PERSI
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Sumário

I.- A declaração de resolução de um contrato é recetícia (artigo 224.º do CC), pelo que só quando se mostra provado que o recetor tomou conhecimento da vontade resolutiva a resolução produz os seus efeitos.
II.- Encontrando-se o devedor em mora, está a instituição de crédito obrigada a cumprir o regime previsto no Dec.-Lei n.º 227/2012, de 25-10 – PERSI – ainda que a mora tenha ocorrido antes da entrada em vigor do mesmo diploma.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Processo n.º 5264/22.6T8STB.E1


Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


Recorrente: (…), STC, S.A.,


Recorrido: (…) e (…)

*
No Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo de Execução de Setúbal - Juiz 2, na execução proposta por (…), STC, S.A., contra (…) e (…), foi a exequente notificada para vir aos autos esclarecer, se os Executados foram, em momento prévio à instauração dos presentes autos, integrados no PERSI, juntando aos autos os respetivos documentos.
A exequente veio então esclarecer que os executados entraram em mora em 2011, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, tendo sido remetidas as primeiras cartas de crédito vencido em 12/02/2011.
Alegam que, não obstante o caso em apreço não se enquadrar no PERSI, o Banco Cedente cumpriu escrupulosamente os princípios previstos no artigo 4.º do Decreto-Lei 227/2012, de 25 de outubro, tendo remetido diversas comunicações aos Executados com vista à regularização do valor em dívida.
O tribunal a quo apreciou a questão e decidiu o seguinte:
Pelo exposto, o Tribunal julga verificada e procedente a exceção dilatória de falta de condição objetiva procedibilidade, a qual constitui exceção dilatória inominada (cfr. artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do referido Decreto-Lei) e, ainda, indefere-se liminarmente a execução (artigos 278.º, 1, alínea b), 576.º, 577.º, alínea b), 578.º e 726.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil).
*
Não se conformando com o decidido, a exequente apelou formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608.º/2, 609.º, 635.º/4, 639.º e 663.º/2, do CPC:
1. O Tribunal a quo proferiu sentença a declarar procedente a exceção dilatória inominada e consequentemente indeferiu liminarmente a execução nos termos dos artigos 278º nº 1 aliena b), 576º, 577.º, alínea b) e 578.º, e 726.º, n.º 2, alínea b), todos do CPC.
2. Com o devido respeito, o Tribunal a quo não andou bem.
3. O Douto Tribunal não valorou devidamente e no seu todo a prova produzida e junta aos autos principais, sob a referência n.º 6768353.
4. Visto que, a Recorrente atravessou aos autos a documentação necessária à verificação das comunicações enviadas aos Recorridos quanto à entrada em mora, quer também à resolução contratual por incumprimento definitivo.
5. Vejamos que para isso, informou que o Banco cedente remeteu diversas missivas aos Recorridos a informar que se encontravam em mora quanto a diversas prestações, conforme carta remetida a 12 de fevereiro de 2011.
6. Informou também os Recorridos em 19 de junho de 2011 que caso não fosse efetuado o pagamento das prestações em atraso no prazo máximo de 10 dias, o contrato seria denunciado.
7. E, a 20 de julho de 2011, foi novamente remetida carta a informar de que o contrato se encontrava em fase de Contencioso, sendo que iriam recorrer à via judicial deforma a proceder à cobrança coerciva da totalidade do valor em dívida.
8. O Tribunal ad quo somente considerou a primeira carta (12 de fevereiro de 2011) enviada aos Recorridos para basear a sua decisão de indeferimento liminar da execução baseada em exceção dilatória inominada, por não ter o referido contrato sido integrado no PERSI.
9. O que não pode a aqui recorrente concordar.
10. Ora, como já fora mencionado, a data de mora do contrato é do ano de 2011.
11. A data de denúncia do contrato é igualmente do ano de 2011.
12. Em nenhuma das datas anteriormente mencionadas, se encontrava em vigor o Decreto-Lei n.º 227/2012 – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), tendo entrado em vigência no ano de 2013.
13. E, se verificarmos, o Decreto-Lei refere sempre a exigibilidade de mora para que o referido contrato possa ser integrado no PERSI.
14. No caso em apreço não foi o que sucedeu.
15. Os Recorridos entraram em mora no ano de 2011.
16. E ainda nesse mesmo ano, foi o contrato resolvido por falta de diligência por parte dos Recorridos.
17. Mas, independentemente de ter existido resolução do contrato, esta não é condição necessária para a integração do mesmo no PERSI, tal como faz querer parecer o Tribunal ad quo.
18. A exigência para que qualquer contrato seja integrado no PERSI é de que exista risco de incumprimento ou mora.
19. O que não se verifica no caso em apreço.
