LIBERDADE RELIGIOSA
REGISTO DE PESSOA COLETIVA RELIGIOSA
Sumário

SUMÁRIO (artigo 663.º, n.º 7, do CPCivil):

I. Sem prejuízo da prejudicialidade que o discurso jurídico impõe, o juiz deve referir-se aos temas, aos assuntos nucleares do processo, suscitados pelas partes, bem como àqueles de que oficiosamente deva conhecer, cumprido que se mostre o contraditório, não se exigindo, contudo, que o juiz aprecie toda e qualquer consideração ou argumento tecido pelas partes.

II. O reconhecimento da liberdade de religião decorre de diversos instrumentos internacionais, aplicáveis na ordem interna portuguesa, por força do artigo 8.º da nossa Constituição, bem como do direito constitucional e ordinário português.

III. Na sua dimensão coletiva, a liberdade de religião confere a possibilidade de constituir igrejas e comunidades religiosas, o direito das igrejas e comunidades religiosas se organizarem como melhor entenderem, exercerem livremente as suas funções religiosas, ensinarem e utilizarem os meios de comunicação social.
IV. O reconhecimento de igrejas e comunidades religiosas enquanto pessoas coletivas religiosas está, contudo, condicionada a determinados pressupostos legalmente definidos.
V. Sob pena de ser recusada a inscrição no Registo de Pessoas Coletivas Religiosas, as igrejas ou comunidades religiosas devem, além do mais, provar documentalmente a sua presença enquanto comunidade social organizada, com prática religiosa duradoura.

Texto Integral

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I.

RELATÓRIO.

Em 28.09.2020, a ORDEM UNIVERSAL DA CONSCIÊNCIA DE CRISTO, representada por P…, presidente do Conselho de Administração daquela Ordem, pediu ao Registo Nacional de Pessoas Coletivas (RNPC) o registo da mesma Ordem como pessoa coletiva religiosa.
Com aquele pedido a ORDEM juntou diversos documentos.
Em 06.10.2020 o RNPC pediu a junção de mais elementos.
Juntos novos documentos, o RNPC pediu parecer à Comissão da Liberdade Religiosa, a qual em 23.02.2021 emitiu parecer negativo.
Em 03.03.2021 o RNPC proferiu «despacho de intenção de recusa» e dele notificou a ORDEM, a qual se pronunciou quanto a tal despacho e ao parecer da Comissão da Liberdade Religiosa.
Em 30.04.2021 o RNPC pediu novo parecer àquela Comissão, a qual em 01.06.2021 emitiu novo parecer negativo.
Em 09.06.2021 o RNPC recusou a inscrição da Ordem no Registo de Pessoas Coletivas Religiosas.
Notificado daquela recusa a ORDEM deduziu impugnação judicial.
O RNPC manteve o despacho impugnado.
Distribuídos os autos pelos Juízos Locais Cíveis da Comarca de Lisboa e cumpridas as formalidades legais, em 29.11.2021 foi julgada improcedente a impugnação.
Inconformada com tal decisão, a ORDEM dela recorreu, apresentando as seguintes conclusões:
«1.ª- Apenas o órgão competente para a decisão do procedimento está vinculado pelas conclusões de um parecer vinculativo.
2.ª- A decisão resultante da conformidade perante um parecer vinculativo (logo, também os fundamentos e conclusões do parecer vinculativo) está sujeita à apreciação judicial da sua conformidade com os preceitos legais aplicáveis.
3.ª- Tal conformidade com os preceitos legais aplicáveis (a legalidade) tem que ser decidida pelo Tribunal, em sede de impugnação judicial.
4.ª- Não é o Tribunal que está sujeito à fundamentação e às conclusões de um parecer vinculativo no âmbito de um procedimento administrativo mas, exactamente, o contrário: a legalidade do parecer, a sua conformidade com a legislação aplicável é que está sujeita, obrigatoriamente, ao julgamento pelo Tribunal.
5.ª- A sentença recorrida, ao não se pronunciar sobre a legalidade da decisão de recusa do pedido de inscrição no Registo Nacional de Pessoas Colectivas Religiosas, limitando-se a aceitar, sem o analisar à luz dos fundamentos da invocados na impugnação judicial, o teor do parecer da Comissão de Liberdade Religiosa, em função, apenas do seu carácter vinculativo, deixou de se pronunciar sobre questão que devia apreciar, pelo que é nula - artigo 615.º, n.º 1, d), do Código de Processo Civil.
6.ª- A recusa de inscrição no Registo Nacional de Pessoas Colectivas Religiosas apenas se pode fundamentar no disposto no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 134/2003, de 28 de Junho, ou seja, nos casos de falsificação de documentos ou violação dos limites constitucionais da liberdade religiosa [alíneas a) e b) do preceito] e falta de requisitos legais [alínea c)].
7.ª- Ora, o parecer que fundamenta a decisão impugnada baseia-se, unicamente, em duas questões: a alegada falta de identificação, nos estatutos da entidade cujo registo é requerido com a corrente da New Age e com a visão panteísta própria dessa corrente; e a referência no seu nome a Cristo.
8.ª- Constando expressamente do parecer, sem qualquer espaço para dúvida, que se trata de uma entidade religiosa (e não de uma entidade filosófica), a dúvida surge relativamente à doutrina, a qual, segundo o mesmo parecer, não é bem definida, clara, coerente e sem ambiguidades
9.ª- Ora, a falta de identificação precisa da doutrina religiosa não é fundamento legal da recusa: em nenhum local da Lei n.º 16/2001, de 22 de Junho ou do Decreto-Lei n.º 134/2003, de 28 de Junho, é exigido tal requisito, sendo a única exigência legal o carácter religioso, de onde resultam os fins religiosos (prática religiosa) que a Lei exige, nomeadamente, exercício do culto e dos ritos.
10.ª- A Lei da Liberdade Religiosa não obriga, expressa ou implicitamente, a concordância com preceitos de nenhuma corrente religiosa, não sendo necessário, para o efeito da constituição de uma entidade religiosa, que a sua doutrina seja identificável ou enquadrável em qualquer corrente religiosa pré-existente. A sua única exigência é o carácter religioso, de onde resultam os fins religiosos (prática religiosa) que a Lei exige.
11.ª- Ao procedimento de registo foi junto um documento, denominado “Princípios Gerais e de Doutrina”, de onde constam, nomeadamente, princípios religiosos, espirituais e de fé, cerimónias, ritos e rituais, bem como a família espiritual da entidade sujeita a registo, princípios reiterados nas alegações de oposição à intenção de recusa, a qual não poderá deixar de ser considerada prova documental, para os efeitos requeridos no artigo 45.º da Lei n.º 16/2001, de 22 de Junho.
12.ª- Foi dado, portanto, cumprimento cabal à exigência do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 134/2003, de 28 de Junho, que impõe que, para esclarecer os fundamentos religiosos das entidades cujo registo é requerido, o pedido de inscrição no registo seja formalizado por escrito e instruído com os estatutos da entidade requerente e “qualquer outra documentação” e do artigo 35.º da Lei n.º 16/2001, de 22 de Junho, que exige instrução com prova documental dos princípios gerais da doutrina e da descrição geral da prática religiosa».
Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar a decidir.

