DOMÍNIO PÚBLICO MARÍTIMO
PROVA DOCUMENTAL
PROPRIEDADE PRIVADA
MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
PODERES DA RELAÇÃO
EXAME CRÍTICO DAS PROVAS
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONHECIMENTO OFICIOSO
PRINCÍPIO DISPOSITIVO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PROVA VINCULADA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Sumário


I- A 2.ª instância assume-se como um verdadeiro e próprio segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto, com autonomia volitiva e decisória nessa sede, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostraram acessíveis com observância do princípio do dispositivo.

II- Fundando-se o recurso de revista na averiguação das regras inerentes ao exercício dos poderes-deveres previstos no art. 662º, 1 e 2, do CPC quanto à reapreciação pela Relação da matéria de facto, sindicável nos termos do art. 674º, 1, b), do CPC, pode ser controlada a aplicação da lei adjectiva pela Relação em qualquer das dimensões relativas à decisão da matéria de facto provada e não provada – não uso ou uso deficiente ou patológico dos poderes-deveres em segundo grau, controlando o respectivo modo de exercício em face do enquadramento e limites da lei para esse exercício –, que, no essencial e no que respeita ao n.º 1 do art. 662º, resultam da remissão do art. 663º, 2, para o art. 607º, 4 e 5, do CPC (o n.º 2 já é reforço dos poderes em segundo grau), com a restrição constante do art. 662º, 4, do CPC («Das decisões da Relação previstas no n.os 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.»).

III- Sempre que essa reapreciação se move no domínio da livre apreciação da prova e sem se vislumbrar que se tenha desrespeitado a força plena de qualquer meio de prova, imposta por regra vinculativa extraída de regime do direito probatório, essa actuação regida pelo art. 662º, 1, do CPC é insindicável em sede de revista, nos termos conjugados dos arts. 662º, 4, e 674º, 3, 1.ª parte, do CPC.

IV- Mesmo que não haja impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, não há ilegitimidade na actuação processual de iniciativa oficiosa, ao abrigo do disposto no art. 662º, 1, e 2, c) (este interpretado a contrario sensu para a sanação de contradição factual), do CPC, quando o acórdão proferido pela Relação procede a uma análise da prova documental, testemunhal e pericial, na esteira do que constava da fundamentação da sentença de 1.ª instância, que levou a uma consideração global e racional para alinhar um novo conjunto factual e à eliminação de um facto não provado, traduzindo uma convicção própria, reflectida na forma e nas razões com que se funda a modificação e reconfiguração da matéria de facto provada e não provada.

V- A alteração da matéria de facto por força da actuação do art. 662º do CPC não configura “excesso de pronúncia” a que se possa imputar nulidade de acordo com o art. 615º, 1, d), 2ª parte, do CCiv.

VI- Não há «ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova», nos termos da sindicação prevista no art. 674º, 3, 2ª parte, do CPC, para a demonstração dos factos de reconstituição histórica das sucessivas transmissões e anexações relativas a propriedade em que se incluam «parcelas de leitos ou margens públicos» do domínio público marítimo, relativamente aos quais se pretende afastar a presunção de dominialidade pública, pois a tais factos não se aplica o art. 15º, 2, da Lei 54/2005, de 15 de Novembro, que exige prova documental, ainda que não de forma exclusiva, somente para existência de propriedade com título legítimo sobre «parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis» antes de 22/3/1868 (sendo prédio correspondente a arriba alcantilada).

Texto Integral




Processo n.º 2755/20.7T8FAR.E1.S1
Revista – Tribunal recorrido: Relação de Évora, ... Secção



Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça



I) RELATÓRIO

1. «Vale do Lobo – Resort Turístico de Luxo, S.A.» intentou acção declarativa constitutiva, sob a forma de processo comum, contra Estado Português, representado pelo Ministério Público, tendo por objecto o reconhecimento da propriedade privada da Autora sobre uma parcela de terreno sita em área de domínio público marítimo (... e ..., ..., ...), pedindo que, com a procedência da acção, se reconhecesse em relação à Autora a propriedade actual do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...10 e inscrito na matriz predial sob o n.º ...74, da freguesia ..., bem como a sequência ininterrupta de transmissões de propriedade do imóvel até ao ano de 1827, data em relação à qual ficou demonstrado que a parcela em causa já se encontrava em propriedade particular. Se assim não se entender, subsidiariamente, uma vez julgada não provada a referida sequência ininterrupta de transmissões da propriedade, pediu que o Tribunal, ao abrigo do entendimento jurisprudencial prevalecente descrito nos artigos 13º a 17º da petição inicial, reconheça provada a propriedade particular da parcela em causa no presente e em data anterior a 22 de março de 1868 ou a 31 de dezembro de 1864. Em qualquer caso, deve o Tribunal declarar revogado o estatuto de dominialidade até aqui aplicável à faixa de terreno de margem das águas do mar que integra o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...10 e inscrito na matriz predial sob o n.º ...74, da freguesia ...; reconhecer e declarar, com efeito constitutivo, a propriedade privada da Autora sobre a faixa de domínio público a que presuntivamente pertencia a referida parcela.
Em síntese, alegou que o prédio rústico de que é proprietária inclui uma parcela de terreno dentro da faixa de 50 m de domínio público marítimo, correspondente à margem das águas do mar, que constitui propriedade privada desde data anterior a 31/12/1864 ou 22/3/1868, o que pretende se reconheça.

2. O Réu apresentou Contestação, impugnando a generalidade dos factos alegados e concluindo pela improcedência da acção e consequente absolvição dos pedidos.
A Autora apresentou Resposta às excepções materiais alegadas.

3. Foi realizada audiência prévia, com prolação de despacho saneador, e audiência final de discussão e julgamento.

4. Após, identificando como objecto do litígio

“[a]purar se o prédio identificado na petição inicial abrange parcelas de leitos ou margem das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis e se está documentalmente demonstrado que os terrenos eram, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum antes de 22 de março de 1868 ou de 31 de dezembro de 1864, para efeitos do art. 15.º, n.º 2 da Lei n.º 54/2005, de 15.11”,

o Juiz ... do Juízo Central Cível ... proferiu sentença, que julgou a acção procedente e, em consequência, decidiu reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre “a parcela da margem das águas do mar contígua ao troço da poligonal definido pelos vértices (1 a 18) do anexo II do relatório pericial de fls. 591/609, integrante do que remanesce do prédio rústico, sito em ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...11, inscrito na matriz sob o art. ...74, da freguesia ..., por a mesma documentalmente ser propriedade privada desde data anterior a 22 de março de 1868”.

4. O Réu Estado interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora, que, identificando a questão de saber se a factualidade dada como assente seria apta à decisão tomada pela sentença recorrida (em síntese: “apurar se os factos provados (não) permitem concluir que o prédio rústico descrito sob o n.º ...51 da Conservatória do Registo Predial ... de que a Recorrida é dona e legítima proprietária, corresponde ao prédio n.º ...39, sendo este, por título legítimo, objeto de propriedade particular antes de 22 de março de 1868, de acordo com os documentos mais antigos que a Autora carreou para os autos”), conduziu a ser proferido acórdão, em que se retirou o facto constante da al. b) dos factos não provados, deram-se como provados os novos factos 49) a 62, e, quanto ao mérito, julgou-se improcedente a apelação

5. Novamente inconformado, o Réu Estado interpôs recurso de revista para o STJ, apresentando a final as seguintes Conclusões:

