CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO COM ESTRANGEIRO NÃO RESIDENTE
CONTRATO ESPECIAL A TERMO CERTO
LEI IMPERATIVA ANGOLANA
ANTECIPAÇÃO DO TERMO DO CONTRATO
ABUSO DO DIREITO
INCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO
Sumário

I – O contrato de trabalho com estrangeiro não residente é um contrato especial, por imperativo legal, de duração determinada a termo certo (artigo 51º, n.º 1, da Lei n.º 2/07) que deve ser reduzido a escrito e nunca convertível em contrato de trabalho por tempo indeterminado ou sem termo, sob pena de nulidade.
II – No nº 2 do artigo 15.º da LGT angolana prevê-se a antecipação do termo do contrato, uma forma de cessação do contrato de trabalho, sendo certo que este pode cessar por decisão unilateral de qualquer das partes, oponível à outra – artigo 198.º, n.º 2, c), da mesma LGT.
III – Se a antecipação do termo do contrato for considerada ilícita, por força do disposto no n.º 3 do artigo 208.º da LGT aplicável, o empregador é obrigado a proceder à reintegração e a pagar os salários e complementos que o trabalhador deixou de receber até à reintegração.
IV – Não se tendo apurado que o Réu recorreu a um expediente de múltiplos contratos por tempo determinado para abrupta e injustificadamente cessar o vínculo contratual com o Autor, inexiste qualquer atuação do recorrido em abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium, posto que não estamos perante qualquer exercício ilegítimo de um direito, na medida em que o Réu não excedeu <<manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito>> - artigo 334.º do CC.
V – Não resultando dos factos provados que tivesse sido acordado entre Autor e Réu o pagamento da retribuição em dólares americanos, tendo sido estabelecido nos CT2013, CT2015, CT2016, CT2018 e CT2019 o valor da remuneração do Autor em kwanzas e em seguida efetuada a correspondência ao montante equivalente em dólares americanos, sendo que, no contrato de trabalho de estrangeiro não residente datado de 15/01/2020 a retribuição é fixada em Kwanzas sem referência ao dólar americano e a desindexação da retribuição do Autor ao dólar americano foi uma medida geral aplicada a todos os trabalhadores do Réu e imposta por critérios de gestão, bem como por pressão da autoridade de supervisão (BNA), em consonância com a política monetária governamental, a desindexação decidida pelo Réu não consubstancia o incumprimento de uma obrigação contratual.
VI – Em sede de recurso, não é possível invocarem-se questões novas não suscitadas anteriormente nos autos, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Apelação n.º 3213/21.VIS.C1

Acordam[1] na Secção Social (6.ª Secção) do Tribunal da Relação ...:

I - Relatório

AA, residente em ...,

intentou a presente ação de processo comum, contra

Banco 1..., SA, com sede em Luanda

alegando, em síntese que:

Foi formalmente admitido ao serviço do Réu em 03/12/2009, mediante um contrato de destacamento celebrado entre o Banco 2..., o Réu e o Autor, tendo exercido durante 11 anos as funções de diretor da banca de empresas do Réu; em 2017 o Réu propôs-lhe que se desvinculasse do Banco 2..., propondo-lhe um contrato de trabalho por tempo indeterminado, mantendo a categoria e o estatuto remuneratório de que gozava no Banco 1..., proposta formalizada por carta contrato de 23/05/2017, no entanto, o Réu, a partir de julho de 2020, deixou de pagar ao Autor a componente respeitante à remuneração anteriormente paga pelo Banco 2...; em 29/10/2020, o Réu comunicou ao Autor que entendia que o vínculo que ligava ao Autor ao Réu era, afinal, um contrato por tempo determinado, pondo termo ao mesmo com efeitos imediatos; dada a necessidade de o Autor obter um visto de trabalho para poder trabalhar em Angola, o Réu preparou e solicitou ao Autor que assinasse um contrato de trabalho de estrangeiro não residente, a termo certo, pelo período de um ano, renovável até ao máximo de três anos, para o exercício das funções de diretor comercial do banco Réu, apenas e tão só com o exclusivo propósito e finalidade de obtenção daquele visto; o Réu enviou ainda ao Autor mais três contratos de trabalho de estrangeiro não residente, a termo certo, para assinatura em 18/03/2013, 02/12/2015 e 21/11/2016, sujeitos a condição suspensiva de concessão do visto, contrato com o mesmo propósito e finalidade de obtenção dos correspondentes vistos; o Autor sempre prestou o seu trabalho junto do Réu de forma contínua e ininterrupta; o despedimento abusivo e ilícito de que foi alvo causou-lhe uma profunda perturbação, ansiedade, angústia, tristeza, preocupação e insegurança.

Termina pedindo que:

Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, requer-se a V. Exa. se digne a julgar procedente, por provada, a presente ação e, como tal:

(a) Declarar ter existido, entre Autora e Ré, um contrato de trabalho por tempo indeterminado;

(b) A título subsidiário, e caso assim não se entenda, declarar ter existido, entre Autor e Ré, um contrato de trabalho a termo certo, pelo prazo de 5 anos, com termo em 15 de janeiro de 2025;

(c) Independentemente da natureza indeterminada, ou a termo certo, declarar a ilicitude da cessação do contrato de trabalho entre o Autor e Ré, com a consequente condenação do banco-Réu em:

(i) Reintegrar o Autor no posto de trabalho de Diretor da Banca de Empresas, auferindo as mesmas condições salariais de que vinha beneficiando, salvo se até ao termo da discussão em sede de audiência final de julgamento vier o Autor optar pela indemnização em substituição da reintegração;

(ii) Pagar ao Autor as retribuições que este deixou de auferir desde a data do seu despedimento, em 20/10/2020, até ao trânsito em julgado da decisão que declare a respetiva ilicitude;

(iii) Pagar ao Autor a título de compensação pelos danos não patrimoniais causados a este último, pelo banco-Réu, o montante de USD 50.000,00 (cinquenta mil dólares).

(d) A considerar-se que, entre Autor e Ré subsistiu um contrato de trabalho a termo certo, pelo prazo de 1 ano, condenar o banco-Réu ao pagamento de uma indemnização que se computa em € 600.000,00 (seiscentos mil euros), decorrentes dos danos originados pela conduta abusiva e de má-fé do banco-Réu;

(e) Condenar o banco-Réu ao pagamento do montante total de USD 20.306,54, a título de diferenças cambiais não pagas, acrescido dos correspondentes juros de mora;

(f) Condenar o banco-Réu ao pagamento do montante total de USD 21.426,00, referentes à parcela de remuneração que o banco-Réu vinha pagando através da sociedade A..., e que não foi paga nos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 2020;

(g) Em qualquer caso, condenar o banco-Réu ao pagamento ao Autor de juros de mora sobre todas as quantias peticionadas, desde o respetivo vencimento até efetivo e integral pagamento.”

*

Realizou-se a audiência de partes e, não tendo sido possível conciliar as mesmas, o Réu apresentou contestação alegando, em síntese, que:

“O contrato de trabalhador estrangeiro não residente é, por imperativo legal, de duração determinada, atualmente com um máximo de 3 anos e nunca convertível em contrato de trabalho por tempo indeterminado, regime contratual a que apenas têm acesso os cidadãos angolanos ou os cidadãos estrangeiros residentes em Angola; o A. tinha plena consciência de que a proposta que lhe foi endereçada pelo Réu tinha um horizonte temporal finito, sendo que, a menção na carta de 23/05/2017 a contrato de trabalho por tempo indeterminado mais não foi do que um erro na declaração, percetível ao A. face às negociações e à legislação nacional em vigor; o horizonte temporal durante o qual o Réu se obrigou a manter o A. ao seu serviço foi de 3 anos, contados a partir de 01/08/2017, do qual o A. tinha consciência; o Réu pagou ao A. tudo a que se tinha obrigado até julho de 2020; face à reiterada intenção do A. de não prosseguir o vínculo laboral com o Réu, este determinou antecipar o termo daquele contrato de trabalho, com efeitos a 16/11/2020, sem prejuízo do pagamento de todos as remunerações que se venceriam até 04/02/2021, não tendo despedido o A.

Termina dizendo que:

“NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO DEVE A PRESENTE AÇÃO SER JULGADA IMPROCEDENTE POR NÃO PROVADA E, CONSEQUENTEMENTE SER O RÉU INTEGRALMENTE ABSOLVIDO DO PEDDO, CONDENANDO-SE O A. NO PAGAMENTO DAS CUSTAS QUE SE MOSTREM DEVIDAS.

                                                             *

Foi proferido despacho saneador e dispensada a enunciação dos temas da prova.

                                                             *

Procedeu-se a julgamento conforme resulta das respetivas atas.                                                                                       *

Foi, depois, proferida sentença (fls. 679 e segs.) com o seguinte dispositivo:

“Por tudo o exposto e ao abrigo das disposições legais citadas, julga-se a presente acção totalmente improcedente e em consequência absolve-se o Réu Banco 1... dos pedidos contra ele formulados pelo Autor AA.”

*

O Autor, notificado desta sentença, veio interpor o presente recurso que conclui da forma seguinte:

“(a) Por sentença, datada de 24.07.2022, o Tribunal a quo julgou a ação totalmente improcedente e em consequência absolveu o Banco-Recorrido dos pedidos contra ele formulados pelo aqui Recorrente.

(b) O Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, julgou de forma incorreta alguns pontos da matéria de facto e interpretou de forma indevida as normas de Direito aplicáveis aos factos.

(c) O Recorrente não se conforma com o teor da Sentença, na medida em que, para além de a prova produzida ter sido incorretamente apreciada – nomeadamente a prova documental junta aos autos e aquela que foi produzida em sede de audiência de discussão e julgamento –, também a aplicação do Direito aos factos não foi corretamente efetuada pelo Tribunal a quo.

DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

(d) Da análise da prova produzida nos presentes autos, quer documental, quer testemunhal, resulta que deveriam ter sido considerados como não provados os factos constantes dos artigos 128.º, 136.º a 139.º, 141.º, 142.º, 144.º, 162.º da matéria dada como provada.

(e) Bem como se impunha que fossem considerados como provados na íntegra e sem qualquer conteúdo explicativo adicional, os factos alegados nos artigos 116.º e 131.º da petição inicial.

PONTO 128.º

(f) Refere o Tribunal a quo que a legal representante do Banco-Recorrido em sede de depoimento de parte confessou o facto constante no ponto 128.º. No entanto, apenas deu como provado que o acesso foi cortado em novembro, sem dar como provada a data concreta.

(g) BB, a administradora do Banco-Recorrido, cujo testemunho se encontra assinalado na ata de audiência de julgamento de 6 de junho de 2022, de fls. .., com gravação áudio no sistema Habilus Media Studio com início a 09:51:57 e término em 11:34:5, confirmou que, logo após as comunicações sobre a cessação do contrato, cortaram o acesso do Recorrente aos sistemas e plataformas informáticas.

(h) A administradora não conseguiu atestar datas, mas confirmou o teor das comunicações juntas ao processo e confirmou que vedaram o acesso aos sistemas e plataformas informáticas logo a seguir.

(i) Ora, estando provado, por prova documental que, no dia 13 de novembro, pelas 14h15m, o administrador executivo do banco-Recorrido, Dr. CC comunicou a toda a equipa da Banca de Empresas a rescisão do contrato do Recorrente, o corte aos sistemas informáticos terá que ter sido logo a seguir.

(j) Tal facto resulta também provado do depoimento da testemunha DD, cujo depoimento se encontra assinalado na ata de audiência de julgamento de 6 de junho de 2022, de fls. .., com gravação áudio início a 15:25:35 e término em 16:20:24, que atestou que recebeu a comunicação do Recorrido no dia 13 de novembro e que no dia 16 de novembro ficou sem acesso ao email.

(k) Atestou também que ficou acesso aos sistemas informáticos do banco-Recorrido no mesmo dia do Recorrente.

(l) Entretanto, nenhuma outra testemunha prestou um depoimento contrário.

(m) Para além disso, ficou também demonstrado documentalmente que o corte aos sistemas informáticos foi feito no dia 16 de novembro, conforme se atesta pelas fotos com reprodução da imagem do ecrã do computador (“print screens“) do Recorrente desse dia, juntos com a petição inicial como Documento. n.º 67.

(n) Pelo exposto, deverá alterar-se a decisão sobre a matéria de facto, incluindo-se a data concreta do mês de novembro no elenco dos factos dados como provados.

PONTOS 136.º, 137º, 138.º, 139.º, 141.º, 142.º, 144.º E 162.º

(o) O Tribunal a quo desconsiderou a prova produzida em Tribunal e valorou unicamente o depoimento de parte e as declarações de EE e FF que, relativamente a esta matéria, não tinham qualquer conhecimento dos factos.

(p) A testemunha EE, gestora de recursos humanos, trabalha no Banco-Recorrente apenas desde julho de 2017, pelo que não tem conhecimento das negociações que ocorreram anteriormente à sua entrada.

(q) Afirmou que as cartas foram elaboradas pela antiga direção de recursos humanos, pelo que, desconhece o que se passou, mas considera que deverá ter sido um lapso na modalidade do contrato, por ter sido feito “copy paste” de umas cartas para as outras.

(r) No entanto, reconheceu que o salário não era exatamente igual para todos, designadamente dos valores que recebiam do Banco 2..., sendo que, na sua opinião, o “copy paste” deverá ter sido só da parte inicial e o resto terá sido adaptado!!

(s) Cfr. depoimento assinalado na ata de audiência de julgamento de 7 de junho de 2022, de fls. ..., com gravação áudio no sistema Habilus Media Studio, com início a 11:05:19 e término em 11:43:35, em que a própria reconhece que não tem conhecimento dos factos porque ainda não trabalhava no banco Recorrido à altura dos factos, mas “acha” que a carta continha um lapso.

(t) Questionada diretamente sobre a razão de ser do envio das cartas, esclareceu o Tribunal que não esteve no processo, mas o que sabe é que os trabalhadores estavam no processo de decidir se voltariam a Portugal ou permaneceriam em Angola e é neste âmbito que surgem essas cartas no sentido de dar aqui algum conforto e garantir que tinham lugar no banco.

(u) Naturalmente que, podendo continuar a sua longa carreira no Banco 2..., os trabalhadores quiseram garantir que tinham um vínculo estável no Banco e que mantinham as mesmas condições, pelo que, após as negociações tidas com a Administração, pediram que as condições acordadas fossem enviadas por escrito.

(v) Ora, é totalmente inverosímil a pretensa ideia de que o Recorrente poderia optar por prescindir da carreira de várias décadas que tinha no Banco 2... por uma proposta de 3 anos ao serviço do Recorrido.

