ARRENDAMENTO DE DURAÇÃO LIMITADA
NÃO RENOVAÇÃO
Sumário


I - A Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, veio estabelecer “medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade”.
II. Por força do disposto no n.º 3 do artigo 14.º da Lei n.º 13/2019, nos contratos de arrendamento habitacionais de duração limitada (contratos a prazo) celebrados em data anterior a 13 de fevereiro de 1999, se o arrendatário residir no local arrendado há mais de 20 anos, e tiver idade igual ou superior a 65 anos ou grau de incapacidade superior a 60%, fica protegido face à possibilidade de o locador se opor à renovação do contrato, com exceção da hipótese de “demolição ou realização de obras de remodelação ou restauro profundos que obriguem à desocupação do locado, desde que não resulte local com características equivalentes às do locado, onde seja possível a manutenção do arrendamento” (alínea b) do artigo 1101º do Código Civil).

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

AA, e marido, BB, casados sob o regime de comunhão de adquiridos, residentes na Avenida ..., freguesia ..., ..., ela por si e na qualidade de cabeça-de-casal e única herdeira e interessada nas heranças, ilíquidas e indivisas, abertas por óbito de CC, e mulher, DD, que também usava o nome de EE, intentaram contra FF e mulher GG, residentes na Rua ..., ..., ..., ..., a presente ação declarativa, sob a forma comum, pedindo que os Réus sejam condenados:

a) A ver declarado e a reconhecer que os Autores e/ou as heranças ilíquidas e indivisas, abertas por óbito de CC, e mulher, DD, são os únicos(as) donos(as) e legítimos(as) possuidores(as) do prédio urbano e rústicos descritos no item 3 da petição inicial;
b) A ver declarado e a reconhecer a validade e efeitos da oposição à não renovação do contrato de arrendamento, correspondente aos prédios descritos em 3, bem assim que os efeitos desta, relativamente aos Réus, se produziram, senão antes, no dia 30/06/2021;
c) A restituir aos AA. o prédio locado, livre de pessoas e bens e em bom estado de conservação;
d) A reconhecer que o valor mensal que pagaram, de €150,00 desde 01/07/2021 até 01/12/2021, é devido aos Autores não a título de renda, mas a titulo de indemnização pela ocupação dos prédios, bem assim a reconhecerem a obrigação de pagar valor desde 02/12/2021 até à efetiva entrega livre de pessoas e bens, perfazendo, nesta data, a quantia de €750,00;
e) A pagar aos Autores o valor mensal correspondente, no mínimo, ao dobro daquele que era devido a título de renda pela não desocupação e enquanto esta perdurar;
f) A pagar os juros de mora, calculados à taxa legal de 4%, desde a citação sobre as quantias referida na al. d) e e), até efetivo e integral pagamento.
Subsidiariamente,
g) Para a hipótese de se entender que, por força das disposições conjugadas dos artigos 1096.º n.º 1 e 1097.º n.º 3, o contrato se renovou, devem os Réus ser condenados nos termos referidos nas al. a) e b), in casu, a entregar o locados aos Autores até 12/04/2022, ou, se assim também não se entender, em 12/04/2023, ou se assim também se não entender, e in extremis, em 12/04/2024;
h) Ser condenados no pedido da al. al. c) a f).

Em todas as situações,

i) Com custas a cargo dos Réus.
Para tanto, e em síntese, alegam que por força do decesso dos pais da Autora, de per si e/ou na qualidade de única herdeira, é a única dona e legitima possuidora dos prédios identificados na petição inicial e que por contrato escrito de 12/04/2016, os identificados CC e DD, deram de arrendamento aos Réus, que o receberam, o ... do prédio urbano, servindo o locado, mas dele dependente, as duas leiras, ambas contíguas entre si e à casa (complemento do logradouro desta).
Que o contrato foi antecedido de outros, (de arrendamento), outorgados entre CC e DD e os Réus, que puseram termo no fim do respetivo prazo, e o imediatamente anterior, de prazo certo, de 5 anos, renda mensal de €150,00, que foi e ainda é a atual, teve início em 10/05/2010 e término em 10/05/2015.
Que a Autora e sua mãe, DD, na qualidade de senhorias, remeteram em 09/11/2020 uma carta registada com aviso receção aos Réus, que a receberam em 10/11/2020, com assunto, “Oposição à renovação do contrato de Arrendamento”.
Que a Autora remeteu em 12/05/2021 uma carta registada com aviso receção aos Réus, que a receberam em 13/05/2021, com assunto, “Oposição Renovação Contrato de Arrendamento”.
Mais alegam que a oposição à renovação do contrato de arrendamento é válida e eficaz, mas que, pese embora a insistência dos Autores, os Réus não entregaram o locado.
Os Réus contestaram, dizendo em síntese que são arrendatários dos prédios identificados pela Autora, vivendo na casa de habitação, mas por virtude de contrato de arrendamento celebrado com os pais da Autora no século passado, na vigência do RAU, Decreto-Lei n.º 321-B/90 de 15 de outubro.
Mais alegam que o Réu nasceu em .../.../1947 e a Ré em .../.../2016, pelo que ambos contam com muito mais de 65 anos, sendo que o Réu há muito que se encontra reformado por invalidez padecendo de várias enfermidades desde cegueira no olho esquerdo, insuficiência respiratória grave, mobilidade reduzida, entre outras.
Pugnam os Réus pela improcedência da presente ação e pela sua absolvição do pedido.

Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:
“Nestes termos, julgo a presente ação totalmente procedente e consequentemente:
- -Reconheço que os AA. e/ou as heranças, abertas por óbito de CC, e mulher, DD, aqui representadas pela A., acompanhada pelo marido, são as únicos(as) donos(as) e legítimos(as) possuidores(as) do prédio urbano e rústicos em causa nos autos;
- Decreto a cessação do contrato de arrendamento celebrado entre os falecidos CC e DD e os aqui RR, versando os prédios em causa nos autos, por oposição à renovação por iniciativa do senhorio, com efeitos a 30.6.2021;
- Condeno os RR. a desocuparem o local arrendado e a entregá-lo livre de pessoas e bens, à A.;
- Condeno os RR. a pagar à A. indemnização mensal correspondente ao dobro do valor da renda (300,00€), desde 1.7.2021, até entrega efetiva do locado, devendo abater-se os montantes, entretanto pagos, a título de renda em singelo pelos RR., acrescendo juros de mora desde a citação sobre as quantias já vencidas e desde a data de vencimento sobre as vincendas, tudo até integral pagamento.
- Não condeno qualquer das partes como litigante de má fé.
Custas pelos RR.
Registe e notifique.”

Inconformados, apelaram os Réus da sentença concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“1- A Sentença recorrida incorre em erro no julgamento da matéria de facto ao dar como não provada a antiguidade da relação locatícia dos Recorrentes com a casa de habitação e terreno junto dos Recorridos, dado os transcritos depoimentos das testemunhas dos Recorrentes, demonstrarem que estes são inquilinos da casa de habitação e terreno de cultivo identificados nos autos por contrato de arrendamento habitacional, ininterruptamente, há mais de vinte anos.
2- Por sua vez a Sentença recorrida dá por provado que o Recorrente FF nasceu em 1947 e a certidão fiscal que apenas agora conseguiram juntar aos autos, pelos motivos acima invocados, demonstra que á data da vigência da Lei nº 13 /2019 de 12 de Fevereiro, os Recorrentes são ininterruptamente inquilinos dos locados identificados nos autos, há mais de vinte anos, ao abrigo de contrato de arrendamento habitacional, pelo que os Recorrente preenchem os dois requisitos legais para beneficiarem do regime jurídico de ordem publica fixado no nº3 do art. 14 da mesma lei, ter idade igual ou superior a 65 anos de idade e residir no locado há mais de 20 anos , em 13 de Fevereiro de 2019.
3- A Sentença recorrida decretou “a cessação do contrato de arrendamento celebrado entre os falecidos CC e DD e os aqui RR, versando os prédios em causa nos autos, por oposição à renovação por iniciativa do senhorio, com efeitos a 30.6.” sem ser pelo único motivo admitido no citado nº3 do art. 14 da Lei nº 13/2019 o que está expressamente vedado por lei.
4 Uma vez que este regime normativo de ordem pública    apenas permite que a sentença recorrida julgasse válida a oposição dos Recorridos á renovação do contrato de arrendamento habitacional celebrado com os Recorrentes caso      tivesse sido alegado e provado que o motivo de tal oposição era o previsto na alínea b) do artigo 1101 do C.C.- Para demolição ou realização de obra de remodelação ou restauro profundos que obriguem à desocupação do locado, desde que não resulte local com características equivalentes ás do locado onde seja possível a manutenção do arrendado- o que notoriamente não acontece , pelo que ,salvo o devido respeito, a sentença Recorrida é manifestamente ilegal.”
Pugnam os Recorrentes pela integral procedência do recurso, e pela revogação da sentença na parte recorrida, e sua substituição por outra          que julgue totalmente improcedente esta ação de despejo.
Os Autores contra-alegaram pugnando pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do Código de Processo Civil, de ora em diante designado apenas por CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelo Recorrente, são as seguintes:

1- Da admissibilidade da junção de documentos com as alegações de recurso;
2- Saber se há erro no julgamento da matéria de facto;
3- Saber se há erro na subsunção jurídica dos factos.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
Factos considerados provados em Primeira Instância:

1. Em .../.../2017 faleceu, na freguesia ..., CC, adiante abreviado “CC”, NIF ..., no estado de casado, sob o regime de comunhão geral de bens, com DD, que também usava o nome de EE, NIF ..., em primeiras e únicas núpcias de ambos, sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tenho-lhe sucedido como únicas e universais herdeiras a sua mulher e a aqui A., única filha do casal – ver certidão de fls. 10 e ss.
2. Em .../.../2021 faleceu, na freguesia ..., ..., DD, adiante abreviado “DD”, no estado de viúva de CC, tenho-lhe sucedido como única e universal herdeira a sua filha, aqui A. – ver certidão de fls. 17 e ss.
3. Entre os bens deixados falecidos CC e DD, constam os seguintes bens imóveis:
a) Prédio urbano, destinado a habitação, de ... e andar, sito na Rua ..., freguesia ..., do concelho e comarca ..., hoje União de freguesias ..., ... e ..., com a área aproximada de 94 m2, inscrito em 1937 na matriz predial, no artigo ...3 da extinta freguesia ..., hoje com o artigo ...89, e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...29. (ver doc. ... e ... da p.i,);
b) Prédio rústico, denominado ..., sito na Rua ..., ..., também conhecido como Rua ..., freguesia ..., do concelho e comarca ..., hoje União de freguesias ..., ... e ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...21, a que correspondia o artigo ... (ver doc. ... da p.i.); c) Prédio rústico, denominado ..., sito na Rua ..., ..., também conhecido como Rua ..., freguesia ..., do concelho e comarca ..., hoje União de freguesias ..., ... e ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...33, a que correspondia o artigo .... (ver doc. ... da .i.).
4. Por força do decesso dos pais da A., de per si e/ou na qualidade de única herdeira, é a única dona e legitima possuidora, entre outros, desses bens imóveis.
5. Por contrato escrito de 12.04.2016, os identificados CC e DD, cederam aos RR., que o aceitaram, o uso e fruição do ... do prédio urbano descrito supra, servindo o locado, mas dele dependente, as duas leiras, ambas contíguas entre si e à casa (complemento do logradouro desta).
6. Nesse documento, em que CC e DD são referenciados como “Primeiros Outorgantes” e/ou “senhorio”, e os RR. como “Segundos Outorgantes”, e/ou “inquilino”, consta o seguinte:
(…) “Entre si estabelecem o presente contrato de arrendamento de duração limitada, (...) e que se regerá pelos precisos termos das condições constantes das cláusulas seguintes:
Primeira: O prazo do arrendamento é de cinco anos, com início em 12.04.2016 e
com termo em 12.04.2021.
Segunda: A renda anual é de 1.800,00 € (mil e oitocentos Euros), a pagar anualmente em duodécimos de 150,00 €, ao senhorio ou ao seu representante legal, na respetiva residência, ou através de depósito ou transferência bancária a efetuar em conta numa instituição de crédito no primeiro dia do mês anterior a que respeitar.
Terceira: A renda será atualizada anualmente de harmonia com os fatores de atualização aplicáveis aos arrendamentos para habitação, a partir do segundo ano de vigência do contrato (…).
Quarta: O local arrendado destina-se exclusivamente a habitação do segundo outorgante, não lhe podendo ser dado outro fim ou uso sob pena de resolução contratual (…)
Quinta: (…) b) Servem o arrendado em comum (…) ... inscrita no art. ... e ... inscrita no art. ..., ambos rústicos da Repartição de Finanças ....
Sexta: Para os devidos efeitos, declaram os outorgantes que o arrendado se encontra no seguinte estado: a) Tectos: bons; b) Pavimentos: bons; c) HH: II. (…)
Sétima: a) Ao segundo outorgante não é permitido fazer obras ou benfeitorias sem autorização dos primeiros outorgantes, por escrito e devidamente autenticada, a não ser as de conservação e limpeza necessárias que, desde já, se estipula serem da obrigação do inquilino; b) Todas as obras de conservação e limpeza necessárias, bem como as autorizadas nos termos da alínea anterior, ficam a pertencer ao prédio em que se integram, sem que o inquilino possa alegar direito de retenção ou exigir o pagamento de qualquer indemnização.
Oitava: O arrendado deverá ser entregue pelo segundo outorgante aos primeiros outorgantes, findo o contrato, em bom estado de conservação, como atualmente se encontra, e conforme o descrito na cláusula sexta, designadamente as instalações e canalizações de água, luz, aquecimento, esgotos e respetivos acessórios, as instalações sanitárias, os pavimentos, alcatifas, forros, pinturas, vidros, etc., devendo, por isso, aquele, sob pena de indemnização, tomar as medidas necessárias para a sua conservação, pagando à sua custa as necessárias reparações se se avariarem ou danificarem, ressalvando o desgaste da sua normal e prudente utilização”. (…) (ver contrato de fls.26 e ss).
7. Tal contrato foi antecedido de outros, versando o uso e fruição do locado, desde data não concretamente apurada, outorgados entre CC e DD e os RR., que lhes puseram termo no fim do respetivo prazo.
8. O imediatamente anterior ao que está em causa nos autos, era de prazo certo, de 5 anos, com renda mensal de 150,00 €, - que foi e ainda é a atual -, teve início em 10.05.2010 e término em 10.05.2015. (ver contrato de fls. 28 e ss).
9. A A. e sua mãe, DD, na qualidade de senhorias, - a segunda dona da meação e ambas herdeiras da parte restante -, remeteram em 09.11.2020 uma carta registada com aviso receção aos RR., que a receberam em 10.11.2020, com assunto, “Oposição à renovação do contrato de Arrendamento” (…), comunicando-lhes:
(…) “Na qualidade de senhorio do prédio sito na Rua ..., em ..., ..., venho por este meio comunicar a Va. Exa., nos termos do art.º 1097.º do Código Civil, a minha intenção de não renovação automática do contrato de arrendamento habitacional com prazo certo, tendo por objeto o referido prédio, firmado em 12 de abril de 2016, pelo que o referido contrato cessará os seus efeitos a partir de 11 de abril de 2021, respeitando o período de pré-aviso legal, data em que deverão entregar o locado livre de pessoas e bens, no mesmo estado em que o receberam, bem como proceder à entrega das chaves” (…) ( ver teor de fls. 31 e ss).
10. Os RR. responderam, através de carta registada com aviso receção, por ambos assinada, com data de 10.05.2021, remetida à A. e mãe, DD, dizendo o seguinte:
(…) “Vimos, por este meio, informar que não há lugar à produção de feitos relativamente à Oposição à renovação de que fomos notificados pela V/ carta, sendo a mesma contrária à lei.
Tratando-se de contrato assinado a 12 de abril de 2016 com término a 12 de abril de 2021, não pode haver oposição à renovação nos primeiros 5 anos de duração do contrato. A única intenção de V/ Exas. é aumentar a renda, pelo menos foi o que foi dito telefonicamente, e como tal estarão ao V/ dispor vários mecanismos para operarem esse aumento de forma legal.
Não podemos aceitar um aumento de 100,00 € mensais numa habitação que nunca sofreu quaisquer obras por parte de V/Exas., nem tão pouco assinar um novo contrato que nos penalize.
Assim, e visto que tratando-se desse contrato o mesmo se renovou por igual período, continuaremos a pagar pontualmente a renda firmada contratualmente”. (…) (ver fls. 32v e ss).
11. A A. remeteu em 12.05.2021 uma carta registada com aviso receção aos RR., que a receberam em 13.05.2021, com assunto, “Oposição Renovação Contrato de Arrendamento” (…), comunicando-lhes:
(…) “Acuso a receção da V/ carta que mereceu a minha melhor atenção. A oposição à renovação do contrato de arrendamento celebrado a 12 de abril de 2016 é válida e eficaz, tendo o contrato de arrendamento cessado em 12 de abril de 2021.
Contudo, devido à legislação em vigor, concretamente, artigo 8.º do decreto de lei 1-A/2020, devidamente atualizada, os efeitos da oposição à renovação ficam suspensos até ao dia 30 de junho de 2021, com a condição de o arrendatário pagar as rendas (n.º 6 do citado artigo). 
Em face do exposto, e perante a legislação em vigor, aguardamos a entrega do arrendado devoluto de pessoas e bens no dia 30 de junho de 2021.
Caso não seja entregue o arrendado será dada entrada da respetiva ação judicial, sendo V. Exas. responsáveis por todos os prejuízos causados.” (…) (ver fls. 33v e ss).
12. Não obstante, a insistência dos AA., os RR. não entregaram o locado.
13. Os RR. continuam a ocupar o locado.
14. E a depositar o valor da renda mensalmente.
15. Os RR nasceram a .../.../1947 a 24.2.1951, respetivamente – ver certidões de fls. 64v e 65.
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Factos considerados não provados em Primeira Instância:

- que os RR tenham celebrado com os falecidos CC e DD contrato versando o prédio em casa nos autos no século passado;
- que o R esteja reformado por invalidez, padecendo de várias doenças desde cegueira no olho esquerdo, insuficiência respiratória grave e mobilidade reduzida.
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3.2. Da admissibilidade da junção de documentos com as alegações de recurso

Os Recorrentes apresentam com as suas alegações um documento (certidão emitida pela Direção de Finanças ...) que identificam como respeitando ao histórico dos contratos de arrendamento discutidos nos autos, cuja junção requerem ao abrigo do disposto no artigo 425º do CPC.
Vejamos então a admissibilidade da apresentação do documento com as alegações de recurso.
Resulta do preceituado no artigo 651º n.º 1 do CPC que “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”.
Temos para nós como inquestionável que a junção de prova documental “deve ocorrer preferencialmente na 1ª instância, regime que se compreende na medida em que os documentos visam demonstrar certos factos, antes de o tribunal proceder à sua integração jurídica” (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª Edição, 2014, Almedina, p.191).
Quanto à junção de documentos prevê o artigo 425º do CPC que, depois “do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”, resultando ainda do artigo 423º do mesmo diploma que os documentos deverão “ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes” (nº 1), ou “até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado” (nº 2), ou até ao encerramento da discussão, desse que a sua “apresentação não tenha sido possível ate aquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior” (nº 3).
Assim, e havendo recurso, como acontece no nosso caso, em face do preceituado nos artigos 425º e 651º n.º 1 do CPC, a admissibilidade da junção de documentos com as alegações assume carácter excecional e ocorre apenas em duas situações: a) se a junção do documento não foi possível até àquele momento, isto é, nos casos de impossibilidade objetiva ou subjetiva de junção anterior do documento ou b) se a junção do documento se tornou necessária em virtude do julgamento proferido pela 1ª Instância.
A parte que pretenda juntar documentos, designadamente com as alegações de recurso, deve justificar o carácter superveniente da junção, seja ela de ordem objetiva seja ela de ordem subjetiva (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit, p.191).
Quanto à impossibilidade objetiva a mesma decorre de o documento só ter sido produzido após o prazo-limite previsto no artigo 423º n.º 2 do CPC e a prova da impossibilidade da sua junção aos autos pela parte até àquele prazo limite decorre naturalmente da análise do teor do próprio documento.
Quanto à impossibilidade subjetiva a mesma decorre da parte só ter tido conhecimento da existência do documento ou dos factos a que o mesmo se reporta após o decurso daquele prazo limite, apesar do documento respeitar a factos anteriores ao decurso desse prazo e poder ser anterior ao mesmo; nesta, a prova da impossibilidade da junção do documento no prazo previsto no referido artigo 423º n.º 2 não se basta com a mera alegação que a parte só teve conhecimento da existência do documento após o decurso do prazo, antes deverá ser alegado e provado que o desconhecimento em relação à existência do documento não ficou a dever-se a negligência da parte, uma vez que a impossibilidade pressupõe que o desconhecimento da existência do documento não derive de culpa sua.
Relativamente à junção de documento em fase de recurso com fundamento de que essa junção se tornou necessária em virtude do julgamento proferido pela 1ª Instância tem mesma como pressuposto que essa decisão contenha elementos de novidade, isto é que tenha sido, de todo, surpreendente para o apresentante do documento, face ao que seria de esperar em face dos elementos do processo; é o que ocorre designadamente nos casos em que a decisão se baseou em meios de prova cuja junção foi oficiosamente determinada pelo tribunal, em momento processual em que já não era possível à parte carrear para os autos o documento, ou em que se fundou em preceito jurídico ou interpretação do mesmo, com a qual aquele não podia justificada e razoavelmente contar.
Por isso, se o documento era necessário para fundamentar a ação ou a defesa antes de ser proferida a decisão da 1ª Instância e se esta se baseou nos meios de prova com que as partes razoavelmente podiam contar (depoimentos ou declarações de parte, declarações das testemunhas, documentos, prova pericial ou por inspeção judicial, arrolados e requeridos pelas partes ou oficiosamente determinadas pelo juiz, mas neste caso, em momento processual em que ainda era possível às partes juntar o documento) não se pode dizer que a junção aos autos do documento com as alegações ocorre em virtude do julgamento realizado pela 1ª Instância.
É pois de concluir que deve ser recusada a junção de documentos para provar factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado (neste sentido os Acórdãos do STJ de 27/06/2000, in CJ/STJ, ano VIII, tomo II, página 131 e de 18/02/2003, in CJ/STJ, ano XI, tomo I, página 103 e seguintes onde se afirma que “Não é lícito juntar, com as alegações de recurso de apelação, documento relativo a factos articulados e de que a parte podia dispor antes do encerramento da causa na 1.ª instância. Na verdade, o artigo 706.º do CPC (com a mesma redação, no que a este particular interessa, do artigo 693.º-B atual), ao admitir a junção só tornada necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância, não abrange a hipótese da parte pretender juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1.ª instância (Alberto dos Reis, Código Processo Civil Anotado, vol. IV, pág. 10; Antunes Varela, R.L.J. 115-94)”, os quais mantêm atualidade em face da redação dos preceitos do atual Código de Processo Civil).
No caso concreto os Recorrentes fundamentam a junção do documento no artigo 425º do CPC, alegando que: “além de idosos (…) são pessoas doentes e de muito baixa escolaridade, sempre viveram no meio rural, ele foi operário de construção civil e ela operária fabril, ambos reformados por invalidez, sem nunca antes terem tido qualquer processo em tribunal,     de parcos meios e apenas quando foram á Junta de Freguesia solicitar atestado de pobreza e apoio para encontrarem uma modesta casa de habitação ao alcance das diminutas reformas destes, desabafaram sobre o desespero em que se encontravam por não terem conseguido provar que eram inquilinos da casa dos autos desde o seculo passado e ali foram informados que deveriam pesquisar nos Serviços de Finanças da existência de contratos de arrendamento antigos, pois os antepassados dos Recorridos eram conhecidos por serem senhorios de outras casas e os contratos estarem ali registados, motivos pelos quais os Recorrentes só após terem tido conhecimento da sentença recorrida pediram auxilio na obtenção da certidão fiscal do histórico dos contratos de arrendamento discutidos nos autos (…)”.
O documento, cuja junção pretendem, reporta-se a uma certidão emitida pela Direção de Finanças ..., fundamentando os Recorrentes a sua junção na impossibilidade subjetiva decorrente de apenas terem conhecimento de que deviam pesquisar nos Serviços de Finanças a existência dos contratos de arrendamento após a prolação da sentença.
Contudo, não entendemos que tal alegação consubstancie a impossibilidade subjetiva integradora da previsão do referido artigo 425º do CPC.
De facto, o documento em causa é apenas uma certidão emitida pelo Serviço de Finanças, em 7 de dezembro de 2022 (sendo a sentença de 16/11/2022), onde constam certificados contratos de arrendamento aí arquivados, nos quais o Réu figura como arrendatário, não se podendo, por isso, afirmar o seu desconhecimento dos mesmos.
Por outro lado, também se não compreende a alegação dos Recorrentes de que só então puderam ter acesso ao documento por terem sido informados na Junta de Freguesia que deveriam pesquisar nos Serviços de Finanças a existência de contratos de arrendamento antigos, porquanto os Réus se encontram patrocinados nos autos.
Do exposto decorre não ser de considerar justificada a junção do documento apresentado pelos Recorrentes não se admitindo, por isso, a sua junção aos autos e determinando-se que o mesmo seja desentranhado e restituído, após trânsito em julgado deste acórdão.
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3.3. Da modificabilidade da decisão de facto

