribunais em confronto com os estrangeiros (art.º 62 CPC) indo mais longe ao consagrar uma reserva de jurisdição (art.º 63 CPC) enunciando os factores de competência exclusiva dos tribunais portugueses.
Como explica Miguel Teixeira de Sousa (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., Lex, Lisboa – 115) … a relevância prática da competência exclusiva dos tribunais portugueses reside no seguinte: como, nessa hipótese, a jurisdição portuguesa não aceita a competência de nenhuma outra jurisdição para apreciar a acção, nenhuma decisão proferida por jurisdição estrangeira pode preencher as condições para ser ou se tornar eficaz na ordem jurídica portuguesa” – cfr. obra. cit. Luís Correia de Mendonça.
A material da exclusiva competência dos tribunais portugueses é enunciada no art.º 63 CPC, a saber: a) matéria sobre direitos reais sobre imóveis ou de arrendamentos de imóveis situados em território português; b) matéria de validade da constituição ou dissolução de sociedades ou de outras pessoas colectivas que tenham a sua sede em Portugal, bem como matéria sobre a validade das decisões dos seus órgãos, c) matéria de validade de registos públicos e conservados em Portugal, d) matéria de execuções de imóveis sitos em território português; e) matéria de insolvência ou revitalização de pessoas domiciliadas em Portugal ou de pessoas colectivas ou sociedades cuja sede esteja situada em território português.
E ainda, in obra cit. – 116 – “só quando a competência dos tribunais portugueses for exclusiva para a apreciação de um determinado objecto se justifica a recusa do reconhecimento da sentença estrangeira proferida sobe esse objecto por um tribunal que, segundo a jurisdição portuguesa, não é competente.
Se assim não suceder, a jurisdição portuguesa, não podendo ignorar que a regra é a existência de competências concorrentes, aceita a competência do tribunal estrangeiro, pelo que qualquer decisão proferida nessas condições por esse órgão provém de tribunal competente segundo a norma de conflitos da jurisdição portuguesa.
Por outro lado, a proveniência de decisão revidenda de outro tribunal que não aquele que possui a competência exclusiva, não impede a revisão e confirmação da sentença pelos tribunais portugueses, pois que, perante a jurisdição portuguesa, deve ter-se por precludida a invocação da eventual incompetência do tribunal que proferiu aquela decisão”.
In casu, tendo em atenção o extractado supra, o objecto da decisão revidenda excluída está do âmbito do art.º 63 CPC.
Por outro lado, tal como referido (cfr. alínea a) e as demais), o nosso sistema de revisão e confirmação de sentenças estrangeiras, acção de delibação (revisão meramente formal), não se debruça sobre a questão de mérito, nela se incluindo os pressupostos processuais dessa mesma acção (révision au fond).
Destarte, afastada está a competência exclusiva dos tribunais portugueses sobre a matéria apreciada na decisão revidenda, falecendo a pretensão.
e) Violação do art.º 980 alínea f) CPC
Sustenta o Ministério Público que a sentença revidenda viola os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.
Para que a sentença seja confirmada é necessário que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português – alínea f) art.º 980 CPC.
“São de ordem pública internacional as leis relativas à existência do Estado e essencialmente divergentes (divergência profunda) da lei estrangeira normalmente competente para regular a respectiva relação jurídica, as quais devem ser leis rigorosamente imperativa se que consagram os interesse superiores do Estado, (interesses reconduzem-se aos princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa). 
A excepção de ordem pública internacional/reserva de ordem pública, visa impedir a aplicação de uma norma estrangeira que, pela via indirecta da execução de sentença estrangeira, conduza, no caso concreto, a um resultado intolerável (aplicada ao nível dos casos concreto não comportando qualquer juízo de desvalor sobre a própria norma estrangeira cuja aplicação é recusada).
Toda a acção preclusiva da ordem pública internacional incide    directa e unicamente sobre os efeitos jurídicos que, para o caso, defluem da lei estrangeira e não já sobre a lei em si.
Não é a decisão propriamente que conta, nem os seus fundamentos, mas o resultado a que conduziria o seu reconhecimento” – cfr., entre outros, Ac. STJ de 19/8/2008, Proc. 07A4790, cit. nas alegações e de 31/1/23, relatora Ana Resende, in www.dgsi.pt.
Daqui se extrai, que o fundamento para a exclusão da revisão, respeita ao possível resultado da aplicação das normas estrangeiras reguladoras das relações materiais e não já à aplicação das normas estrangeiras em si mesmas.
In casu, face ao exarado supra, não ficou demonstrado que a aplicação das normas (direito italiano e/ou outras) acarretariam/conduziriam, por via da revisão e confirmação da sentença, a um resultado intolerável, pondo em causa aspectos essenciais da ordem/sistema jurídico do foro.
Acresce, que a revisão e confirmação da sentença revidenda também não coloca em causa a ordem pública internacional do Estado Português, em matéria de dualidade de jurisdições, já que ordem jurídica portuguesa, tal como a italiana, prevê uma dualidade de jurisdições – tribunais judiciais/tribunais administrativos (estes últimos dirimem conflitos emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais) -, inexistindo qualquer violação dos art.ºs 209/1 a) e b), 211 e 212 CRP.
Assim, falece a pretensão.
Não se suscitam dúvidas sobre a autenticidade dos documentos de onde consta a sentença revidenda, sobre a sua inteligibilidade e sobre o trânsito em julgado das respectivas decisões.
O tribunal que proferiu a sentença era o competente.
Não se mostra ofendida qualquer das regras de competência internacional previstas no art.º 62 CPC.
Não resultando dos autos que se verifique excepção de conhecimento oficioso.
A decisão não ofende os princípios de ordem pública internacional do Estado Português.
Assim, verificados estão os requisitos legais previstos no art.º 980 CPC.
Pelo exposto, considera-se revista e confirma-se a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Lácio, em Itália, na ordem jurídica portuguesa para produzir todos os seus efeitos.
Custas pela requerente.

Lisboa, 9/3/2023
Carla Mendes
Rui da Ponte Gomes
Luís Correia de Mendonça