II.
OBJETO DO RECURSO.
Atento o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação.
Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas pela Recorrente, não havendo questões que este Tribunal deva oficiosamente apreciar, no presente recurso está em causa apreciar e decidir:
· Da nulidade por omissão de pronúncia,
· Do registo da Recorrente como pessoa coletiva religiosa.
Assim.

III.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A factualidade a considerar na motivação de direito é a que consta do relatório deste acórdão, que aqui se dá por integralmente reproduzida, bem como a seguinte:
-----------A.
P… e M…, casados entre si, constituíram por escritura pública, em 16.07.2019, uma associação com a denominação SHYIN, TEMPLO DA MAGIA E CURA, consignando que tal associação reger-se-ia pelos estatutos constantes de documento complementar anexo.
- Conforme fls. 14 a 15 verso da certidão junta aos autos pelo RNPC em 16.01.2023.
-----------B.
Em documento complementar à referida escritura pública de 16.07.2019, constam os Estatutos da SHYIN, TEMPLO DA MAGIA E CURA, cujo artigo 1.º, no que aqui releva, tinha a seguinte redação:
«Artigo 1.º
Denominação, Natureza e sede
1. A SHYN – TEMPLO DA MAGIA E CURA, que também poderá ser designada abreviadamente por “Shyn” ou “Templo da Magia e Cura”, é uma associação religiosa sem fins lucrativos, que goza de personalidade jurídica e se rege pelos presentes estatutos e demais legislação subsidiariamente aplicável.
2. A Shyn – Templo da Magia e Cura não se define como uma religião, porque defende que é desnecessária a existência de qualquer religião ou Igreja para nos ligarmos ao Pai e à Mãe, uma vez que a separação entre o Homem e o Espírito é ilusória e inexistente, e que toda a Família Humana é Família Divina única numa Consciência Unificada no Amor Divino Incondicional e Universal.
(…)»;
- Conforme fls. 16 a 19 verso da certidão junta aos autos pelo RNPC em 16.01.2023.
-----------C.
Na ata da Assembleia Geral da SHYN – TEMPLO DA MAGIA E CURA, realizada em 16.07.2019, consta que P… e M… desempenham respetivamente os cargos de presidente e secretária da Assembleia Geral, presidente e vice-presidente do Conselho de Administração e presidente e vice-presidente do Conselho Geral;    
Daquela ata consta ainda que C… é secretária do Conselho de Administração e do Conselho Geral, Al… é presidente do Conselho de Fiscalização, Ma… é vice-presidente do mesmo Conselho de Fiscalização e Maria… vogal ainda daquele Conselho.
- Conforme fls. 99 a 103 da certidão junta aos autos pelo RNPC em 16.01.2023, com negrito da autoria dos aqui subscritores.
-----------D.
Em 20.12.2019 realizou-se uma Assembleia Geral da SHYN – TEMPLO DA MAGIA E CURA, com a presença exclusiva de P… e M…, com a seguinte ordem de trabalhos: 
«UM. Apreciação, discussão e deliberação sobre o despacho de recusa de inscrição da associação no Ficheiro Central de Pessoas Colectivas Religiosas (FCPCR) pelo Registo Nacional de Pessoas Colectivas {RNPC) e do parecer da Comissão da Liberdade Religiosa (CLR).
DOIS. Alteração da denominação da associação.
TRÊS. Alteração do logótipo da associação.
QUATRO. Rectificação dos Estatutos da associação;
CINCO: Composição dos órgãos sociais da associação»,
Sendo que da ata referida Assembleia Geral de 20.12.2019 conta que:
«UM. Relativamente ao primeiro ponto da ordem de trabalhos, tem a Assembleia¬Geral a informar que a associação não foi informada da intenção de recusa do registo do dia catorze de Outubro do corrente ano. Este ofício foi enviado pelo RNPC ao notário, que era a entidade que figurava como contacto com o RNPC, e este não reencaminhou o referido ofício à associação a fim de que esta pudesse deduzir oposição à intenção de recusa e pudesse apresentar documentação que clarificasse as dúvidas do RNPC e da CLR, assim foi este convertido em definitivo.
Após leitura atenta do despacho de recusa do RNPC e do parecer da CLR, a Assembleia-Geral entende que a recusa assenta na dificuldade de interpretação dos estatutos, crenças, doutrina, fundamentos, e símbolos religiosos da associação por parte do RNPC e da CLR, sendo que a documentação enviada ao RNPC e à CLR explica algumas das questões que, ainda assim, o RNPC e a CLR mantêm e quase que referem como inapropriados ao diálogo inter-religioso (e.g. logótipo e uso de alegados símbolos da religião judaica). Também, a associação não conseguiu fazer entender ao RNPC nem à CLR a doutrina e os fundamentos religiosos e espirituais da SHYIN, nomeadamente a interpretação e a explicação dada, nos documentos apresentados com o pedido de registo, ao n.º 2 do Art.º 1.º dos Estatutos de constituição da associação.
Apesar da recusa de registo por parte do RNPC, delibera a Assembleia-Geral da SHYIN - TEMPLO DA MAGIA E CURA não prosseguir com o recurso à impugnação da decisão para o Presidente do Conselho Directivo do Instituto dos Registos e do Notariado, nem para os Tribunais, mas antes, tendo em conta as observações e os pareceres do RNPC e da CLR, proceder às rectificações apropriadas e necessárias que permitam desambiguar e clarificar a sua doutrina sem, no entanto, perder a sua identidade espiritual e religiosa.
DOIS. Entrando na discussão do segundo ponto da ordem de trabalhos, delibera a Assembleia-Geral requerer a alteração da denominação da associação, sem que a associação perca a sua identidade espiritual e religiosa, através de um pedido de alteração de denominação ao RNPC, a fim de que a denominação da associação não suscite eventuais conflitos no diálogo inter-religioso, e baseando-se na denominação adaptada internamente pelo uso corrente e prática de culto dos seus membros, que está associada à Consciência de Cristo. Neste sentido, a Assembleia-Geral aprovou, para apresentação ao RNPC, as seguintes denominações para a associação, e por ordem de preferência:
Primeira. ORDEM UNIVERSAL DA CONSCIÊNCIA DO CRISTO;
Segunda. ORDEM UNIVERSAL DE CRISTO;
Terceira. ORDEM UNIVERSAL DO CRISTO.
(…)
CINCO. A Assembleia-Geral faz menção de que, apesar da alteração dos estatutos e da denominação da associação, não há alteração no que se refere aos titulares dos órgãos sociais da associação, mantendo-se os mesmos em funções desde a sua eleição e tomada de posse em dezasseis de Julho de dois mil e dezanove».
- Conforme fls. 73 a 77 da certidão junta aos autos pelo RNPC em 16.01.2023, com negrito da autoria dos aqui subscritores.
-----------E.
Por escritura pública de 30.06.2020, intitulada de “RETIFICAÇÃO”, P… e M… declararam, «enquanto associados fundadores da SHYIN – TEMPLO DA MAGIA E CURA»,
«Que o pedido de registo de inscrição da constituição da mencionada entidade foi recusado por despacho proferido pelo Registo Nacional de Pessoas Coletivas no dia catorze de outubro de dois mil e dezanove, fundamentado no parecer negativo da Comissão da Liberdade Religiosa.
Que, presentemente, são os únicos associados fundadores da associação e, considerando o disposto no acima referido parecer negativo, vêm RETIFICAR a mencionada escritura de constituição nos termos infra.