(w) Acresce que, para fundamentar a resposta dada aos Pontos 136.º e 144.º, para além do depoimento da EE, o Tribunal socorre-se do depoimento de FF que também não tem qualquer conhecimento direto dos factos, pelo que o seu depoimento nunca poderia ter sido valorado pelo Tribunal.

(x) A Testemunha em questão referiu apenas que tinha conhecimento que o Banco não podia celebrar contrato por tempo indeterminado com estrangeiros, por isso, quando recebeu a carta de 23 de maio, ficou com a convicção de que se tratava de lapso porque tinha noção de que não era possível.

(y) Questionado sobre se o Recorrente tinha esse conhecimento, referiu que não sabia e não sabe se alguma vez falou com o Recorrente sobre essa questão (depoimento assinalado na ata de audiência de julgamento de 7 de junho de 2022, de fls. .., com gravação áudio no sistema Habilus Media Studio, com início a 11:44:23 e término em 12:15:12).

(z) A Instâncias do mandatário do Recorrente, confirmou ainda que, embora a Lei Angola não o permita, tem estado consecutivamente em Luanda desde 2012 a 2022.

(aa) Atestou ainda que, nas suas negociações individuais, não discutiu a natureza do vínculo com a Administração do Banco e, apenas falou desse assunto, com o Dr. GG, não tendo qualquer conhecimento sobre o que foi negociado entre o Recorrente e o Recorrido.

(bb) Não foi inquirida mais nenhuma testemunha que tivesse atestado que as partes tiveram intenção de limitar, temporalmente o vínculo contratual e que a menção de “contrato por tempo indeterminado” constante na carta tivesse resultado de um erro dos serviços de recursos humanos.

(cc) Tal facto apenas foi afirmado pela Administradora BB, no seu depoimento de parte.

(dd) Inexistindo outros meios de prova que minimamente corroborem a versão da parte, o depoimento de parte não podia ter sido valorado, sob pena de se desvirtuar na totalidade o ónus probatório.

(ee) Ao invés, existem nos autos meios de prova, quer documental, quer testemunhal, que impõem que os factos constantes dos pontos 136.º, 137º, 138.º, 139.º, 141.º, 142.º, 144.º e 162.º dos Factos Provados sejam considerados como Factos Não Provados.

(ff) Com efeito, toda a tese do Recorrido esbarra frontalmente com os documentos que o próprio providenciou – documentos 11 a 15 juntos com a Contestação – na medida em que as propostas apresentadas integram o seguinte trecho: “Em caso de extinção deste vínculo laboral antes do final do terceiro ano contado a partir de 1 de agosto de 2017, por causa não imputável ao colaborador, será assegurado o pagamento de indemnização de valor equivalente às remunerações que seriam auferidas pelo colaborador até ao final desse prazo”.

(gg) Os documentos em causa: (a) São expressos e inequívocos ao remeter para carta de 23 de maio de 2017, sendo emitidos na sequência de tal carta (e nenhum erro quanto a essa carta foi alegado…); (b) Os documentos em causa circunscrevem-se, apenas e tão só, a marcar o termo do compromisso de pagamento da compensação no caso de o contrato cessar antes de decorridos 3 anos (ou seja, no período de 31.07.2017 a 31.07.2020) e a proceder a um incremento salarial; (c) O referido compromisso era, precisamente, a garantia mínima compensatória pela perda do posto de trabalho no Banco 2..., o que bem denota a plena e inequívoca consciência da Administração da Ré sobre o investimento de confiança de cada trabalhador na proposta que lhe foi apresentada; e (d) Nenhuma menção é feita a qualquer alegada natureza temporária ou determinada do contrato.

(hh) Com efeito, da prova documental apresentada pelo próprio Banco-Recorrido dúvidas não restam que não houve qualquer lapsus linguae na tipologia de contrato de trabalho constante das propostas apresentadas pela Ré – como foi cabalmente provado pelas testemunhas inquiridas em Tribunal.

(ii) O Recorrente cuidou, inclusive, de acautelar o pagamento de uma indemnização mínima equivalente a 3 anos de remuneração, na eventual contingência de o contrato poder vir a cessar por causa não imputável ao trabalhador antes do decurso desses 3 anos.

(jj) O Recorrido nunca veio invocar qualquer suposto “lapso” ou “copy paste” na proposta apresentada ao Recorrente – só o fez na sua Contestação – e apenas invocou a alegada natureza determinada do contrato de trabalho quando tal lhe interessou para abrupta e ilicitamente por termo ao vínculo laboral com o Recorrente.

(kk) Acresce que, para além da prova documental, os trechos dos depoimentos que foram prestados em sede de audiência de julgamento, determinariam considerar como não provados o alegado nos pontos 136.º, 137º, 138.º, 139.º, 141.º, 142.º, 144.º e 162.º dos factos dados como provados.

(ll) HH prestou um depoimento objetivo, claro e isento, descrevendo pormenorizadamente as negociações que foram tidas com o Banco-Recorrido após o termo do destacamento e explicou que naturalmente nenhum expatriado ia desvincular-se do Banco 2... onde tinham um vínculo estável para passar a estar noutra instituição por tempo determinado.

(mm) Acrescentou que, a carta espelhou as condições que foram negociadas com o Presidente do Conselho de Administração, que assumiu especificamente, tanto no seu caso, como do Recorrente, um vínculo laboral por tempo indeterminado (Cfr. depoimento assinalado na ata de audiência de julgamento de 6 de junho de 2022, de fls. .., com gravação áudio no sistema Habilus Media Studio, com início a 12:14:12 e término em 12:55:22).

(nn) Questionado sobre a tese da carta conter um erro na modalidade do contrato, a testemunha preferiu nem comentar, acrescentando que, aquando da sua saída o Banco, tal tese nunca foi levantada.

(oo) A testemunha em questão acrescentou, ainda, desconhecer se a Lei Angola permitia a celebração de contratos por tempo indeterminado com estrangeiros. Tinha uma carta do banco a confirmar o vínculo permanente, por isso não se preocupou com a questão legal.

(pp) Acrescentou ainda que todos os anos renovavam os contratos, mas apenas por questões burocráticas.

(qq) No mesmo sentido depôs II, Presidente da Comissão Executiva do Banco-Recorrido, entre 26 de junho de 2017 e 30 de Janeiro de 2020, afirmou que não acompanhou o processo dos expatriados porque só entrou depois, mas atestou ter conhecimento que o Banco tinha a obrigação de assegurar o pagamento da retribuição do Autor por um período mínimo de 3 anos (Cfr. depoimento assinalado na ata de audiência de julgamento de 6 de junho de 2022, de fls. .., com gravação áudio no sistema Habilus Media Studio, com início a 14:13:40 e término em 15:08:55);

(rr) Este depoimento foi corroborado pelo depoimento de DD, cujo depoimento se encontra assinalado na ata de audiência de julgamento de 6 de junho de 2022, de fls. .., com gravação áudio no sistema Habilus Media Studio, com início a 15:25:35 e término em 16:20:24, que, de uma forma pormenorizada, precisa e objetiva explicou o desenrolar das negociações com o Banco-Recorrido e a natureza do vinculo que foi acordada.

(ss) Acrescentou a testemunha que era condição essencial para se desvincular definitivamente do Banco 2..., a celebração de um Contrato de Trabalho por Tempo Indeterminado.

(tt) Condição essa que foi aceite e formalizada na carta de 23 de maio de 2017.

(uu) Existem nos autos meios de prova (quer documental, quer testemunhal) que impõem que os factos 136.º a 139.º, 141.º, 142.º, 144.º e 162.º passem a constar como Factos Não Provados, o que expressamente se requer.

(vv) E, ao invés, que os factos constantes dos artigos 116.º e 131.º da petição inicial passem a constar dos factos provados, uma vez que se tratam de meros documentos que o Tribunal a quo pura e simplesmente desconsiderou.

DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO

(ww) O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de direito no que toca à fixação da duração do contrato de trabalho entre Recorrente e Recorrido, interpretando e aplicando incorretamente o disposto nos arts.º 236.º e 237.º do CC (interpretação da declaração negocial), art.º 240.º, n.ºs 1 e 2, do CC (simulação) e art.º 247.º e/ou 249.º do CC (erro na declaração e/ou erro de cálculo ou escrita), normas legais que, muito embora não expressamente citadas na sentença recorrida, constituem o substrato jurídico da fundamentação de direito.

(xx) No entender do Recorrente, os arts.º 236.º, 237.º, 240.º, n.ºs 1 e 2, 247.º e/ou 249.º do CC. deveriam ter sido interpretados e aplicados à matéria provada no seguinte sentido:

(i) As partes manifestaram a sua vontade e pretenderam vincularam-se a um contrato de trabalho por tempo indeterminado, mediante proposta negocial apresentada pelo Recorrido, em 23.03.2017, e aceite pelo Recorrente, e cuja redação é clara e inequívoca no que à tipologia de contrato proposto diz respeito (cfr. art.º 236.º do CC);

(ii) O período de 3 anos a que o Tribunal a quo alude reporta-se ao critério de fixação da compensação a pagar ao Recorrente em caso de cessação antecipada do vínculo laboral, e não à duração acordada desse mesmo vínculo laboral, pelo que, de tal período não se induz, nem se extrai, qualquer vontade distinta da proposta negocial apresentada ao, e aceite pelo, Recorrente, e consequentemente qualquer erro na declaração e/ou na escrita dessa mesma proposta (cfr. arts.º 247.º e/ou 249.º do CC);

(iii) Os diversos e sucessivos contratos a tempo determinado celebrados entre Recorrente e Recorrido, ao longo de uma relação laboral ininterrupta de 11 anos, constituem negócios simulados porque destinados, em exclusivo, à instrução de processos de visto em Angola, pelo que de tais contratos não se retira qualquer vontade negocial das partes no que à efetiva e pretendida duração do seu vínculo diz respeito (cfr. art.º 240.º, n.º 1 e 2 do CC);

(iv) Na medida em que o regime legal aplicável ao trabalhador estrangeiro não-residente impõe a celebração de contrato de trabalho por tempo determinado, o qual poderá ter uma duração máxima de 5 anos (por remissão para o regime da LGT), a duração efetiva do vínculo que unia Recorrente e Recorrido, à data do seu despedimento, não resultaria nem do contrato (real) entre ambos celebrado (dado que este o foi a tempo indeterminado), nem dos contratos formais (simulados) utilizados para efeitos de visto (dado que os mesmos são nulos e não representam a vontade das partes);

(v) Perante a incerteza de qual a efetiva duração do vínculo contratual entre Recorrente e Recorrido dever-se-á considerar que o mesmo teria uma duração de 5 anos, a contar desde a data em que as partes manifestaram pela última vez a sua vontade negocial, por corresponder à duração máxima do contrato por tempo determinado e, como tal, constituir a interpretação que maior equilíbrios das prestações representa, aplicando a vontade real dos contratantes (um vínculo laboral permanente) às constrições do regime do trabalhador estrangeiro não-residente (cfr. art.º 237 do CC);

(vi) Na medida em que a vontade negocial dos contratantes foi pela última vez manifestada em 15.01.2020, o contrato de trabalho que os unia teria duração até 15.01.2025.

 (yy) O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de direito no que toca à forma de cessação do contrato de trabalho entre Recorrente e Recorrida e respetivas consequências jurídicas que lhe estão associadas, violando o disposto no art.º 198.º da LGT, interpretando incorretamente o art.º 15.º, n.º 2, do Decreto Presidencial 43/17 e aplicando erradamente o art.º 17.º da LGT.

(zz) No entender do Recorrente, o art.º 15.º, n.º 2, do Decreto Presidencial 43/17 deveria ter sido interpretado e aplicado do seguinte modo, devendo ser ainda aplicados os art.º 208.º, n.º 3 e 209.º, n.º 3, da LGT, ao invés do seu art.º 17.º, pelos seguintes motivos:

(i) Os motivos para cessação do contrato de trabalho encontram-se previstos no art.º 198.º, n.º 2, da LGT, aplicável aos contratos de trabalho com trabalhador estrangeiro não-residente por força do art º 15.º, n.º 1, do Decreto Presidencial 43/17, e do qual não consta a antecipação do termo do contrato;

(ii) O disposto no art.º 15.º, n.º 2, do Decreto Presidencial 43/17, deveria ter sido interpretado no sentido de o mesmo ser aplicado, somente, à obrigação de atualização de informação junto de autoridades públicas em caso de antecipação do termo, a qual não se confunde com a cessação do contrato, na medida em que tal antecipação corresponde à fixação de um prazo distinto do inicialmente acordado;

(iii) A comunicação de cessação antecipada do contrato de trabalho efetuada pelo Recorrido constitui, desse modo, um despedimento sem justa causa, estando sujeito à disciplina dos art.ºs 208.º, n.º 3 e 209.º, n.º 3, da LGT;

(iv) Termos em que, deveria o Tribunal a quo ter condenado o Recorrido a reintegrar o Recorrente no seu posto de trabalho, auferindo as mesmas condições salariais de que vinha beneficiando, bem como a pagar ao Recorrente as retribuições que este deixou de auferir desde a data do seu despedimento, em 20.10.2020, até ao trânsito em julgado da decisão que declare a respetiva ilicitude;

(aaa) O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de direito no que toca ao pedido de indemnização pela violação do princípio de boa-fé, violando o disposto no art.º 227.º, n.º 1 e no art.º 334 do CC.

(bbb) No entender do Recorrente, deveria o Tribunal a quo ter decidido no sentido de o art.º 227.º, n.º 1 e no art.º 334 do CC serem aplicáveis ao caso sub judice, reconhecendo a existência de abuso de direito por parte do Recorrido, nos seguintes termos:

(i) O Recorrente confiou no Recorrido quando este lhe apresentou uma proposta contratual para continuidade da sua relação laboral, bem como nos termos e condições da referida proposta, os quais incluíam a natureza indeterminada do vínculo laboral, e tendo o Recorrente informado o Recorrido da essencialidade que tais termos e condições para si representavam (dado que implicavam a cessação do vínculo laboral com o Banco 2...);

(ii) A confiança que o Recorrente depositou no Recorrido mostrou-se justificada, sendo acompanhada do correspondente investimento nessa confiança, consubstanciado, de uma parte, na aceitação da proposta do Recorrido, e de outra parte, na cessação do vínculo laboral entre Recorrente e Banco 2...;

(iii) Tal confiança é imputável ao Recorrido, que abordou o Recorrente, convidou o Recorrente, apresentou proposta contratual ao Recorrente, garantiu a manutenção de todas as condições ao Recorrente, configurou o vínculo laboral como sendo a tempo indeterminado, e inclusive agradeceu a confiança que o Recorrente depositou no Recorrido;

(iv) Deverá a confiança do Recorrente na atuação do Recorrido - de que este permaneceria fiel ao que prometeu e contratualizou, e atuaria em conformidade com o seu próprio comportamento desde há mais de uma década - ser devidamente tutelada pelo Direito;

(v) É atentatório dos mais basilares princípios de justiça material que o Recorrido recorra a um expediente por si implementado, e por si definido – múltiplos contratos por tempo determinado – para abrupta e injustificadamente cessar todo e qualquer vínculo contratual com o Recorrente, alegando a natureza determinada de uma relação que nunca foi temporária, quer na forma (dado que tais contratos apenas foram utilizados para efeitos de concessão de vistos), quer muito menos na matéria (como os 11 anos de vínculo laboral bem o demonstram)

(vi) A atuação do Recorrido constitui abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, tendo originado no Recorrente um dano quantificável, correspondente aos montantes que este auferiria até final da sua carreira, no Banco 2..., e que deixou de auferir por, confiando no Recorrido e na garantia de um vínculo perene com este último, ter cessado o contrato de trabalho com aquele, danos esses computados em € 600.000,00.

