INCIDENTE DE QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
MEIOS DE PROVA
Sumário

I - Sendo deduzida oposição ao incidente de qualificação da insolvência, tem o oponente o ónus de oferecer todos os meios de prova de que disponha com a oposição, sendo este o momento processual próprio para a apresentação dos meios probatórios;
II - Incumbindo ao oponente o ónus de apresentar as testemunhas arroladas, o incumprimento desta obrigação, com a consequente falta de comparência daquelas à audiência final, não pode ser suprido mediante requerimento visando se ordene a notificação das testemunhas faltosas para depor, sendo certo que fora anteriormente indeferida a requerida notificação de tais testemunhas e o requerente advertido de que deveria apresentá-las.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Processo n.º 2006/21.7T8STR-B.E1-A
Juízo de Comércio de Santarém
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém



Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:


1. Relatório

Nos autos de insolvência que constituem o processo principal, em que foi declarada insolvente a empresa (…) – Unipessoal, Lda., o administrador da insolvência propôs a qualificação da insolvência como culposa, com afetação do sócio gerente da insolvente, (…), com fundamento no preenchimento do disposto do artigo 186.º, n.ºs 2, alíneas g), h) e i), e 3, alíneas a) e b), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).
Declarado aberto o incidente de qualificação de insolvência, o Ministério Público teve vista aos autos, pronunciando-se no sentido da verificação das situações previstas no artigo 186.º, n.ºs 2, alíneas g), h) e i), e 3, alíneas a) e b), do CIRE, e da qualificação da insolvência como culposa, com afetação do sócio gerente da insolvente, (…).
Notificada a devedora e citado (…), este deduziu oposição, sustentando que não se encontram preenchidos os requisitos legais da qualificação da insolvência como culposa e concluindo dever considerar-se «improcedente o incidente de qualificação de insolvência por não provada a culpa do ora Oponente»; mais arrolou duas testemunhas e requereu a respetiva notificação, requereu a prestação de depoimento pelo requerido, bem como «seja ordenada à Sr. Dra. (…), para prestar declarações nos autos presentes na qualidade de TOC da Insolvente, uma vez que é imprescindível tal depoimento para a descoberta da verdade».
Notificados da oposição apresentada, o administrador da insolvência e o Ministério Público não apresentaram resposta.
Por despacho de 24-10-2022, foi dispensada a realização de audiência prévia, proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio, enunciados os temas da prova e apreciados os requerimentos probatórios; no que respeita aos meios de prova, extrai-se do aludido despacho o seguinte:
«(…)
IV. Requerimentos Probatórios

*
Depoimento de parte
O requerido (…) veio requerer a prestação de depoimento.
Sendo o requerido parte nos presentes autos, o seu depoimento como testemunha não é admissível, nos termos do artigo 496.º do CPC.
Mais, e no que diz respeito a eventual depoimento de parte (caso seja essa a pretensão do requerido), o mesmo também não é possível, já que o depoimento de parte destina-se a obter a confissão da parte contrária (artigo 352.º do CC).
Por tal motivo indefere-se o requerido.
*
Prova testemunhal
Admito o rol de testemunhas apresentado pelo requerido (...).
Adverte-se as partes de que as testemunhas são a apresentar, nos termos dos artigos 25.º, n.º 2 e 134.º, n.º 1, ex vi do artigo 188.º, n.º 8, do CIRE, pelo que se indefere a notificação das testemunhas indicadas, designadamente de (…).
*
Ao abrigo do disposto no artigo 139.º, alínea a), do CIRE, determino a audição do Senhor Administrador de Insolvência.»
No decurso da audiência final realizada a 16-11-2022, foi apresentado pelo oponente (…) o requerimento seguinte:
«No princípio do inquisitório, uma vez que o juiz não se encontra vinculado ao parecer do administrador e do Ministério Público, não há entre nós elementos que não sejam só especulações e deturpações, pois, que a culpabilidade e nexo de causalidade têm de ficar demonstrados no processo, vem requerer a V. Exa., que notifique a técnica de contas e mandatário da insolvente com domicílio nos autos principais, a fim de contribuírem para a descoberta da verdade e a realização da justiça prestando os esclarecimentos tidos por convenientes.
Espera deferimento.»
Consta da ata da audiência final que o Ministério Público se pronunciou sobre o requerido, comunicando «nada ter a opor à audição da técnica de contas».
De seguida, foi proferido despacho, exarado na aludida ata nos termos seguintes:
«Nos termos do artigo 186.º, n.º 11, do CIRE, é aplicável à tramitação do presente Incidente de Qualificação os artigos 132.º e 139.º do mesmo diploma legal, por via do artigo 134.º, n.º 1, é aplicável pois também ao Incidente de Qualificação o disposto no artigo 25.º, n.º 2. Nos termos de tal preceito legal, todos os meios de prova devem ser oferecidos com o articulado respetivo, devendo ainda as testemunhas ser apresentadas pelas partes.
Tal norma, é uma norma especial relativamente ao CPC, pretendendo imprimir celeridade ao presente processo.
As irregularidades na contabilidade a que o senhor Administrador de Insolvência fez referência nas declarações que prestou constavam já dos elementos fornecidos pelo mesmo aos autos, não tendo consequentemente advindo nenhum elemento novo de tais declarações, pelo que, a pretender realizar o requerimento probatório que agora realizou deveria o ilustre patrono tê-lo feito com a oposição apresentada, o que não fez, parecendo o mesmo querer colmatar o facto das testemunhas que indicou não terem sido apresentadas.
Face ao exposto indefere-se o requerido, uma vez que não foi tempestivamente apresentado.
Notifique».