Modificam a denominação da entidade, que passa a ser "ORDEM UNIVERSAL DA CONSCIÊNCIA DE CRISTO" e também modificam o seu objeto, alterando, consequentemente, os artigos primeiro e segundo dos estatutos, nos termos consignados no documento complementar elaborado conforme o número dois do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado, cujo conteúdo declaram ter lido e conhecer perfeitamente, pelo que dispensam a sua leitura e que arquivo.
Que em tudo o resto serão mantidos os estatutos e cujo texto atualizado consta do documento complementar acima arquivado».
- Conforme fls. 5 a 7 da certidão junta aos autos pelo RNPC em 16.01.2023, com negrito da autoria dos aqui subscritores.
------------F.
Em documento complementar à referida escritura pública de 30.06.2020, constam os Estatutos da ORDEM UNIVERSAL DA CONSCIÊNCIA DE CRISTO, cujos artigos 1.º e 2.º, no que aqui releva, têm a seguinte redação:
«Artigo 1.º
Denominação, Natureza e sede
1. A ORDEM UNIVERSAL DA CONSCIÊNCIA DO CRISTO é uma associação religiosa sem fins lucrativos, que goza de personalidade jurídica e se rege pelos presentes estatutos e demais legislação subsidiariamente aplicável.
(…)
Artigo 2.º
Objeto, Objetivos e Finalidades
A associação tem por objeto, objetivos e finalidades:
a) Celebrar e cultuar a Presença de DEUS, através da realização de serviços, ritos, rituais e cerimónias religiosas e espirituais;
b) Prestar serviços religiosos e espirituais, de acordo com os seus fundamentos, doutrina, princípios, objetivos e fins, com a finalidade de promover e facilitar a realização do ser humano em DEUS;
c) Cultuar, proclamar e promover a união espiritual do ser humano com DEUS, e a união universal, igual e fraternal entre todos os seres, fundadas no Amor de Deus, Incondicional e Universal, e na Luz e Força Divinas;
d) Difundir, utilizar e ensinar os seus fundamentos espirituais e doutrina, e todo o conhecimento espiritual presente em todas as religiões e caminhos espirituais, atuais e ancestrais, alicerçados na Luz, no Amor e na Vontade de DEUS;
e) O desenvolvimento, aperfeiçoamento, equilíbrio, harmonização e cura espiritual, mental, emocional e física de todos os seres, especialmente do ser humano e da Terra;
f) Prestar apoio, auxílio, cura e aconselhamento espiritual, psicológico, emocional, social e material aos seus membros, e aos crentes na doutrina Ordem;
g) Realizar seminários, conferências, workshops, formações, cursos, palestras, e actividades sociais, culturais, recreativas, educativas, formativas e beneficentes;
h} Realizar serviços, ritos, rituais e cerimónias religiosas de auxílio espiritual;
i) Criação do Corpo Ministerial da Ordem, composto de cargos ministeriais espirituais, religiosos e de culto, e a formação, Iniciação, Ordenação e Consagração dos respectivos ministros;
j) Actividades de formação, educação, e de desenvolvimento pessoal, religioso e espiritual, promovendo a existência de seres humanos autorrealizados e realizados em DEUS;
k) Criação e produção, aquisição, divulgação e distribuição de livros, manuais e todas e quaisquer outras formas de publicação, quer sejam religiosas, espirituais, literárias, artísticas ou científicas, relacionadas com os seus fundamentos espirituais, actividades, princípios, objetivos e fins.
- Conforme fls. 9 a 19 verso da certidão junta aos autos pelo RNPC em 16.01.2023, com negrito da autoria dos aqui subscritores.
-----------G.
Em escrito datado de 21.07.2020, assinado exclusivamente por P… e M…, escrito esse intitulado «Princípios Gerais e de Doutrina», consta quanto a
«Princípios Religiosos, Espirituais e de Fé
1. A Ordem acredita na existência de uma perfeita união entre Deus e o Homem, e que todos os seres humanos são Família Divina, unificada na Consciência do Cristo e no Amor de DEUS, Incondicional e Universal.
2. A Ordem tem, ainda, os seguintes princípios espirituais e de fé:
a) Cremos na existência de Deus-Pai, a quem chamamos de Pai, que pode ter diferentes nomes conforme a língua, a civilização ou sociedade em causa, e nos seus dons e virtudes, como sendo a expressão e a manifestação da Luz, Sabedoria, Amor e Poder do Pai, Criador dos Universos visíveis e invisíveis;
b) Cremos na existência do Cristo, como Deus-Filho, que pode ter diferentes nomes conforme a língua, a civilização ou sociedade em causa, e nos seus dons e virtudes, como sendo a expressão do Amor de DEUS e a manifestação da Luz, Sabedoria, Amor e Poder do Filho de DEUS, o verdadeiro caminho de ascensão para DEUS e a vida espiritual em cada um;
c) Cremos na existência de Deus-Mãe, também designada como Espírito Santo, a quem chamamos de Mãe, e que pode ter diferentes nomes conforme a língua, a civilização ou sociedade em causa, e nos seus dons e virtudes, como sendo a expressão e a manifestação da Luz, Sabedoria, Amor e Poder da Mãe, transformadora dos Universos visíveis e invisíveis e Guia Espiritual da humanidade;
d) Cremos na Tríade Divina, a que chamamos de DEUS, e que é Deus-Pai, Deus-Filho e Deus-Mãe em Um, e que DEUS é uno com toda a Sua Criação, pelo que o sentimento de estarmos separados de DEUS é irreal e ilusório;
e) Cremos na existência do Eu Eterno, da Alma, do Eu Superior e da Poderosa Presença Eu Sou, imortal, criada e gerada por DEUS, à sua imagem e semelhança, sendo, por isso, a matriz Divina e a Presença de DEUS e dos Seus atributos em cada Ser humano, e seus principais mestres e guias pessoais;
f) Cremos que cada Ser humano é a encarnação e personificação do Cristo, por isso, todos são chamados de Filhos de DEUS, estando em perfeita comunhão com DEUS e sendo portadores em si mesmos da Luz, do Amor e do Poder de DEUS, ainda que não o reconheçam, e que todos regressaremos à Casa de DEUS;
g) Cremos na unidade da humanidade e que todos os Seres humanos são Um em igualdade, sem qualquer tipo de discriminação ou preconceito, e que todos têm os mesmos potenciais, capacidades, direitos e deveres;
h) Cremos que toda a Criação é Divina, e que DEUS está em toda a Criação, pelo que respeitamos, incentivamos e ensinamos o respeito por todos os Seres e por toda a Criação, especialmente pelo Homem e pela Terra, nomeadamente pelo reino animal, vegetal e mineral;
i) Cremos na existência de um único mandamento: Amar a DEUS na Consciência do Cristo, fundada no Amor de DEUS, Incondicional e Universal;
j) Cremos na existência de um único pecado: a aceitação de que estamos separados de DEUS, o que produz o não reconhecimento da divindade em nós e de Quem Realmente Somos;
k) Cremos na existência de um único caminho espiritual que nos conduz de volta à Casa de DEUS: a prática constante e permanente da Luz e Sabedoria, do Amor e da Vontade de DEUS, independentemente da religião, fé, crença, filosofia ou caminho espiritual de cada um;
1) Cremos que existem diversos níveis de evolução espiritual a que chamamos "graus de iniciação", "graus iniciáticos" ou "nível iniciático", que determina o grau do nosso serviço aos nossos irmãos e a DEUS;
m) Cremos na existência de energias e de irmãos espirituais que se opõem à Vontade, ao Amor e à Luz de DEUS, a quem veementemente procuramos dar amor, para que, através desse amor, sejam resgatadas e trazidas de volta à Vontade, à Luz, ao Amor e a Casa de DEUS.