Importa começar por referir, relativamente ao ponto “C” das suas alegações que os Recorrentes intitulam “da relevância do documento ora junto na alteração dos pressupostos de facto do julgamento”, que, não tendo sido admitida a junção do documento, se mostra prejudicado o seu conhecimento.
Assim, a pretendida alteração da matéria de facto e a análise da impugnação efetuada pelos Recorrentes terá apenas por base a prova que foi produzida em 1ª Instância.
Decorre do n.º 1 do artigo 662º do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
E a impugnação da decisão sobre a matéria de facto é expressamente admitida pelo artigo 640º, n.º 1 do CPC, segundo o qual o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto.
Sustentam os Recorrentes que houve erro no julgamento da matéria de facto ao ter sido julgado não provado “que os RR tenham celebrado com os falecidos CC e DD contrato versando o prédio em casa nos autos no século passado”.
Da motivação da sentença recorrida consta o seguinte:
“O tribunal fundou a sua convicção, desde logo, no teor dos documentos juntos aos autos, devidamente referidos no elencar dos factos provados e na prova oralmente produzida em sede de julgamento.
Note-se que muitos documentos, tratam-se de certidões (documentos autênticos) com força probatória plena, desde logo, as habilitações de herdeiros juntas e certidões de nascimento, estando de igualmente documentadas nos autos as missivas trocadas entre as partes, atinentes com a oposição à renovação do contrato, note-se que não têm os RR como negar a receção da carta quando responderam à mesma.
Na contestação apresentada, negavam os RR a celebração do contrato em causa nos autos, datado de 2016, defendendo que ocupam o locado em virtude de um contrato celebrado no século passado com os pais da A.
É certo, que da prova produzida oralmente, e dos documentos juntos ( contrato de 2010 junto a fls. 26 e recibos de fls 64) resulta que efetivamente os RR residem no locado desde data anterior a 2016 ( inicio do ultimo contrato), no entanto, coligindo a prova não logramos com exatidão perceber desde que data tal fruição sucede, daí que se tenha levado aos factos não provados a alegação que RR tenham celebrado com os falecidos CC e DD contrato versando o prédio em casa nos autos no século passado. Veja-se que o recibo mais antigo que aparece data de 2004.
A testemunha JJ, efetivamente aludiu ao facto dos RR ali residirem há muitos anos, no entanto, não logrou precisar com exatidão desde quando, desconhecendo, em absoluto, os termos de qualquer contrato versando o imóvel, apenas relatando que sabe que a casa não é deles.
Já a A. explicou que aquando do falecimento do pai, verificou que o contrato em causa nos autos era por 5 anos, aliás, refere que outros imóveis tinham contratos semelhantes, sendo certo, que decidiu pôr-lhe termo, daí que tenha remetido a missiva em novembro de 2021, missiva que os RR receberam e a que responderam, pelo modo que demos por provado, a A. alude expressamente a uma tentativa, face à posição dos RR., de aumentar a renda para 250,00€, através da formalização de um novo contrato, assim evitando interpor a presente ação, no entanto, refere que tal foi rejeitado pelos RR.
Expressamente questionada admitiu a A. que pode ter havido mais contratos entre as partes, mas que apenas conhece aqueles que juntou, os únicos que o pai tinha nos seus pertences.
Já o R., por seu turno, admitiu a celebração do contrato em causa nos autos, explicando, no entanto, que havia muitos mais contratos, refere que ali vive há mais de 20 anos, sendo todos por 5 anos e a renda de 150,00€. Destaco que do depoimento do R., resulta claro que o mesmo percebeu sempre que os contratos que tinha com o pai da A., eram por 5 anos, estando ciente que acabavam findo aquele período, sendo que, como o pai da A. sempre acedeu a fazer um novo contrato, ficando sem efeito o anterior, – situação que ele sempre também aceitou – jamais esperava que a A., não procedesse do mesmo modo.
Neste termos, e como percebemos destas declarações houve outros contratos entre as partes versando o imóvel – desde quando não sabemos – no entanto, os mesmos acabaram por vontade, por acordo de ambas as partes, que efetuavam novo contrato findo o prazo neles estipulado, sendo certo, que o ultimo contrato celebrado é de 12.4.2016 com duração prevista até 12.4.2021, e a A., ao contrário do procedimento encetado pelo pai, resolveu não mais celebrar contrato com os RR, optando pela oposição à renovação do contrato em vigor, daí ter remetido a missiva que remeteu.
Neste particular, não se pode deixar de levar em conta que próprio R. estava ciente que o seu contrato ( o de 2016) não era para sempre, “não era livre”, pegando nas suas palavras, sendo notório, que estava ciente da possibilidade do seu término, apenas acreditando que tal não ocorreria, visto que ao longo dos anos o pai da A., acedeu sempre a celebrar novos contratos, permitindo, assim, e sempre sem aumento da renda a continuação da fruição do locado.
A testemunha KK, filho da A., nada de relevante aportou, limitando-se a confirmar que o avô fazia sempre contratos de 5 anos ( ao que sabe apenas haverá dois inquilinos com contratos diferentes), sabendo que este contrato iniciou em 2016 e que a mãe lhe pôs termo, sendo que até à data não tem o imóvel.