“1.ª - O presente recurso de revista é interposto e admissível nos termos do artigo 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, por incidir sobre acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, e que conheceu do mérito da causa, violando normas de direito adjetivo ou processual.
2.ª - E é admissível porque, tendo o acórdão recorrido ampliado a matéria de facto e aditado factos novos à decisão de 1.ª instância e modificado os factos não provados, sem que o recurso interposto pelo Ministério Público tivesse impugnado a matéria de facto, mas apenas a decisão de direito, traduziu-se num novo julgamento e numa decisão nova, com fundamentação de facto essencialmente diversa da fundamentação de facto da decisão proferida pela 1.ª instância, porém fora do âmbito dos poderes conferidos pelos artigos 640.º e 662.º do Código de Processo Civil, e, portanto, sem ter os poderes de modificabilidade da matéria de facto que exerceu em concreto, e que só esses artigos consentem.
3.ª - Diversa também é a decisão recorrida na essencialidade da fundamentação de direito, pois, ao invés da decisão de primeira instância, a alteração oficiosa da matéria de facto, violadora do disposto nos artigos 662.º e 640.º do Código de Processo Civil, implicou também uma modificação essencial da motivação jurídica ao acrescentar um argumento jurídico novo que se revelou crucial para sustentar a confirmação da decisão de mérito da 1.ª instância, o qual consistiu em acrescentar à fundamentação de direito da sentença de 1.ª instância que: “Surgindo a realidade física do prédio atual, nomeadamente, a parte que confronta com o mar, duma relação histórica de encadeamento entre prédios com anexações e desanexações várias, esse histórico de proveniências que explica a configuração atual tem de ser demonstrado de modo a permitir estabelecer a relação física causal entre o prédio mais remoto em termos de propriedade privada (em propriedade privada em data anterior a 31-12-1864 ou a 22-03-1868) e o atual. Ainda que, instrumentalmente, com recurso a descrições e titularidades e transmissões de titularidades que a posição jurisprudencial referida em 2 -) dispensaria.
4.ª - Não fora a ampliação da matéria de facto, ainda que fora dos limites legalmente permitidos, não podia a Relação ter acrescentado a nova e essencial fundamentação jurídica a que se aludiu, resultando assim numa decisão com fundamentos essencialmente novos, porém, desvinculada do objeto do recurso, e por isso violadora do princípio do dispositivo (artigo 3.º do Código de Processo Civil), desvinculada dos efeitos internos e formais do caso julgado em matéria de facto não recorrida (artigos 608.º e 635.º, n.º 5, do Código de Processo Civil), traduzindo, por via disso, uma violação do limite imposto pela proibição de reformatio in peius, atingindo assim o exercício efetivo do direito ao recurso. Por excesso de pronúncia é, consequentemente, nula, e por constituir uma verdadeira “decisão–surpresa”, proibida por lei, é também processualmente nula, por violação do contraditório (artigo 3.º do Código de Processo Civil).
5.ª - Não se está, pois, perante o obstáculo à revista por via da “dupla conforme”.
6.ª - O presente recurso de revista é também admissível porque o procedimento da Relação, ao modificar a decisão da matéria de facto e, por via dela, acrescentar nova fundamentação essencial de direito, fora dos poderes que lhe são conferidos pela lei de processo, está viciado por erro de aplicação da lei processual a respeito dos poderes da Relação na modificabilidade da decisão de facto, por violar o disposto no artigos 662.º e 640.º do Código de Processo Civil, desvinculando-se oficiosa e discricionariamente do objeto delimitado pelo recurso interposto pelo Ministério Público, pelo que emergindo do acórdão da Relação questões ex novo (não apreciadas pela 1.ª instância, nem demarcadas pelo objeto do recurso), não há obstáculo ao presente recurso de revista por via da “dupla conforme” – artigo 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil – pois ainda que exista conformidade formal quanto à decisão de mérito, o acórdão da Relação está inquinado de erro decisório relativamente à questão adjetiva que interferiu na apreciação da decisão da matéria de facto, por excesso, não havendo assim conformidade decisória que obste ao recurso de revista.
7.ª - Imputando–se, assim, ao Tribunal da Relação, no presente recurso de revista, violação das normas processuais que regulam o exercício dos seus poderes, deve o recurso ser admitido, qualquer que seja o caso.
8.ª - O presente recurso de revista é admissível porque também interposto nos termos do artigo 682.º, n.º 2, e artigo 674.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, por a decisão em causa, apesar de todos os vícios apontados, ter ofendido disposição expressa de lei que exige certa espécie de prova para a existência do facto objeto da decisão de mérito da ação, o que vale por dizer que invoca erro de direito na medida em que deu como provado que “os prédios descritos sob os nºs ...14, ...15 e ...16 provêm do prédio descrito sob o n.º ...01 da Conservatória do Registo Predial ...” sem que se tenha produzido prova documental que, segundo a lei, era indispensável para demonstrar a sua existência, o que reconduz este fundamento à esfera de competência do STJ, nos termos referidos na conclusão 1.ª.

Sendo o presente recurso de revista admissível, fundamenta-se no seguinte:

9.ª - Na presente ação declarativa constitutiva, sob a forma única, que tem por objeto o reconhecimento da propriedade privada da Autora sobre uma parcela de terreno sita em área de domínio público marítimo, localizada no sítio do ... e ..., freguesia ..., concelho ..., foi proferida sentença pela 1.ª instância (Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Central Cível ... – Juiz ...) que no respetivo dispositivo decidiu julgar procedente, por provada, e, em consequência, decidiu reconhecer o direito de propriedade da autora sobre a parcela da margem das águas do mar contígua ao troço da poligonal definido pelos vértices (1 a 18) do anexo II do relatório pericial de fls. 591/609, integrante do que remanesce do prédio rústico, sito em ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...11, inscrito na matriz sob o art. ...74, da freguesia ..., por a mesma documentalmente ser propriedade privada desde data anterior a 22 de março de 1868.
10.ª - Da sentença proferida recorreu o Ministério Público para o douto Tribunal da Relação de Évora, recurso esse cingido à matéria de Direito, dando por assente e aceite o julgamento da matéria de facto, entendendo que a totalidade dos factos expostos no segmento da sentença que elenca a factualidade provada não permite retirar a conclusão de que a Autora demonstrou que o prédio rústico descrito sob o n.º ...51 da Conservatória do Registo Predial ... corresponde ao prédio que lhe adveio na sequência de ininterruptas transmissões de propriedade do imóvel desde data anterior a 22 de março de 1868, conclusão essa reforçada no facto não provado, assinalada em b) dos factos não provados, segundo o qual não ficou provado que “b) os prédios descritos sob os nºs ...14, ...15 e ...16 provêm do prédio descrito sob o n.º ...01 da Conservatória do Registo Predial ...”.
11.ª - Sustentou o Ministério Público–recorrente da decisão da 1.ª instância, depois de o demonstrar no recurso interposto (para cujos termos se remete) que, por a matéria de facto dada por provada o não permitir, não se mostram preenchidos os requisitos previstos no 15º, n.º 2 da Lei n.º 54/2005, de 15-11, para considerar que a parcela da margem das águas do mar contígua ao troço da poligonal definido pelos vértices (1 a 18) do anexo II do relatório pericial de fls. 591/609, integrante do remanescente do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...11, inscrito na matriz sob o artigo n.º ...74 da freguesia ..., era objeto de propriedade privada antes de 22 de março de 1868, pelo que não deveria a Autora ter sido reconhecida como titular do direito de propriedade privada sobre tal parcela do domínio público marítimo e que ao tê-lo sido, a Mma. Juiz a quo violou o disposto no citado artigo 15.º, n.º 2, da Lei n.º 54/2005, de 15-11, pedindo a revogação e substituição da decisão recorrida por outra que determine a improcedência da presente ação, por não provada, e a absolvição do Réu, Estado Português, dos pedidos formulados pela Autora.
12.ª - O recurso interposto pelo Ministério Público atacou a solução de Direito, centralizou-se exclusivamente em matéria de Direito e assim delimitou o âmbito e o objeto do recurso, em conformidade com o disposto nos artigos 639.º, n.º 1 e n.º 2 e 635.º do Código de Processo Civil.
13.ª - Objeto e delimitação objetiva que o douto Tribunal da Relação de Évora aceitou, definiu e se esperava que apreciasse.
14.ª - Porém, em vez de se cingir ao objeto do recurso e à delimitação objetiva que dele foi efetuada pelo recorrente, o douto Tribunal da Relação de Évora passou a ponderar, à revelia desse objeto, a matéria de facto relevante para a decisão, indo buscá-la à fundamentação de Direito da decisão recorrida, a que fez acrescer a prévia e concomitante necessidade de ser ainda demonstrada a relação histórica de encadeamento entre prédios com anexações e desanexações várias, pois esse histórico de proveniências que explica a configuração atual tem de ser demonstrado de modo a permitir estabelecer a relação física causal entre o prédio mais remoto em termos de propriedade privada (em propriedade privada em data anterior a 22 de março de 1868) e o atual, ainda que, instrumentalmente, com recurso a descrições e titularidades e transmissões de titularidades que a posição jurisprudencial adotada pela decisão de 1.ª instância dispensaria.
15.ª - Ou seja, aditou a necessidade de essa prova de relação causal ser imprescindível para a solução de direito que sufragou no acórdão agora recorrido, e a que acima se aludiu na conclusão 3.ª.
16.ª - Para o efeito pretendido, o douto Tribunal da Relação de Évora ampliou a matéria de facto, aditando aos factos provados os factos 49 a 62 e dando por provado o facto não provado referido em b) (referido na conclusão 11.ª), que aqui se dão por reproduzidos, fazendo uso dos poderes que apenas o artigo 662.º do Código de Processo Civil lhe confere, desvinculando-se assim do objeto do recurso interposto pelo Ministério Público.
17.ª - Ora, sendo a limitação objetiva do recurso vinculativa dos poderes de julgamento da Relação, e resultando ela do princípio do dispositivo (artigos 3.º e 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), transversal a todo o processo, a assunção oficiosa pelo Tribunal da Relação de poderes de reformulação e modificação da matéria de facto violou o referido princípio, conhecendo o que não podia conhecer, por não lhe ter sido pedido, e agindo fora do âmbito dos seus poderes vinculados, como se de uma nova instância de julgamento se tratasse.
18.ª - Sendo claro que o procedimento do douto Tribunal da Relação de Évora não resultava da natureza da matéria em análise, por não ser matéria de conhecimento oficioso, sobretudo não era objeto delimitado pelas alegações de recurso, pelo que ao ampliar e modificar a matéria de facto, adequando-a ao silogismo necessário para a subsunção dos factos ao direito, que definiu como aplicável, além de desvirtuar o soligismo adequado, ofendeu e desconsiderou o que dispõe o artigo 635.º, n.º 5, do Código de Processo Civil: “Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo.”.
19.ª - Pelo que a decisão do douto Tribunal da Relação de Évora redundou numa verdadeira reformatio in peius, agravando a posição do recorrente onde não havia fundamento legal, formal ou substancial, para o poder fazer, apreciando e decidindo questões que não haviam sido suscitadas no recurso.
20.ª - A proibição da reformatio in peius constitui um limite absoluto à competência decisória do tribunal ad quem.
21.ª - A violação desse limite determina a nulidade, por excesso de pronúncia, da decisão do tribunal de recurso, conforme decorre do disposto nos artigos 615.º, n.º 1, alínea d), 608.º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, a qual se impõe ser reconhecida e suprida pelo venerando Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 684.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
22.ª - A emparceirar o que se sustenta está ainda o facto de a decisão do douto Tribunal da Relação de Évora, ao ampliar a matéria de facto à revelia do objeto do recurso, ao exercer poderes de modificação da matéria de facto fora dos pressupostos e condicionalismos legais, ao violar o princípio do dispositivo, conhecendo o que não podia conhecer, ao violar os efeitos do caso julgado quanto ao segmento da matéria de facto assente na 1.ª instância e não impugnada no recurso, ao produzir uma decisão que consubstancia uma reformatio in peius e ao decidir por excesso em relação ao pedido que lhe foi submetido pelo recurso, constituir uma decisão-surpresa, que não pode deixar de acarretar igualmente a respetiva nulidade, por violação do princípio do contraditório, em desrespeito pelo estatuído no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, tratando–se de uma nulidade processual, nos termos do artigo 195.º, n.º 1, e 615.º, n.º 1, alínea d), do mesmo diploma, e que em sede de recurso pode ser arguida e deve ser conhecida e decidida pelo STJ.
23.ª - As conclusões que antecedem têm respaldo na doutrina mais autorizada e citada nestas alegações, a qual, resumindo, sustenta: i) Se apenas uma das partes interpuser recurso relativamente a uma parcela da decisão, o tribunal ad quem não pode, sob pretexto algum, revogar ou modificar outro segmento decisório em relação ao qual tenha saído vencedora a parte contrária; ii) Se o recorrente, de forma expressa ou tácita, restringir o âmbito do recurso, o tribunal ad quem não pode interferir na parte da sentença que ficou excluída da impugnação; iii) A Relação não pode condenar com base numa causa de pedir diversa da que foi alegada, nem proferir decisão que exceda os limites do pedido que foi formulado; iv) Não pode ser modificada ex officio a decisão recorrida em termos que se revelem mais desfavoráveis para o recorrente.
24.ª - Em suma, a decisão do douto Tribunal da Relação de Évora, com todos os óbices acima apontados, não podendo interferir na matéria de facto, como entendeu interferir, violou normas de direito adjetivo, exercendo poderes de reapreciação da matéria de facto que não lhe eram consentidos pelas normas processuais que disciplinam os poderes da Relação (artigo 674.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil), o que constitui fundamento de recurso de revista, por ser inteiramente alheio à decisão de 1.ª instância, como se defendeu nas conclusões 6.º e 7.ª das presentes alegações.
25.ª - Ainda assim, a interferência, ampliação e modificação da matéria de facto operada pelo Tribunal da Relação não resolveu corretamente, e salvo o devido respeito, a questão de Direito que lhe foi submetida a julgamento, pois, mesmo tendo, por via dessa ilegítima interferência, sido dado provado pela Relação o que a decisão de 1.ª instância dera por não provado na acima citada alínea b) dos factos não provados, i.e., que o prédio ...01 provinha do prédio ...39, o douto Tribunal da Relação de Évora continuou confrontado com a inexistência de qualquer prova documental que, de forma expressa e inequívoca, correlacionasse este prédio descrito sob o n.º ...39 ao prédio ...01, como admitiu esparsamente na respetiva fundamentação decisória.
26.ª - E assim decidiu, ditando o seguinte: “Surgindo a realidade física do prédio atual, nomeadamente, a parte que confronta com o mar, duma relação histórica de encadeamento entre prédios com anexações e desanexações várias, esse histórico de proveniências que explica a configuração atual tem de ser demonstrado de modo a permitir estabelecer a relação física causal entre o prédio mais remoto em termos de propriedade privada (em propriedade privada em data anterior a 22-03-1868) e o atual. Ainda que, instrumentalmente, com recurso a descrições e titularidades e transmissões de titularidades que a posição jurisprudencial adotada dispensaria” – cf. p. 24 do acórdão.”.
27.ª - Porém, o modo de o demonstrar (“tem de ser demonstrado”) é aquele que o artigo 15.º, n.º 2, da Lei n.º 54/2005, de 15-11, exige, ou seja, por prova documental e não outra, seja ela pericial, testemunhal ou diversa, ainda que estoutras deem por assente a cadeia de transmissões com relevo para a decisão.
28.ª - Nem a matéria de facto provada, que não poderia ser alterada pela instância de recurso, o consentia, nem a modificação da matéria de facto operada pela decisão da Relação (ainda que só em tese pudesse ser admitida como possível), consente o reconhecimento do direito invocado pela autora.
29.ª - E não o consente porque o artigo 15.º, n.º 2, da citada Lei 54/2005, exige, na base, prova documental de que o prédio da autora era, por título legítimo, objeto de propriedade particular antes de 22 de março de 1868 e que por igual prova documental o histórico de proveniências que explica a configuração atual é demonstrado de modo a permitir estabelecer a relação física causal entre o prédio mais remoto em termos de propriedade privada e o atual.
30.ª - A ampliação da matéria de facto efetuada pelo douto Tribunal da Relação de Évora, ao decidir como decidiu, assentou a decisão sob recurso, com todos óbices acima apontados, em prova que não a documental, que em várias passagens reconheceu não existir, violando regras de prova vinculada como a que, nos termos do artigo 15.º, n.º 2, da citada Lei n.º 54/2005 impõe a apresentação de prova documental.
31.ª - Dos documentos disponíveis nos autos e juntos pelas partes, segundo o princípio da aquisição processual, não resulta, com a exigível segurança, que pudesse ter sido dado como provado, quer pelo Tribunal da 1.ª instância, quer pelo Tribunal da Relação de Évora, ainda que sem poderes para tal, o facto que a 1.ª instância efetivamente deu como não provado, i.e. que “os prédios descritos sob os nºs ...14, ...15 e ...16 provêm do prédio descrito sob o n.º ...01 da Conservatória do Registo Predial ...”, pelo que a demonstração que aquele prédio era objeto de propriedade privada, por título legítimo, antes de 22 de março de 1868, não se encontra efetuada nos termos exigidos pela lei, ou seja, documentalmente.
32.ª - Efetivamente, não se pode concluir que a A., nos termos do n.º 2 do artigo 15.º da Lei n.º 54/2005, de 15-11, provou documentalmente que o terreno em questão era, por título legítimo, objeto de propriedade particular antes de 22 de março de 1868, pelo que também não se pode concluir, como o Tribunal da Relação de Évora fez, extravasando do âmbito dos seus poderes de julgamento, que “[s]urgindo a realidade física do prédio atual, nomeadamente, a parte que confronta com o mar, duma relação histórica de encadeamento entre prédios com anexações e desanexações várias, esse histórico de proveniências que explica a configuração atual tem de ser demonstrado de modo a permitir estabelecer a relação física causal entre o prédio mais remoto em termos de propriedade privada (em propriedade privada em data anterior a 31-12-1864 ou a 22-03-1868) e o atual. Ainda que, instrumentalmente, com recurso a descrições e titularidades e transmissões de titularidades que a posição jurisprudencial referida em 2 -) dispensaria”, pois sem a prova documental daquele primeiro facto, a prova deste é irrelevante, ainda que quanto à necessidade desta prova exista divergência jurisprudencial, registada também entre a decisão de 1.ª instância e o acórdão recorrido.
33.ª - Aquilo de que documentalmente se dispõe nos autos, como demonstrou o Ministério Público no recurso interposto da sentença de 1.ª instância, e que aqui se dá por reproduzido, não chega para os efeitos pretendidos pela A. e para a procedência da causa de pedir, em que baseou a ação, e do respetivo pedido (artigo 15.º, n.º 2, da Lei 54/2005), nem para a resposta cabal e positiva aos temas da prova que limitaram o litígio às questões essenciais e orientaram a produção da prova – baseados esse temas da prova na causa de pedir da ação e no que constituía objeto do litígio e que definiram o que é suposto ser provado nos autos como condição da procedência das pretensões deduzidas – já que não se encontra estabelecida a conexão/identidade entre o prédio ...39 e o ...01 e, como tal, não existe sustentáculo documental suficiente para concluir que o prédio em causa era, por título legítimo, propriedade privada antes de 1868, não estando elidida a presunção de dominialidade pública conferida após essa data ao prédio em questão, decaindo, por prejudicada e supérflua, a prova de que o prédio em questão permaneceu ininterruptamente na propriedade privada depois daquela data.
34.ª - Ao ter procedido como procedeu, o douto Tribunal da Relação de Évora, exorbitando dos seus poderes – ainda que por hipótese académica o pudesse fazer, …e não podia –, veio a proferir decisão que, em qualquer caso, se fina ilegalmente na não observância dos parâmetros formais da disciplina processual aplicável, errando de direito na aplicação da lei de processo, pois outra deveria ser a solução jurídica do caso, segundo os ditames impostos pelo ónus da prova que recaía sobre a A., o standard da prova inerente a direitos indisponíveis, a prova tarifada exigida e que estaria de acordo com os requisitos que a própria Relação entendeu necessários à procedência do pedido – artigo 674.º, n.º 3, ex vi artigo 682.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
35.ª - Pelo que, além do que foi acima sustentado, o douto Tribunal da Relação de Évora violou o disposto no citado artigo 15.º, n.º 2, da Lei n.º 54/2005, de 15-11, já que a matéria de facto dada como provada na sentença, ampliada, aditada e modificada (ou não) pela Relação, não permitiria a aplicação da citada norma.”

A Autora apresentou contra-alegações.

*


Cumpre apreciar e decidir, uma vez consignados os vistos nos termos legais.