Inconformado, o oponente (…) interpôs recurso desta decisão, pugnando para que seja revogada e substituída por outra que defira o requerido, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«a) O tribunal a quo indeferindo o requerimento do recorrente datado de 16 de Novembro de 2022, ora em discussão, violou os artigos 11.º do CIRE e 411.º e 436.º do CPC.
b) Decisão com a qual não concordamos e da qual recorremos.
c) Salvo o devido respeito por opinião contrária, os argumentos invocados para justificar o indeferimento carecem de fundamentação legal e até factual.
d) Deveria o tribunal ora recorrido ter proferido decisão que ordenasse conforme o requerimento de prova.
e) Na verdade, conforme se pode colher, o próprio administrador judicial afirmou que nunca esteve presencialmente com a TOC e a mesma nunca lhe explicou o porquê de não haver conciliação bancária! (Será que não havia conciliação bancária?)
f) Por um lado, temos de ter a certeza se de facto houve ou não contacto com a TOC da insolvente ou se apenas o AI ajuizou sobre os dados contabilísticos que foram trazidos pela insolvente aquando da sua apresentação à insolvência.
g) Por outra via, só um TOC pode de forma concludente explicar se tais discrepâncias obviam a situação deficitária. (veja-se que vem aos autos, não se sabendo como, uma transferência de 1,7 milhões de euros que a insolvente pagou a uma sua credora e conclui-se que tal não se encontrava vertido em termos contabilísticos).
h) Densificando, o Sr. AI não conseguiu explicar ao tribunal e foi questionado sobre isso, o que o levou a elencar as alíneas g, h, e l, do 186.º, n.º 2, do CIRE?
i) S.M.O., não conseguiu esclarecer em que medida é que a situação deficitária da empresa se deveu ao interesse pessoal do ora requerido. Da mesma maneira não se alcança como não tinha a insolvente contabilidade organizada uma vez que o que resulta dos autos principais até, é o seu contrário!
j) Numa outra perspetiva não se concebe nem se pode concluir que o requerido não tenha cumprido com os seus deveres de colaboração e apresentação. Não se esqueça que foi ele que apresentou a insolvência da empresa e até hoje a insolvente se encontra representada por mandatário – Advogado (e, pelo que afirmou o AI, mantinha contactos com o mesmo)
k) Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas., doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência revogada a decisão proferida».
Não foram apresentadas contra-alegações.
Face às conclusões das alegações do recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar se é de deferir o requerimento probatório apresentado no decurso da audiência final.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

2. Fundamentos

2.1. Tramitação processual
Relevam para a apreciação das questões suscitadas na apelação, além dos elementos elencados no relatório supra, ainda o seguinte elemento constante do apenso B:
- consta da ata da audiência final realizada a 16-11-2022 a falta das testemunhas (…) e (…), arroladas pelo ora apelante e a apresentar.