 (ccc) O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de direito no que toca ao pedido de condenação da retribuição do Recorrente que vinha sendo realizada mediante a sociedade A..., aplicando incorretamente o disposto nos arts.º 236.º e 237.º do CC, bem como ao não aplicar o disposto no art.º 43.º e) da LGT.

(ddd) No entender do Recorrente, os arts.º 236.º e 237.º do CC, deveriam ter sido interpretados e aplicados do seguinte modo, devendo ser ainda aplicado o art.º 43.º e) da LGT, pelos seguintes motivos:

(i) O Recorrente e o Recorrido acordaram, entre si, que parte da retribuição que constituía contrapartida da relação laboral entre ambos, no montante mensal de € 7.142,00, seria paga através de uma sociedade terceira, constituída com o exclusivo propósito de realizar esse pagamento (a sociedade A..., igualmente utilizada para pagar a retribuição de outros trabalhadores expatriados do Recorrido);

(ii) O acordo de pagamento através da sociedade A... teria uma duração de 3 anos, sendo que a sua cessação, ainda que com o acordo do Recorrente, apenas afeta a forma de pagamento, mas não o direito a auferir o montante de € 7.142,00, o qual integrava a retribuição mensal do Recorrente pelo trabalho prestado ao Recorrido, sendo esta a interpretação do acordo firmado entre as partes que melhor reflete a letra e vontade negocial das partes (cfr. art.º 236.º do CC);

(iii) Fazendo parte da retribuição, o montante mensal em causa beneficiava da garantia de irredutibilidade constante do art.º 43 e) da LGT, não podendo, como tal, ser unilateralmente suprimida pelo Recorrente, que deixou de pagar tal montante nos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 2020, sendo por conseguinte o Recorrente credor do montante de USD 21.426,00.

(eee) O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de direito no que toca ao pedido de condenação do Recorrido no pagamento de diferenças cambiais, interpretando incorretamente o disposto nos arts.º 236.º e 237.º do CC aos factos constantes dos autos, interpretando inadequadamente as condições negociais celebradas entre Recorrente e Recorrido, tendo ainda errado ao não aplicar o disposto no art.º 406.º, n.º 1, do CC e no art.º 334.º do CC.

(fff) No entender do Recorrente, os arts.º 236.º e 237.º do CC, deveriam ter sido interpretados e aplicados do seguinte modo, devendo ser ainda aplicado o disposto no art.º 406.º, n.º 1, do CC e no art.º 334.º do CC, pelos seguintes motivos:

(i) Da matéria provada resulta a assunção, pelo Recorrido, da obrigação contratual de pagamento da retribuição do Recorrente por referência ao seu valor fixado em dólares americano, manifestada quer na formulação frásica dos diversos contratos assinados, quer na materialidade dos factos consubstanciada no efetivo pagamento dessa remuneração indexada ao dólar ao longo de 11 anos de relação contratual (arts.º 236.º e 237.º do CC);

(ii) O argumento avançado pelo Recorrido, e aceite pelo Tribunal a quo, de que a desindexação do dólar decorria de um movimento nacional de “desdolarização” não afeta o acordado entre Recorrente e Recorrido, na medida em que, o art.º 10.º, n.º 1, do Decreto Presidencial 43/17 – nos termos do qual o valor e a moeda da remuneração do trabalhador estrangeiro não residente são acordados livremente entre o empregador e o trabalhador – permanece em vigor;

(iii) A desindexação decidida pelo Recorrido consubstancia o incumprimento de uma obrigação por si contratualmente assumida, na medida em que tal obrigação apenas poderia ser modificada com o consentimento do Recorrente – nos termos do artigo 406.º, n.º 1 do CC, sintetizada na locução pacta sunt servanda – consentimento esse que não foi prestado

(iv) Ainda que a obrigação de pagamento da retribuição por referência ao seu valor fixado em dólares americanos não resultasse de estipulação contratual, o que se admite por mera hipótese, o mero decurso do tempo bastaria para fazer surgir na esfera do Recorrente o direito a esse mesmo pagamento;

(v) O reiterado pagamento da retribuição de forma indexada ao dólar, formalizado em cláusula nos diversos contratos de trabalho e correspondente à política interna da empresa, mostrava-se objetivamente suficiente para gerar confiança, no Recorrente, de que volvidos 11 anos o Recorrido não adotaria o comportamento exatamente oposto, pelo que, ao desindexar a retribuição do dólar americano o Recorrido agiu em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium (art.º 334 do CC).

Nestes termos e nos restantes de Direito aplicáveis, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, por conseguinte, deve a sentença recorrida ser parcialmente revogada e substituída por outra que condene o banco Recorrido nos pedidos formulados pelo Recorrente na sua Petição Inicial.”

*

O Réu respondeu concluindo que:

“Nestes termos e nos melhores de Direito e com o douto suprimento que se invoca, deve o presente recurso ser julgado improcedente por não provado, mantendo-se a sentença recorrida nos seus precisos termos, com o que se fará justiça.”

*

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 848 e segs. no sentido de que a Apelação deverá ser julgada improcedente.                                                                                                      *

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

*

II – Questões a decidir

Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (art.º 639.º do C.P.C.), com exceção das questões de conhecimento oficioso.

Cumpre, assim, apreciar as questões suscitadas pela recorrente, quais sejam:

1ª – Reapreciação da matéria de facto.

2ª – Se entre as partes foi celebrado um contrato de trabalho por tempo indeterminado.

3ª – Se o contrato de trabalho cessou por despedimento sem justa causa do Autor efetuado pelo Réu, com as legais consequências.

4ª – Se o pedido de indemnização por violação do princípio da boa fé devia ter sido julgado procedente.

5ª – Se o pedido de condenação do Réu no pagamento do montante total de USD 21.426,00, referente à parcela de remuneração que aquele vinha pagando através da sociedade A..., devia ter sido julgado procedente.

6ª – Se o pedido de condenação do Réu no pagamento de diferenças cambiais devia ter sido julgado procedente.

*

*

III – Fundamentação

a) Factos provados

1- O banco-Réu é uma instituição bancária, constituída em Angola, que tem por objeto o exercício da atividade bancária e das funções de crédito, nomeadamente a receção, sob a forma de depósito ou outras análogas, de disponibilidades monetárias e o seu emprego, por conta e risco próprios, em operações ativas de crédito, o exercício do comércio de câmbios, a prestação dos serviços de transferência de fundos, de guarda de valores e de intermediário nos pagamentos e na colocação e administração de capitais e de outros serviços da mesma natureza que a lei não lhes proíba e o exercício de toda e qualquer atividade permitida por lei, nos termos constantes dos respetivos Estatutos juntos como doc. nº 11 da petição inicial e cujo teor aqui se dá por reproduzido.

2- O banco-Réu apresentou, em 2020, uma faturação bruta anual superior a USD 10.000.000,00 (dez milhões de dólares americanos), assumindo por isso a natureza de “grande empresa”, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea c), da Lei n.º 30/11 de 13 de setembro, em vigor no ordenamento jurídico.

3- O Autor é cidadão português e durante toda a sua vida profissional foi funcionário bancário, primeiro no Banco 2..., em Portugal, a quem esteve vinculado durante cerca de 36 anos, entre 1981 e 2017, com a categoria de Diretor Coordenador (Nível 18), e, a partir de 2009 (inicialmente destacado pelo Banco 2...) e até novembro de 2020, no banco-Réu, o que perfaz uma experiência profissional de cerca de 40 anos.

4- Em 2009, o Autor detinha a categoria de Diretor Coordenador (Nível 18) no Banco 2..., tendo estado na origem da criação, consolidação e dinamização – com um sucesso notório e público - do segmento de Empresas no Banco 2..., em Portugal.

5- Em 22 de setembro de 2009, na sequência do sucesso alcançado pelo Autor no Banco 2..., o banco-Réu endereçou ao Autor um convite para se vincular a esta última, a fim de liderar a Direção/Rede de Empresas do Banco (vulgarmente designada de “Banca de Empresas”).

6- O convite em causa foi endereçado ao Autor pelo então Presidente da Comissão Executiva (CEO) do banco-Réu, Dr. JJ, por e-mail, em 22 de setembro de 2009, nos termos constantes do doc. nº 13, junto com a petição inicial cujo teor aqui se dá por reproduzido (de ora em diante a “Proposta Contratual”).

7- Nos termos da Proposta Contratual, o Autor teria direito à seguinte remuneração e benefícios adicionais no âmbito do seu contrato de trabalho com o banco-Réu:

(a) Salário Base correspondente ao Nível 18, no montante mensal de 4.184,00 USD (quatro mil, cento e oitenta e quatro dólares americanos), a pagar 14 vezes por ano;

(b) Complemento de função, no montante mensal de 2.500,00 USD (dois mil e quinhentos dólares americanos), a pagar 14 vezes por ano;

(c) Isenção total de horário de trabalho no montante mensal de 1.926,00 USD (mil novecentos e vinte e seis dólares americanos), a pagar 14 vezes por ano;

(d) Subsídio de almoço, no montante mensal de 339,00 USD (trezentos e trinta e nove dólares americanos);

(e) Subsídio de alojamento, até um montante máximo mensal de 7.000, 00 USD (sete mil dólares americanos);

(f) Viatura automóvel, de valor até 50.000,00 USD (cinquenta mil dólares);

(g) Direito ao Fundo de Pensões e apoio nas despesas de saúde, conforme política em vigor no RÉ;

(h) Três viagens de ida e volta por ano, para o Autor e o seu agregado familiar;

(i) Remuneração variável em função da política em vigor no banco-Réu, sendo que, em 2008, os valores de referência para os Diretores Nível 18, rondavam entre os 60.000,00 USD e os 100.000,00 USD (base anual).

8- De acordo com a mesma Proposta Contratual, o Autor manteria o seu vínculo laboral com o Banco 2..., bem como as condições salariais e contratuais que detinha neste último, as quais continuariam a ser asseguradas por aquele banco, em Portugal.

9- A celebração do vínculo laboral com o banco-Réu não implicava a desvinculação do Autor ao Banco 2..., pelo que este não perderia a antiguidade, direitos adquiridos e estabilidade de emprego decorrente do contrato de trabalho com este último.

10- Para efeitos de vinculação do Autor ao Réu, seria celebrado um acordo tripartido de destacamento, entre o Banco 2... (à data o maior acionista do banco-Réu, com 51% do respetivo capital social), o banco-Réu e o Autor, ao abrigo do qual este seria destacado pelo Banco 2..., de Portugal, para o banco-Réu, em Angola.

11- O acordo de destacamento foi formalizado em 26 de novembro de 2009, conforme doc. nº 14 junto com a petição inicial cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

12- O Acordo de Destacamento replica e formaliza as condições da Proposta Contratual, clarificando, ainda, que as condições remuneratórias e benefícios constantes do mesmo seriam pagas e asseguradas pelo banco-Réu (conforme Cláusula 2.ª, número 1, e Cláusula 3.ª, número 1, do Doc. n.º 14).

13- Em acréscimo ao Acordo de Destacamento, o Banco 2... entregou ainda, ao Autor, através da sua Direção de Capital Humano, comunicação contendo as condições complementares ao seu destacamento para o banco-Réu, nos termos constantes do doc. nº 15 junto com a petição inicial cujo teor aqui se dá por reproduzido.

14- Nos termos da Comunicação Complementar, foram garantidas ao Autor nomeadamente as seguintes condições no Banco 2... (vide Doc. n.º 15):

1. Pagamento do valor de retribuição mensal que auferia ao momento, correspondente às seguintes parcelas:

(a) Salário Base correspondente ao Nível 18, no montante mensal de 2.696,15 € (dois mil, seiscentos e noventa e seis euros e quinze cêntimos), a pagar 14 vezes por ano;

(b) Diuturnidades, no montante mensal de 391,77 € (trezentos e noventa e um euros e setenta e sete cêntimos), a pagar 14 vezes por ano;

(c)Isenção total de horário de trabalho no montante mensal equivalente a duas horas de trabalho suplementar por dia, a pagar 14 vezes por ano;

(d) Complemento fixo, no montante mensal de 472,20 € (quatrocentos e setenta e dois euros e vinte cêntimos), a pagar 14 vezes por ano;

(e) Subsídio especial de função fixo, no montante mensal de 533,71 € (quinhentos e trinta e três euros e setenta e um cêntimos), a pagar 14 vezes por ano;

2. Pagamento de uma prestação remuneratória anual no âmbito do processo de atribuição de remunerações variáveis aos Colaboradores do Banco, de acordo com as seguintes condições:

(a) O valor da prestação remuneratória anual teria como referência o montante pago a título de remuneração variável relativa ao ano de 2008;

(b) A referida prestação poderia ser ajustada no caso de uma eventual redução, face ao ano anterior do montante médio pago a título de remuneração variável aos Colaboradores do Banco 2....

3. Pagamento dos subsídios que se mostrassem devidos nos termos e condições previstas no ACT do sector bancário em vigor em Portugal, com excepção daqueles, que revestindo idêntica natureza, fossem pagos em Angola por força de disposição legal, instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável à relação laboral ou poder decisão interna do Réu.

4. O Banco 2... manteria os seguros de que era, à data, beneficiário.

5. Consideração do período de destacamento para efeitos de antiguidade profissional, mantendo-se a contagem para todos os efeitos previstos no ACT do sector bancário em rigor em Portugal, designadamente em matéria de pensões.

15- Tais condições remuneratórias estabelecidas na Comunicação Complementar, acima identificadas, foram escrupulosamente pagas pelo Banco 2... ao Autor, desde o início do destacamento até agosto de 2017.

16- Ainda nos termos da Comunicação Complementar, foi igualmente garantindo ao Autor que, cessando, por qualquer causa, o destacamento, o Autor retomaria a sua prestação de trabalho no Banco 2... no desempenho das funções inerentes à sua categoria profissional de Diretor, com a manutenção das condições remuneratórias elencadas nessa mesma comunicação e restantes prestações do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) do sector bancário (vide Doc. n.º15).