II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS


1. Admissibilidade e configuração do recurso

O recurso de revista normal é admissível, não obstante ter havido coincidência de julgados nos dispositivos das instâncias.
O art. 671º, 3, do CPC não obsta ao conhecimento do objecto do recurso, uma vez que se regista uma fundamentação da 2.ª instância essencialmente diferenciada da adoptada pela 1.ª instância, seja no plano do direito, seja no plano da fundamentação de facto (com modificações relevantes para a fundamentação jurídica).


2. Objecto do recurso

Vistas as Conclusões do Recorrente MP (arts. 635º, 2 a 4, 639º, 1 e 2, CPC), constituem-se como questões a decidir:

(i) legitimidade de exercício dos poderes atribuídos pelo art. 662º do CPC;

(ii) nulidade do acórdão; (questões a apreciar em conjunto)

(iii) ofensa de norma legal que exige certa espécie de prova para a existência de facto (prova vinculada ou “tarifada”: art. 674º, 3, do CPC).


3. Factualidade

Depois de modificada e aditada pela 2.ª instância, foi considerada como assente a seguinte factualidade provada:

1 – Mostra-se descrito sob o n.º ...11 da Conservatória do Registo Predial ... o prédio rústico, sito em ... e ..., composto por terras de areia e barreira, de semear, com árvores de fruto e pinhal, a confrontar do norte com E..., Lda e estrada, do sul com areias do mar, E..., Lda., e com outros, do nascente com E..., Lda., AA, BB, caminho e outros e do poente com terrenos da ... e outro, inscrito na matriz predial sob o art. ...74, antigos arts. matriciais ...74, ...76, ...79, ...80, ...81, ...82, ...83, ...84, ...85, ...86, ...87, ...92, ...94, ...95, ...97, ...07, ...09, ...10, ...11, ...12, ...13, ...14, ...15, ...16, ...19, ...20, ...21, ...22, ...23, ...24, ...25, ...26, ...27, ...28, ...31, ...2, ...34, ...35, ...45, ...46, ...30, ...93, ...17, ...18 e parte dos arts. ...50, ...51, ...52 e ...53, ...54, ...45, ...56, ...36 e ...37 (cf. doc. de fls.19/27, cujo teor se dá por reproduzido).

2 – A Autora "Vale de Lobo - Resort Turístico de Luxo, S.A." tem inscrita a seu favor, pela ap.... de 1967.08.28, a aquisição, por compra a CC e DD, do referido prédio rústico (cf. doc. de fls.19/27, cujo teor se dá por reproduzido).

3 – Este prédio rústico mostrava-se descrito em ficha sob o n.º ...10 do Livro ...2 da Conservatória do Registo Predial ... como courela de terra de areia e de semear com pinheiros, a confrontar do nascente com EE, do norte com FF, do poente com GG, e do sul com HH e inscrito na matriz predial sob o art.º ...07 (cf. cf. doc. de fls.562/567, cujo teor se dá por reproduzido).

4 – Através do averbamento n.º 3 de 1968.03.26 foram anexados ao prédio descrito sob o n.º ...10, entre outros, os prédios descritos sob os n.ºs ...94, ...12 e ...13 (cf. doc. de fls. 562/567, cujo teor se dá por reproduzido).

5 – Mostrava-se descrito sob o n.º ...13, do Livro ...3 a fls.133vº, da Conservatória do Registo Predial ..., o prédio rústico, composto por propriedade com terra de barreira e areia e árvores, no sítio do ..., freguesia ..., a confinar do nascente com II, norte com JJ, poente com KK e do sul com LL, inscrito na matriz predial sob o art. ...50 (cf. doc. de fls.220/222, cujo teor se dá por reproduzido).

6 – A descrição foi aberta pela inscrição n.º ...17, de 1945.03.06, a favor de MM, solteiro, maior, por compra a NN e mulher OO (cf. doc. de fls.220/222, cujo teor se dá por reproduzido).

7 – Através da inscrição n.º...46, de 1963.03.30, foi inscrito a favor de PP, casado com QQ, por compra, em conjunto com o prédio descrito sob o n.º ...12, a fls.56vº do Livro ...3, a MM e RR (cf. doc. de fls. 220/222, cujo teor se dá por reproduzido).

8 – Através da apresentação n.º ..., de 1963.03.30, foram anexados ao prédio descrito sob o n.º ...13 os prédios descritos sob os n.os ...13, ...14, ...15, ...16, ...17 e ...18, correspondentes aos artigos matriciais n.º ...51, ...52, ...53, ...54, ...55 e ...56 (cf. doc. de fls.220/222, cujo teor se dá por reproduzido).

9 – Ficando o prédio resultante dessa anexação com a descrição de prédio rústico que se compõe de terra de barreira e areia, com pinheiros, figueira e vinha, no sítio do ..., freguesia ..., que confronta do nascente com II e outro, do norte com caminho e JJ, do poente com ... e do sul com areias do mar (cf. doc. de fls.220/222, cujo teor se dá por reproduzido).

10 – Através da inscrição n.º ...84, de 1963.05.13, foi inscrita a favor da sociedade C..., Lda a aquisição do prédio descrito sob o n.º ...13, por compra a PP e QQ (cf. doc. de fls.220/222, cujo teor se dá por reproduzido).

11 – Através do averbamento n.º 1, de 1967.03.29 o titular da inscrição n.º...84 passou a ser a “E..., Limitada”, denominação anterior da Autora (cf. doc. de fls.220/222, cujo teor se dá por reproduzido).

12 – Mostrava-se descrito sob o n.º ...14, do Livro ...3, fls.57vº, da Conservatória do Registo Predial ..., o prédio rústico composto de terra de barreira de areia com pinheiros no sítio do ..., freguesia ..., que confinava de nascente com SS, de norte com TT, do poente com MM e do sul com areias do mar, inscrito na matriz predial sob o art. ...54 (correspondente ao atual ...74) (cf. doc. de fls.233/234, cujo teor se dá por reproduzido).

13 – Através da inscrição n.º ...37, de 1963.03.20, ficou inscrita a aquisição deste prédio a favor de MM, por compra a UU e VV (cf. doc. de fls.233/234, cujo teor se dá por reproduzido).

14 – Através de escritura de venda, datada de 1946.08.19, UU e VV venderam a MM uma propriedade de terra de barreira e areia com pinheiros, no sítio de ..., freguesia ..., que confina do nascente com WW, do norte com TT, do poente com o segundo outorgante e do sul com areais do mar, não descrito na Conservatória do Registo Predial, inscrito na matriz sob o art. ...54 (cf. doc. de fls.104/105 e 198/200, cujo teor se dá por reproduzido).

15 – Nos autos de inventário obrigatório n.º 2197, por óbito de XX, ocorrido em 23.09.1915, no estado de casado em primeiras núpcias com a inventariante VV, consta a verba n.º 37, descrita como uma courela de terra de mato e pinheiros, no sítio de ..., freguesia ..., Comarca ..., a qual confina do norte com LL, do nascente com YY, do poente com ZZ e do sul com mar (cf. doc. de fls.225/232, cujo teor se dá por reproduzido).

16 – Esta verba foi dada em pagamento da meação da inventariante VV, na proporção de 1/2, e da legítima das netas do inventariado: VV, DD, AAA e DD, na proporção de 1/8 para cada uma (cf. doc. de fls.225/232, cujo teor se dá por reproduzido).

17 – Mostrava-se descrito sob o n.º ...15, do Livro ...3, fls.58, da Conservatória do Registo Predial ..., o prédio rústico composto de courela de terra arenosa com pinheiros, no sítio do ..., freguesia ..., a confinar de nascente com II, norte, poente e sul com MM, inscrito na matriz predial sob o art.º ...53 (correspondente ao atual ...74) (cf. doc. de fls.223/224, cujo teor se dá por reproduzido).

18 – Através da inscrição n.º ...38, de 1963.03.20, ficou inscrita a aquisição deste prédio a favor de MM, casado com RR, por compra a WW, a BBB e CCC (cf. doc. de fls.223/224, cujo teor se dá por reproduzido).

19 – No Processo de Imposto Sucessório n.º 11729, instaurado por óbito de DD, falecida em .../.../1942, sob a verba 1 da relação de bens indica-se que o art. ...53 (correspondente ao atual ...74) da freguesia ... era uma propriedade de terreno arenoso com pinheiros, no sítio de ..., freguesia ..., que confina do nascente com herdeiros de DDD, do norte com TT, do poente com UU e do sul com mar (cf. doc. de fls.377/378, cujo teor se dá por reproduzido).

20 – E que foi meeiro nos bens o marido WW e herdeiro BBB (cf. doc. de fls.377/378, cujo teor se dá por reproduzido).

21 – Mostrava-se descrito sob o n.º ...16, do Livro ...3, fls. 58vº, da Conservatória do Registo Predial ..., o prédio rústico composto de courela de areia e pinhal, no sítio do ... ou ..., freguesia ..., a confinar de nascente com MM, do norte com EEE, do poente com FFF e do sul com o mar, inscrito na matriz predial sob o art. ...55 (correspondente ao atual ...74) (cf. doc. de fls.184/185, cujo teor se dá por reproduzido).

22 – Através da inscrição n.º ...39 de 1963.03.20 ficou inscrita a aquisição deste prédio a favor de MM, casado com RR, por doação dos pais EEE e GGG (cf. doc. de fls.184/185, cujo teor se dá por reproduzido).