2.2. Apreciação do objeto do recurso
Vem posto em causa na apelação o despacho interlocutório de indeferimento de requerimento, apresentado pelo apelante no decurso da audiência final do incidente de qualificação da insolvência, visando se determine, com fundamento no princípio do inquisitório, a notificação da técnica oficial de contas e do mandatário da insolvente para prestação dos esclarecimentos tidos por convenientes.
Considerou a primeira instância que, no âmbito do incidente de qualificação da insolvência, os meios de prova devem ser oferecidos com o articulado respetivo e cabe ao requerente apresentar as testemunhas arroladas, motivo pelo qual se indeferiu, por extemporâneo, o requerido pelo apelante no decurso da audiência final, consignando-se que da prova entretanto produzida não adveio nenhum elemento novo e que se afigura pretender o requerente colmatar a falta de apresentação das testemunhas que indicou.
Discordando de tal entendimento, o apelante alega que a decisão recorrida violou o disposto no artigo 11.º do CIRE, bem como nos artigos 411.º e 436.º do CPC, e defende dever ser determinada a produção dos meios de prova que requereu, sustentando, em síntese, que «é na audiência de julgamento que se produz prova e nessa démarche cfr se pode constatar da gravação do depoimento que foi prestado pelo Sr. Administrador de Insolvência (…), tudo o que se evidenciou foram especulações e deturpações».
Vejamos se deve ser determinada a produção dos meios probatórios que a decisão recorrida rejeitou.
Após a declaração de insolvência da empresa (…) – Unipessoal, Lda., o senhor administrador da insolvência solicitou a abertura do incidente de qualificação da insolvência, propondo a qualificação da insolvência como culposa, com afetação do sócio gerente da insolvente, o ora apelante (…) que, declarado aberto o incidente, foi citado e deduziu oposição.
Regulando a tramitação do incidente pleno de qualificação da insolvência, dispõe o artigo 188.º do CIRE, além do mais, o seguinte:
1 - O administrador da insolvência ou qualquer interessado pode alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação, no prazo perentório de 15 dias após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º, cabendo ao juiz conhecer dos factos alegados e, se o considerar oportuno, declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos 10 dias subsequentes.
(…)
5 - O despacho que declara aberto o incidente de qualificação da insolvência é irrecorrível, sendo de imediato publicado no portal Citius.
(…)
7 - O parecer e as alegações referidos nos números anteriores vão com vista ao Ministério Público, para que este se pronuncie, no prazo de 10 dias.
8 - Se tanto o administrador da insolvência como o Ministério Público propuserem a qualificação da insolvência como fortuita, o juiz pode proferir de imediato decisão nesse sentido, a qual é insuscetível de recurso.
9 - Caso não exerça a faculdade que lhe confere o número anterior, o juiz manda notificar o devedor e citar pessoalmente aqueles que em seu entender devam ser afetados pela qualificação da insolvência como culposa para se oporem, querendo, no prazo de 15 dias; a notificação e as citações são acompanhadas dos pareceres do administrador da insolvência e do Ministério Público e dos documentos que os instruam.
10 - O administrador da insolvência, o Ministério Público e qualquer interessado que assuma posição contrária à das oposições pode responder-lhe dentro dos 10 dias subsequentes ao termo do prazo referido no número anterior.
11 - É aplicável às oposições e às respostas, bem como à tramitação ulterior do incidente da qualificação da insolvência, o disposto nos artigos 132.º a 139.º, com as devidas adaptações.
Face ao estatuído no n.º 11 do citado preceito, cumpre atender ao n.º 1 do artigo 134.º do CIRE, relativo à reclamação de créditos, que dispõe o seguinte: 1 - Às impugnações e às respostas é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 25.º.
Por força do disposto no n.º 1 deste artigo 134.º, adaptado à tramitação do incidente de qualificação da insolvência, mostra-se aplicável à oposição e à resposta o n.º 2 do artigo 25.º do mesmo código, com a redação seguinte: 2 - O requerente deve ainda oferecer todos os meios de prova de que disponha, ficando obrigado a apresentar as testemunhas arroladas, com os limites do artigo 511.º do Código de Processo Civil.
