INCIDENTE DE QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
PRAZOS
PRORROGAÇÃO DO PRAZO
Sumário

I. Afirmando agora expressamente a lei a natureza peremptória do prazo para abertura do incidente de qualificação de insolvência, permitindo, contudo, a sua prorrogação à semelhança do que sucede com a contestação no processo comum (cfr. artigo 188.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4, do CIRE[5]) afigura-se que da ausência de previsão expressa não resulta afastada a possibilidade, que já antes era admitida, de também serem prorrogados, mediante despacho judicial que assim decida, quer o prazo da oposição, quer o da resposta, por aplicação do disposto nos artigos 569.º, n.º 5 e 586.º do CPC, ex vi do artigo 17.º, n.º 1, do CIRE.
II. Resultando dos autos que a credora requerente se apresentou a requerer a prorrogação do prazo de resposta quando este se encontrava já findo, incluindo a extensão prevista no artigo 139.º do CPC, sem invocar justo impedimento, operara já o efeito preclusivo, extinguindo-se a faculdade de praticar o acto, atenta a sua natureza peremptória, conforme resulta do artigo 139.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPC, a impor a revogação do despacho que deferiu tal pretensão.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Tribunal Judicial da Comarca de Faro
Juízo de Comércio de Olhão Juiz 2
Proc. n.º 255/22.0T8OLH-C.E1


I. Relatório
Por apenso ao processo de insolvência a que estes autos se encontram apensados, veio a credora (…) requerer a abertura do incidente para qualificação da insolvência como culposa.
Declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência com carácter pleno (cfr. despacho de 13/7/2022, Ref.ª 125038354), foi ordenada posteriormente a citação dos possíveis afectados pela qualificação (…), (…) e (…) para deduzirem oposição, querendo, em 15 dias (cfr. despacho de 12710/2022, Ref.ª 125737262).
Citada a devedora e os requeridos (a requerida … em 15/11/2022, … em 16/11/2022 e … em 28/11/2022), vieram aquelas a apresentar oposição conjunta em 12/12/2022 e o requerido (…) em 16/12/2022, as quais foram notificadas à requerente do incidente mediante ofício certificado a 19/12/2022.
Em requerimento apresentado em 6 de Janeiro de 2023 (Ref.ª 44321545), veio aquela credora requerer a prorrogação do prazo de resposta previsto no artigo 188.º, n.º 10, do CIRE por 10 dias, por forma a permitir o exercício do seu direito ao contraditório de forma consciente.
Invocou para tanto que as oposições apresentadas contêm inúmeros documentos (mais de 500 folhas) de índole financeira e contabilística e elevada complexidade técnica, a exigir uma avaliação por parte de profissionais das áreas respectivas, não se tendo mostrado possível solicitar os pertinentes serviços atendendo ao período festivo (Natal e Ano Novo) que se atravessava, uma vez que foi notificada no dia 19 de Dezembro.
As requeridas (…) e (…) vieram opor-se à requerida prorrogação do prazo, após o que foi proferido despacho em 11/1/2023 (Ref.ª 126778727) com o seguinte teor:
“Ref.ª 10837688: atentos os motivos alegados, defere-se o requerido pela Credora (…), uma vez que se reconhece a complexidade dos autos e volume dos documentos a considerar.
Notifique”.

Inconformadas com a decisão, apelaram as identificadas (…) e (…), recurso a que veio aderir o também interessado (…), cuja alegação remataram com as seguintes conclusões:
A) Os presentes autos de recurso vêm interpostos do douto, aliás despacho eletrónico com a ref.ª 126778727 de 11//01/2023, proferido nos presentes autos pelo Mmo. Juiz do Tribunal a quo, que deferiu o pedido extemporâneo de deferimento do prazo estabelecido no artigo 188.º, n.º 10, do CIRE a pedido da Credora (…).
B) A Credora (…) foi notificada no dia 19/12/2022 das Oposições apresentadas pelos requeridos;
C) No dia 06/01/2023 através do seu requerimento eletrónico com a ref.ª 44321545 veio requerer o deferimento da prorrogação do prazo de resposta previsto no n.º 10 do artigo 188.º do CIRE por 10 dias;
D) As ora recorrentes em 11/01/2023 por requerimento eletrónico com a ref.ª 44370592 vieram responder que não davam a sua concordância à prorrogação do prazo processual de 10 dias marcado pelo n.º 10 do artigo 188.º do CIRE.