23 – Através de escritura de doação, datada de 1945.01.17, EEE e GGG doaram a MM: uma courela de areia e pinhal, no sítio do ..., ou ..., denominada “...”, na freguesia ..., que confina do nascente com MM, do norte com eles primeiros outorgantes, do poente com FFF e a sul com o mar e uma courela de areia com figueiras e pinhal no mesmo sítio, freguesia e denominação, que confina do nascente com HHH, do norte com caminho, do poente com FFF e sul com MM, mencionando que são prédios alodiais e formam o descrito na Conservatória do Registo Predial com o n.º ...01, inscritos na matriz sob os arts. ...55 e ...56 (correspondente ao atual ...74) (cf. doc. de fls.99/101 e 186/188, cujo teor se dá por reproduzido).

24 – Através de escritura de venda, datada de 1915.07.08, III vendeu a ZZ, casado, a quarta parte “pro indivisa” numa propriedade rústica, no sítio de ..., freguesia ..., denominada “...”, que consta como terra de semear, com pinheiros e matos, descrita sob o n.º ...01, do Livro ...7, fls. 127v, a qual confinava do nascente com EE, do norte com quem devesse e houvesse de partir, poente com o ... dos herdeiros de JJJ e sul com o mar, alodial, e que viera à posse da vendedora por a ter arrematado em hasta pública no inventário a que no Juízo da Comarca ... se procedera por óbito de EE, morador que fora nos KKK (cf. doc. de fls.191/193, cujo teor se dá por reproduzido).

25 – No inventário orfanológico instaurado por morte de LLL, ocorrido no dia 08.05.1901, no estado de casada em primeiras núpcias com o inventariante DDD, consta como verba n.º 48 uma courela de terra de areias, com matos e pinheiros, no sítio de ..., freguesia ..., desta Comarca ..., que confina do nascente com HH e outros, do norte com XX, do poente com o mesmo, e do sul com terras do casal, isenta, indicando-se que é parte do prédio n.º ...01, a folhas 127v. do livro ....7 (cf. doc. de fls.33/70vº, cujo teor se dá por reproduzido).

26 – Mostrava-se descrito sob o n.º ...35, do Livro ...9, fls.117, da Conservatória do Registo Predial ..., o prédio rústico composto de courela de terra de areia de barreira com pinheiros e sobreiros, denominado "...", no sítio de ... ou ..., freguesia ..., que confinava do nascente com MMM e outros, do norte com estrada municipal, do poente com E..., Lda. e do sul com a mesma empresa, inscrito na matriz sob o art.º ...42, desanexado do prédio descrito sob o n.º ...01 (cf. doc. de fls. 383/394, cujo teor se dá por reproduzido).

27 – Mostrava-se descrito sob o n.º ...82, do Livro ...0, fls.106vº, da Conservatória do Registo Predial ..., o prédio rústico composto de courela de terra de areia com pinheiros, no sítio do ..., freguesia ..., que confinava do nascente com NNN, do norte com OOO, do poente com EE e do sul com PPP, inscrito na matriz sob os artes 4443 e 4444, desanexado do prédio descrito sob o n.º ...01 (cf. doc. de fls. 395/399, cujo teor se dá por reproduzido).

28 – Pela ap.... de 05.04.1972 foi inscrita a propriedade a favor de HH, por aquisição no âmbito de divisão e demarcação, realizada através de escritura lavrada em 25 de agosto de 1966 (cf. doc. de fls. 395/399, cujo teor se dá por reproduzido).

29 – Mostrava-se descrito sob o n.º ...01, do Livro ...7, fls.127vº, da Conservatória do Registo Predial ... o prédio correspondente a uma propriedade denominada “...”, na freguesia ..., que confinava pelo nascente com vários proprietários, pelo norte com QQQ, pelo poente com o ... e pelo sul com o mar (cf. doc. de fls.106 vº/114 e 202/209, cujo teor se dá por reproduzido).

30 – A descrição foi aberta em 1890.04.21 pela apresentação de uma escritura de RRR datada de 1889.04.02 (cf. doc. de fls.106vº/114 e 202/209, cujo teor se dá por reproduzido).

31 – Através da apresentação n.º ... ficou a constar como terra de semear, pinheiros e matos, a confrontar do nascente com DDD e outros e do norte com HH (cf. doc. de fls.106/114 e 202/209, cujo teor se dá por reproduzido).

32 – Através da inscrição ...37, de 1898.02.17, foi inscrita a aquisição a favor de HH, EE, HH, XX e DDD por compra a SSS (cf. doc. de fls.1 06/114 e 202/209, cujo teor se dá por reproduzido).

33 – Em averbamento de 03.08.1906, a requerimento de EE, ficou a constar que o requerente, HH, e XX possuíam uma quarta parte cada um, e HH e DDD, uma oitava parte cada um (cf. doc. de fls.1 06/114 e 202/209, cujo teor se dá por reproduzido).

34 – Através de escritura de venda, datada de 1896.12.27, TTT, por si e como procurador de esposa, irmãos e cunhados, vendeu a HH, EE, HH, XX e DDD uma propriedade denominada “..., ou ..., situada na freguesia ..., que consta de terras de semear, pinheiros e matos, alodial e que confronta do nascente com o comprador DDD e outros, do poente com ..., pertencente a JJJ, do norte com o comprador HH e do sul com mar, a qual havia sido doada pelos pais, por escritura de 02.04.1889, ficando a pertencer a cada um do primeiro, segundo e quarto a quarta parte da propriedade e ficando a pertencer a cada um do terceiro e quinto a oitava parte da propriedade (cf. doc. de fls. 211/214, cujo teor se dá por reproduzido).

35 – Segundo o talão da contribuição de registo por título oneroso, anexado à escritura no livro notarial, este prédio composto por uma courela de terra e árvores no sítio de ..., freguesia ..., estava inscrito na matriz sob o art.° ...85 (cf. doc. de fls.211/214, cujo teor se dá por reproduzido).

36 – Através de escritura de doação, datada de 1889.04.02, RRR e sua mulher D. UUU de VVV doaram a seus filhos e noras, WWW e esposa XXX e YYY, ZZZ, SSS, AAAA, BBBB e esposa CCCC e YYY, TTT, DDDD, EEEE e FFFF, entre outros, (numero três) uma propriedade rústica denominada “Quinta ...”, no concelho ..., sítio do mesmo nome, que confronta do nascente com prédio de GGGG e o quinhão do ... do ..., pertencente a HHHH, do norte com os prédios de vários sócios, do poente com os herdeiros de IIII e sul com mar. Esta propriedade consta também duma marinha chamada da casa e também prédio de residência e mais pertences; (número quatro) uma propriedade denominada "...", no sítio deste nome, concelho ..., que confronta do nascente com vários indivíduos, do norte com QQQ e outros, do poente com o ... e do sul com o mar; (número cinco): uma marinha denominada de “...” ou “...”, no mesmo sítio e concelho, que confina do nascente e norte e poente com herdeiros de IIII e do sul com o mar (cf. doc. de fls.71/73vº e 174/177, cujo teor se dá por reproduzido).

37 – Nos autos de inventário entre maiores que correram termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., por óbito de JJJJ, do ano de 1866, consta a verba n.º 1, com a seguinte descrição: “uma Quinta ... “...”, na freguesia e Comarca ..., que consta de um pinhal, terras de semear, figueiras, mato, duas marinhas e casas de habitação, que parte do nascente com terras de ... de GGGG, poente com terras do ... de KKKK, norte com estrada que vai para o ... e sul com o mar, foreira em 25.000 reis ao LLLL, 20.000 reis ao ..., hoje à Fazenda Nacional, 12.000 à Câmara Municipal ... e 2.600 reis a IIII, avaliado livre dos capitais dos ditos foros em 7.500.000 reis", a qual foi adjudicada ao co-herdeiro RRR e mulher D. UUU de VVV (cf. doc. de fls.86/92 e 331vº/333, cujo teor se dá por reproduzido).

38 – Mostrava-se descrito sob o n.º ...39, do Livro ...1, fls.174, da Conservatória ..., o prédio que corresponde a”"Um prazo foreiro em os seguintes foros, um de vinte e cinco mil reis anuais, com laudémio de vintena e vencimento em duas prestações iguais, uma pelo Natal, e outra pelo ... de cada ano, e outro de vinte mil reis ao ..., hoje à Fazenda Nacional, outro de doze mil e duzentos reis à Câmara Municipal deste concelho, outro de dois mil e seiscentos reis a IIII, imposto no seguinte prédio: Quinta ... ..., freguesia ..., concelho ..., que se compõe dum pinhal, terras de semeadura, figueiras e matos, duas marinhas, e casas de habitação, confina do nascente com terras de ... de GGGG, norte com estrada que vai para o ..., poente com terras do ... dos herdeiros de KKKK e sul com o mar" (cf. doc. de fls.74/85 e 133/158, cujo teor se dá por reproduzido).

39 – O qual foi registado em 1876.12.01 com suporte numa certidão datada de 1872.01.29, passada pelo escrivão da comarca ..., do inventário e partilhas de maiores dos bens que ficaram por morte de MMMM, e uma escritura pública outorgada nas notas do Tabelião da cidade ... em 1830.12.06 (cf. doc. de fls. 74/85 e 133/158, cujo teor se dá por reproduzido).

40 – Pela inscrição n.º ...1, de 1876.12.01, foi inscrito definitivamente a favor de D. NNNN, único filho do falecido D. OOOO, o domínio direto de um foro de 25.000 reis anuais com laudémio de vintena imposto no prédio n.º ...39, domínio direto que pertencia ao mesmo apresentante como sucessor da ..., sendo enfiteuta RRR (cf. doc. de fls. 74/85 e 133/158, cujo teor se dá por reproduzido).