Decorre deste regime que, sendo deduzida oposição ao incidente de qualificação da insolvência, tem o oponente o ónus de oferecer todos os meios de prova de que disponha com a oposição, sendo este o momento processual próprio para a apresentação dos meios probatórios.
Nesta conformidade, mostra-se correta a decisão recorrida, ao considerar extemporâneo o requerimento probatório apresentado pelo apelante no decurso da audiência final, o que não é posto em causa na apelação, em que o recorrente não se pronuncia sobre a tempestividade do requerimento apresentado.
O apelante baseia a solução que defende no princípio do inquisitório, justificando a pertinência das diligências probatórias que requereu e invocando o disposto no artigo 11.º do CIRE, bem como nos artigos 411.º e 436.º do CPC.
No que respeita ao artigo 436.º do CPC, que se reporta à requisição de documentos pelo tribunal, não se vislumbra que as regras nele estabelecidas sejam aplicáveis à situação em análise, relativa à inquirição de pessoas em sede de audiência final.
Quanto ao artigo 411.º do CPC, sob a epígrafe Princípio do inquisitório, dispõe o seguinte: Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.
Por seu turno, o artigo 11.º do CIRE, sob a epígrafe Princípio do inquisitório, dispõe o seguinte: No processo de insolvência, embargos e incidente de qualificação de insolvência, a decisão do juiz pode ser fundada em factos que não tenham sido alegados pelas partes.
Em anotação a este último preceito, Luís A. Carvalho Fernandes/João Labareda (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa Anotado, 3.ª edição, Lisboa, Quid Juris, 2015, pág. 118) afirmam o seguinte: «Do que se trata no preceito em anotação é de permitir ao juiz encarregado do processo que, na apreciação do pedido, nos embargos à decisão declaratória prolatada e nos incidentes de qualificação, se sirva de outros factos para além dos alegados pelas partes para fundamentar as decisões que profira». Reportando-se à regra do inquisitório consagrada no Código de Processo Civil, acrescentam os autores (loc. cit.): «A ressalva da parte final deste artigo 411.º é determinante, porquanto limita drasticamente o poder de intervenção por iniciativa própria do juiz, o qual, para além dos factos alegados pelas partes, só pode considerar os enunciados nas alíneas do n.º 2 do artigo 5.º (cfr. também artigo 412.º). (…) Poderes inquisitórios amplos só existem, com carácter geral, no domínio dos processos de jurisdição voluntária, segundo o que consta do n.º 2 do artigo 986.º do Código de Processo Civil. (…) Por ser assim, já se vê como o artigo 11.º exceciona o regime geral».
No âmbito do presente incidente de qualificação de insolvência, à luz do estatuído nos artigos 411.º do CPC e 11.º do CIRE, dúvidas não há de que incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, podendo decisão ser fundada em factos que não tenham sido alegados pelas partes.
Estando em causa, no caso presente, a inquirição oficiosa de determinadas pessoas na audiência final, releva o estatuído no artigo 526.º do CPC, com a epígrafe Inquirição por iniciativa do tribunal, cujo n.º 1 dispõe o seguinte: 1 - Quando, no decurso da ação, haja razões para presumir que determinada pessoa, não oferecida como testemunha, tem conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa, deve o juiz ordenar que seja notificada para depor.
Afirmam João de Castro Mendes/Miguel Teixeira de Sousa (Manual de Processo Civil, volume I, Lisboa, AAFDL Editora, 2022, pág. 506) que, fixado «o complexo de factos a provar, o juiz é livre quanto à determinação das diligências através das quais a prova será feita: é o que estabelece o artigo 411.º (e a regra é repetida, em pontos concretos, como por exemplo os dos artigos (…) 526.º, n.º 1 (inquirição oficiosa de testemunhas))».
O juiz, conforme explica José Lebre de Freitas (Introdução ao processo civil, 4.ª edição, 2017, Coimbra, Gestlegal, pág. 179), tem «o dever de ordenar o depoimento testemunhal de pessoa que haja razões para presumir, no decurso da ação, que tem conhecimento de factos importantes para a decisão da causa (artigo 526.º-1)». Esclarecem José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, páginas 415-416), em anotação ao artigo 526.º, «que o juiz não tem um poder discricionário (…), mas um poder vinculado, devendo tomar a iniciativa da prova quando os requisitos do n.º 1 se verifiquem, sob pena de nulidade, nos termos gerais do artigo 195.º (a arguir no decurso da audiência em que se verificou, na presença da parte (…)».