3. A Ordem entende que todo o desequilíbrio é de ordem energética e espiritual, pelo que define cura como todo o acto intencional de manipulação de energia através da Luz, da Vontade e do Amor, com a finalidade objectiva e específica de eliminar todo e qualquer desequilíbrio espiritual».
- Conforme fls. 53 a 64 da certidão junta aos autos pelo RNPC em 16.01.2023.
------------H.
Em sede de «Prática Religiosa e Actos de Culto» da Recorrente, em escrito datado igualmente de 21.07.2021, assinado exclusivamente por P… e M…, consta além do mais que
«1. A Cerimónia Eu Sou é a cerimónia principal utilizada pela Ordem e tem por finalidade a celebração de Quem Realmente Somos e da Presença de DEUS Pai e Mãe e de Cristo em cada irmão.
2 A ordem cerimonial definida para as cerimónias Eu Sou está dividida em 3 partes e é a seguinte:
a) Abertura
i. Activação do altar principal;
ii. Acender o Fogo da Presença;
iii. Abertura da Cerimónia;
iv, Abertura dos Kastros;
v. Recitação do Mantra da Tríade;
vi. Activação dos Eímai;
vii. Invocações e activações;
viii. Pedido e ativação de protecção;
ix. Assunção do Poder Pessoal;
x. Recitação do Mantra da Tríade;
xi. Recitação da Grande invocação;
b) Desenvolvimento da Cerimónia:
i) Entoação de mantras;
ii) Oração colectiva; 
iii) Exposição da Mensagem, inspirada e transmitida no momento por DEUS Pai e Mãe, pelo Cristo, ou por qualquer mentor espiritual da Ordem;
iv. Momento de Gratidão;
v. Leitura de canalizações recebidas;
vi. Rituais específicos;
vii. Meditação;
c) Encerramento
            i) Oração coletiva de despedida;
            ii) Encerramento dos Kastros;
            iii) Bênção de encerramento;
            iv) Extinção os Elementos do púlpito;
            v) Extinção do Fogo da Presença.
3. Os pormenores de cada um dos momentos da ordem da cerimónia são definidos nas secções seguintes».
- Conforme documento de fls. 21 a 52 verso da certidão junta aos autos pelo RNPC em 16.01.2023.
------------I.
Quanto à inscrição da Recorrente como pessoa coletiva religiosa, em 23.02.2021 a Comissão de Liberdade Religiosa emitiu o Parecer nº 6/2021, no qual se refere além do mais que:
«(…)
4. Perante a análise da documentação, consideramos que as dúvidas suscitadas pelo RNPC têm fundamento. A requerente é antes de mais uma entidade filosófica imbuída de elementos espirituais resultante da busca espiritual de uma pessoa que saiu de uma comunidade evangélica e de uma pessoa saiu da Igreja Católica, e decidiram muito legitimamente iniciar uma investigação espiritual. Mas os documentos dados a conhecer à Comissão da Liberdade Religiosa não nos permitem concluir pela existência de uma comunidade religiosa. A presença social organizada não está devidamente comprovada. Todos os documentos são assinados apenas por P… e sua esposa M…, únicos outorgantes da escritura de constituição da associação e únicos outorgantes da escritura rectificativa. Não há sinais da existência de uma Assembleia Geral. Não há sinais da existência de uma comunidade religiosa.
Pelo exposto somos de parecer que a requerente não reúne as condições para ser inscrita como pessoa coletiva religiosa, pelo que deve ser indeferido.
- Conforme documento de fls. 211 a 212 da certidão junta aos autos pelo RNPC em 16.01.2023, com negrito da autoria dos aqui subscritores.
-----------J.
Na sequência de novos elementos trazidos aos autos pela aqui Recorrente, quanto à inscrição daquela como pessoa coletiva religiosa, em 01.06.2021 a Comissão de Liberdade Religiosa emitiu o Parecer n.º 13/2021, no qual se refere além do mais que:
«(…)
Mas, a respeito da doutrina religiosa com que a requerente afirma identificar-se, impõe-se considerar o seguinte.
A doutrina de uma entidade que pretenda registar-se como pessoa coletiva religiosa há de ser bem definida, bem identificada, clara, coerente e sem ambiguidades. Não basta uma vaga invocação de Deus, da religião ou de alguma forma da sacralidade. Não se trata de exigir um enquadramento em religiões tidas por tradicionais ou institucionalizadas. Mas exige-se essa identificação precisa.
Ora, afigura-se a esta Comissão que tal não se verifica quanto à requerente pelas razões que a seguir se indicam.
A requerente "Ordem Universal da Consciência do Cristo" adotou esta denominação por alteração de estatutos anteriores em que era designada como “Shyn – Templo de Magia e Cura”. Com base nesses estatutos anteriores, havia sido recusada a sua inscrição no registo de pessoas coletivas religiosas, por ela não se definir como uma religião. Estamos perante a mesma entidade, não perante uma entidade distinta. Há algo de muito ambíguo nesta quase “metamorfose” de uma entidade que não se identifica como religiosa e que passa agora a fazer constar dos seus estatutos alterados múltiplas referências a Deus próprias de uma entidade religiosa (o que não pode deixar de ser interpretado como propositadamente destinado a obter uma alteração da anterior decisão de recusa da sua inscrição no registo de pessoas coletivas religiosas). Neste contexto, são legítimas as dúvidas sobre a autêntica característica da requerente e sobre a doutrina que professa.
Poder-se-ia dizer que a intenção da alteração dos estatutos correspondeu, antes, a uma clarificação de características erradamente expostas na versão inicial desses estatutos.
Mas a versão atualizada dos estatutos da requerente também não prima pela clareza. A redação dos preceitos estatutários acima citados é de tal modo vaga que não permite a identificação precisa da doutrina religiosa a que adere a requerente. Várias confissões religiosas (tradicionais e institucionalizadas, ou não) poderiam caber na definição doutrinal decorrente dessa redação.
É verdade que nas suas alegações de oposição à intenção de recusa do seu registo como pessoa coletiva religiosa, a requerente já se define de forma precisa, como aderente à corrente da New Age, habitualmente enquadrada nos chamados “novos movimentos religiosos”. Nessas alegações, na parte acima transcrita, é clara a identificação com uma visão panteísta própria dessa corrente.
Mas nos estatutos da requerente essa identificação com essa corrente da New Age e com o panteísmo não é, de modo algum, clara. A redação dos preceitos estatutários acima citados não reflete necessariamente uma conceção panteísta (o que seria essencial para caracterizar corretamente a doutrina professada pela requerente).
Por último, também, não se compreende a referência do nome da requerente a Cristo. Uma referência que não surge em qualquer parte dos seus Estatutos, nem é explicada nas alegações em apreço. Nestas alegações, a identificação com a New Age e com uma conceção panteísta revela uma nítida incompatibilidade com o cristianismo. A referência a Cristo no nome da requerente poderá, pois, induzir em erro (tal como poderiam induzir em erro as referências judaicas [da] sua designação inicial) quanto à doutrina a que ela adere.
É, assim, parecer desta Comissão que deva ser indeferido o pedido de inscrição no registo de pessoa coletiva religiosa da requerente “Ordem Universal da Consciência do Cristo”»;