17- O vínculo contratual com o banco-Réu foi celebrado no pressuposto e com a garantia de que o mesmo:

(a) Não prejudicava a manutenção da relação laboral entre Autor e Banco 2...;

(b) Não prejudicava a continuação do pagamento da remuneração e benefícios que o Autor vinha auferindo no Banco 2...;

(c) Não prejudicava a antiguidade do Autor no Banco 2..., que continuaria a ser contabilizada; e,

(d) Não prejudicava a continuidade da carreira profissional do Autor no Banco 2..., se e quando cessasse o Acordo de Destacamento.

18- Sendo o Autor cidadão português e dada a necessidade de obter um visto de trabalho para poder trabalhar em Angola, o banco-Réu preparou e solicitou ao Autor que assinasse um contrato de trabalho de estrangeiro não residente (“CT”), a termo certo, pelo período de 1 (um) ano, renovável até ao máximo de 3 (três) anos, para o exercício das funções de Diretor Comercial do banco-Réu, nos termos constantes do doc. nº 17 junto com a petição inicial cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (de ora em diante “CT 2009”).

19- O banco-Réu instruiu o Autor para assinar o CT 2009 apenas e tão só com o exclusivo propósito e finalidade de obtenção do correspondente visto de trabalho, pelo que, o mesmo assumia natureza de mera formalidade a observar junto das autoridades legais, e estritamente instrumental a tal formalidade, aliás como fez em relação a todos os outros contratos a termo cuja assinatura solicitou ao Autor, bem como a outros trabalhadores expatriados em idêntica situação de destacamento pelo Banco 2....

20- O que resulta desde logo evidente pela circunstância de o início de vigência do CT 2009 ter ficado sujeito a condição suspensiva de concessão do visto de trabalho (cfr. cláusula 11.ª do Doc. n.º 17).

21- Mais ficando claro entre Ré, Autor e Banco 2... que, no caso de contradição ou conflito entre o CT 2009 (ou outro da mesma natureza que o viesse a substituir) e o Acordo de Destacamento, prevaleceria sempre este último, em particular no que à remuneração, benefícios e condições respeitava.

22- O CT 2009 foi assinado, pelo Autor e pelo banco-Réu, a 03 de dezembro de 2009 (conforme cláusula 11.ª do Doc. n.º 17).

23- O visto de trabalho foi concedido ao Autor em 14.04.2010, com efeitos a partir de 15.04.2010, conforme Doc. n.º 19 junto com a petição inicial.

24- O CT 2009 entrou em vigor em 15.04.2010, data da concessão do visto de trabalho ao Autor.

25- Muito embora o Autor tenha chegado a Angola em 23.10.2009 e iniciado imediata e efetivamente funções no Réu, em 3 de dezembro desse ano, auferindo a correspondente remuneração como contrapartida do seu trabalho.

26- O que reforça e evidencia o carácter meramente formal e instrumental do CT 2009 à concessão de visto de trabalho, dado a relação laboral entre Autor e Ré ter sido sempre regida e sujeita somente às condições constantes do Acordo de Destacamento.

27- O procedimento definido e implementado pelo banco-Réu, para assegurar a concessão de visto de trabalho ao Autor, repetiu-se, ainda, por diversas outras vezes, mediante a celebração de sucessivos contratos de trabalho de estrangeiro não residente a termo certo.

28- Assim, o banco-Réu enviou ao Autor, para assinatura, os seguintes contratos de trabalho de estrangeiro não residente a termo certo:

(a) Contrato cujas assinaturas foram datadas de 18 de março de 2013, cuja cópia consta do Doc. n.º 21 junto com a petição inicial (de ora em diante o “CT 2013”);

(b) Contrato cujas assinaturas foram datadas de 2 de dezembro de 2015, cuja cópia consta do Doc. n.º 22 junto com a petição inicial (de ora em diante o “CT 2015”); e,

(c) Contrato cujas assinaturas foram datadas de 21 de novembro de 2016, cuja cópia consta do Doc. n.º 23 junto com a petição inicial (de ora em diante o “CT 2016”).

29- À semelhança do que ocorreu com o CT 2009, todos os restantes contratos de trabalho de estrangeiro não residente a termo certo foram celebrados pelo prazo de 1 (um) ano, renovável até ao máximo de 3 (três) anos (conforme cláusula 7.ª dos Docs. n.ºs 21, 22 e 23).

30- E também à semelhança do que ocorreu com o CT 2009, todos os restantes contratos de trabalho de estrangeiro não residente a termo certo foram sujeitos a condição suspensiva, iniciando a sua vigência com a data de concessão de visto ao Autor (conforme cláusula 11.ª dos Docs. n.ºs 21, 22 e 23).

31- Os vistos de trabalho foram concedidos ao Autor com efeitos em 15.04.2010, em 05.04.2011, em 20.03.2012, em 08.11.2013, em 24.10.2014, em 22.10.2015 e em 09.03.2017, conforme doc. nºs 19 e 24 a 29 juntos com a petição inicial.

32- Atentas as datas de concessão de visto, os contratos de trabalho de estrangeiro não residente que o banco-Réu deu ao Autor para assinar teriam, no plano estritamente formal, a seguinte duração:

(a) O CT 2013 iniciou a sua vigência em 08.11.2013 (cfr. Docs. n.ºs 21 e 26);

(b) O CT 2015 iniciou a sua vigência em 22.10.2015 (cfr. Docs. n.ºs 22 e 28);

(c) O CT 2016 iniciou a sua vigência em 09.03.2017 (cfr. Docs. n.ºs 23 e 29).

33- À semelhança do CT 2009, também os CT 2013, CT 2015 e CT 2016 foram celebrados apenas e tão só com o exclusivo propósito e finalidade de obtenção dos correspondentes vistos de trabalho do Autor, pelo que, os mesmos assumiram natureza de mera formalidade a observar junto das autoridades legais, e estritamente instrumentais a tal formalidade.

34- A remuneração do Autor foi paga ininterruptamente desde pelo menos janeiro de 2010 até à cessação do contrato, incluindo nos meses em que permanecia em Portugal com vista à regularização dos processos de visto, exercendo sempre o Autor as funções para o Réu.

35- O Autor sempre prestou, de forma contínua e ininterrupta, a sua prestação de trabalho junto do banco-Réu, auferindo a correspondente retribuição, mesmo quando o CT 2009 atingiu a sua duração máxima de 3 anos, em 15.04.2013.

36- O Autor exerceu continuamente funções no banco-Réu no período compreendido entre 15.04.2013 e 08.11.2013, datas de cessação do CT 2009 e início de vigência do CT 2013, respetivamente, sem que o mesmo fosse formalmente coberto por qualquer contrato de trabalho de estrangeiro não residente.

37- O mesmo ocorreu nos seguintes períodos em que o Autor permaneceu ao serviço do banco-Réu, prestando trabalho e sendo pelo mesmo remunerado, muito embora o seu visto de trabalho não estivesse mais válido:

(a) De 03.12.2009 a 15.04.2010

(b) De 18.03.2013 a 08.11.2013

(c) De 21.11.2016 a 09.03.2017

(d) De 25.02.2019 a 19.03.2019 (tendo sido concedidos vistos de trabalho em 13.03.2018 e 19.03.2019)

(e) De 15.01.2020 a 05.02.2020 (tendo sido concedidos vistos de trabalho em 05.02.2020).

38- Em meados de 2016, o Banco 3... - um dos maiores bancos espanhóis e principal acionista do Banco 2... (entidade que havia destacado o Autor para Angola) - manifesta publicamente a intenção de tomar a maioria do capital social do Banco 2... e passar a controlar o mesmo.

39- Tendo o Banco Central Europeu (BCE) imposto ao Banco 3..., como condição para adquirir esse controle, que o Banco 2... diminuísse a sua exposição à dívida externa angolana, mediante redução da sua participação no capital social do banco-Réu, passando de uma situação de acionista maioritário para minoritário.

40- Em 5 de janeiro de 2017, o Banco 2... e a B... oficializaram a venda do primeiro à segunda de 2% do capital social do Ré, o que permitiu à B... passar a deter uma posição maioritária no capital social do Banco (51,9% do capital social, contra 49,1% do Banco 2...) e, deste modo, controlar o banco-Réu.

41- Na sequência da tomada do controle do banco-Réu por parte da B..., em 6 de junho de 2017, foi eleito um novo Conselho de Administração, cujo mandato se manteve até janeiro de 2020 (conforme Relatórios de Atividades e Contas do banco-Réu de 2017, 2018 e 2019, disponíveis em https://www.Ré.ao/pt/o-Ré/conheca-o-Ré/informacao-financeira/) pelos seguintes elementos:

(a) KK – Presidente (PCA);

(b) HH – Vice-Presidente;

(c) II – Vogal e Presidente da Comissão Executiva (CEO)

(d) LL – Vogal Executivo;

(e) BB – Vogal Executiva;

(f) MM – Vogal Executiva;

(g) NN – Vogal Executivo;

(h) OO – Vogal Executivo;

(i) PP – Vogal Executivo;

(j) QQ - Vogal Não Executiva;

(k) RR – Vogal Não Executivo; e

(l) SS – Vogal Não Executivo.

42- Na sequência destas alterações, em meados de março de 2017, o Autor reuniu com o Dr. KK e comunicou-lhe que estava a ponderar regressar definitivamente a Portugal.

43- Uma vez que, por um lado, o Banco 2... (seu empregador de origem) havia perdido influência no banco-Réu, e por outro, o banco espanhol Banco 3... havia reforçado a sua posição no capital daquele banco português (após a conclusão de uma oferta pública de aquisição), o que dava àquele banco espanhol o controle do Banco 2..., sendo altamente improvável que o Banco 3... estivesse de acordo em manter o destacamento do Autor no banco-Réu.

44- Na sequência da reestruturação interna do Banco 2... e pretendendo este acabar com os destacamentos, o Dr. KK, propôs ao Autor que se desvinculasse do Banco 2... e permanecesse em Angola, exclusivamente ligado à Ré.

45- Perante tal proposta e de modo a que nenhumas dúvidas restassem sobre o tema, o Autor cuidou de enfatizar que a eventual aceitação de tal proposta implicaria abdicar da sua potencial progressão profissional no “novo” Banco 2..., sendo, por conseguinte, uma opção que teria de ser muito bem negociada.

46- No âmbito das negociações o Autor referiu que para aceitar a proposta não poderia haver redução das suas condições salariais, incluindo o pagamento de parte da sua remuneração em Portugal.

47- Em 7 de abril de 2017, o Dr. KK respondeu ao Autor, por mensagem de correio eletrónico, garantindo (uma vez mais) que “o Banco 1... pagará e as pessoas jamais serão prejudicadas vs as suas condições actuais (salário, bónus, viagens, alojamento, …)” – conforme email constante do documento nº 37 junto com a petição inicial.

48- Na sequência daquela garantia, em 2 de maio de 2017, o Autor enviou duas (2) mensagens de correio eletrónico ao Dr. KK através das quais o Autor informou o Dr. KK de algumas das condições que pretendia satisfeitas de modo a continuar vinculado à Ré, nomeadamente as seguintes que infra se indicam (vide Doc. n.º 37):

(1) A partir do mês de junho de 2017, o banco-Réu passaria a pagar anualmente € 350 mil brutos, sendo repartido por salário, varável anual e subsídio de risco e /ou deslocação, este último a ser pago semestralmente com início em setembro 2017 por € 50 mil e/ou pago mensalmente por uma entidade externa detida pelo banco-Réu.

(2) Pagamento imediato do saldo acumulado do Fundo de Pensões.

(3) O saldo futuro que viesse a ser constituído no Fundo de Pensões seria pago quando atingisse os 60 anos de idade e/ou ocorra rescisão do contrato de trabalho por alguma das partes;

(4) Cláusula de salvaguarda: caso ocorresse a rescisão do contrato de trabalho por iniciativa do banco-Réu, esta pagaria uma indemnização equivalente a € 10 mil euros por cada mês não decorrido até junho de 2021.

(5) O Autor comprometeu-se a regularizar o seu vínculo com o Banco 2... nos meses seguintes.

49- No caso de tais condições serem aceites pelo banco Réu, o Autor comprometia-se a regularizar a situação do seu vínculo com o Banco 2... “nos próximos meses” (vide Doc. n.º 37).

50- Em 23 de maio de 2017, o Dr. TT, Administrador do banco-Réu, remeteu ao Autor uma mensagem de correio eletrónico – que em cópia se junta incluída na cadeia de emails que constituem o Doc. n.º 38, junto com a petição inicial - com o seguinte teor:

“Em nome do Presidente do Concelho de Administração do Banco 1..., faço-lhe chegar a comunicação de condições que visam a continuidade do seu vinculo laboral com a nossa Instituição; será gratificante poder contar consigo para o novo ciclo que agora se inicia, bem como para continuar a fazer do Banco 1... uma Instituição de referência em Angola; neste contexto, agradeço por favor que me comunique a sua decisão até ao próximo dia 1 de Junho”.

51- Junto com aquela mensagem, o Administrador do banco-Réu, Dr. TT remeteu ao Autor um ficheiro pdf, o qual consistia numa carta escrita em papel timbrado do banco-Réu, datada também de 23 de maio de 2017 e assinada por dois membros do respetivo Conselho de Administração – o próprio Dr. TT e a Dra. BB, nos termos constantes do doc. nº 39 junto com a petição inicial.

52- Nos termos da referida carta assinada pelo banco-Réu, foi transmitido o seguinte ao Autor:

Na sequência das conversações havidas, o Banco 1..., S.A. (Banco 1...) vem, pela presente manifestar formalmente a sua vontade de prolongar o vínculo laboral entre esta instituição e o colaborador AA, nos seguintes termos e condições:

. Natureza do vínculo: contrato de trabalho por tempo indeterminado, nos termos da legislação nacional em vigor;

Em caso de extinção deste vínculo laboral antes do final do terceiro ano contado a partir de 01 de Agosto de 2017, por causa não imputável ao colaborado, será assegurado o pagamento de indemnização de valor equivalente às remunerações que seriam auferidas pelo colaborador até ao final desse prazo.

. Categoria profissional e remuneração: o colaborador manterá a categoria profissional e o estatuto remuneratório de que atualmente goza no Banco 1..., incluindo os benefícios correspondentes a:

- Plafond de alojamento até ao valor mensal de USD 7.000,00;

- Três viagens por ano em Classe Executiva para o colaborador e esposa;

- Atribuição de viatura de serviço de acordo com a politica em vigor;

- Atribuição de remuneração variável em função da política em vigor. (…)”

53- Na mesma carta datada de 23 de maio de 2017, foi assegurado ao Autor que a cessação do seu vínculo no Banco 2... não implicaria qualquer perda de rendimento, na medida em que o mesmo seria devidamente compensado.