Cumpre apreciar se se verificam os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 526.º e se, em conformidade, deveria o juiz ter ordenado a notificação das pessoas em causa para depor.
Extrai-se do relatório supra que o apelante, no requerimento probatório apresentado com a oposição que deduziu, arrolou duas testemunhas, uma das quais o Sr. Advogado constituído como mandatário da insolvente no processo principal, Dr. (…), bem como requereu a inquirição de (…), na qualidade de técnica oficial de contas da insolvente; mais requereu se determinasse a notificação dessas três pessoas.
Por despacho de 24-10-2022, foi admitido o rol de testemunhas apresentado e indeferida a requerida notificação das testemunhas indicadas, designadamente de (…), advertindo-se as partes de que as testemunhas são a apresentar.
Conforme decorre de 2.1., consta da ata da audiência final realizada a 16-11-2022 a falta das testemunhas (…) e (…), arroladas pelo apelante e a apresentar.
Ora, no decurso da audiência final nessa data realizada, o apelante, invocando o princípio do inquisitório, requereu se ordenasse a notificação para depor dessas duas pessoas, que arrolara como testemunhas e não apresentara.
Tratando-se de testemunhas arroladas pelo apelante, tal afasta o preenchimento de um dos requisitos previstos no n.º 1 do citado artigo 526.º, que se reporta a pessoa não oferecida como testemunha.
Acresce que, incumbindo ao apelante o ónus de apresentar as aludidas testemunhas, não se vislumbra que o incumprimento desta obrigação, com a consequente falta de comparência daquelas à audiência final, possa ser suprido mediante requerimento visando se ordene a notificação das testemunhas faltosas para depor, sendo certo que fora anteriormente indeferida a requerida notificação de tais testemunhas e o requerente advertido de que deveria apresentá-las.
Aqui chegados, sempre se dirá que a eventual pertinência do depoimento das pessoas em causa não decorre do requerimento apresentado pelo apelante na audiência final, de cuja fundamentação – limitada à afirmação seguinte: «não há entre nós elementos que não sejam só especulações e deturpações, pois, que a culpabilidade e nexo de causalidade têm de ficar demonstrados no processo» – não se extrai qualquer elemento relativo à presumível importância de tais meios de prova, não se mostrando justificada a pretendida inquirição por iniciativa do tribunal.
Em anotação ao citado artigo 526.º, afirmam António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Coimbra, Almedina, 2020, pág. 577) o seguinte: «A intervenção oficiosa do juiz deve assumir uma natureza complementar relativamente ao ónus da iniciativa da prova que impende sobre cada uma das partes, não podendo servir para superar, de forma automática, falhas processuais reveladas designadamente através da omissão de apresentação do requerimento probatório em devido tempo ou sequer da alteração do rol de testemunhas até ao limite definido (…)». Acrescentam os autores (ob. cit., págs. 577-578): «Dentro deste condicionalismo, a aplicação do preceito não exige que a pertinência do depoimento de alguma pessoa advenha da inquirição de outra, bastando que a convicção acerca da importância do depoimento releve dos autos (v.g. de algum articulado ou documento apresentado). Já parece, em geral, insuficiente que a testemunha seja revelada pela própria parte a quem interessa a sua inquirição (…), considerando as amplas possibilidades conferidas às partes no que concerne à apresentação e alteração ou aditamento do rol de testemunhas (…). Solução ainda mais irrazoável nos casos em que a parte nem sequer apresentou o requerimento probatório ou o rol de testemunhas nos momentos oportunos. Nada obsta, no entanto, a que, noutras situações, seja formulada pela parte interessada alguma sugestão no sentido da inquirição adicional».
Tendo-se concluído que não se mostram preenchidos os requisitos previstos no n.º 1 do citado artigo 526.º, afastada se encontra a pretendida inquirição por iniciativa do tribunal das aludidas testemunhas, arroladas pelo apelante e não apresentadas na audiência final.
Improcede, assim, a apelação, cumprindo confirmar a decisão recorrida.

Em conclusão:
(…)

3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Notifique.
Évora, 16-03-2023
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
(Relatora)
José Manuel Barata
(1.º Adjunto)
Cristina Dá Mesquita
(2.ª Adjunta)