- Conforme documento de fls. 216 a 219 da certidão junta aos autos pelo RNPC em 16.01.2023, com negrito da autoria dos aqui subscritores.
------------K.
Em 09.06.2021, o Instituto de Registos e Notariado, Registo Nacional de Pessoas Colectivas, proferiu «despacho de recusa» do seguinte teor:
«Em 28 de setembro de 2020, foi apresentado nestes serviços o pedido de registo de constituição de pessoa coletiva religiosa - "Shyin - Templo da Magia e Cura" (pedido nº 5019/20200928), bem como um pedido de averbamento de alteração estatutária de denominação (Ap. nº 5064/20201125), para "Ordem Universal da Consciência de Cristo".
Analisado o pedido, desde logo se nos suscitaram dúvidas quanto à possibilidade da entidade em apreço ser qualificada como igreja ou comunidade religiosa. Assim como se nos suscitaram dúvidas quanto aos seus fins e doutrina, uma vez que e não obstante envolverem algum tipo de espiritualidade, se nos afiguravam não ser enquadráveis no âmbito do artº 1° do Decreto-Lei nº 134/2003, de 28 de junho e alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º da Lei n.º 16/2001, de 22 de junho.
Em face do referido solicitou o Registo Nacional de Pessoas Colectivas, em 2 de dezembro de 2020, a emissão de parecer à Comissão da Liberdade Religiosa sobre a viabilidade da realização do registo da pessoa coletiva religiosa em causa - cfr. artº 54°, nº 1, alínea d) da Lei da Liberdade Religiosa.
Na sequência do referido, a aludida Comissão emitiu parecer negativo sobre o pedido de inscrição de constituição da entidade denominada "Shyin - Templo da Magia e Cura" e alteração estatutária para "Ordem Universal da Consciência de Cristo", no Registo de Pessoas Coletivas Religiosas, com o fundamento no facto de estarmos perante uma entidade filosófica imbuída de elementos espirituais resultante da busca espiritual de uma pessoa que saiu de uma comunidade religiosa evangélica e outra que saiu da Igreja Católica, bem como por falta de prova de uma presença social organizada e de atos de culto consistentes.
Ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 e no nº 2 do artº 9° do Decreto-Lei nº 134/2003, de 28 de junho, o Registo Nacional de Pessoas Coletivas, manifestou a sua intenção de recusar os pedidos de registo -Ap. 5019/20200928 e Ap. 5064/20201125.
No prazo legal previsto para deduzir oposição à intenção de recusa, a entidade veio deduzir oposição ao despacho de 3 de março de 2021 (of. nº SII/198/20210323), juntando para esse efeito exposição e novos documentos.
Em face do referido e atento ao disposto no nº 3 do artº 9° do Decreto-Lei nº 134/2003, de 28 de junho e às atribuições cometidas pelo artº 54° nº 1 alínea d) da Lei da Liberdade Religiosa, o Registo Nacional de Pessoas Colectivas solicitou à Comissão da Liberdade Religiosa a emissão de parecer sobre a viabilidade do pedido de inscrição, a qual se pronunciou, novamente, no sentido de não se encontrarem reunidos os requisitos formais indispensáveis à sua inscrição no registo de pessoas colectivas ree alteração estatutária como pessoa coletiva religiosa - cfr. Decreto-Lei nº 134/2003, de 28 de junho.
 Assim, e em face do teor e caráter vinculativo do referido parecer, não resta outra alternativa ao Registo Nacional de Pessoas Colectivas a não ser recusar o pedido de registo de constituição - Ap 5019/20200928 - assim como o pedido de averbamento Ap. 5064/20201125, por dependência do primeiro.
Notifique-se e anexe-se o despacho.
Informe-se que a presente decisão é passível de impugnação mediante interposição de recurso hierárquico, no prazo de 30 dias, ou de impugnação para o tribunal.
- Conforme fls. 221 e 222 da certidão junta aos autos pelo RNPC em 16.01.2023, com negrito da autoria dos aqui subscritores.
-----------L.
Na sequência da impugnação judicial do aqui Recorrente, em 29.11.2021 o Juízo Local Cível de Lisboa proferiu decisão do seguinte teor na parte que aqui releva:
«3.2. Direito
Importa agora apreciar se o despacho de recusa proferido pelo RNPC deve ser mantido ou não.
Dispõe o artigo 21.º, n.º 1, al. a) da Lei da Liberdade Religiosa (Lei n.º 16/2001, de 22 de Junho), sob a epigrafe "Fins religiosos" que "independentemente de serem propostos como religiosos pela confissão, consideram-se, para efeitos da determinação do regime jurídico, fins religiosos, os de exercício do culto e dos ritos, de assistência religiosa, de formação dos ministros do culto, de missionação e difusão da confissão professada e de ensino da religião".
Nos termos da al. b) do mesmo preceito legal, são "fins diversos dos religiosos, entre outros, os de assistência e de beneficência, de educação e de cultura, além dos comerciais e de lucro."
Estabelece a al. b) do artigo 35.º do mesmo diploma legal que "a inscrição das igrejas ou comunidades religiosas de âmbito nacional, ou de âmbito regional ou local, quando não sejam criadas ou reconhecidas pelas anteriores, é ainda instruída com prova documental da sua existência em Portugal, com especial incidência sobre os factos que atestam a presença social organizada, a prática religiosa e a duração em Portugal.".
O artigo 4.º, al. b) do Decreto-Lei n.º 134/2003, de 28de Junho, sob a epigrafe "inscrição de igrejas ou comunidades religiosas" estatui que "a inscrição das igrejas ou comunidades religiosas de âmbito nacional, ou de âmbito regional ou local quando não sejam criadas ou reconhecidas pelas anteriores, é instruída adicionalmente com prova documental da sua existência em Portugal, com especial incidência sobre os factos que atestam a sua presença social organizada, a prática religiosa e a duração em Portugal."
O artigo 9.º, n.º 1, al. a) do citado decreto-lei estabelece que "a inscrição no RPCR só pode ser recusada por falta dos requisitos legais."
No seu n.º 3 é referido que "a intenção de recusa de inscrição fundada na aplicação do número anterior é comunicada pelo RNPC, de modo fundamentado e acompanhada da oposição do requerente, quando esta exista, à Comissão da Liberdade Religiosa, só podendo ser proferida decisão definitiva da inscrição após a emissão de parecer, vinculativo, por parte daquela entidade."
No caso dos autos, resulta que efectivamente a requerente "Ordem Universal da Consciência de Cristo" não cumpre os requisitos legais para a sua inscrição no RNCP, como pessoa colectiva religiosa.
Com efeito e como resulta do parecer da Comissão da Liberdade Religiosa, que tem carácter vinculativo, nos termos do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 134/2003, de 28 de Junho, não foi feita prova de que estamos perante uma comunidade religiosa suscetível de enquadramento nos fins definidos no art. 21.º da Lei da Liberdade Religiosa.
Assim sendo e atenta a natureza vinculativa do parecer negativo, a decisão de recusa do registo mostra-se correcta face ao quadro legal aplicável à situação em causa.
Posto isto, consideramos que a decisão proferida se mostra correcta, pelo que se deverá manter.
Pelos fundamentos expostos, julgo a presente impugnação judicial improcedente e, em consequência, decido manter a decisão de recusa proferida pelo RNPC».
- Negrito da autoria dos aqui subscritores.

