PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
ORGÃO SOCIAL
DESTITUIÇÃO
Sumário

I – O processo especial de suspensão e destituição de titulares de órgãos sociais, a que alude o artigo 1055.º do CPC, é um processo de jurisdição voluntária que tem como finalidade a destituição de titulares de órgãos sociais e pode ser precedido de uma fase cautelar, na qual se pode pedir a suspensão do titular do cargo, antecipando, assim, provisoriamente, a decisão de destituição como forma de acautelar os prejuízos que possam advir da demora normal da tramitação do processo.
II – O processo principal e a fase cautelar são distintas entre si, sendo a suspensão imediata apreciada cautelarmente e decidida, se disso houver necessidade, após a realização de diligências (n.º 2 do mesmo preceito).
III – A ação principal é apreciada em definitivo, depois de citado e ouvido o requerido, bem como os restantes sócios e os administradores da sociedade (n.º 3 do citado preceito.)
IV – Se não ficar demonstrado, logo na apreciação liminar, que inexiste justa causa para a suspensão (justificado receio de que a demora do litígio causará prejuízo irreparável ou de difícil reparação), o pedido de suspensão imediata deve ser liminarmente indeferido.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Proc.º 446/22.3T8TVR-A.E1


Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


Recorrente: (…).

Recorridos: Cooperativa Agrícola dos Produtores de Azeite de (…), C.R.L., (…), (…), (…), (…) e (…).

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No Tribunal Judicial da Comarca de Faro Juízo de Competência Genérica de Tavira, o recorrente, ao abrigo do disposto nos artigos 546.º, n.º 2, e 1055.º do CPC, 403.º, n.ºs 3 e 4, do CSC, ex vi do artigo 9.º do Código Cooperativo popôs ação especial de destituição de titular de órgão social contra os recorridos, pedindo ainda, ao abrigo do disposto nos artigos 366.º e 1055.º, n.º 2 do CPC, que seja decretada de imediato a suspensão das funções dos Réus do exercício de funções.
O pedido e suspensão foi liminarmente indeferido pelo tribunal a quo, nos seguintes termos:
Analisada toda a factualidade vertida na petição inicial, constata-se que os factos indicados pelo Requerente e imputados aos Requeridos, designadamente ao Requerido Presidente da Direção da Cooperativa, para sustentarem o pedido cautelar de suspensão, se prolongam no tempo, não fazendo o Requerente qualquer alusão a uma qualquer atividade ou atuação atual por parte dos requeridos que fundamente um qualquer justificado receio de que tais atuações causem à sociedade prejuízo dificilmente reparável se não se verificar a pedida suspensão imediata, sendo que tal sequer foi alegado pelo Requerente.
Assim, falece, desde logo, um dos requisitos necessários para o decretamento da suspensão peticionada.
Face ao exposto, indefere-se liminarmente o pedido de suspensão imediata do exercício de funções formulado nos autos.
Custas pelo requerente a atender na ação – artigo 539.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
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Não se conformando com o decidido, o recorrente apelou formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608.º/2, 609.º, 635.º/4, 639.º e 663.º/2, do CPC:
1. O Autor, ora recorrente, instaurou a presente ação especial de destituição de titular de órgão social ao abrigo do disposto nos artigos 546.º, n.º 2, e 1055.º do CPC, 403.º, n.ºs 3 e 4, do CSC, ex vi do artigo 9.º do Código Cooperativo.
2. Tendo requerido ao abrigo do disposto nos artigos 366.º e 1055.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, que seja decretada de imediato a suspensão das funções dos Réus do exercício de funções.
3. Por decisão datada de 17-11-2022 o tribunal a quo decidiu indeferir liminarmente o pedido de suspensão imediata do exercício de funções formulado nos autos.