Finalmente, a testemunha AA, vizinha dos RR, que chegou a viver no locado antes dos RR, referiu, que pagava renda ao Sr CC e antes ao avô da A., explicando que depois dela ainda houve dois inquilinos no prédio, só depois os RR tendo procedido à sua ocupação, perguntada explicou que os RR diziam que tinham contrato por cinco anos, sendo que mais uma vez, e tal como a testemunha AA, que vive nas proximidades, não logra localizar com exatidão a data a partir da qual os RR ali vivem, falando m termos genéricos de 20 anos.
Quanto às doenças do R. e sua reforma por invalidez, nada foi junto aos autos que o comprove”.
Entendem os Recorrentes que tendo por base as declarações prestadas pelas testemunhas JJ, AA e AA o tribunal a quo devia ter dado como provado que os Réus são inquilinos habitacionais dos arrendados ininterruptamente, há mais de 20 anos e desde data anterior a 2000.
Vejamos se lhes assiste razão.
A testemunha JJ afirmou conhecer os Réus há mais de 20 anos, sendo cliente de uma loja que a filha e o genro destes exploravam, tendo ficado amigo da família, esclarecendo que pelo menos há 20 anos que vai à casa onde residem. Nada sabia, contudo, sobre eventuais contratos de arrendamento, ou se a casa era emprestada ou arrendada, ainda que soubesse que os Réus não eram os proprietários.
A testemunha AA, que foi colega de trabalho da Ré, referiu ter residido na casa onde residem os Réus há cerca de 41 anos e que os Réus ali residem há cerca de 22/23 anos; nada sabia de concreto sobre qualquer contrato de arrendamento, esclarecendo que o Réu lhe disse ter contrato por cinco anos e que ao fim desse prazo era renovado.
A testemunha AA esclareceu que o sogro faleceu há 20 anos, tendo começado a restaurar a casa e tendo ido morar nessa altura, há cerca de 21 anos, para uma casa perto da casa onde residem os Réus; esta testemunha afirmou de forma espontânea apenas poder afirmar com certeza que há 21 anos ali residem.
Assim, considerando as declarações prestadas por estas testemunhas e tendo em atenção que a audiência decorreu no dia 11/10/2022, o que podemos concluir com segurança é que os Réus residem na casa objeto dos contratos de arrendamento celebrados em 10 de maio de 2010 (doc. ... junto com a petição inicial) e 12 de abril de 2016 (doc. ...0 junto com a petição inicial) pelo menos há 21 anos, ou seja, pelo menos desde 2001.
Não se pode, por isso, afirmar a existência de erro de julgamento do tribunal a quo ao julgar não provado “que os RR tenham celebrado com os falecidos CC e DD contrato versando o prédio em casa nos autos no século passado”.
De todo o modo, a consideração de que residem na casa objeto dos contratos de arrendamento pelo menos desde 2001, ainda que por força de diversos, sucessivos e distintos contratos de arrendamento que foram celebrando (cessando o antigo e celebrando um novo) também não relevaria para a pretensão dos Recorrentes (aplicação do regime previsto na Lei n.º 13/2019 de 12 de fevereiro) porquanto sempre seria necessário demonstrar que ali residem mediante contrato celebrado em data anterior a 13 de fevereiro de 1999.
Salienta-se, contudo, que pelo tribunal a quo foi dado como provado que o contrato celebrado em 2016 “foi antecedido de outros, versando o uso e fruição do locado, desde data não concretamente apurada, outorgados entre CC e DD e os RR., que lhes puseram termo no fim do respetivo prazo” e que o imediatamente anterior ao que está em causa nos autos, era de prazo certo, de 5 anos, com renda mensal de €150,00 - que foi e ainda é a atual -, teve início em 10/05/2010 e término em 10/05/2015 (pontos 7 e 8 dos factos provados).
De facto, ao contrário do que os Réus alegaram na sua contestação, não resultou de toda a prova produzida que sejam arrendatários por virtude de um contrato de arrendamento celebrado com os pais da Autora no século passado.
Como decorre das declarações prestadas pelo próprio Réu foram sendo celebrados diversos contratos de arrendamento com o falecido pai da Autora, pelo prazo de cinco anos, os quais cessavam, sendo celebrado um novo contrato.
Ainda que afirmasse ali residir há mais de 20 anos, o Réu também não foi muito esclarecedor relativamente à data concreta do primeiro contrato de arrendamento celebrado.
Tal como foi destacado pelo tribunal a quo do seu  depoimento resulta claro que tinha e sempre teve perfeito conhecimento de que todos os contratos que celebrou com o falecido pai da Autora, eram por 5 anos, estando ciente que terminavam no final desse prazo pois que como ele próprio referiu o seu contrato “não era livre”, não era para sempre, só que “como o pai da A. sempre acedeu a fazer um novo contrato, ficando sem efeito o anterior, – situação que ele sempre também aceitou – jamais esperava que a A., não procedesse do mesmo modo”, sendo o último contrato celebrado o que foi junto aos autos e data de abril de 2016.
De todo o exposto decorre não resultar fundamento para alterar a decisão recorrida quanto à matéria dada como não provada.
Assim, mantêm-se inalterada a matéria de facto fixada pela 1ª instância.
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3.3. Reapreciação da decisão de mérito da ação