E) Nesse mesmo dia, o Mm.º Juiz do Tribunal a quo decidiu “… atentos os motivos alegados, defere-se o requerido pela Credora (…), uma vez que se reconhece a complexidade dos autos e volume de documentos a considerar.
F) Tendo presente o disposto no artigo 138.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e artigos 9.º, n.º 1 e 17.º do CIRE, o prazo de 10 dias marcado no n.º 10 do artigo 188.º do CIRE, considerando que a Credora (…) foi notificada das Oposições no dia 19/12/2022, terminava no dia 02 -01-2023 (Trata-se de um incidente com caráter urgente cujo prazo corre em férias artigo 9.º, n.º 1, do CIRE).
G) A Credora (…) só no dia 6/01/2023, ou seja, no quarto dia após ter terminado esse prazo de 10 dias e sem alegar qualquer motivo de justo impedimento, veio formular o pedido de prorrogação plasmado no requerimento com a ref.ª 44321545.
H) Fora do período de 10 dias marcado por lei (n.º 10 do artigo 188.º do CIRE) e sem que tenha sido alegado justo impedimento; e também fora dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, pelo que também não poderia ser praticado mesmo com o pagamento de multa.
I) Fê-lo, portanto, em momento processual em que já havia precludido essa possibilidade.
J) O que vale por dizer que, tratando-se sem margem para dúvidas de um prazo perentório final, extintivo ou resolutivo, o direito a praticar o ato precludiu por aplicação do regime legal acima descrito.
K) Salvaguardando o devido respeito, padece de ilegalidade o despacho prolatado sob a ref.ª 126778727, de 11-01-2023, por intermédio do qual foi deferida a requerida prorrogação de um prazo que estava extinto nos termos do artigo 139.º, n.º 3 , por 10 (dez) dias.
L) Tal decisão, ainda que sustentada em factos, parte de um exercício jurídico formal realizado pelo Tribunal decidente, cujo desiderato veio a ser a apresentação da Resposta às Oposições pela Credora (…) em 17/01/2023, através do requerimento com a ref.ª 44432098.
M) Assim, tal como se referiu o último dia do referido prazo de resposta n.º 10 do artigo 188.º do CIRE – ocorreu no dia 2 de Janeiro de 2023 e o pedido de prorrogação desse prazo podia ter sido efetuada até ao dia 5 de janeiro de 2235 com o pagamento da multa prevista no artigo 139.º, n.º 5.
N) Como apenas em 6 de janeiro de 2023 a Credora (…) deu entrada do requerimento de pedido de prorrogação do prazo, estava então este fora do prazo legal.
O) O despacho recorrido, ao prorrogar um prazo já extinto, errou, de direito, tendo violado, designadamente, o disposto nos artigos 9.º, n.º 1, 188.º, n.º 10, do CIRE e artigos 138.º e 139.º, n.º 3, ambos do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 17.º do CIRE .
P) A equidistância e a igualdade substancial das partes, a que alude o artigo 4.º do CPC, não podem ser olvidadas pelo juiz em todos os atos que pratica no processo, cabendo-lhe aplicar as cominações ou sanções processuais que a lei determina, onde se inclui ordenar o desentranhamento do pedido de prorrogação do prazo extinto mais de três dias após o seu termo e sem que se alegue e demonstre justo impedimento”.
Com os transcritos fundamentos requereu a revogação da decisão proferida pela 1.ª instância e sua substituição por outra que ordene o desentranhamento da resposta apresentada pela Credora (…).
Contra alegou a credora requerente, defendendo a tempestividade do requerimento e consequente legalidade da decisão recorrida.
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Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, constitui única questão a decidir determinar se o despacho recorrido, ao deferir a prorrogação do prazo de resposta às oposições deduzidas no âmbito do incidente de qualificação da insolvência, o fez fora dos pressupostos legais da respectiva admissibilidade.
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II. Fundamentação
Relevam para a decisão os factos ocorridos no processo relatados em I., cumprindo aferir da tempestividade do pedido de prorrogação do prazo formulado pela requerente do incidente e consequente legalidade do despacho que tal deferiu.
Antes de mais, importa referir que pese embora a lei afirme agora de forma expressa a natureza peremptória do prazo para abertura do incidente de qualificação de insolvência, permitindo, contudo, a sua prorrogação à semelhança do que sucede com a contestação no processo comum (cfr. artigo 188.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4, do CIRE[1]) afigura-se que da ausência de previsão expressa não resulta afastada a possibilidade, que já antes era admitida, de também serem prorrogados, mediante despacho judicial que assim decida, quer o prazo da oposição[2], quer o da resposta, por aplicação do disposto nos artigos 569.º, n.º5 e 586.º do CPC, ex vi do artigo 17.º, n.º 1, do CIRE.