54- O banco-Réu assumiu perante o Autor a obrigação contratual de proceder ao pagamento de uma contrapartida no montante de € 7.142,00, 14 vezes ao ano, para compensação da perda de retribuição decorrente da cessação do contrato de trabalho entre o Autor e o Banco 2..., conforme excerto da já mencionada carta que infra se transcreve:

“Será ainda assegurado o recebimento de uma compensação periódica pela perda do salário até agora pago pelo Banco 2... em Portugal. Esta compensação será paga mensalmente e corresponderá ao valor bruto daquele salário, no valor de € 7.142,00 (14 meses)” (vide Doc. n.º 39).

55- Em resposta, o Autor comunicou à Ré, através de mensagem de correio eletrónico, do mesmo dia 23 de maio de 2017, que aceitava a proposta que lhe sido apresentada por aquele Banco, através da mensagem de correio eletrónico, e respetiva carta anexa, de 23 de maio de 2017, mais informando que, em consequência, iria pôr termo ao seu contrato de trabalho com o Banco 2..., conforme excerto que a seguir se transcreve:

“Podem contar comigo para o novo desafio.

Irei de seguida tratar de resolver o vínculo com o Banco 2....

(…) AA”, conforme email constante do doc. nº 38 junto com a petição

56- Entre outras condições de que dependia a aceitação, por parte do Autor, de uma eventual proposta de continuidade ao serviço do banco-Réu, constava o pagamento em Portugal de parte da sua remuneração, tal como sempre sucedeu enquanto esteve vinculado ao Banco 2....

57- Neste contexto, em 23 de agosto de 2017, o banco-Réu, na pessoa do seu Administrador e CEO – Dr. II – remeteu ao Autor, bem como a outros trabalhadores expatriados, por mensagem de correio eletrónico, minuta de contrato de trabalho em regime de comissão de serviços, a celebrar com a sociedade A..., S.A. (de ora em diante “A...”), as quais (mensagem e minuta), constam dos documentos nºs 42 e 43 juntos com a petição inicial.

58- Nos termos da referida mensagem de correio eletrónica, foi comunicado pelo Dr. II o seguinte:

“Conforme combinado anexo a minuta do vosso contrato de trabalho em comissão de serviço.

O objectivo é que cada um preencha o contrato com os respectivos dados, bem como proceda à respectiva assinatura. Por favor enviem de imediato uma cópia digitalizada para a Dra QQ. O original deve-me ser entregue a mim de forma directa e presencial.

O contrato prevê uma remuneração base e isenção de horário de 20%. Cada um deve preencher o valor total ilíquido ao qual o Banco 1... se comprometeu dividido em 80% base e 20% de isenção de horário.

Em caso de dúvida, agradeço que contactem directamente a Dra QQ (dado que eu estarei de férias durante as próximas semanas).

Obrigado por toda a vossa colaboração.

II CEO Banco 1...”

59- A A... é uma sociedade de direito português, sediada na Av. ..., ... Lisboa, e atualmente em liquidação (conforme certidão de registo comercial que consta do Doc. n.º 44 junto com a petição inicial).

60- A A... foi constituída em 14 de julho de 2017, tendo como Presidente do Conselho de Administração o Dr. KK, Presidente do Conselho de Administração da próprio banco-Réu.

61- A A... foi constituída e sempre controlada, pelo próprio banco-Réu, tendo tal constituição ocorrido menos de um mês antes de o banco-Réu enviar ao Autor, bem como a outros seus trabalhadores expatriados, a já mencionada minuta de contrato de trabalho em regime de comissão de serviços.

62- A A... foi criada com o objetivo de funcionar e funcionou como um veículo através do qual o banco-Réu realizaria e realizou pagamentos em Portugal de parte da retribuição dos seus trabalhadores expatriados, objetivo esse aliás expressamente reconhecido pelo próprio banco-Réu, no já citado e-mail enviado em 23 de agosto de 2017 (vide Doc. n.º 42).

63- No específico caso do Autor, o contrato de trabalho com a A... visava o pagamento, em Portugal, do montante mensal de € 7.142,00 (14 meses), a que o banco-Réu se obrigou para compensar o Autor pela perda salarial no Banco 2....

64- O que se mostra evidente e notório na versão do contrato de trabalho assinada pelo Autor e enviada para o banco-Réu, por mensagem de correio eletrónico de 01 de setembro de 2017, na pessoa da Dra. QQ, Administradora do banco-Réu, em cumprimento das instruções que recebeu do Dr. II (vide Doc. n.º42).

65- Com efeito, nos termos do contrato de trabalho em comissão de serviço constante do doc. nº 43 junto com a petição inicial assinado pelo Autor, a A... obrigava-se ao pagamento de um montante mensal de € 5.951,70, a título de remuneração, acrescida de um montante mensal de € 1.190,30, o que perfaz um montante total de € 7.142,00.

66- Montante esse correspondente, precisamente, ao valor compensatório cujo pagamento foi assumido pelo Ré na sua carta-proposta de 23 de maio de 2017 (vide cláusulas 3.1. e 6.3. do Doc. n.º43, bem como Doc. n.º42 juntos com a petição inicial).

67- E sendo que, o referido esquema contratual – de pagamento das obrigações assumidas pelo banco-Réu através da A... – seria implementado, pelo menos, durante um período de 36 meses, conforme cláusula 13.3. do referido contrato de trabalho em comissão de serviços.

68- Assim, a A... pagou mensalmente ao Autor, no período compreendido entre agosto de 2017 e dezembro de 2018, um montante mensal de € 5.951,70, a título de remuneração, acrescida de um montante mensal de € 1.190,30, num montante total de € 7.142,00.

69- Nunca o Autor prestou trabalho para a A... e nunca o Autor recebeu ordens ou instruções da A..., enquanto trabalhador desta última.

70- O montante pago pela A... ao Autor não constituía contrapartida de qualquer trabalho prestado à A..., mas apenas uma forma de dar cumprimento às obrigações pecuniárias contratualmente assumidas pelo banco-Réu junto do Autor, no âmbito do contrato de trabalho celebrado entre ambos, de pagamento de parte da sua remuneração em Portugal.

71- A permanência do Autor ao seu serviço do banco –Réu implicava que fossem celebrados contratos a termo, com vista à obtenção do visto, assinando o Autor as minutas contratuais que o banco Réu lhe fazia chegar, de modo a dar entrada dos processos de concessão de visto de trabalho.

72- Foi neste contexto que, o banco-Réu comunicou ao Autor, em março de 2018, a necessidade de celebrar um contrato promessa de contrato de trabalho de estrangeiro não residente, tendo aquele disponibilizado a este último a minuta contratual para o efeito nos termos constante do doc. nº 46 junto com a apetição inicial.

73- Contrato de trabalho esse que foi assinado em 14.03.2018 (de ora em diante o “CT 2018”), pelo período de 1 (um) ano, renovável até ao limite máximo de 2 (duas) vezes, ao abrigo do visto de trabalho concedido ao Autor em 13.03.2018 (vide Doc. n.º 30).

74- Em 25 de fevereiro de 2019, o banco-Réu e o Autor celebraram novo contrato de trabalho de estrangeiro não residente, pelo período de 1 (um) ano, renovável até ao limite máximo de 2 (duas) vezes, e com início na data de concessão do visto de trabalho ao Autor, nos termos constante do doc. nº 47 junto com a apetição inicial (de ora em diante o “CT 2019”).

75- Uma vez mais à semelhança do que ocorreu com o CT 2009, os referidos contratos de trabalho de estrangeiro não residente a termo certo foram sujeitos a condição suspensiva, iniciando a sua vigência com a data de concessão de visto ao Autor (conforme cláusula 11.ª dos Docs. n.ºs 46 e 47).

76- Os vistos de trabalho do Autor foram-lhe concedidos com efeitos em 13.03.2018 e em 19.03.2019.

77- Pelo que, atentas as datas de concessão de visto, os contratos de trabalho de estrangeiro não residente que o banco Réu deu ao Autor para assinar teriam, no plano estritamente formal, a seguinte duração: O CT 2018 iniciou a sua vigência em 14.03.2018 e o CT 2019 iniciou a sua vigência em 19.03.2019.

78- Em janeiro de 2020, o banco-Réu interpelou o Autor, comunicando-lhe que, por diversas dificuldades financeiras, a A... ficaria impossibilitada de continuar a pagar-lhe o montante mensal de € 7.142,00.

79- O que prejudicaria o pagamento, em Portugal, da parte da remuneração correspondente à retribuição que o Autor deixou de auferir no Banco 2..., na sequência da cessação do contrato de trabalho com este último.

80- Por tal motivo, o banco-Réu partilhou com o Autor a necessidade de a A... proceder ao pagamento antecipado do referido montante, relativamente ao período compreendido entre 15 de fevereiro de 2020 e 31 de julho de 2020, correspondente ao termo do período de 36 meses constante da cláusula 13.3., sob pena de a A... não o poder vir mais a fazer no curto prazo.

81- Montante esse calculado no valor de € 33.523,45, conforme cláusula 2.1 do acordo de revogação do contrato de trabalho constante do Doc. nº 48 junto com a contestação.

82- Na medida em que os referidos montantes seriam pagos antecipadamente, relativamente à data do seu normal vencimento, o Autor anuiu ao solicitado pelo banco-Réu.

83- Para o efeito, o banco-Réu (através da A...) e o Autor celebraram, entre si, acordo de revogação do dito contrato de trabalho em comissão de serviço, tendo o mesmo sido datado de 13 de janeiro de 2020, nos termos constantes do doc. nº 48 junto com a petição inicial.

84- O referido montante de € 33.523,45 seria assim pago, nos termos do aludido acordo de revogação, sob a forma de compensação pecuniária global (vide cláusula 2.1. do Doc. n.º 48).

85- Sucede que, uma vez mais, atentas as dificuldades financeiras da A..., foi o Autor novamente interpelado pelo banco-Réu, desta feita, para modificar o valor compensatório a pagar pela A..., reduzindo-o para o montante de € 13.157,43, dado que a A... estaria impossibilitada de dar cumprimento ao inicialmente acordado.

86- Por seu turno, o banco Réu garantiu ao Autor que a diferença entre o montante inicialmente acordado, de € 33.523,45, e o montante ora proposto, de € 13.157,43, seria diretamente pago pelo próprio Réu.

87- A referida garantia foi prestada, por escrito, conforme mensagem de correio eletrónico de 22 de março de 2020, enviada pelo então Presidente da Comissão Executiva do banco Réu, Dr. HH, nos termos constantes do doc. nº 49 junto com a petição inicial que se transcreve:

“AA,

Podes ver sff se estás de acordo?

Assinar e devolver digitalizado?

Vamos avançar com este processo.

A solução passa por receberes da A... a parte possível e vais receber o restante pelo Banco 1..., que será acrescentada à variável deste ano.

Abraço,”

88- No mesmo e-mail de 22 de março de 2020 foi remetido, em anexo, ao Autor, minuta de aditamento ao acordo de revogação, que formalizava a referida redução compensatória, ou seja, a diminuição do valor que a A... antecipadamente pagaria ao Autor por conta da perda salarial no Banco 2..., calculada a 31 de junho de 2020, conforme Doc. n.º 50 junto com a petição inicial.

89- Tendo o Autor assinado o aditamento em causa, ainda que datado de 14 de fevereiro de 2020, e remetido o mesmo à administração do banco-Réu, por e-mail de 24 de março de 2020, conforme Doc. n.º 51 junto com a petição inicial que se reproduz:

“Cara UU,

Fico grato se poder imprimir em dois exemplares o acordo em anexo.

Seja depois enviado para ser entregue na minha residência (junto ao Bolo Rei) onde me encontro resguardado para o assinar e devolver.

Depois de receber de volta o acordo assinado, peço que o digitalize e envie uma cópia para o Dr. HH por email.

Obrigado,

AA”

90- O que o Autor naturalmente apenas fez atenta a acima citada garantia de que não seria prejudicado nos montantes devidos até 31 de junho de 2020, fossem estes pagos diretamente pelo banco-Réu, ou através da A....

91- Em 06.07.2020, o banco Réu pagou ao Autor um montante de € 14.500,00, conforme extrato que consta do Doc. n.º 52 junto com a petição inicial.

92- O banco Réu a partir de agosto de 2020 deixou de pagar ao Autor a componente remuneratória correspondente à remuneração anteriormente paga pelo Banco 2....

93- O Autor interpelou, por diversas vezes, o banco Réu, com vista a regularização da sua situação, nomeadamente para que fosse ajustado o pacote financeiro com vista à substituição da remuneração que entes era paga pelo Banco 2... e mais tarde pela A....

94- Nesse sentido o Autor enviou mensagem de correio eletrónico a VV, administrador do banco-Réu, em 16 de julho de 2020, que consta do Doc. n.º 53 junto com a petição inicial na qual, além do mais refere que:

“Pacote financeiro: Não tendo sido ainda resolvida formalmente a substituição da minha remuneração do Banco 2... (mais tarde da A...), a partir deste mês de julho, o pacote financeiro é dramaticamente reduzido. Se não for ajustado nos próximos dias, vai condicionar / inviabilizar o meu regresso e motivar eventual afastamento. Estou aberto a ver o que têm para me propor. Se assim o entenderem, fico disponível para apresentar uma proposta concreta do pacote financeiro!”

95- Ou ainda as mensagens de correio eletrónico enviadas pelo Autor também a VV, administrador do banco-Réu, em 31 de julho e 5 de agosto de 2020, também inserida na cadeia de mensagens que consta do Doc. n.º 53 e cujo excerto da primeira infra se transcreve:

“AA Agradeço veja este tema do ponto 3, pois a partir deste mês, passo a ter cerca de metade do salário que tive nos últimos 11 anos. A não ser resolvido ou ter uma proposta para breve, serei forçado a tomar uma decisão.”

96- A atuação do Réu não se circunscreveu ao Autor, sendo tal atuação igual para o Autor e para os outros trabalhadores expatriados que cessaram os seus contratos com o Banco 2... que também deixaram de receber a compensação pela perda do salário no Banco 2....

97- O trabalhador DD enviou ao Autor uma mensagem de correio eletrónico em 01 de setembro de 2020, que foi por este reencaminhado para a Administração do banco-Réu, na mesma data, inserida na cadeia de mensagens que consta do Doc. nº 54 junto com a petição inicial, onde refere:

“Bom dia AA,

No passado mês de Agosto verificou-se uma redução substancial na minha remuneração, contrariando assim tudo o que me foi comunicado e mereceu o meu acordo.

Abaixo envio condições aprovadas e que me foram comunicadas aquando da minha entrada nos quadros do Banco 1..., em regime de destacamento do Banco 2..., e, em anexo, o posterior acordo com o Banco 1..., datado de 23/05/2017, que me levou à desvinculação do Banco 2...”.