41 – O averbamento n.º 4 à descrição n.º ...39 efetuado em 1901.08.04 refere que o foro de 2600 reis que paga o subenfiteuta RRR reporta-se a parte correspondente aos prédios n.os ...00 e ...02 do Livº B-17 a fls.127 e 128, bem como aos prédios n.º ...4 a fls.113vº do livº ...1 e n.º ...46 a fls.80vº do Livº ...2 da extinta conservatória (cf. doc. de fls.74/85 e 133/158, cujo teor se dá por reproduzido).

42 – Os averbamentos à descrição n.º ...39 de 1901.08.12 reportam-se aos prédios descritos sob o n.º ...00, a fls.127 do Livro ...7, denominado "Quinta ..." e que pelo av. 10 de 1972.06.08 passou a denominar-se "Quinta ..., ..., a fls.128 do Livro ...7, denominado "..." ou "..." (cf. doc. de fl5.74/85 e 133/158, cujo teor se dá por reproduzido).

43 – O prédio descrito sob o n.º ...39 provém dos prédios descritos sob o n.º ...43 registado em 1868.07.27 e n.º ...4 registado em 1867.10.14 (cf. doc. de fls.74/85 e 133/158, cujo teor se dá por reproduzido).

44 – Através de escritura, datada de 1830.12.06, apresentada para registo inicial do prédio n.º ...39, a ... declarou que entre os bens pertencentes a um dos ... do A... que administrava encontrava-se um prazo em vidas e livre nomeação, que se compunha de diversas propriedades, terras, pinheiros e matos, parte delas denominadas O ..., no sítio dos ... e ..., na freguesia e termo de ..., e outras no sítio de ..., na dita freguesia, cujas propriedades o Conde..., D. PPPP, havia dado de aforamento a QQQQ e sua mulher, por escritura de 21.04.1788 nas notas do tabelião RRRR, de ..., pelo foro anual de 25.000 reis e laudémio de vintena no caso das vendas (cf. doc. de fls.119/121, cujo teor se dá por reproduzido).

45 – No âmbito do procedimento administrativo de delimitação do domínio público marítimo processo administrativo n.º 20026/5-G, a que corresponde o auto de delimitação publicado no Diário da República, III Série, n.º 46, de 1979.02.23, foi reconhecido que do prédio da requerente uma parte da margem das águas do mar não integrava o domínio público do Estado (no troço limitado pelos vértices n.os 1 a 11) (cf. doc. de fls. 304/315, cujo teor se dá por reproduzido).

46 – Decisão que assentou na escritura de emprazamento datada de 1788.04.21, na qual intervieram, de uma parte, o Conde..., PPPP e, de outra, SSSS, Cavaleiro da Casa Real e TTTT, e sua mulher, UUUU (enfiteutas) (cf. doc. de fls.304/315, cujo teor se dá por reproduzido).

47 – As propriedades a que este emprazamento se refere haviam sido medidas e confrontadas em auto de medição datado de 1788.03.22, tendo a comissão de delimitação, depois confirmado pela ..., considerado que, em relação ao prédio na confrontação com o qual fora requerida a delimitação do domínio público marítimo apenas uma parte situada do lado poente integrava uma dessas propriedades a qual "era parte do baldio anexo ao ... do mesmo Excelentíssimo Conde dando-se princípio no sítio da heira do ..., partindo do nascente com terras a matos do Capitão Mor ... em direitura ao mar se fez a medição de 660 varas até onde se acha um Marco no sítio, que confina, águas vertentes com terras do dito Capitão Mor, e seguindo do dito Marco para o mar tem 300 varas, findando ahí o baldio do ... e continuando para Poente partindo com o Rio ... se acharam 300 varas e voltando direito a Norte confinando com matos do Concelho do sítio chamado Valle de Lobos houve a medição de 1188 varas de cujo lugar seguindo do Norte para Nascente ( ... ) (cf. doc. de fls.304/315, cujo teor se dá por reproduzido).

48 – Por efeito da ação erosiva do mar exercida sobre este troço da costa, a arriba tem vindo a recuar, pelo que a L... e a crista da arriba apresentam traçados diferentes e recuados para norte em relação aos definidos no auto de delimitação (cf. doc. anexo II do relatório pericial, a fls.591/609, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

49 – O prédio n.º ...51, descrito na Conservatória do Registo Predial ..., a favor da Autora, na confrontação com o mar, trata-se de arriba alcantilada.

50 – No inventário por óbito de MMMM, do ano de 1966 (leia-se 1866), para além dos prédios ...00 e ...02 também se refere o prédio ...01, todos como uma verba única, ainda que depois tenham sido registados individualmente (em três verbas).

51 – Embora nas descrições daqueles ...00 (leia-se ...00) e ...02 (leia-se ...02) se refira que provêm do ...39, não se referindo o mesmo na descrição do ...01 (leia-se ..01), todos eles foram objeto daquele inventário.

52 – Era o seguinte o foro pago pela Quinta ... (24 mil réis) (prédio ...00) e pela courela de ... (1 mil réis) (prédio ...01), que se manteve sempre igual, desde o aforamento de 1788, em que o Conde... (...), vendeu a um VVVV, correspondendo ao foro que vem a ser registado no prédio n.º ...39.

53 – O prédio rústico n.º ...51 (antes em ficha n.º ...10), inclui o prédio a este anexado n.º ...13, ao qual foram anexados os prédios n.os ...14 e ...16, da qual resultou a confrontação a sul com o mar.

54 – Estes prédios (n.os ...14 e ...16 e na matriz art. ...54 e ...55) constituíam parte do prédio n.º ...01, objeto de sucessivas transmissões, o qual foi registado em 1890.04.21, com base na escritura de doação outorgada por RRR e esposa a favor dos filhos e netos (na qual são identificadas as verbas n.os três, quatro e cinco, que correspondem, na sua composição/confrontações aos prédios descritos sob os n.os ...00, ...01 e ...02).

55 – Estas três verbas correspondem à verba n.º 1 que consta descrita no inventário por óbito de JJJJ, do ano de 1866, como "Quinta ... "...", que consta de pinhal, terras de semear, figueiras, mato, duas marinhas e casas de habitação".

56 – A soma das marinhas das três verbas é indicativa da inclusão destes prédios naquele que foi partilhado no âmbito deste inventário. O qual ficou a pertencer a RRR e esposa, precisamente quem doou aos filhos e noras, através da escritura de doação de 1889.04.02.

57 – Embora, com base em certidão deste inventário, tenha sido registado o prédio n.º ...39, em 1876.12.01, no qual se identificam apenas os prédios ...00 e ...02.

58 – Foi ainda realizado o registo com base na apresentação da escritura de 1830.12.06, na qual se identifica como pertencente à ... para além do ..., no sítio dos ..., outras propriedades no sítio de ..., cujas propriedades o Conde..., D. PPPP havia dado de aforamento a QQQQ, por escritura de 21.04.1788, pelo foro anual de 25.000 réis (equivalente ao valor do foro identificado no inventário por óbito de JJJJ).

59 – Escritura de emprazamento de 21.04.1788, que instruiu o processo administrativo n.º 20026/5-G, dando a conhecer o limite do domínio público marítimo/domínio público do Estado na confrontação com o prédio ali localizado.

60 – Limite este que corresponde ao traçado da poligonal definida por 18 vértices constante do auto de delimitação homologado e publicado em Diário da República, III Série, n.º 46, de 1979.02.23, junto com a contestação, do qual resulta que, relativamente à parcela da margem das águas do mar contígua ao troço da poligonal definido pelos vértices (1 a 10) a propriedade é privada.

61 – No prédio rústico propriedade da Autora encontra-se incluída faixa de terreno que abrange margem das águas do mar.

62 – E que fruto dos efeitos do recuo da arriba, neste troço da costa, o limite da parcela da margem das águas do mar foi alterado.


Foram ainda considerados não provados os seguintes factos:

a) por requerimento apresentado por WWWW em 30.03.1963, para que fosse registado em seu nome dois prédios, o primeiro prédio não descrito na Conservatória do Registo Predial, inscrito na matriz sob o art. ...10, que se tornou o prédio descrito sob o n.º ...12, e o segundo prédio, inscrito na matriz sob os arts. ...50, ...51, ...52, ...53, ...54, ...55 e ...56, que indicou ser formado pelo n.º ...13, e não pelo ...01, e partes não descritas (as quais receberam os n.os de registo ...13 a ...18), todos anexados ao prédio descrito sob o n.º ...13;

c) a verba 37 dos autos de inventário n.º ...97 corresponde à quarta parte do prédio descrito sob o n.º ...01 possuído por XX em regime de compropriedade;

d) a quarta parte pertencente a HH no prédio n.º ...01 deu origem ao prédio descrito sob o n.º ...35;

e) a oitava parte pertencente a DDD não foi registada na Conservatória;

f) nos autos de inventário orfanológico registado sob o n.º ...27, do ... do ano de 1913, do Tribunal Judicial da Comarca ..., por óbito de EE, no estado de casado em primeiras núpcias com a inventariante XXXX, encontra-se relacionada como verba n.º 2 uma quarta parte "pro indivisa" numa propriedade rústica no sítio de ..., freguesia ..., denominado "...", que no todo constava de terra de semear com pinheiros e matos, que confinava do nascente com DDD e outros, norte com HH, poente com ... das herdeiras de JJJ e do sul com o mar, alodial, descrita sob o n.º ...01;

g) no referido inventário consta um auto de arrematação, de 19.10.1913, da quarta parte "pro indivisa", no qual o maior lanço foi oferecido por D. III, viúva, e sendo interpelados os com proprietários XX, HH, EE e NNN, não compareceram, dando disso fé o oficial de diligências.