Ainda a título prévio, impõe-se esclarecer que a limitação do direito ao recurso consagrada no n.º 6 do artigo 569.º do CPC, sendo emanação do princípio geral da irrecorribilidade dos despachos proferidos no exercício legal de um poder discricionário atribuído ao julgador (cfr. artigo 630.º, n.º 1, do CPC) não se aplica aos casos, como o vertente, em que vem invocada violação da lei, estando em causa a tempestividade do pedido de prorrogação.
Feitos tais prévios esclarecimentos, importa atentar na tramitação do incidente de qualificação da insolvência, de que se ocupa o citado artigo 188.º.
Aberto o incidente e não exercendo o juiz a faculdade que lhe é conferida pelo n.º 8 do preceito em análise, ordena a notificação do devedor e a citação pessoal daqueles que, em seu entender, devam ser afectados pela qualificação da insolvência como culposa, para querendo, deduzirem oposição em 15 dias (cfr. n.º 9). A tramitação não se encerra com o oferecimento da oposição, prevendo-se no n.º 10 a apresentação de resposta por banda do AI, do MP e de qualquer interessado que assuma posição contrária à das oposições, a oferecer “dentro dos 10 dias subsequentes ao termo do prazo referido no número anterior”, determinando depois o n.º 11 a aplicação, com as necessárias adaptações, das disposições contidas nos artigos 132.º a 139.º.
Comentando o preceito em análise ensinam os Profs. C. Fernandes e J. Labareda[3] que “Sendo de admitir que o prazo do n.º 6 [n.º 9 na redacção actual] não termine ao mesmo tempo para todos os oponentes, dados os diferentes formalismos dos meios por que são chamados ao processo, deve entender-se que o prazo do n.º 7 [actual n.º 10] começa a contar quando acabe o último dos prazos do n.º 6”, entendimento que encontra fundamento no princípio da economia processual porquanto, a admitir-se diversamente, teriam de ser apresentadas tantas respostas quantas as oposições deduzidas em prazos diferentes, solução que o preceito não impõe e o convocado princípio enjeita.
No caso vertente, tendo o requerido (…), citado em último lugar, oferecido a sua oposição no termo do prazo, as oposições deduzidas vieram a ser, todas elas, notificadas à requerente por ofício cuja expedição se mostra certificada em 19/12/2022, presumindo-se assim a sua notificação -presunção não ilidida- efectuada no dia 22/12/2022.
Estando em causa processo de natureza urgente, de que comungam todos os seus apensos, incluindo o da qualificação de insolvência (cfr. artigo 9.º, n.º 1, do CIRE) – questão que, de resto, não se encontra controvertida –, o prazo de resposta terminou em 2 de Janeiro de 2022, 1.º dia útil posterior ao termo do prazo, atenta a regra da continuidade constante do artigo 138.º do CPC, nos seus n.ºs 1 e 2, a tal não obstando o facto de recair em período de férias judiciais, valendo aqui a doutrina fixada no AUJ 1/2021, de 15 de Abril, in DR n.º 112/2021, Série I, de 11/6/2021, nos termos do qual “Os actos inseridos na tramitação dos processos qualificados como urgentes, cujos prazos terminem em férias judiciais, são praticados no dia do termo do prazo, não se transferindo a sua prática para o primeiro dia útil subsequente ao termo das férias judiciais”. Tendo o prazo terminado em 2 de Janeiro, 2.ª feira, o acto poderia ainda ter sido praticado num dos três dias úteis subsequentes, mediante o pagamento de uma multa, conforme prevê o artigo 139.º do CPC.
Resulta, porém, dos factos relatados e consolidados nos autos que a credora requerente apenas em 6 de Janeiro se apresentou a requerer a prorrogação do prazo, que já se encontrava findo, incluindo a extensão prevista no artigo 139.º do CPC, o que nos isenta de discutir se a prorrogação pode ser requerida ainda num destes dias[4].
Alega a apelada, em contrário do que vem de se dizer, que, podendo em tese qualquer credor ser contrário à oposição deduzida, sendo que grande parte não foi notificada, por aplicação do regime consagrado no n.º 2 do artigo 569.º do CPC, atendendo ao princípio da igualdade de armas, deverá entender-se que o prazo nem sequer se iniciou ainda.
Não tem, contudo, razão.