98- Na sequência do envio de tal email, o Administrador executivo do Réu CC, enviou ao Autor em 01 de setembro de 2020 mensagem de correio eletrónico, constante do Doc. n.º 54 junto com a petição inicial onde refere:

“(…) Pedia-lhe a si e ao DD um pouco mais de paciência e tempo, não vamos conseguir fechar o tema neste prazo e não tenho certeza que consigamos incorporar 100% da remuneração da A..., mas o que decidirmos terá retroactivos que inclui o mês de agosto”.

99- Em 10 de outubro de 2020, o banco-Réu remeteu ao Autor uma proposta de reajuste salarial, mediante mensagem de correio eletrónico enviada por CC, Administrador do banco-Réu, ao Autor, inserida na cadeia de mensagens constante do Doc. n.º 55 junto com a petição inicial onde refere:

“Dr. AA Na sequência da nossa reunião de 08/10 remeto em anexo proposta de reajuste ao seu salário. Aguardamos pelo seu feedback no prazo indicado na carta, como referimos, é nosso desejo que mantenha a sua disponibilidade para continuar vinculado ao RÉ”

100- Em anexo ao e-mail de 10 de outubro de 2020 constava cópia digitalizadas de uma carta dirigida ao Autor, datada de 09 de outubro de 2020, e assinada por VV e CC, respetivamente Presidente da Comissão Executiva e Administrador do Ré, nos termos constantes do Doc. n.º 56 junto com a petição inicial.

101- A carta datada de 09 de outubro de 2020 propunha ao Autor uma alteração da sua retribuição que determinaria uma redução em cerca de 50% do valor retributivo anual que por este vinha sendo auferido.

102- Mas sobretudo, a referida carta datada de 09 de outubro de 2020 comunicava ao Autor a cessação do pagamento do montante mensal de € 7.142,00, pelos seguintes motivos, que infra se transcrevem:

“Exmo. Diretor,

Pela presente vimos informar que, com referência a carta que lhe foi remetida a 23 de Maio de 2017, decorridos 3 anos, a 31/07/2020, terminou o pagamento ora assumido pelo Banco 1... com V.Exa., no sentido de proceder ao pagamento de uma remuneração adicional em Portugal, na sequência da sua desvinculação aos quadros do Banco 2... e integração aos quadros do Banco 1...”.

103- O Réu fazia os pagamentos da remuneração do Autor por referência ao dólar americano até outubro de 2019.

104- Neste sentido consta da Cláusula 5.ª dos CT 2009 e das cláusulas 2ª e 3ª do Acordo de destacamento, que todas as prestações pecuniárias, a pagar pelo banco-Réu ao Autor, foram definidas por equivalência ao correspondente montante em dólares americanos e os CT 2013, CT2015, CT2016, CT2018 e CT2019 estabelecem o valor da remuneração do Autor em kwanzas e em seguida efetuam a correspondência ao montante equivalente em dólares americanos.

105- O Autor enquanto exerceu funções para o Réu auferiu a título de remuneração base mensal, isenção horário trabalho, subsídio de almoço mensal, complemento de função mensal e subsídio especial de chefia as quantias constantes dos recibos de vencimento emitidos pelo Réu e juntos aos autos.

106- A referida remuneração era paga, pelo banco-Réu, mediante transferência para a conta bancária do Autor, em regra, no dia 25 de cada mês de calendário.

107- Para o efeito, o banco-Réu procedia à transferência de um valor, em kwanzas, que, à taxa de câmbio aplicável no dia do processamento salarial, equivaleria ao valor de dólares americanos fixado no contrato de trabalho, de modo a garantir que o Autor auferia um montante de USD 10.306,00.

108- Por tal motivo, o valor das prestações retributivas pagas ao Autor, em kwanzas, era distinto de mês para mês, em função da concreta taxa de câmbio no dia do processamento.

109- O único contrato de trabalho de estrangeiro não residente que não contemplava, expressamente, o referido pagamento por referência ao dólar americano foi o assinado, por Autor e Ré, com data de 15 de janeiro de 2020, onde a retribuição é fixada em Kwanzas, conforme Doc. nº 57 junto com a petição inicial cujo teor aqui se dá por reproduzido.

110- O banco Réu garantiu ao Autor, por escrito, que o contrato aludido no nº 109 não alterava as condições contratuais anteriores, conforme mensagem de correio eletrónico enviada ao Autor pela Direção de Capital Humano do banco-Réu, em 05 de março de 2020, constante do Doc. n.º 58 junto com a petição inicial onde se refere:

“Dr. AA O presente contrato em nada anula as condições contratuais que tem. Precisamos do mesmo assinado esta manhã p.f. Tão logo tenhamos a adenda fechada com a DJU, a reencaminharemos para si para sua análise e assinatura. Aguardamos cópia digitalizada urgente.

Obrigado Atentamente WW”

111- O banco Réu desindexou unilateralmente o cômputo e pagamento da remuneração ao dólar americano desde o mês de outubro de 2019.

112- Os montantes retributivos pagos ao Autor, a partir de outubro de 2019, corresponderam a transferências bancárias, em kwanzas, cuja conversão em dólares determinava um valor final inferior ao que o Autor recebia anteriormente quando era feita a indexação ao dólar americano.

113- O Autor auferiu as seguintes prestações mensais, em kwanzas, no período compreendido entre outubro de 2019 e outubro de 2020 (conforme recibos salariais constantes do Doc. n.º 20 junto com a petição inicial.):

(a) Remuneração base mensal, no montante de AKZ 2.034.243,20;

(b) Isenção Horário Trabalho, no montante AKZ 944.499,10;

(c) Subsídio de Almoço mensal, no montante de AKZ 178.580,00;

(d) Complemento de função mensal, no montante de AKZ 1.156.608,60;

(e) Subsídio Especial de Chefia, no montante de AKZ 462.643,40.

114- Os referidos montantes, pagos em kwanzas, não sofreram qualquer variação de valor no período compreendido entre outubro de 2019 e outubro de 2020, deixando, por conseguinte, de refletir as variações da taxa de câmbio face ao dólar americano.

115- As taxas de câmbio para conversão do kwanza em dólares americanos, no período compreendido entre outubro de 2019 e outubro de 2020, no dia 25 de cada mês - correspondente à data normal do pagamento da remuneração do Autor - conforme informação constante do site do BNA disponível em https://www.bna.ao/Servicos/pesquisa_cambios.aspx?idc=141&idsc=825&idl=1, e cujas impressões constam do Doc. n.º 59, junto com a petição inicial, foram as seguintes:

(a) 25 de outubro de 2019 – taxa de 483,053;

(b) 25 de novembro de 2019 – taxa de 479,945;

(c) 23 de dezembro de 2019 – taxa de 487,098;

(d) 24 de janeiro de 2020 – taxa de 501,569;

(e) 26 de fevereiro de 2020 – taxa de 497,969;

(f) 25 de março de 2020 – taxa de 542,101;

(g) 24 de abril de 2020 – taxa de 561,611;

(h) 25 de maio de 2020 – taxa de 581,964;

(i) 25 de junho de 2020 – taxa de 573,733;

(j) 24 de julho de 2020 – taxa de 556,760;

(k) 25 de agosto de 2020 – taxa de 594,941;

(l) 25 de setembro de 2020 – taxa de 621,803;

(m) 23 de outubro de 2020 – taxa de 653,325.

116- Na sequência do facto do banco Réu ter deixado de pagar a quantia mensal de € 7.142,00 e ter deixado de indexar a remuneração ao dólar americano, o Autor enviou ao Dr. CC, Dr. VV, Dr. TT e Dra. BB, todos Administradores do banco-Réu, em 14 de outubro de 2020, mensagem de correio eletrónico - inserida na cadeia de mensagens que consta Doc. n.º 55 onde refere o seguinte:

“Caros,

Acuso a recepção e agradeço a V/ comunicação de 9 de Outubro de 2020, que anexo, a qual mereceu a minha melhor atenção e justificam os esclarecimentos e posicionamentos que se seguem:

1. Com excepção da obrigação do Banco 1... me indemnizar em montante equivalente à soma das remunerações que me seriam devidas até 31 de Julho de 2020, caso o Banco 1... optasse por fazer cessar o meu contrato antes dessa data (terceiro parágrafo da carta de 23 de Maio de 2017), nenhuma outra obrigação assumida pelo Banco 1... perante mim, através do compromisso constante da carta de 23 de Maio de 2017, está ou esteve sujeita a qualquer termo ou prazo de validade.

Isto é, salvo a excepção acima referida, todas as restantes obrigações contratuais assumidas pelo Banco 1... através da carta de 23 de Maio de 2017 (e por mim expressamente aceites como condição, fundamental e decisiva, para anuir à extensão do meu vínculo com o Banco 1..., sem as quais jamais teria aceite estender esse vínculo) – e, em particular, a obrigação de pagamento de um complemento remuneratório (destinado a repor a parte da remuneração que anteriormente me era abonada através do Banco 2..., em Portugal, foram estabelecidas para vigorarem por tempo indeterminado, isto é, enquanto se mantivesse válido o meu vínculo laboral com o Banco 1... (conforme se extrai do parágrafo quinto da carta de 23 de Maio de 2017).

2. Assim, não posso deixar de entender que, ao transmitir-me – através da V/ comunicação de 9 de Outubro de 2020 – a sua decisão de por termo aos compromissos anteriormente assumidos, o Banco 1... fez ou pretende fazer cessar unilateralmente a relação laboral entre mim e o banco, propondo, ao mesmo tempo, a celebração de um novo vínculo laboral, porém, em termos completamente distintos e substancialmente mais desvantajosos para mim.

3. Ora, quanto ao novo vínculo proposto, entendo que as respectivas condições – na medida em que comportam uma redução da minha remuneração actual anual, para cerca de metade (50%) -- não são minimamente aceitáveis, nem deixam margem para conversações susceptíveis de conduzir a um entendimento, além de exporem o banco a riscos desnecessários (a redução salarial, mesmo por acordo, está expressamente vedada por lei e é susceptível de originar a aplicação de multas laborais).

4. Entendo, por tudo isso, que deixou de existir a relação de confiança necessária a manutenção de um vínculo laboral entre mim e o Banco 1..., razão pela qual solicito que, caso assim o entendam, me transmitam, no mais curto espaço de tempo possível, os termos e condições em que o Banco 1... pretende concretizar a minha desvinculação do mesmo.

5. Para o efeito recordo que:

(i) A minha antiguidade reporta a 3 de Dezembro de 2009 (sendo o vínculo até agora existente entre mim e o Banco 1... por tempo indeterminado, conforme reconhecido e aceite através da carta de 23 de Maio de 2017);

(ii) A minha remuneração mensal contratualizada com o Banco 1... é de aproximadamente USD 28.194 (vinte e oito mil, cento e noventa e quatro dólares dos Estados Unidos), correspondente à soma das seguintes parcelas:

(1) parcela paga em Angola, no montante em Kwanzas equivalente a USD 10.370, à taxa de câmbio do Banco 1... na data de pagamento;

(2) Euros 7.142,00, equivalente (em 13 de Outubro de 2020) a USD 8.426 (à taxa de câmbio do dia, de 1EUR – 1,17990), a título de complemento remuneratório destinado a repor a parte da remuneração anteriormente abonada através do Banco 2..., em Portugal; e

(3) USD 9.398 (USD 18.796 x 6 : 12 =), a título de remuneração variável, tudo conforme carta do Banco 1..., de 23 de Maio de 2017 e correspondência trocada com o mesmo órgão executivo do banco durante a negociação dos compromissos assumidos pelo Banco 1... através da referida carta.

(iii) Encontram-se em dívida as actualizações remuneratórias devidas, em virtude da variação do câmbio do USD em relação ao Kwanza (sendo que, nunca foi acordado entre mim e o Banco 1... qualquer desindexação remuneratória ao USD ou taxa de câmbio fixa).

(iv) Encontram-se em dívida o pagamento do complemento remuneratório destinado a repor a parte da remuneração que anteriormente me era abonada através do Banco 2..., em Portugal, relativamente aos últimos meses.

(v) O acordo de desvinculação deverá contemplar o reembolso de todas as contribuições feitas para a minha conta no Fundo de Pensões do Banco 1....

6. Por fim, pese embora considere que deixaram de se verificar os pressupostos necessários à manutenção de um vínculo laboral entre mim e o Banco 1..., estou disponível para manter uma colaboração com o banco, porém em moldes completamente distintos, a discutir oportunamente, caso o Banco 1... encontre nessa colaboração alguma utilidade.

Cumprimentos, AA”

117- O Autor veio a apresentar à Ré proposta de cessação do seu contrato de trabalho por via negocial, mediante a celebração de acordo de revogação através de mensagem de correio eletrónico, enviada em 25 de outubro de 2020, para os mesmos Dr. CC, Dr. VV, Dr. TT e Dra. BB, todos Administradores do banco-Réu, inserida na cadeia de mensagens do Doc. n.º 55 junto com a petição inicial onde refere:

“Exmos. Senhores,

Uma vez que, por um lado, me tem sido sucessivamente transmitida a vontade do Banco 1... em manter a minha colaboração nos futuros desafios da operação e, por outro, verifico que se esgotou o prazo dentro do qual solicitei uma resposta ao meu pedido abaixo de clarificação da minha situação profissional sem que tenha beneficiado dessa clarificação, tomo a liberdade de vos submeter uma proposta de Acordo de Revogação do meu Contrato de Trabalho de forma amigável (draft em anexo), como sinal de boa vontade e demonstração da minha intenção de resolver aquela situação de forma mais discreta e consensual possível, agradecendo uma resposta com a brevidade que o assunto merece.

Aproveito a oportunidade para também reafirmar a minha total disponibilidade para - uma vez fechado este processo relativo ao meu vínculo laboral -, abraçar um novo desafio de colaboração temporária com o Banco 1..., porém, em moldes a acordar e a contratualizar nos dias subsequentes à execução do acordo em anexo.

Com os melhores cumprimentos,”

118- O Autor anexou à referida mensagem de correio eletrónico uma minuta de acordo de revogação do contrato de trabalho, para apreciação do banco-Réu, conforme Doc. n.º 60 junto com a petição inicial cujo teor aqui se dá por reproduzido.

119- Entre outras condições, o Autor propôs que o banco Réu lhe pagasse uma compensação pecuniária de natureza global, no montante total de USD 1.077.369,00 (cfr. cláusula 3.1. do Doc. n.º 60).

120- O banco Réu comunicou ao Autor, em 29 de outubro de 2020, a cessação do seu contrato de trabalho, o que fez por mensagem de correio eletrónico, enviado ao Autor pela Diretora de Capital Humano do Réu, Dra. EE, com cópia para os Administradores Dr. CC e Dr. VV, nos termos constantes do Doc. n.º 61 junto com a petição inicial onde refere:

“Exmo. Sr. AA,

Tomamos boa nota da indisponibilidade de V.Exa. em continuar a trabalhar no Banco 1..., manifestada através dos e-mails, datados de 14 e 25 de Outubro (este último incluindo proposta de acordo de cessação do contrato).