20. E, quando os Recorridos entraram em mora, no ano de 2011, ainda não estava em vigor o Decreto-Lei n.º 227/2012, e, portanto, o mesmo não poderia ser aplicado.
21. Mais, apesar de o artigo 39.º do referido Decreto-Lei repristinar temporalmente aos contratos anteriores à sua entrada em vigor, isto é, antes de 1 de janeiro de 2013, só se aplica aos casos em que ainda persista em mora o contrato.
22. No caso sub judice, à data da entrada em vigor do referido Decreto-Lei o contrato já não se encontrava em mora, mas sim resolvido.
23. O que não configura requisito exigível para a sua integração no PERSI.
24. Logo, é cristalino que para o processo ser integrado no PERSI é necessário que o mesmo se encontre em mora há mais de 30 dias aquando da entrada em vigor do referido diploma legal e que o contrato de crédito ainda esteja em vigor àquela data.
25. Quando entrou em vigor o Decreto-lei n.º 227/2012, o contrato estava resolvido, não sendo, portanto, possível a integração do mesmo no referido diploma.
26. Somos a entender que ao contrário do proferido pela Douta Sentença, o Contrato sub judice não tem cabimento legal para que possa/pudesse ser integrado no PERSI.
27. Com efeito, andou mal o tribunal ad quo ao decidir como decidiu.
28. Pelo que não deveria ter indeferido liminarmente a presente execução, por não ser aplicável o referido diploma legal, uma vez que à data da sua entrada em vigor, o Contrato encontrava-se resolvido e não em mera mora, que se considera como pressuposto exigível para a sua integração no PERSI.
29. Neste sentido, deverá a Sentença recorrida ser revogada, alterando-se a decisão prolatada pelo Tribunal ad quo, seguindo a execução os seus termos até final.
Nestes termos e nos melhores de direito, com o mui Douto suprimento de V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Évora, deve ser dado provimento ao recurso interposto pela Recorrente, revogando na íntegra a douta sentença proferida pelo Tribunal ad quo.
Assim V. Exas., Venerandos Desembargadores, farão, a acostumada justiça.
*
Foram dispensados os vistos.
*
A questão que importa decidir é a de saber se os executados se encontravam em mora no momento da entrada em vigor do PERSI, ou se as comunicações por carta enviadas antes da entrada em vigor do diploma preenchem os requisitos da resolução contratual.
*
A matéria de facto a considerar é a que conta do relatório inicial e a seguinte:
1.- Em sede de despacho liminar foi proferida a seguinte decisão:
Verifica-se que não foi alegado pela Exequente que a Executada foi integrada no Procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (doravante, designado PERSI).
A preterição do PERSI constitui uma exceção dilatória inominada, pela falta condição objetiva de procedibilidade da ação/execução, de conhecimento oficioso, o que determina a absolvição do Réu da instância.
Pelo exposto, convida-se a Exequente a esclarecer, no prazo de 10 dias se a Executada foi, em momento prévio à instauração dos presentes autos, integrada no PERSI, juntando aos autos os respetivos documentos.
2.- Em resposta ao convite, a exequente informou e requereu o seguinte:
(…) – STC, S.A., Exequente nos autos acima identificados, notificado do despacho com a referência 95523089, vem informar que o caso em apreço não se enquadra no PERSI.
Com efeito, os Executados entraram em mora em 2011, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, tendo sido remetidas as primeiras cartas de crédito vencido em 12/02/2011, conforme documento n.º 1 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
Não obstante o caso em apreço não se enquadrar no PERSI, o Banco Cedente cumpriu escrupulosamente os princípios previstos no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, tendo remetido diversas comunicações aos Executados com vista à regularização do valor em dívida.
Todavia, todas as diligências efetuadas com vista à regularização dos valores em dívida se frustraram, razão pela qual foi intentada a presente ação executiva.
3.- Em 12-02-2011, 21-04-2011, 19-06-2011 e 20-07-2011, a cessionária do crédito exequendo enviou carta aos executados, começando por exigir o pagamento da dívida exequenda e finalizando ao informar que iria recorrer à via judicial para recuperar o crédito.
***
Conhecendo.
No despacho liminar em crise, foi ponderado que a ora recorrente não havia alegado e provado que a entidade bancária, cedente da dívida exequenda, havia procedido à revogação do contrato de mútuo que havia celebrado com os executados, pelo que se encontravam em mora no momento da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10 – PERSI –, ou seja, 1 de janeiro de 2013.
Tal como consta do seu preâmbulo, este regime legal teve como ratio legis contrapor, à facilidade excessiva com que as entidades financeiras concediam crédito sem uma avaliação aturada e precisa do risco de incumprimento pelo devedor consumidor (a mais evidente a que é feita via telefone), geralmente a parte mais fraca na relação contratual, uma proteção acrescida antes de se permitir que o credor atinja o património do devedor.