Com efeito, é, antes de mais, duvidoso que o regime do n.º 2 do artigo 569.º do CPC seja transponível para o incidente de qualificação da insolvência (v., pronunciando-se de forma clara em sentido contrário, Profs. Carvalho Fernandes e J. Labareda, CIRE Anotado, 2.ª edição, pág. 730., afirmando que a oposição de cada um dos chamados ao incidente deve ser apresentada no prazo de 15 dias a contar da respectiva notificação ou citação, não havendo lugar à aplicação da regra como a do artigo 569.º, n.º 2, do CPC). De todo o modo, não tendo sido suscitada a questão da (in)tempestividade das oposições deduzidas, questão que se encontra assim subtraída aos poderes de cognição deste Tribunal, cabe todavia rejeitar que uma tal solução seja aplicável à resposta, entendimento que não encontra apoio, nem na tramitação do incidente de qualificação, nem tão pouco nas normas do código do processo civil, que não contempla para os articulados subsequentes, quando a eles haja lugar, norma idêntica à excepcional consagrada no citado n.º 2 do artigo 569.º do CPC. E não vale aqui apelar ao princípio da igualdade de armas, uma vez que a solução consagrada no preceito em causa assenta em razões de racionalidade na gestão do processo e economia de meios, não beliscando o direito das partes ao exercício do contraditório e a influenciarem o processo, posto que prevê para tanto o dito articulado de resposta.
A ora apelada veio, pois, sem invocar justo impedimento, requerer a prorrogação do prazo previsto no citado n.º 10 do artigo 188.º do CIRE quando este já estava findo, decurso do prazo que operou o efeito preclusivo, extinguindo a possibilidade de praticar o acto, atenta a sua natureza peremptória, conforme resulta do artigos 139.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPC. E assim é também porque, conforme se referiu e reitera, uma vez autorizada a prorrogação do prazo – e só pode prorrogar-se o prazo que ainda não expirou –, fica a haver um único, cuja duração corresponde à soma dos dois períodos, que se conta seguido, de acordo com a regra da continuidade consagrada no artigo 138.º, n.º 1, o que não se compadece com aquilo que seria a concessão de um novo prazo após o primeiro se ter esgotado (cfr. acórdãos deste TRE de 10/3/2022, processo n.º 1951/16.6T8ENT-A.E3 e de 5/11/2020, processo n.º 1884/19.4T8EVR-A.E1 e do TRG de 7/2/2019, processo n.º 7135/15.1T8GMR-C.G1, todos acessíveis em www.dgsi.pt).
Procedentes os fundamentos do recurso, impõe-se revogar a decisão recorrida.
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III. Decisão
Acordam os juízes da 2.ª secção cível em julgar procedente o recurso, revogando a decisão recorrida e indeferindo a pela credora requerente pedida prorrogação do prazo, com o consequente desentranhamento da resposta oferecida, devendo o incidente prosseguir depois os seus regulares termos.
As custas do recurso serão suportadas pela recorrida, que decaiu (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
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Sumário:
(…)
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Évora, 16 de Março de 2023
Maria Domingas Simões
Ana Margarida Leite
José Manuel Barata
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[1] Diploma a que pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser citadas sem menção da sua origem.
[2] Cfr., neste preciso sentido, o acórdão do TRP de 25/9/2018, processo 1211/17.1T8AMT-J.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[3] CIRE Anotado, 2.ª edição, pág. 730.
[4] Ainda que se tenda a considerar que, ao invés do que ocorre com o justo impedimento, que bem poderá verificar-se no prazo dito de complacência consagrado no n.º 5 do artigo 139.º (cfr., neste sentido, acórdãos do STJ de 23/2/2021, no processo 671/19.4T8FNC.L1.S1, e do TRG de 31/10/2018, no processo 9/18.7T8BRG-A.G1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt), o pedido de prorrogação terá que ser deduzido dentro do prazo inicial, posto que aquela disposição reporta-se à prática do acto e, se concedida a prorrogação, estar-se-á perante um único prazo prolongado, que obedece na sua contagem à regra da continuidade e a que acrescerá, eventualmente, a extensão prevista no artigo 139.º – vide decisão singular de 30/11/2010, proferida na reclamação 322/08.2TBVCD-A.P1, 2.ª secção e o acórdão do STJ de 28/11/2017, no processo 1050/09.7TBBGC.G1.S1, acessíveis no indicado sítio, esclarecendo-se que “O prazo suplementar dos três dias úteis previsto no artigo 139.º, n.º 5, do CPC, apenas pode ser contado no termo do prazo total – prazo inicial e prorrogação – e não no termo do prazo inicial”.
[5] Diploma a que pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser citadas sem menção da sua origem.