4. Interpretação e aplicação do direito


4.1. Legitimidade de exercício dos poderes atribuídos pelo art. 662º do CPC: ampliação da decisão sobre a matéria de facto e nulidade do acórdão

O Recorrente entende que a Relação está desprovida dos poderes que foram assumidos para eliminar o facto não provado b) e ampliar a matéria de facto. Ao assumir o art. 662º do CPC para tal decisão sobre a matéria de facto, desencadeada oficiosamente, teria sido violado o princípio do dispositivo (arts. 3º e 608º, 2, do CPC) e extravasados os poderes de apreciação da 2.ª instância no que respeita ao âmbito objectivo do recurso para efeitos de julgamento da Relação (art. 635º, 5, CPC). Consequentemente, o resultado seria uma decisão ferida de nulidade por “excesso de pronúncia”.

Pois bem.

4.1.1. O art. 662º constitui a norma central de atribuição de autonomia decisória à Relação em sede de reapreciação da matéria de facto, traduzida numa convicção própria de análise dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se encontrem disponíveis no processo.
Começa tal atribuição por estar plasmada na prescrição-matriz da competência de reavaliação factual do n.º 1, sem dependência de provocação pelas partes em sede de recurso para esse efeito:
«A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.»
Depois, o n.º 2 do art. 662º, 2, do CPC estabelece verdadeiros poderes-deveres funcionais (a lei diz «deve ainda, mesmo que oficiosamente») sempre que, aquando da reapreciação da prova sujeita à livre apreciação, não resulte uma convicção segura e fundamentada sobre os factos, uma vez confrontada com a motivação e a decisão reflectidas na 1.ª instância.
Nomeadamente quanto às als. a) e b) (ordenar a renovação de certos meios de prova sempre que haja dúvidas sérias sobre a credibilidade de algum depoimento ou sobre o respectivo sentido; ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada em 1.ª instância relativamente a determinado ou determinados factos controvertidos, a produção de novos meios de prova), consagram-se poderes claramente ordenados a possibilitar à Relação a resolução de dúvidas que se afiguram perceptíveis quanto ao apuramento da verdade de certos e determinados factos alegados pelas partes, criando, dessa forma, condições de igualdade com a 1.ª instância na observação directa da fonte de prova ou no acesso a novos meios de prova[1] e, assim, fazer verdadeira e autónoma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados e formar a sua própria convicção, em resultado, se for o caso, das provas que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa[2]. Com isso, evita-se, ademais, que a Relação parta para a construção de presunções judiciais para a dedução desses factos sobre cuja verificação teve dúvidas, sem uma adequada base dedutiva para a elaboração lógica dos factos desconhecidos, quando tem ao seu dispor, antes disso, uma competência probatória idónea a ultrapassar dúvidas relevantes.
Em acrescento, vislumbram-se ainda competências habilitadas a, em confronto com a decisão de 1.ª instância, sanar deficiências, obscuridades, contradições e incompletudes, mesmo de fundamentação, nos termos das als. c) e d) do art. 662º, 2.
Acrescente-se que as diligências complementares e extraordinárias a fazer pela Relação, tendo como foco nomeadamente as als. a) e b) do art. 662º, 2, devem ser ajuizadas como fundamentais para o apuramento da verdade material condicionante da resolução do mérito do litigio. Para isso, tais poderes-deveres não dependem de iniciativa das partes (nem são direito potestativo que lhes assista)[3], são (ou podem-devem ser) exercidos oficiosamente e aspiram à formulação de um resultado judicativo próprio, destinado a “superar dúvidas fundadas sobre o alcance da prova já realizada”[4]. Estamos verdadeiramente perante deveres processuais de carácter vinculado, impostos para “proceder a um (verdadeiro) novo julgamento da matéria de facto, em ordem à formação da sua própria convicção, designadamente verificando se a convicção expressa pelo tribunal a quo possuía razoáveis tradução e suporte no material fáctico emergente da gravação da prova (em conjugação com os mais elementos probatórios constantes do processo)”[5]. Logo, é de sustentar que (também) esse poder deve ser exercitado oficiosamente sempre que, objectivamente, as diligências probatórias a fazer têm uma relação instrumental decisiva para a afinação dos factos essenciais alegados como causa de pedir e que conferem um possível enquadramento jurídico diverso do suposto pelo tribunal de 1.ª instância, crucial para a correcta decisão de mérito da causa, desde logo por imposição do art. 411º do CPC, sob pena da sua violação[6].
Assim sendo.

O art. 662º do CPC, consagrando o duplo grau de jurisdição no âmbito da motivação e do julgamento da matéria de facto, estabiliza os poderes da Relação enquanto verdadeiro tribunal de instância, proporcionando a reapreciação do juízo decisório da 1.ª instância para um efectivo e próprio apuramento da verdade material e subsequente decisão de mérito. Por isso a doutrina tem acentuado que, nesse segundo grau de jurisdição, se opera um verdadeiro recurso de reponderação ou de reexame, sempre que do processo constem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão da matéria de facto em causa (em especial os depoimentos gravados), que conduzirá a uma decisão de substituição, uma vez decidido que o novo julgamento feito modifica ou altera ou adita a decisão recorrida.[7] Sempre – e este é o ponto – com a mesma amplitude de poderes de julgamento que se atribui à 1.ª instância (é perfeitamente elucidativa a aludida remissão feita pelo art. 663º, 2, para o art. 607º, que abrange os seus n.os 4 e 5) e, destarte, sem qualquer subalternização – inerente a uma alegada relação hierárquica entre instâncias de supra e infra-ordenação no julgamento – da 2.ª instância ao decidido pela 1.ª instância quanto ao controlo sobre uma decisão relativa ao julgamento de uma determinada matéria de facto, precipitado numa convicção verdadeira e justificada, dialecticamente construída e, acima de tudo, independente da convicção de 1.ª instância[8].
             
Ora.
O STJ não pode sindicar, em princípio, o uso feito das competências probatórias atribuídas pelo art. 662º, 1 e 2, tendo em conta a regra de insindicabilidade do n.º 4 do art. 662º.
Porém, esta solução não impede, abrigado no fundamento da revista previsto no art. 674º, 1, b), do CPC, que se verifique em revista se a Relação, ao usar tais poderes, agiu dentro dos limites configurados pela lei para esse exercício e/ou verificar se a Relação omitiu o exercício de tais poderes, que se impunham relativamente a aspectos relevantes para a decisão. Isto é, por um lado, a verificação-censura do mau uso (deficiente ou patológico) desses poderes; por outro lado, a verificação-censura ao não uso dos poderes[9].
           
4.1.2. Vista a pretensão recursiva, a censura feita está desde logo a montante desse controlo feito na instância superior, uma vez que o Recorrente não se conforma com a actuação da Relação na reconfiguração da matéria de facto, imputando-lhe um uso de poderes que lhe estaria vedada – ou seja, uma privação radical de poderes de reapreciação da matéria de facto.
Pois bem.

4.1.2.1. Não há qualquer ilegitimidade na actuação processual de iniciativa oficiosa, ao abrigo do disposto no art. 662º, 1, e 2, c) (este interpretado a contrario sensu para a sanação de contradição relativa ao facto não provado b), sem anulação da decisão de 1.ª instância e constando do processo os elementos que permitem a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto); neste contexto, o acórdão parte da consideração que o objecto da apelação, tal como circunscrito pelo Apelante, remete para “a necessidade de ponderar uma realidade factual dada como assente na fundamentação jurídica, que não se individualizou no elenco factual ou que resulta do mesmo, por dedução lógica”, por um lado, e por outro lado, “[i]mporta também analisar duma eventual contradição entre o facto não provado sob a alínea b) e factualidade subjacente à fundamentação jurídica”.
 
4.1.2.2. O acórdão recorrido procedeu a uma análise da prova documental, testemunhal e pericial, na esteira do que constava da fundamentação da sentença de 1.ª instância – cfr. págs. 18-20 –, que levou a uma consideração global e racional para alinhar o conjunto factual expresso nos factos provados 49. a 62 e à eliminação do facto provado b), traduzindo uma convicção própria, reflectida na forma e nas razões com que se funda a modificação e reconfiguração da matéria de facto provada e não provada. Assim se corporizou e assumiu a 2.ª instância como um verdadeiro e próprio segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise, ainda que sem as virtualidades da 1.ª instância, mas com autonomia volitiva e decisória nessa sede, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostraram acessíveis com observância do princípio do dispositivo[10].
Regendo-se no domínio da livre apreciação da prova e sem se vislumbrar que tenha desrespeitado os limites da força probatória de qualquer meio de prova, muito menos imposta por regra vinculativa extraída de regime do direito probatório material (no que aqui mais interessa, para a força probatória de prova documental, cfr. art. 376º do CCiv., assim como os arts. 389º e 396º do CCiv) – logo, actuação processualmente lícita (art. 607º, 4, 5, 1ª parte, 663º, 1 e 2, CPC) e insindicável nos termos dos arts. 662º, 4 («Das decisões da Relação prevista nos n.os 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.»), e 674º, 3, 1.ª parte, do CPC.
Por outro lado, é manifesto que a fundamentação trazida pelo acórdão recorrido, ainda que por remissão para a fundamentação da 1.ª instância e meios de prova então ponderados, não se esvaiu em considerações genéricas ou alusões vagas à tarefa de reapreciação fáctica para concluir sobre a reapreciação feita da matéria de facto; antes deu-se cumprimento aos princípios reitores do art. 662º, 1, em ligação com o art. 607º, 4 e 5, do CPC, destinando-se a fixar “factualidade nova”.
Em suma, verifica-se uma (re)apreciação legítima e sem desconformidade legal de força probatória e feita em regime de prova livre e “não tarifada”.