No artigo 39.º do ciado diploma, estipula-se que São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.
Ora, uma das obrigações que, nestes casos, impende sobre a instituição de crédito é a de, nos 15 dias subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, informar os clientes bancários da sua integração no PERSI, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 14.º (n.º 2 do referido preceito).
O que, no entendimento do tribunal a quo tal obrigação não foi cumprida, pelo que indeferiu liminarmente a execução em face da procedência da exceção inominada de falta de condição objetiva de procedibilidade, de conhecimento oficioso, inexistindo, por isso, título executivo.
Não concordando com este entendimento, a recorrente, cessionária do crédito exequendo e que, ex vi da cedência, ocupou a posição jurídica da entidade bancária cedente, alegou que foram enviadas várias cartas com datas de 12-02-2011, 21-04-2011, 19-06-2011 e 20-07-2011, tendo nesta última sido informados os executados de que os créditos e encontravam já em contencioso.
Assim sendo, os executados não se encontravam já em mora aquando a entrada em vigor do PERSI e, por isso, inexistia a obrigação de cumprir o disposto no inciso legal supra.
Quid iuris?
Importa apurar se meras cartas de que se juntaram fotocópias têm força probatória suficiente para fazer operar o instituto da resolução contratual.
A resolução é uma das formas de extinção dos contratos por vontade unilateral de um dos contraentes, fundada na lei ou em convenção, e é regulada nos artigos 432.º a 436.º do CC, sendo os seus efeitos retroativos, tal como na nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, ficando, contudo, ressalvadas as prestações já realizadas.
A resolução pode fazer-se mediante declaração à outra parte, extrajudicialmente ou judicialmente.
Esta declaração tem que ser efetivamente recebida para parte contra quem se realiza a resolução, uma vez que se trata de declaração recetícia – só produz efeitos após conhecimento da outra parte, nos termos do artigo 224.º do CC.
Ora, este é o nó górdio da questão.
A recorrente sustenta que as cartas enviadas comprovam que foi exercido o direito de resolução em face do incumprimento dos executados.
Mas não é assim.
A prova do envio da vontade de resolver o contrato não se basta com a junção aos autos de meras fotocópias de cartas que terão sido enviadas aos exequentes, mas que não comprovam terem os destinatários tomado efetivamente conhecimento do seu conteúdo, pelo que se tornou impossível colocar os exequentes numa situação de incumprimento definitivo do contrato, porque só após tal situação jurídica se pode considerar o contrato como extinto (artigo 436.º/1 e 2, do CC).
Com efeito, ficamos sem saber se os exequentes queriam obstar à resolução do contrato, pagando e/ou perdendo o benefício do prazo, ou outra forma de extinção do contrato, porque tal oportunidade não lhes foi concedida.
Atendendo a que os exequentes se encontravam em mora, no momento da entrada em vigor do PESI, haveria que seguir o que este regime legal impõe, o que não ocorreu no caso dos autos, tendo como consequência inexistir a condição prévia de admissibilidade e procedibilidade da ação executiva.
Assim sendo, não se verificam quaisquer motivos para revogar a decisão recorrida, o que implica a sua manutenção e a improcedência da apelação.
No mesmo sentido, cfr. Ac. TRE de 09-02-2023, Processo n.º 1096/14.3TBSTR-E.1:
I - A promoção do vencimento imediato da totalidade das prestações associadas ao plano de liquidação do contrato de crédito é sempre opcional, pelo que o credor pode sempre optar por aguardar o cumprimento do devedor inadimplente, fixando-lhe, por exemplo, um outro custo total do crédito (TAEG).
II- O devedor tem de saber qual é a reação da entidade bancária, promovendo a perda do benefício do prazo e em que medida, ou decidir não usar dessa faculdade que a lei lhe atribui, refazendo o custo das prestações em dívida.
III- A resolução contratual só é eficaz se comunicada por declaração recetícia.
IV- O procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), instituído pelo Dec.-Lei n.º 227/2012, de 25/10, tem aplicação obrigatória quando o cliente bancário (consumidor) incorre numa situação de mora ou de incumprimento de obrigações resultantes de contratos de crédito, nos moldes consignados pelos seus artigos 2.º, n.º 1 e 14.º, n.º 1.
V- O recurso a tal procedimento constitui uma condição prévia de admissibilidade e procedibilidade da presente ação, sendo a sua falta uma exceção dilatória inominada, a qual é insuprível e de conhecimento oficioso, acarretando a absolvição da instância.