IV.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Apontados os factos a ponderar no presente recurso, importa ora apreciar e decidir do mérito deste, sendo que nesse domínio importa apreciar e decidir, por um lado, da alegada omissão de pronúncia e, por outro lado, da pretendida inserção da Recorrente no Registo de Pessoas Coletivas Religiosas.
Vejamos.

1. Da nulidade por omissão de pronúncia.
(Conclusões 1 a 6 das alegações de recurso).
Nesta sede a Recorrente alega, em suma, que «a sentença recorrida, ao não se pronunciar sobre a legalidade da decisão de recusa do pedido de inscrição do Registo Nacional de Pessoas Colectiva Religiosas, limitando-se a aceitar, sem o analisar à luz dos fundamentos da invocados na impugnação judicial, o teor do parecer da Comissão de Liberdade Religiosa, em função, apenas do seu carácter vinculativo, deixou de se pronunciar sobre questão que devia apreciar, pelo que é nula - artigo 615.º, n.º 1, d), do Código de Processo Civil».
Ora, no que ora releva, o artigo 615.º n.º 1, alínea d), do CPCivil dispõe que «[é] nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)».
Na omissão de pronúncia estão, pois, em causa questões e não simples razões ou argumentos aduzidos.
Sem prejuízo da prejudicialidade que o discurso jurídico impõe, o juiz deve referir-se aos temas, aos assuntos nucleares do processo, suscitados pelas partes, bem como àqueles de que oficiosamente deva conhecer, cumprido que se mostre o contraditório, não se exigindo, contudo, que o juiz aprecie toda e qualquer consideração ou argumento tecido pelas partes.  
Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, edição de 2019, página 737, «[d]evendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (…)».
In casu.
Na impugnação judicial estava exclusivamente em causa o registo da aqui Recorrente no Registo Nacional de Pessoas Coletivas.
Ora nessa sede, o Tribunal após referir o normativo aplicável, artigos 21.º, n.º 1, alíneas a) e b), e 35.º, alínea b), da Lei n.º 16/2001, de 22.06, bem como 4.º, alínea b), e 9.º, n.ºs 1, alínea a) e 3, do Decreto-Lei n.º 134/2003, de 28.06, concluiu que «não foi feita prova de que estamos perante uma comunidade religiosa» e que «a decisão de recusa do registo mostra-se correcta face ao quadro legal aplicável».
Vista assim, a decisão recorrida não padece de omissão de pronúncia.
Ela considerou a questão do registo da aqui Recorrente no Registo e, em função do normativo que indicou, concluiu que não deve ser registada no registo de pessoas coletivas religiosas.
A decisão recorrida caracteriza-se por alguma parcimónia.
Poderia melhor ter explicitado a factualidade pertinente à decisão de direito e poderia ter melhor explanado esta.
Contudo, não pode dizer-se que ela padece de omissão de pronúncia.
Neste contexto, não pode concluir-se que o Tribunal recorrido entendeu que estava obrigado a seguir o parecer da Comissão da Liberdade Religiosa e, por isso, indeferiu o pretendido registo.
O que a decisão recorrida refere é que «a decisão de recusa do registo [do RNPC] mostra-se correta face ao quadro legal aplicável», «atenta a natureza vinculativa do parecer da Comissão da Liberdade Religiosa».  
Improcede, pois, neste domínio o presente recurso.