Entretanto, analisado as vossas comunicações, vimos clarificar que o vínculo laboral que até aqui o liga ao Banco 1... é por tempo determinado, porquanto, a legislação angolana não admite a constituição de vínculo laboral da natureza que refere, relativamente a trabalhador estrangeiro não residente.

Lembramos que o Contrato de Trabalho celebrado com V.Exa. tem termo previsto para Fevereiro de 2021, ao abrigo do regime de trabalhador não residente; contudo, face a vossa manifestação de vontade, o Banco 1... aceita a V/ desvinculação com efeitos imediatos,”

121- O Autor em 09 de novembro de 2020 enviou uma mensagem de correio eletrónico enviado pelo Autor, em 09 de novembro de 2020, ao Dr. CC, Administrador do banco-Réu, comunicando a sua disponibilidade para trabalhar, nos termos constantes do Doc. n.º 62, junto com a petição inicial onde refere que:

“Assunto: Isolamento profilático activo e teletrabalho

CC, Venho informar que, em virtude de ter viajado, no regresso de Luanda para Lisboa, na companhia de passageiro que veio a testar positivo ao vírus SARS-COV2 e ao Covid 19, foi-me determinado, pela autoridade de saúde da minha área de residência, isolamento profilático activo, nos termos e para os efeitos, entre outros, do disposto nos artigos 11.º, n.º 1 e 13.º, n.º 6, do Decreto Presidencial n.º 276/20, de 23 de Outubro, razão pela qual, estou impedido de viajar para Luanda a fim de prestar trabalho presencial.

Mais informo que, por ter mais de 60 anos de idade, qualifico como cidadão vulnerável à infecção por COVID-19 sujeito a protecção especial, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15.º do Decreto Presidencial n.º 276/20, de 23 de Outubro, razão pela qual, independentemente do i isolamento profilático activo acima referido, continuarei a prestar trabalho para e a exercer as minhas funções no Banco 1..., S.A. em regime de teletrabalho, conforme estabelecido no Artigo 15.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto Presidencial n.º 276/20, de 23 de Outubro, até que cessem as medidas excepcionais e temporárias de prevenção da propagação do vírus SARS-COV2 e do Covid 19, aprovadas pelo diploma acima referido ou pelos diplomas que eventualmente o venham a suceder no futuro.”

Espero que compreenda e apresentou os meus melhores cumprimentos,”

122- Após 09 de novembro de 2020 o Autor enviou uma mensagem de correio eletrónico enviada pelo Autor, à Dra. EE, Diretora de Capital Humano do banco-Réu, com conhecimento aos Administradores Dr. CC e Dr. VV, nos termos constantes do Doc. n.º 63 junto com a petição inicial, onde refere

“Exma. Senhora EE,

Apenas uma breve nota para lhe dar conta que, até à presente data, o Banco 1... não pagou nenhuma das quantias discutidas ao nível da proposta de acordo de cessação do meu contrato de trabalho, nem sequer a quantia (incorrecta) por si referida, com a indicação de que seria paga pelo Banco 1... no prazo de 5 dias, o qual se encontra esgotado há muito. Por esta razão, concluo que o Banco 1... recuou definitivamente na intenção de cessar o meu contrato de trabalho.

Assim sendo, continuarei a prestar trabalho e a exercer as minhas funções no Banco 1... nos exactos termos em que o tenho feito até hoje.”

123- Em 13 de novembro de 2020, pelas 14h15m, o administrador executivo do banco-Réu, Dr. CC remeteu a todo a equipa da Banca de Empresas (“BE”) do banco-Réu, ou seja, a todos os ex subalternos do Autor, uma mensagem de correio eletrónico, sob o título “Nova Estrutura BE”, acompanhada de um ficheiro Power Point denominado “Banca corporativa proposta CECA 20201112”, nos termos constantes dos Docs. n.ºs 64 e 65 da petição inicial.

124- Onde, de modo expresso e inequívoco, o referido Administrador reconhece ter havido “rescisão contratual” do vínculo laboral que mantinha com o Autor.

125- A referida mensagem de correio eletrónico (Doc. n.º 64) tem o teor que a seguir se transcreve:

“Companheiros

Depois de muita reflexão pessoal e da CECA, assumimos que a estrutura tradicional da BE, merecia uma revisão que permitisse responder assertivamente à necessidade de especializarmo-nos em função dos diversos segmentos que acompanhamos. Espero pessoalmente, que compreendam o modelo e o suportem diariamente! Temos dito, juntos somos sempre mais fortes!

Aos recente nomeados ou transferidos para a BE, os meus votos sinceros de muitos sucessos! Aos demais, quero pessoalmente transmitir que se mantenham empenhados nas vossas tarefas e que não deixem de ver o vosso futuro na organização, com optimismo.

“Temos de nos tornar na mudança que queremos ver

XX

Melhores Cumprimentos

CC

Administrador Executivo”

126- Por sua vez, no slide 2 do ficheiro Power Point denominado “Banca de Empresas Proposta de restruturação ” anexo àquela mensagem do administrador executivo do banco-Réu, Dr. CC (Doc. n.º 65), tem o teor que se transcreve:

No âmbito do Plano Estratégico do Banco 1... 2018-2022, em 2019 reforçamos a segmentação de clientes. Entretanto no segmento Empresas, reconhecemos que a implementação revela ineficiências diversas com impacto nos clientes, as quais destaco: 1) Fraco investimento na formação dos quadros da BE; 2) Estratégia focada a um nicho reduzido de clientes do segmento GE; 3) Incumprimento dos Níveis de Serviço acordados (com degradação absoluta com o início da pandemia);

A este quadro desafiante, acrescentam-se saídas de quadros directivos da BE, com particular destaque para toda a estrutura directiva do segmento GE: 1) CC – CECA; AA e DD (Rescisão contractual);

Consideramos oportuno revisitar quer a estrutura actual da BE, quer o nosso posicionamento estratégico nos vários segmentos, ambicionando ganhos na especialização das equipas, na proximidade dos clientes e acima de tudo na qualidade de serviço.

127- O banco-Réu em 16 de novembro de 2020, mediante mensagem de correio eletrónico, enviada pela sua Diretora de Capital Humano, Dra. EE, com cópia para os Administradores Dr. CC e Dr. VV, conforme Doc. n.º 66 junto com a petição inicial, comunicou ao Autor que:

“Bom dia caro AA,

Dou nota que foram processados na sua conta Banco 1..., no final da semana passada, os valores referenciados pelo banco, como sendo os devidos face a decisão de não renovação do seu contrato de trabalho com o Banco 1....

Solicitamos o envio da ordem de transferência, para que os montantes possam assim ser transferidos para a sua conta em PT, conforme procedimento.

Estamos ao dispor para o que entender necessário.

Desejamos votos de maiores sucessos.”

128- Em novembro de 2020 depois de ter cessado o contrato do Autor, o Banco Réu vedou o acesso ao Autor aos sistemas e plataformas informáticas do banco Réu, incluindo a conta de email e depois de ter feito as contas finais não pagou ao Autor qualquer posterior remuneração, por ter considerado os valores que entendeu serem devidos até fevereiro de 2021.

129- No Acordo de destacamento aludido no nº 12 consta da cláusula 5ª que:

“1- O presente acordo tem início a 30 de Novembro de 2009 e dura pelo prazo de três anos, sendo automaticamente renovável por períodos de um ano, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

2- O presente Contrato caduca no termo do prazo estipulado ou de uma das suas renovações mediante comunicação feita pelo Primeiro ou Segundo Contraentes ao terceiro, ou por este a qualquer um daqueles, por forma escrita e com a antecedência mínima de 30 (trinta) dias.

3- Qualquer das partes pode, a todo o tempo, resolver o presente Contrato, mediante comunicação escrita às outras, feita com a antecedência mínima de 60 (sessenta) dias.”

130- Muito embora o Autor permanecesse como trabalhador do Banco 2..., nos termos do Regime Jurídico dos Estrangeiros na República de Angola, o Autor carecia de um visto de trabalho para que pudesse prestar a sua atividade para o Réu em território angolano.

131- Não sendo viável a manutenção do acordo de destacamento, o Réu em março de 2017 endereçou ao Autor a proposta contratual para o mesmo permanecesse em Angola a trabalhar para o Réu, tal como o fez aos outros colegas do Autor que lhe prestavam serviços no âmbito de acordos der destacamento celebrados com o Banco 2....

132- O Autor era livre de aceitar ou recusar tal proposta, mas a sua aceitação implicaria, necessariamente, a cessação ou suspensão do contrato de trabalho do Autor com o Banco 2....

133- Mas, tal cessação ou suspensão caberia ao Autor decidir e negociar com o Banco 2..., não lhe impondo o Réu qualquer decisão num ou noutro sentido.

134- Tendo no email endereçado pelo administrador do Réu KK ao Autor em 7 de abril de 2017 que consta do Doc. nº 37 junto com a petição inicial e referido no nº 47, no qual, em resposta à questão do Autor “E o meu vínculo contratual ao Banco 2... como fica?”, afirma: “Desculpe só responder agora mas não o quis fazer sem falar antes com as pessoas do CB/Banco 2... para melhor perceber as suas ideias. Mas isto não quer dizer que possa ser eu a dizer o que vai acontecer ao contrato entre o AA e a sua entidade empregadora! O contrato de trabalho com o Banco 2... tem de ser o AA a conversar/negociar! […] Espero que isto ajude na sua reflexão mas peço-lhe que fale com o Banco 2... para melhor decidir”.

135- No email que o Autor endereçou ao Dr. KK em 02 de maio de 2017, pelas 9h23 aludido no nº48 e constante do documento nº 37 junto com a petição inicial, no qual apresenta as suas condições para celebrar um contrato de trabalho com o Réu, o Autor afirma: “Como referi, estou disposto a agarrar este novo desafio no Banco 1... para os próximos 3 / 4 anos, desde que sejam mantidas as actuais condições remuneratórias globais bem como das outras condições, levando em consideração o seguinte: […] 4- Cláusula de salvaguarda caso ocorra a rescisão do contrato por iniciativa do Banco 1..., pagará uma indemnização equivalente a € 10 mil euros por cada mês não decorrido até Junho de 2021”.

136- O Autor sabia que à luz da legislação nacional angolana, não era possível celebrar contratos de trabalho por tempo indeterminado com estrangeiros não residentes, como era o seu caso.

137- A menção na carta enviada ao Autor em 23 de maio de 2017, aludida no nº 51 e contante do Doc. nº 39 junto com a petição inicial de “Natureza do vínculo: contrato de trabalho por tempo indeterminado, nos termos da legislação nacional em vigor” resultou de erro dos serviços de recursos humanos do Réu que prepararam as cartas que foram enviadas ao Autor e aos restantes colegas que se encontravam na mesma situação, terem, inadequadamente, usado como modelo uma minuta anteriormente preparada para uma situação de contrato por tempo indeterminado.

138- Em todas essas cartas se verifica o mesmo erro, sendo a formulação idêntica, pois para todos foi utilizada a mesma minuta.

139- O horizonte temporal durante o qual o Réu se obrigou a manter o Autor ao seu serviço foi de 3 anos, contados a partir de 1 de agosto de 2017, sendo que só durante tal período lhe sendo garantidas as condições explanadas na carta, após o qual poderiam tais condições ser livremente renegociadas entre as partes, constando expressamente: “Em caso de extinção deste vínculo laboral antes do final do terceiro ano contado a partir de 1 de Agosto de 2017, por causa não imputável ao colaborador, será assegurado o pagamento de indemnização de valor equivalente às remunerações que seriam auferidas pelo colaborador até ao final desse prazo”, conforme aludido no nº 52.

140- Tendo a mesma condição sido retomada na clausula 13.3 do contrato de comissão de serviço aludida no nº 67 onde consta que “Caso o presente Contrato venha a cessar por iniciativa da A... e não corresponda a despedimento por facto imputável ao Colaborador, este terá direito a uma indemnização calculada nos termos da lei, exceto se essa cessação ocorrer durante os primeiros 36 meses de duração do vínculo (incluindo eventuais períodos de suspensão do contrato) caso em que a A... se obriga a pagar uma compensação ilíquida de valor equivalente à remuneração mensal ilíquida que o Colaborador teria direito a auferir entre a data da cessação do contrato e o termo dos 36 meses, ou a compensação calculada nos termos da lei se esta for superior.”

141- As partes tiveram a intenção de limitar, temporalmente, tanto a duração do contrato a celebrar entre ambas como as respetivas condições.

142- Quando em 2020 o Banco renegociou as condições contratuais com os colaboradores que tinham recebido idêntica carta à aludida nos nºs 51 e 137, todos estes, à exceção do Autor e da testemunha DD (que também intentou ação judicial contra o Réu) aceitaram as novas condições propostas no pressuposto que as condições anteriormente acordadas tinham uma duração temporal de 3 anos.

143- O Autor também tinha consciência de tal situação sendo que em 16 de julho de 2020 na comunicação que enviou ao então administrador do Réu VV, aludida no nº 94 (Doc. nº 53 junto com a petição inicial) resulta que estava a negociar “regressar/manter no Banco 1... por mais alguns anos […] desde que sinta, como referi, que estão cumpridos os 3 pilares que abaixo descrevo (...):

1. Projecto […]

2. Confiança/Segurança: Terei que estar à vontade e ter a confiança do responsável do pelouro – sem isso fica difícil trabalhar.[…]

3. Pacote financeiro: Não tendo sido ainda resolvida formalmente a minha remuneração do Banco 2... (mais tarde da A...), a partir deste mês de Julho, o pacote financeiro é dramaticamente reduzido. Se não for ajustado nos próximos dias, vai condicionar/inviabilizar o meu regresso e motivar eventual afastamento. Estou aberto a ver o que têm para me propor. Se assim o entenderem, fico disponível para apresentar uma proposta concreta do pacote financeiro!”                        

144- O Autor tinha consciência da limitação temporal e de que os contratos assinados após a cessação do acordo de destacamento regulamentavam, materialmente, a sua ligação com o Banco, tendo em fevereiro de 2020 enviado um email à Sra. D. WW, referindo que a minuta de contrato não incluía algumas “as condições do destacamento”, o que motivou comentários da Diretora da DCH, quando solicitada por aquela WW a esclarecer a questão, tudo nos termos constantes do Doc. nº 22 junto com a contestação que aqui se dá por reproduzido.