Ac. TRL de 07-06-2018, Processo n.º 144/13.9TCFUN-A:
Não é prova suficiente da existência, na data que dela consta, e do envio e, muito menos, da receção de uma declaração recetícia (artigo 224.º/1, do CC), uma fotocópia da mesma ou o simples depoimento de um empregado bancário do departamento do banco onde a declaração devia ter sido emitida, que diz que assinou a carta correspondente, sem um único elemento objetivo que o corrobore, como por exemplo um a/r, um registo, um aviso ou uma referência posterior a essa carta numa outra não impugnada, quando aliás essa carta, segundo a própria decisão recorrida que a deu como provada, não faz sentido no contexto em causa.

E Ac. TRL de 21-10-2021, Processo n.º 12205/18.3T8SNT-A.L1-2:
Não tendo a instituição de crédito diligenciado, antes da instauração da ação executiva, pela implementação de PERSI, verifica-se uma exceção dilatória inominada, por falta de um pressuposto processual ou uma condição de procedibilidade da pretensão, que é de conhecimento oficioso, ante a imperatividade dos princípios e regras imperativas estabelecidas no DL n.º 227/2012, de 25-10.
***
Sumário:
(…)
***
DECISÃO.
Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga a apelação improcedente e confirma a decisão recorrida.
Custas pela recorrente – Artigo 527.º do CPC.
Notifique.
***
Évora, 16-03-2023
José Manuel Barata (relator)
Cristina Dá Mesquita
Eduarda Branquinho