4. O tribunal a quo ao considerar que os factos indicados pelo Requerente e imputados aos Requeridos, designadamente ao Requerido Presidente da Direção da Cooperativa, para sustentarem o pedido cautelar de suspensão, se prolongam no tempo, não fazendo o Requerente qualquer alusão a uma qualquer atividade ou atuação atual por parte dos requeridos que fundamente um qualquer justificado receio de que tais atuações causem à sociedade prejuízo dificilmente reparável cometeu erro de julgamento sobre a matéria de facto elencada na petição inicial, pois os elementos de prova aí apresentados impunham decisão diversa.
5. Não sendo compreensível como é que se considera que os factos descritos na petição inicial se prolongam no tempo e como tal não são atuais, salvo o devido respeito se se prolongam no tempo, prolongam-se até hoje e como tal são atuais.
6. Termos em que e por violação do disposto nos artigos 362.º e 1055.º ambos do Código de Processo Civil deverá a sentença recorrida ser revogada e consequentemente deverá ser proferida outra que admita o pedido de suspensão imediata do exercício de funções formulado nos presentes autos.
7. Ao que acresce que a sentença recorrida não se encontra devidamente fundamentada, quer de facto, quer de direito.
8. O que faz com que estejamos perante uma nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia nos termos do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
9. Sem prescindir e pese embora se considere que o prejuízo dificilmente reparável se encontra alegado sempre se dirá que o tribunal a quo sempre poderia ter formulado qualquer convite ao aperfeiçoamento violou o disposto no n.º 3 e 4 do artigo 590.º do Código de Processo Civil.
10.Mais se invoca para efeitos de eventual e futuro recurso para o Tribunal Constitucional a inconstitucionalidade da sentença recorrida por violar o disposto no artigo 205.º, n.º 1 e artigo 268.º, n.º 4, da nossa Constituição e o Princípio da Tutela Jurisdicional Efetiva.
11. Termos em que deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, devendo a sentença recorrida ser revogada e em consequência deverá ser admitido liminarmente o pedido de suspensão imediato do exercício de funções, seguindo os autos os seus ulteriores termos.
Nestes termos e nos melhores de direito deverá V. Exa. dar provimento ao presente recurso e revogar a sentença recorrida e consequentemente deverá ser ordenada a suspensão imediata do exercício de funções formulado nos autos, assim se fazendo Justiça.
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As questões que importa decidir são:
1.- Saber se estão reunidos os requisitos para a decretação da suspensão imediata dos recorridos do exercício de funções, ao abrigo do artigo 1055.º/1 e 2, do CPC.
2.- A nulidade da decisão por omissão de pronúncia, artigo 615.º/1, d), do CPC, a ausência de convite ao aperfeiçoamento, em violação do disposto no artigo 590.º do CPC e a inconstitucionalidade da decisão por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, artigos 205.º/1 e 268.º/4, da CRP.
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A matéria de facto a considerar é a que consta no requerimento inicial, que em suma são é a seguinte:
1.- Os réus recebem produtos “de toda a gente”, designadamente de produtores espanhóis de azeitona.
2.- O réu (…), Presidente da Direção, utiliza o espaço da cooperativa para ali valorizar os seus produtos, desenvolvendo atividade concorrencial com a da cooperativa.
3.- O recorrente pretendeu consultar documentos contabilísticos da cooperativa, mas tal foi-lhe negado.
4.- O réu presidente dirigiu-se-lhe aos gritos afirmando que “Se fosses mais novo eu sei o que te fazia”, o que lhe provocou receio.
5.- Por sua iniciativa, o réu presidente terá arrendado armazéns que pertencem a um domínio social estabelecido.
6.- Um dos trabalhadores da cooperativa faz trabalhos para o mesmo réu presidente, utilizando um trator da cooperativa.
7.- Ao que parece o réu presidente pretende contruir um hotel nos silos da cooperativa.
8.- O réu presidente expulsou a maior parte dos cooperadores e admitiu cidadãos de nacionalidade estrangeira, residentes fora da área social da cooperativa.
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Conhecendo.
1.- Saber se estão reunidos os requisitos para a decretação da suspensão imediata dos recorridos do exercício de funções, ao abrigo do artigo 1055.º/1 e 2, do CPC.