Tendo-se mantido a matéria de facto, tal como decidida pelo tribunal a quo, importa agora decidir se deve ou não manter-se a decisão de mérito que, julgando a ação procedente, decretou a cessação do contrato de arrendamento celebrado entre os falecidos CC e DD e os aqui Réus, versando os prédios em causa nos autos, por oposição à renovação por iniciativa do senhorio, com efeitos a 30/06/2021 e condenou os Réus a desocuparem o local arrendado e a entregá-lo livre de pessoas e bens à Autora, e a pagar uma indemnização mensal correspondente ao dobro do valor da renda (€300,00), desde 1/07/2021, até entrega efetiva do locado, devendo abater-se os montantes, entretanto pagos, a título de renda em singelo pelos Réus, acrescendo juros de mora desde a citação sobre as quantias já vencidas e desde a data de vencimento sobre as vincendas, tudo até integral pagamento.
O tribunal a quo considerou válida a oposição à renovação do contrato efetuada aos Réus, entendendo que o contrato findou em 12/04/2021, por se não ter renovado; considerou ainda a celebração de diversos contratos de arrendamento, com data inicial não apurada, e que se foram extinguindo com a celebração de um novo contrato, sendo o de 12/04/2016 o que se encontrava em vigor entre as partes e aplicou também a legislação aprovada no período da pandemia, concretamente a  Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março e a Lei n.º 75-A/2020 de 30 de dezembro de 2020, que veio proceder à alteração do artigo 8º da Lei n.º 1-A/2020, determinando que a produção de efeitos da oposição à renovação de contratos de arrendamento por parte do senhorio ficaria suspensa até 30/06/2021.
Deste modo, decidiu que os efeitos da oposição à renovação do contrato de arrendamento apenas se verificaram a 30 de junho de 2021.
Os Recorrentes insurgem-se contra a posição do tribunal a quo, invocando a aplicação do regime jurídico previsto na Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro e sustentando que a decisão recorrida viola o preceituado no seu artigo 14º, uma vez que o Recorrente FF tem mais de 65 anos e reside há mais de 20 anos no locado.
Vejamos se lhes assiste razão.
Conforme decorre do seu artigo 1º, a Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, veio estabelecer “medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade”.
As Leis n.º 12/2019 e n.º 13/2019, ambas publicadas em 12 de fevereiro de 2019 e entradas em vigor no dia seguinte, vieram introduzir importantes alterações relativamente ao arrendamento urbano: a primeira tipificando a figura da proibição de assédio no arrendamento, e a Lei n.º 13/2019 visando, entre o mais, reforçar a estabilidade do arrendamento urbano e proteger arrendatários em situação de especial fragilidade.
Neste contexto, o n.º 3 do artigo 14.º da Lei n.º 13/2019 (embora seja uma norma de natureza transitória) introduz uma alteração ao artigo 26º da Lei n.º 6/2006 (o qual se aplica a arrendamentos habitacionais celebrados na vigência do RAU e a arrendamentos não habitacionais celebrados depois do Decreto-Lei n.º 257/95), respeitando, contudo, apenas a arrendamentos habitacionais celebrados na modalidade temporal de “duração limitada” (contratos a prazo).
Estabelece este preceito que “[N]os contratos de arrendamento habitacionais de duração limitada previstos no n.º 1 do artigo 26.º do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, cujo arrendatário, à data de entrada em vigor da presente lei, resida há mais de 20 anos no locado e tenha idade igual ou superior a 65 anos ou grau comprovado de deficiência igual ou superior a 60 /prct., o senhorio apenas pode opor-se à renovação ou proceder à denúncia do contrato com o fundamento previsto na alínea b) do artigo 1101.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro, com a redação dada pela presente lei, havendo lugar à atualização ordinária da renda, nos termos gerais”.
Assim, o arrendatário que já vive no local arrendado há mais de 20 anos, na data da entrada em vigor da lei, ou seja por força de contratos anteriores a 13 de fevereiro de 1999 e tenha idade igual ou superior a 65 anos ou grau de incapacidade superior a 60%, fica protegido face à possibilidade de o locador se opor à renovação do contrato (v. Maria Olinda Garcia, “Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019, Julgar Online, março de 2019) e a oposição passa a ser apenas possível na hipótese da alínea b) do artigo 1101º do Código Civil, ou seja, em caso de extinção para a realização de obras.