4.1.2.3. Assim sendo, falece a pretensão de o tribunal ter conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento, independentemente da iniciativa das partes em sede recursiva dependente do ónus de alegação previsto no art. 640º do CPC.
Não estamos perante decisão-surpresa; não estamos perante violação do objecto recursivo.
Não há nulidade por não se encontra preenchido o art. 615º, 1, d), 2ª parte, do CPC.


4.2. Da violação de norma legal sobre prova vinculada: arts. 682º, 2, 2ª parte, 674º, 3, 2ª parte, CPC
           
O Recorrente vem alegar ainda que a demonstração da relação física causal entre o prédio mais remoto em termos de propriedade privada (em propriedade privada em data anterior a 31/12/1864 ou a 22/3/1868) e o actual, assente numa cadeia de transmissões susceptível de se traduzir – como se caracterizou no acórdão recorrido – numa “relação histórica de encadeamento entre prédios com anexações e desanexações várias” (“histórico de proveniências”), não pode deixar de se submeter à regra probatória do art. 15º, 2, da Lei 54/2005:
«Quem pretenda obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis deve provar documentalmente que tais terrenos eram, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum antes de 31 de dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de março de 1868.»
Isto é, não podia deixar de ser provado por prova documental.
E, assim, invoca o art. 674º, 3, 2ª parte, do CPC – «ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova» aquando do exercício dos poderes-deveres da Relação previstos no art. 662º,1, do CPC – para, nos termos do art. 682º, 2, 2ª parte, se sindicar e alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto.

Relembre-se o que está em causa.
O acórdão recorrido perfilhou a compreensão de que a pretensão da Autora dispensa a demonstração da cadeia de transmissões sucessivas da propriedade que intermediariam entre a data inicial (anterior a 22/3/1868, tratando-se de prédio correspondente a arriba alcantilada: cfr. facto provado 49.) e a actual.
Porém, segundo o tribunal “a quo”, não se dispensa para tal efeito a prova de uma “relação física causal entre o prédio mais remoto e o actual”; prova essa que pode ser feita, ainda que instrumentalmente, “com recurso a descrições e titularidades e transmissões de titularidades”; prova essa que, constante dos autos, deu origem, no acórdão recorrido, aos factos provados 50. a 57.
Em síntese, concluiu-se nesta órbita argumentativa:
— o prédio rústico n.º ...51 da Autora corresponde ao prédio n.º ...39;
— este prédio é objecto de propriedade privada antes de 22/3/1868;
— essa correspondência corresponde a um histórico de anexações e desanexações de diferentes terrenos ou parte deles;
— provou-se que “o actual prédio nº ...51 (anterior ...10) recebeu por anexação o prédio nº ...13, que a este haviam sido anexados os prédios n.os ...14, ...15, ...16, que estes provêm do nº ...01, que o nº ...01 e o nº ...02 tinham origem no prédio nº ...39 e que este era, por título legítimo, objeto de propriedade privada em data anterior a 22 de março de 1868(escritura de emprazamento de 21.04.1788)”;
“a Autora demonstrou a propriedade privada do prédio rústico n.º ...51 e que este era propriedade privada em data anterior a 22 de março de 1868, estando, assim, afastada a presunção de dominialidade existente a favor do Estado, sobre a parcela da margem das águas do mar contígua ao troço da poligonal definido pelos vértices (1 a 18) do anexo II do relatório pericial de fls.591/609, integrante do que remanesce do prédio rústico, sito em ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...11, inscrito na matriz sob o art. ...74, da freguesia ...”.

Não vemos que seja de censurar o acórdão recorrido.
O art. 15º, 2, não obriga a que a relação física causal entre o prédio antigo e o prédio actual tenha que ser feita directa e exclusivamente por documento; obriga sim – e apenas – que a existência de propriedade com título legítimo sobre “parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis” antes de 22/3/1868 (por se tratar de arriba alcantilada) seja provada por documento.
De todo o modo, os n.os seguintes do art. 15º mostram que mesmo essa prova documental, para esse facto jurídico de propriedade, não é exclusiva:
«3 – Na falta de documentos suscetíveis de comprovar a propriedade nos termos do número anterior, deve ser provado que, antes das datas ali referidas, os terrenos estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa. / 4 – Quando se mostre que os documentos anteriores a 1864 ou a 1868, conforme os casos, se tornaram ilegíveis ou foram destruídos, por incêndio ou facto de efeito equivalente ocorrido na conservatória ou registo competente, presumir-se-ão particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais se prove que, antes de 1 de dezembro de 1892, eram objeto de propriedade ou posse privadas. / 5 – O reconhecimento da propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de águas navegáveis ou flutuáveis pode ser obtido sem sujeição ao regime de prova estabelecido nos números anteriores nos casos de terrenos que: a) Hajam sido objeto de um ato de desafetação do domínio público hídrico, nos termos da lei; b) Ocupem as margens dos cursos de água previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º, não sujeitas à jurisdição dos órgãos locais da Direção-Geral da Autoridade Marítima ou das autoridades portuárias; c) Estejam integrados em zona urbana consolidada como tal definida no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar, e se encontrem ocupados por construção anterior a 1951, documentalmente comprovado.»

Sem prejuízo:
(i) a propriedade da Autora foi provada por documento – cfr. factos provados 45. a 47., 58. e 59., relativos em especial à escritura de “emprazamento” de 21/4/1788, tendo por referência o aludido prédio n.º ...39 –, ilidindo-se a presunção de dominialidade a favor do domínio público marítimo da parcela em discussão;
(ii) a reconstituição das sucessivas transmissões e anexações foi sustentada em meios de prova complementares, incluindo prova documental.

Não se verifica, pois, a violação de prova vinculada, quanto a estes factos, que pudessem legitimar a intervenção do STJ em sede de revista ao abrigo do art. 674º, 3, 2ª parte, do CPC.

Soçobram, por isso, manifestamente, todas as Conclusões do Recorrente, conduzindo à manutenção do acórdão recorrido.


III) DECISÃO

Em conformidade, julga-se improcedente a revista.

Custas pelo Recorrente, mas com isenção legal (art. 4º, 1, a), RCP).



STJ/Lisboa, 15 de Março de 2023


Ricardo Costa (Relator)

António Barateiro Martins

Luís Espírito Santo




SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC).

______________________________________________________


[1] JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ARMANDO RIBEIRO MENDES/ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil anotado, Volume 3.º, Artigos 627.º a 877.º, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2022, sub art. 662º, págs. 170-171, 174-175.
[2] V. Ac. do STJ de 7/9/2017, Processo n.º 959/09.2TVLSB.L1.S1, Rel. TOMÉ GOMES, in www.dgsi.pt.
[3] Por todos, v. ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 640º, pág. 166, sub art. 662º, págs. 294-295, FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito processual civil, Volume II, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, págs. 536-537.
[4] ABRANTES GERALDES, Recursos… cit., sub art. 662º, pág. 298.
[5] FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito processual civil, Volume II cit., pág. 537, completando: “Foi, assim, arredada a conceção segundo a qual a atividade cognitiva da Relação se deveria confinar, tão-somente, a um mero controlo formal da motivação/fundamentação efetuada em 1ª instância”.
[6] V. Ac. do STJ de 5/7/2022, processo n.º 400/180.0T8PVZ.P1.S1, Rel. RICARDO COSTA, in www.stj.pt, com referência aos pontos II. e III do Sumário.
[7] V. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “A impugnação das decisões judiciais”, Estudos sobre o novo processo civil, 2.ª ed., Lex, Lisboa, 1997, págs. 395-396, 399-400, 400, 402-403. 
[8] V. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Prova, poderes da Relação e convicção: a lição da epistemologia”, CDP n.º 44, 2013, págs. 33-34, 36; na jurisprudência, v., exemplificativamente, os Acs. do STJ de 10/7/2012, processo n.º 3817/05.6TBGDM-B.P1.S1, Rel. FERNANDES DO VALE, e de 24/9/2013, processo n.º 1965/04.9TBSTB.E1.S1, Rel. AZEVEDO RAMOS, in www.dgsi.pt
[9] V. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Prova, poderes da Relação e convicção: a lição da epistemologia – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.9.2013”, CDP n.º 44, 2013, págs. 33-34, ID., “Dupla conforme e vícios na formação do acórdão da Relação”, de 1/4/2015, in https://blogippc.blogspot.com/2015/04/dupla-conforme-e-vicios-na-formacao-do.html; ABRANTES GERALDES, Recursos… cit., sub art. 662º, págs. 312-313, sub art. 682º, págs. 435-436; JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ARMANDO RIBEIRO MENDES/ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil anotado, Volume 3.º cit., sub art. 662º, pág. 177, sub art. 674º, pág. 232; na jurisprudência do STJ, v. Ac. de 11/2/2016, Processo n.º 907/13.5TBPTG.E1.S1, Rel. ABRANTES GERALDES, in www.dgsi.pt.
[10] V. por todos ABRANTES GERALDES, Recursos… cit., sub art. 662º, págs. 284 e ss, 290.