Dispõe este preceito legal:
1.- O interessado que pretenda a destituição judicial de titulares de órgãos sociais, ou de representantes comuns de contitulares de participação social, nos casos em que a lei o admite, indica no requerimento os factos que justificam o pedido.
2.- Se for requerida a suspensão do cargo, o juiz decide imediatamente o pedido de suspensão, após a realização das diligências necessárias. (…).

A suspensão ou destituição e órgãos sociais é uma ação especial onde se pode enxertar uma providência cautelar, que segue termos cumulativamente com a ação principal, sendo, por isso, uma providência inominada, estando ambos submetidos ao regime dos processo de jurisdição voluntária, ou seja, o juiz não se encontra vinculado a critérios e legalidade estrita.
Para que seja procedente, necessário se torna a verificação de dois requisitos:
- Probabilidade séria de existência do direito invocado;
- Justificado receio de que a demora na resolução definitiva do litígio cause prejuízo irreparável ou de difícil reparação (justa causa).
Por isso, o pedido de suspensão deve ser decidido antes de se avançar para a tramitação da ação principal, ou seja, sem entrar na fase de citação do réu.
Assim sendo, não argumentando o recorrente de que não foram desenvolvidas diligências para se aferir da verificação dos citados requisitos, isso significa que concorda ser a matéria de facto alegada para a destituição a mesma que serve de fundamento à suspensão do cargo dos réus.
O que, aliás, é comum nestes casos.
Ora, a matéria que fundamenta este pedido de providência inominada é a que consta na matéria de facto a considerar e, ao contrário do alegado pelo recorrente, adianta-se desde já, não é suficiente para que se mostrem preenchidos os requisitos legais, como bem decidiu o tribunal a quo.
Com efeito, alegar-se que os réus aceitam produtos de várias proveniências (para rentabilizar o objeto da cooperativa?), que o espaço da cooperativa é utilizado para valorizar os produtos do presidente e, ao mesmo tempo, afirmar-se que tal é permitido pelos estatutos; que não foram mostrados documentos da cooperativa ao recorrente e que o presidente se lhe dirigiu aos gritos; que terão sido arrendados armazéns da cooperativa (sem se afirmar com segurança que existiu um efetivo arrendamento); que um trator terá sido utilizado indevidamente e que se projeta a construção de um hotel (rentabilizando o objeto da cooperativa?), não são factos que, pela sua gravidade possam causar prejuízo irreparável ou de difícil reparação à cooperativa ou ao cooperador recorrente.
Se os factos vieram a confirmar-se na ação principal e se deles se concluir, sem margem para dúvidas, que os réus violaram os estatutos da cooperativa com a sua atuação, isso será motivo de destituição, mas não serve, neste momento, para afastar os réus do exercício dos cargos para que foram eleitos pelos restantes cooperadores.
Assim sendo, deve manter-se o decidido pelo tribunal a quo nesta parte, o que implica a improcedência da apelação.
Neste sentido, cfr. Ac. TRG de 21-04-2022, Proc. 4509/21.4T8GMR-A.G1, Ac. TRP de 26-10-2017 e Proc. 2894/16.9T8STS-A.P1.
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2.- A nulidade da decisão por omissão de pronúncia, artigo 615.º/1, d), do CPC, a ausência de convite ao aperfeiçoamento e a violação do disposto no artigo 590.º/3 e 4, do CPC e a inconstitucionalidade da decisão por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, artigos 205.º/1 e 268.º/4, da CRP.
Quanto à omissão de pronúncia alega o recorrente que o tribunal a quo não decidiu acerca da matéria e facto, pelo que se verifica omissão de conhecimento de questões de que deveria conhecer.
Mas não é assim.
O tribunal ponderou que “Analisada toda a factualidade vertida na petição inicial, constata-se que os factos indicados pelo Requerente e imputados aos Requeridos, designadamente ao Requerido Presidente da Direção da Cooperativa, para sustentarem o pedido cautelar de suspensão, se prolongam no tempo, não fazendo o Requerente qualquer alusão a uma qualquer atividade ou atuação atual por parte dos requeridos que fundamente um qualquer justificado receio de que tais atuações causem à sociedade prejuízo dificilmente reparável se não se verificar a pedida suspensão imediata, sendo que tal sequer foi alegado pelo Requerente.
Assim, falece, desde logo, um dos requisitos necessários para o decretamento da suspensão peticionada.”
Assim sendo, remeteu o tribunal a quo para toda a factualidade constante da petição inicial, de que, aliás, acima se fez uma súmula, factualidade bem conhecida do recorrente porque foi por si alegada na petição inicial.
O que implica improceder a arguida nulidade de omissão de pronúncia, aliás, falta de fundamentação da decisão em crise (al. b) do citado preceito).
Quanto à falta de convite ao aperfeiçoamento, ele só se justifica se os articulados sofrerem de alguma irregularidade ou falta e documento essencial, o que não se verifica no caso dos autos, uma vez que a petição inicial se mostra regularmente fundamentada, mas, ao invés do sustentado pelo recorrente, não contém a factualidade suficiente para que fosse decretada a suspensão imediata dos órgãos sociais como requerido.
Ora, esta factualidade existe ou inexiste, não pode é passar a existir mediante articulado aperfeiçoado, porque os factos a alegar para se obter o efeito desejado, são os que foram descritos e se supõe corresponderem à real situação fáctica a apreciar, situação que foi apreciada e mereceu indeferimento liminar.
O que implica também a improcedência desta arguida nulidade.
Relativamente à inconstitucionalidade da decisão por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, dos princípios da confiança e segurança jurídicas, previstos nos artigos 205.º/1 e 268.º/4, da CRP.
Refere-se o recorrente à ausência de fundamentação da decisão e à garantia da defesa dos direitos dos cidadãos no que concerne à aplicação e direito a uma justiça efetiva.
Ora, como acima se deixou bem expresso, a ação principal de destituição dos titulares dos órgãos sociais da cooperativa irá prosseguir os seus termos e a providência cautelar inominada de suspensão imediata desses titulares foi liminarmente indeferida, por falta de preenchimentos dos legais requisitos.
Assim sendo, a não ser que se entenda que a pretensão de um cidadão quando se dirige ao órgão de soberania tribunal deve sempre merecer provimento, porque só dessa forma se mostram cumpridos os comandos constitucionais acima referidos, o que, obviamente não se pode admitir porque colidiria com o princípio da independência do poder judicial, a forma como o tribunal a quo decidiu mostra-se respeitadora de tais essenciais princípios, pelo que se declara conforme à constituição a decisão recorrida com o entendimento ali expresso.
Em consequência, improcede in totum a apelação, pelo que se confirma a decisão recorrida.
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Sumário:
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DECISÃO.
Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga a apelação improcedente e confirma o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente – Artigo 527.º do CPC.
Notifique.
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Évora, 16-03-2022
José Manuel Barata (relator)
Cristina Dá Mesquita
Eduarda Branquinho