De salientar ainda que, mesmo sendo de supor que com esta disposição transitória o legislador terá pretendido manter a proteção (ou parte dela) que havia sido conferida pela Lei n.º 30/2018, a qual se aplicava tanto aos arrendamentos a prazo como aos arrendamentos de duração indeterminada, a verdade é que enquanto nesta se exigia que a residência tivesse uma duração de 15 anos no local arrendado, a solução resultante do n.º 3 do artigo 14º da Lei n.º 13/2019 exige que a residência tenha uma duração de 20 anos, em 2019.
Daqui decorre poder afirmar-se, em síntese, que nos contratos de arrendamento habitacionais de duração limitada (contratos a prazo) celebrados em data anterior a 13 de fevereiro de 1999, se o arrendatário residir no local arrendado há mais de 20 anos, e tiver idade igual ou superior a 65 anos ou grau de incapacidade superior a 60%, fica protegido face à possibilidade de o locador se opor à renovação do contrato, com exceção da hipótese de “demolição ou realização de obras de remodelação ou restauro profundos que obriguem à desocupação do locado, desde que não resulte local com características equivalentes às do locado, onde seja possível a manutenção do arrendamento” (alínea b) do artigo 1101º do Código Civil).
Importa então atender à matéria de facto provada nos presentes autos de forma a apurar se a mesma permite concluir que a oposição à renovação não é válida conforme pretendem os Recorrentes.
No caso dos autos resultou efetivamente apurado que o Réu nasceu no dia .../.../1947 e a Ré no dia ..., (ponto 15 dos factos provados e certidões de fls. 64v e 65 dos autos); tal significa que à data da entrada em vigor da Lei n.º 13/2019 tinham, respetivamente, 71 e 67 anos e, por isso, tinham já completado os sessenta e cinco anos de idade.
Porém, não resulta demonstrado nos autos que têm um grau de incapacidade superior a 60% e se encontrem a residir no arrendado há mais de 20 anos, e nem que aí residam por força de contrato de arrendamento celebrado em data anterior a 13 de fevereiro de 1999.
In casu, os Recorrente residem no locado em virtude de contrato de arrendamento datado de 12/04/2016, celebrado pelo prazo de cinco anos, com início em 12/04/2016 e com termo em 12/04/2021.
Se este contrato de arrendamento foi antecedido de outros, versando o uso e fruição do locado, desde data não concretamente apurada, outorgados entre os falecidos pais da Autora e os Réus, a verdade é que sempre lhes puseram termo no fim do respetivo prazo, sendo que o imediatamente anterior ao de abril de 2016, era também de prazo certo, de 5 anos, com renda mensal de €150,00, teve início em 10/05/2010 e término em 10/05/2015.
Não lograram, por isso, os Réus demonstrar o por si alegado na contestação de que eram arrendatários por virtude de um contrato de arrendamento celebrado no século passado.
Aliás, como consta da sentença recorrida e já referimos, do depoimento do Réu resulta claro que sempre teve noção de que todos os contratos de arrendamento eram por 5 anos, e que terminavam no final desse prazo; se atentarmos na resposta que os Réus enviaram  em 10/05/2021 à Autora e mãe, da mesma consta que não há lugar à produção de feitos relativamente à Oposição à renovação uma vez que, por se tratar de “contrato assinado a 12 de abril de 2016 com término a 12 de abril de 2021, não pode haver oposição à renovação nos primeiros 5 anos de duração do contrato. (…) Assim, e visto que tratando-se desse contrato o mesmo se renovou por igual período, continuaremos a pagar pontualmente a renda firmada contratualmente”. (…) (ver fls. 32v e ss). Ou seja, os Réus na comunicação de 10/05/2021 reconhecem que o contrato em causa é o assinado em 12/04/2016.
Do exposto decorre que, não sendo de aplicar, no caso concreto o regime previsto no n.º 3 do artigo 14º da Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, não entendemos que mereça a sentença recorrida a censura que lhes é dirigida pelos Recorrentes.
Improcede, pois, a apelação, sendo de confirmar a decisão recorrida.
As custas são da responsabilidade dos Recorrentes em face do seu integral decaimento (artigo 527º do Código de Processo Civil) e sem prejuízo do apoio judiciário que lhes foi concedido.
***
IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em:

a) não admitir a junção aos autos dos documentos apresentados pelos Recorrentes, ordenando o seu desentranhamento e a respetiva devolução aos apresentantes, após trânsito em julgado deste acórdão;
b) julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
As custas são da responsabilidade dos Recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário que lhes foi concedido.
Guimarães, 09 de março de 2023
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
Margarida Almeida Fernandes (1ª Adjunta)
Afonso Cabral de Andrade (2º Adjunto)