2.  Do registo da Recorrente como pessoa coletiva religiosa.
(Conclusões 6 a 12 das alegações de recurso).
Nesta sede, após breves referências à liberdade de religião, importa apreciar e decidir se procede a impugnação à decisão do RNPC que o mesmo é dizer se a Recorrente deve ou não ser registada enquanto pessoa coletiva religiosa.
2.1. Da liberdade de religião.
A liberdade de religião constitui um dos direitos fundamentais.
Segundo o disposto no artigo 41.º, n.ºs 1, 4 e 5, da Constituição da República Portuguesa, «[a] liberdade de (…) religião é inviolável», sendo que «[a]s igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto», assim como «[é] garantida a liberdade de ensino de qualquer religião praticada no âmbito da respetiva confissão, bem como a utilização de meios de comunicação social próprios para o prosseguimento das suas funções».
O reconhecimento da liberdade de religião decorre igualmente de diversos instrumentos internacionais, aplicáveis na ordem interna portuguesa, por força do artigo 8.º da nossa Constituição, bem como do direito ordinário português.
Com efeito, o artigo 18.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, publicado no DR, I Série, de 09.03.1978, preceitua que
«Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos».
Segundo o artigo 18.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, publicado no DR, I Série, Suplemento, de 12.06.1978, com a retificação publicada no DR, I Série, de 06.07.1978,
«1 - Toda e qualquer pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de ter ou de adoptar uma religião ou uma convicção da sua escolha, bem como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua convicção, individualmente ou conjuntamente com outros, tanto em público como em privado, pelo culto, cumprimento dos ritos, as práticas e o ensino.
2 - Ninguém será objecto de pressões que atentem à sua liberdade de ter ou de adoptar uma religião ou uma convicção da sua escolha.
3 - A liberdade de manifestar a sua religião ou as suas convicções só pode ser objecto de restrições previstas na lei e que sejam necessárias à protecção de segurança, da ordem e da saúde públicas ou da moral e das liberdades e direitos fundamentais de outrem.
4 - Os Estados Partes no presente Pacto comprometem-se a respeitar a liberdade dos pais e, em caso disso, dos tutores legais a fazerem assegurar a educação religiosa e moral dos seus filhos e pupilos, em conformidade com as suas próprias convicções».
O artigo 9.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, publicada no DR, I Série, de 13.10.1978, dispõe que
«1 - Qualquer pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de crença, assim como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua crença, individual ou colectivamente, em público e em privado, por meio do culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos.
2 - A liberdade de manifestar a sua religião ou convicções, individual ou colectivamente, não pode ser objecto de outras restrições senão as que, previstas na lei, constituírem disposições necessárias, numa sociedade democrática, à segurança pública, à protecção da ordem, da saúde e moral públicas, ou à protecção dos direitos e liberdades de outrem».
Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, publicada no JOUE C 326, de 26.10.2012,
«1. Todas as pessoas têm direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, bem como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua convicção, individual ou coletivamente, em público ou em privado, através do culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos».
No plano do nosso direito ordinário, merecem destaque a Lei n.º 16/2001, de 22.06, Lei da Liberdade Religiosa, e o Decreto-Lei n.º 134/2003, de 28.04, que cria e regula o registo de pessoas coletivas religiosa.
Na sua dimensão coletiva, única que aqui releva, a liberdade de religião confere a possibilidade de constituir igrejas e comunidades religiosas, o direito das igrejas e comunidades religiosas se organizarem como melhor entenderem, exercerem livremente as suas funções religiosas, ensinarem e utilizarem os meios de comunicação social.   
O reconhecimento de igrejas e comunidades religiosas enquanto pessoas coletivas religiosas está, contudo, condicionada a determinados pressupostos legalmente definidos.
Como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, edição de 2005, página 447, «(…) a liberdade de religião possui uma necessária dimensão colectiva e institucional e implica também a liberdade de confissões religiosas. (…)».
«A Constituição não define religião, nem o poderia fazer, sob pena de atingir o cerne da própria liberdade: de certo modo, religião é para cada pessoa o que ela entenda ser religião. Todavia, quando se passa para a dimensão coletiva e institucional, não são poucos os problemas que, por vezes, surgem e que exigem intervenções legislativas a estabelecer distinções e zonas de fronteira (cfr. artigos 20.º, 21.º, 33.º, 36.º e 37.º da Lei n.º 16/2001, de 22 de Junho)».
No mesmo sentido refere Vital Moreira, Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia Comentada, coordenação de Alessandra Silveira e Mariana Canotilho, edição de 2013, páginas 139, 141, 142 e 153, «[a] liberdade de religião caracteriza-se pela liberdade de crença (ou não) numa divindade e de pertença a uma confissão ou comunidade de crentes na mesma confissão religiosa».
«(…) Além da sua dimensão privada ou interna, a liberdade de religião compreende naturalmente uma dimensão externa, de manifestação e organização pública de crenças e práticas religiosas. A componente mais característica dessa dimensão externa é a instituição de congregações ou organizações religiosas (igrejas), bem como a edificação e o funcionamento de estabelecimentos ou locais de culto (templos). Por isso, a liberdade de religião exige, entre outros, a liberdade de organização religiosa e a liberdade de estabelecimento de locais de culto. Nem uma nem outra podem ser submetidas a regimes de autorização administrativa discricionária, embora possam ser sujeitas e regimes de registo e de verificação prévia de requisitos legais. Não compete ao Estado julgar do mérito ou conveniência das religiões».
O apontado artigo 10.º, n.º 1, da Carta dos Direito Fundamentais da União Europeia admite restrições à liberdade religiosa na sua vertente externa, configurando-se admissíveis «as restrições ligadas aos requisitos necessários para o reconhecimento e registo oficial de confissões ou congregações religiosas, desde que não sejam discriminatórias nem desproporcionais. (…)».  
2.2. Do registo das pessoas coletivas religiosas.
Segundo o disposto no artigo 20.º da Lei n.º 16/2001, de 22.06, «[a]s igrejas e as comunidades religiosas são comunidades sociais organizadas e duradouras em que os crentes podem realizar todos os fins religiosos que lhes são propostos pela respetiva confissão».
Nos termos do artigo 35.º do mesmo diploma legal, «[a] inscrição das igrejas ou comunidades religiosas de âmbito nacional, ou de âmbito regional ou local, quando não sejam criadas ou reconhecidas pelas anteriores, é ainda instruída com prova documental:
a) Dos princípios gerais da doutrina e da descrição geral de prática religiosa e dos actos do culto e, em especial, dos direitos e deveres dos crentes relativamente à igreja ou comunidade religiosa, devendo ser ainda apresentado um sumário de todos estes elementos;
b) Da sua existência em Portugal, com especial incidência sobre os factos que atestam a presença social organizada, a prática religiosa e a duração em Portugal».
Por sua vez, o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 134/2003, de 28.06, reproduz aquele artigo 35.º, e o artigo 9.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Decreto-Lei institui que a inscrição no Registo de Pessoas Coletivas Religiosas «pode ser recusada por falta de requisitos legais».
Ou seja, dos apontados preceitos legais decorre que sob pena de ser recusada a inscrição no Registo de Pessoas Coletivas Religiosas, as igrejas ou comunidades religiosas devem, além do mais, provar documentalmente a sua presença enquanto comunidade social organizada, com prática religiosa duradoura.
Ora tal não foi demonstrado pela aqui Recorrente.
É certo que ela juntou aos autos diversos elementos com que pretendeu provar tal matéria, conforme documentos de fls. 81 a 103, 111 a 134 e 154 a 209 da certidão junta aos autos pelo RNPC em 16.01.2023.
Contudo, por si e conjugados entre si, bem como com a demais prova documental dos autos, não resulta provado que se esteja perante uma igreja ou comunidade religiosa, enquanto realidade social organizada, duradoura e com práticas religiosas.
Desde logo, os documentos juntos referem-se a período que vai de 30.12.2017 a 23.04.2021, ou seja, desde data anterior à escritura de constituição da Shyn – Templo da Magia e Cura, em 16.07.2019, e posterior à alteração da denominação e estatutos daquela entidade para Ordem Universal da Consciência de Cristo, ocorrida em escritura de 30.06.2020.
 A incongruência de tais elementos sob a mesma realidade, qualificada de «magia» e «cura», desconsidera a natureza religiosa pretendida ou, pelo menos, não confere àquela natureza a centralidade que legalmente caracteriza uma pessoa coletiva religiosa.
No dizer da Comissão da Liberdade Religiosa, «[h]á algo de muito ambíguo nesta quase “metamorfose” de uma entidade que não se identifica como religiosa e que passa agora a fazer constar dos seus estatutos alterados múltiplas referências a Deus próprias de uma entidade religiosa».
Por outro lado, analisando os autos, constata-se que a pessoa coletiva em apreço assenta basicamente em P… e M…, casados entre si, não tendo subjacente uma comunidade social nos termos legalmente prescritos.
Com efeito, P… e M… são os únicos sócios fundadores da Shyn, depois denominada Ordem, são os únicos que subscrevem os «princípios gerais e de doutrina», assim como a «prática religiosa e actos de culto» da Recorrente e desempenham nesta os cargos de presidente e secretária da Assembleia Geral, presidente e vice-presidente do Conselho de Administração e presidente e vice-presidente do Conselho Geral.  
Para além de P… e M…, dos órgãos sociais da Recorrente fazem parte quatro outras pessoas: C…, Al…, Maria… e MS…, o que bem reflete a inexistente expressão social da Recorrente.
Das fotografias juntas aos autos decorre igualmente tal, pois no conjunto aparecem nelas cerca de dezena e meia de pessoas, sendo que aparentemente quase todas as fotografias reportam-se à mesma altura temporal.
Neste contexto, as diversas folhas constantes dos autos com o nome de alegados crentes da aqui Recorrente surgem descontextualizados, não sendo expressão da crença em função da «prática religiosa e atos de culto» assumida.
Em suma, a Recorrente não atestou a sua presença enquanto comunidade social organizada, com prática religiosa duradoura, pelo que em função dos elementos apresentados não pode ser inscrita no Registo de Pessoas Coletivas Religiosas, como consta da decisão recorrida que, assim, importa manter. 
Improcede, pois, o seu recurso. 
*
* *
Quanto às custas do recurso.
Segundo o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, o recurso é considerado um «processo autónomo» para efeito de custas processuais, sendo que a decisão que julgue o recurso «condena em custas a parte que a elas houver dado causa», entendendo-se «que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção que o for».
Ora, in casu improcede a pretensão da Recorrente.
Na relação jurídico-processual recursiva a Recorrente configura-se como parte vencida, pois a improcedência do recurso é-lhe desfavorável.
Nestes termos, as custas do recurso devem ser suportadas pela Recorrente, incluindo naquelas tão-só as custas de parte, conforme artigos 529.º, n.º 4, e 533.º do CPCivil, assim como 26.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais, sem prejuízo do apoio judiciário concedido à Recorrente.

V. DECISÃO
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso, mantendo-se, pois, a decisão recorrida.
Custas, na vertente de custas de parte, pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.
Registe e notifique, igualmente o Senhor Presidente do IRN.
Transitado, remeta certidão do acórdão ao RNPC.


Lisboa, 16 de março de 2023


Paulo Fernandes da Silva (relator)
Pedro Martins (1.º Adjunto)
Inês Moura (2.ª Adjunta)