145- Na sequência do acordo de revogação e seu aditamento aludidos nos nºs 81 a 85 e compromisso aludido no nº 86 o Réu na pessoa do Dr. HH, determinou que o montante acordado, para além do valor referido no nº 91 fosse pago ao Autor, integrado na retribuição variável, conforme email de 6 de maio de 2020 constante do Doc. 23 junto com a contestação.

146- O que veio, efetivamente, a acontecer em 8 de maio de 2020, conforme comprovativo de transferência com o descritivo da operação “Pag. R. Variável/AA, constante do Doc. 24 junto com a contestação.

147- Em outubro de 2019, o Réu desindexou tanto a retribuição do Autor como a de todos os seus colaboradores, ao dólar americano.

148- Até 2019 era política do Banco proceder à indexação das retribuições dos seus trabalhadores (e não apenas dos estrangeiros não residentes) ao dólar americano.

149- Tratava-se de uma política do Banco que correspondia a uma prática comum em Angola, numa altura em que o dólar tinha, na prática, curso legal no país, sendo aceite como meio de pagamento no tráfico jurídico em geral.

150- A partir de 2018 o governo de Angola tomou medidas progressivas de “desdolarização” da economia angolana, que tinha pesados custos para o país.

151- Nessa sequência, em outubro de 2019, o Conselho de Administração do Banco 1... aprovou a desindexação das remunerações dos seus trabalhadores ao dólar, tendo a nova tabela salarial sido definitivamente fixada por referência à taxa do dólar americano à cotação de 18 de outubro de 2019, nos termos constantes da Ata da reunião extraordinária do Conselho de Administração do Réu de 21 de outubro de 2019, junta como Doc. 25 da contestação que aqui se dá por reproduzida.

152- O então Presidente do Conselho de Administração do Réu, HH, considerou nessa reunião que a medida só pecava por tardia, acrescentando ainda que tal medida relevava da gestão do Banco, não assumindo natureza contratual, mais referindo que a mesma já vinha sendo preparada desde 2018, tendo inclusivamente o Réu já sido interpelado a tal propósito pelas autoridades de supervisão.

153- Assim, a desindexação da retribuição do Autor ao dólar americano foi uma medida geral, aplicada a todos os trabalhadores do Réu.

154- Tal medida foi imposta por critérios de gestão, bem como por pressão da autoridade de supervisão (BNA), em consonância com a política monetária governamental.

155- A indexação das retribuições dos trabalhadores do Réu ao dólar americano relevava de uma política interna do banco.

156- No email endereçado ao Autor em 4 de março de 2020 e constante do Doc. nº 58 junto com a apetição inicial, a funcionária do Réu WW refere expressamente: “Remetemos abaixo comentários da Directora EE relativas às condições de destacamento. Informamos que algumas das condições que apresentou abaixo poderão ser apresentadas em Adenda ao contrato sendo que as políticas do Banco podem ser alteradas.”

157- O Autor, diretor da área de empresas do Banco, estava perfeitamente ciente da “desdolarização” da economia empreendida pelo governo de Angola, bem como do pesado encargo financeiro que a indexação representava para o Banco.

158- A implementação de tal medida já vinha a ser preparada há um ano e fora objeto de reuniões entre a administração do Banco e os seus diretores, entre os quais se contava o Autor.

159- A decisão de desindexação foi comunicada a todos os trabalhadores do Réu, em reunião na qual o Autor esteve presente, nunca se tendo manifestado quanto a tal medida antes da missiva aludida no nº 116.

160- Em 1 de setembro de 2020 o Autor continuava ainda a negociar as condições da sua manutenção no Banco 1..., conforme resulta do e-mail que lhe é enviado pelo então administrador do Réu, CC, que refere que não tem a certeza que seja possível ao Banco cobrir integralmente a parte da retribuição que lhe paga pela A... e cuja obrigatoriedade de pagamento terminara em julho de 2020, conforme documento nº 54 junto com a petição inicial.

161- Em 10 de outubro de 2020, o Banco apresentou ao Autor uma proposta remuneratória para vigorar de agosto de 2020 em diante, nos termos constantes do email enviado ao Autor nessa data conforme Doc. nº 55 e Doc. nº 56 juntos com a petição inicial.

162- É na resposta a essa proposta que o Autor vem pela primeira vez invocar que todas as condições constantes da proposta do Réu de 23 de maio de 2017 seriam por tempo indeterminado manifestando-se indisponível para permanecer ao serviço do Réu nos termos das novas condições que lhe eram propostas por este, nos termos referidos nos nºs 116 e 117.

163- Tendo, em 25 de outubro de 2020, apresentado ao Réu uma proposta de revogação do contrato de trabalho vigente nos termos referidos no nºs 117 a 119.

164- Em face de tal posição do Autor o Réu procedeu nos termos referidos no nº 120 determinando a cessação do contrato com o Autor com efeitos a 16 de novembro de 2020, sem prejuízo do pagamento de todas as remunerações que se venceriam até 04 de fevereiro de 2021.

165- Tendo igualmente sido creditados na conta do Autor os valores acumulados no respetivo Fundo de Pensões, que é exclusivamente financiado pelos colaboradores.

Factos não provados

Da petição inicial não se provou a demais matéria dos artºs 1º, 4º, 5º, 6º, 9º, 10º, 14º, 84º, 107º, 114º, 115º, 116º, 118º, 119º, 132, 133º, 150º, 151º, 152º, 162º, 165º, 167º, 173º, 174º, 175º, 178º, 180º, 185º, 186º, 187º, 189º, 190º, 191º, 192º, 197º, 198º, 200º, 201º, 204º, 209º, 214º, 215º, 216º, 217º, 218º, 224º, 226º, 228º, 230º, 231º, 233º, 234º, 235º, 236º, 237º, 238º, 239º, 240º, 241º, 242º, 243º e 244º que não consta dos factos provados, a matéria dos artºs 17º a 69º diz respeito à competência internacional dos tribunais portugueses já decidida em sede de despacho saneador e os artºs 12º, 15º, 16º, 94º (demais matéria que não consta dos factos provados), 103º (demais matéria que não consta dos factos provados), 206º, 207º, 208º, 219º, 220º, 221º, 222º, 223º, 241º e 245º a 370º contêm apenas matéria conclusiva ou de direito.

Da contestação da Ré não se provou a demais matéria dos artºs 84º, 101º, 103º, 104º, 107º, 119º, 131º, 135º, 137º, 140º, 141º, 145º, 149º, e 151º que não consta dos factos provados, sendo que a matéria dos artºs 32º a 73º diz respeito à competência internacional dos tribunais portugueses já decidida em sede de despacho saneador e os artigos 1º a 31º, 82º, 83º, 85º, 86º, 87º, 88º, 89º, 90º, 91º, 92º, 93º, 99º, 102º, 107º (demais matéria que não consta dos factos provados). 114º, 117º, 120º, 121º, 129º, 153º a 193º contêm apenas matéria de impugnação, conclusiva ou de direito.

*

Motivação

(…).

*

*

b) - Discussão

1ª questão

Reapreciação da matéria de facto

(…)

Desta forma, este ponto passa a ter a seguinte redação:

Ponto 128 - Em data não concretamente apurada de novembro de 2020, situada entre os dias 13 e 16, depois de ter cessado o contrato do Autor, o Banco Réu vedou o acesso ao Autor aos sistemas e plataformas informáticas do banco- Réu, incluindo a conta de email e depois de ter feito as contas finais não pagou ao Autor qualquer posterior remuneração, por ter considerado os valores que entendeu serem devidos até fevereiro de 2021.

(…)

Improcede, assim, na quase totalidade, a pretendida alteração da matéria de facto.

2ª questão

Se entre as partes foi celebrado um contrato de trabalho por tempo indeterminado e

Alega o recorrente que:

- As partes manifestaram a sua vontade e pretenderam vincular-se a um contrato de trabalho por tempo indeterminado, mediante proposta negocial apresentada pelo Recorrido, em 23.03.2017, e aceite pelo Recorrente, e cuja redação é clara e inequívoca no que à tipologia de contrato proposto diz respeito (cfr. art.º 236.º do CC);

- O período de 3 anos a que o Tribunal a quo alude reporta-se ao critério de fixação da compensação a pagar ao Recorrente em caso de cessação antecipada do vínculo laboral, e não à duração acordada desse mesmo vínculo laboral, pelo que, de tal período não se induz, nem se extrai, qualquer vontade distinta da proposta negocial apresentada ao, e aceite pelo, Recorrente, e consequentemente qualquer erro na declaração e/ou na escrita dessa mesma proposta (cfr. arts.º 247.º e/ou 249.º do CC);

- Os diversos e sucessivos contratos a tempo determinado celebrados entre Recorrente e Recorrido, ao longo de uma relação laboral ininterrupta de 11 anos, constituem negócios simulados porque destinados, em exclusivo, à instrução de processos de visto em Angola, pelo que de tais contratos não se retira qualquer vontade negocial das partes no que à efetiva e pretendida duração do seu vínculo diz respeito (cfr. art.º 240.º, n.º 1 e 2 do CC);

- Na medida em que o regime legal aplicável ao trabalhador estrangeiro não-residente impõe a celebração de contrato de trabalho por tempo determinado, o qual poderá ter uma duração máxima de 5 anos (por remissão para o regime da LGT), a duração efetiva do vínculo que unia Recorrente e Recorrido, à data do seu despedimento, não resultaria nem do contrato (real) entre ambos celebrado (dado que este o foi a tempo indeterminado), nem dos contratos formais (simulados) utilizados para efeitos de visto (dado que os mesmos são nulos e não representam a vontade das partes);

- Perante a incerteza de qual a efetiva duração do vínculo contratual entre Recorrente e Recorrido dever-se-á considerar que o mesmo teria uma duração de 5 anos, a contar desde a data em que as partes manifestaram pela última vez a sua vontade negocial, por corresponder à duração máxima do contrato por tempo determinado e, como tal, constituir a interpretação que maior equilíbrios das prestações representa, aplicando a vontade real dos contratantes (um vínculo laboral permanente) às constrições do regime do trabalhador estrangeiro não-residente (cfr. art.º 237 do CC);

- Na medida em que a vontade negocial dos contratantes foi pela última vez manifestada em 15.01.2020, o contrato de trabalho que os unia teria duração até 15.01.2025.

Apreciando:

Antes de mais importa dizer que a pretendida alteração da matéria de facto foi julgada improcedente.

Por outro lado, a este propósito consta da sentença recorrida o seguinte:

“Ora, como resulta dos factos provados o Autor iniciou funções para o Réu em Dezembro de 2009, no entanto fê-lo ao abrigo de um acordo tripartido de destacamento, celebrado entre o Autor, o Réu e o Banco 2..., entidade patronal do Autor. E, como resultou provado, a celebração do vínculo laboral com o banco-Réu não implicava a desvinculação do Autor ao Banco 2..., pelo que este não perderia a antiguidade, direitos adquiridos e estabilidade de emprego decorrente do contrato de trabalho com este último.

E de acordo com o referido acordo de destacamento o Autor seria destacado pelo Banco 2..., de Portugal, para o banco-Réu, em Angola, sendo que tal acordo foi formalizado em 26 de Novembro de 2009.

E durante a vigência do acordo de destacamento o Autor mantinha a remuneração que lhe era paga pelo Banco 2... em Portugal, para além das quantias acordadas que lhe eram pagas pelo banco Réu.

Acresce que para efeitos de obtenção de visto e dessa forma o Autor poder permanecer em Angoa, foram celebrados entre Autor e Réu contratos de trabalho por tempo determinado denominados de Contrato de trabalho de estrangeiro não residente, o primeiro dos quais celebrado em 03 de Dezembro de 2009.

Ora, nessa data encontrava-se em vigor em Angola a Lei Geral do Trabalho (LGT2000), aprovada pela Lei nº 2/2000 de 11/02/2000, reproduzida no doc. nº 69 junto com a petição inicial, sendo que de acordo com o seu artº 1º, o regime previsto em tal lei “aplica-se a todos os trabalhadores prestando serviços remunerados por conta dum empregador, no âmbito da organização e sob a autoridade e direcção deste” (nº1), aplicando-se “supletivamente aos trabalhadores estrangeiros não residentes” ( nº 3).

E, como estabelece o artº 22º, nº 1, al. i) o contrato de trabalho de estrangeiros não residentes é um contrato de trabalho especial, sendo que aos contratos especiais, como dispõe o nº 2 do mesmo normativo, aplicam-se as disposições comuns da mesma lei, com as excepções e especialidades estabelecidas nos artigos seguintes e em legislação específica.

De acordo com o artº 31º da mesma LGT “O contrato de trabalho de estrangeiros não residentes é regulado por esta lei, nos aspectos não contemplados por lei especial ou em acordos bilaterais.”

E no anexo a tal LGT para efeitos de tal lei, na al. y) “considera-se como trabalhador estrangeiro não residente o cidadão estrangeiro com qualificação profissional, técnica ou científica em que o país não seja auto-suficiente, contratado em país estrangeiro para exercer a sua actividade profissional no espaço nacional por tempo determinado.”

Tal regime manteve-se igual na Lei Geral do Trabalho aprovada pela Lei 7/2015, de 15 de Junho, (LGT2015) que consta do doc, nº 10 junto com a petição inicial, como decorre dos artsº 1º, nº 3, 3º, nº 28, 21º, nº 1, al. i) e nº2 e 30º desta LGT.

Assim, de acordo com tais disposições legais, o Autor era um estrangeiro não residente, contudo até cessar o acordo de destacamento os contratos de trabalho de estrangeiro não residente celebrados com o Réu eram apenas instrumentais para a obtenção de visto, dado que a entidade patronal do Autor continuava a ser o Banco 2... em Portugal, sendo que o banco Réu era apenas a beneficiária do trabalho prestado em regime de destacamento.

Neste período que decorreu entre Dezembro de 2009 e até Agosto de 2017, estava-se perante uma relação triangular em que a entidade patronal do Autor continuava a ser o Banco 2... em Portugal, o qual desde o início do destacamento e até Agosto de 2017 pagou escrupulosamente ao Autor as condições remuneratórias estabelecidas na Comunicação Complementar efectuada em acréscimo ao Acordo de Destacamento celebrado entre as três partes.

Assim, nesse período o Banco Réu era apenas a entidade beneficiária do trabalho prestado pelo autor em regime de destacamento, tratando-se de uma situação temporária e com duração limitada, não podendo por isso nesse período concluir-se pela existência de qualquer vínculo laboral por tempo indeterminado entre Autor e Réu.

Efectivamente, resultou provado nos autos que o Acordo de Destacamento formalizava as condições da Proposta Contratual apresentadas pelo Réu ao Autor que seriam pagas e asseguradas pelo banco-Réu enquanto entidade beneficiária dos serviços prestados pelo Autor enquanto trabalhador destacado e em acréscimo ao Acordo de Destacamento, o Banco 2... entregou ainda, ao Autor, através da sua Direção de Capital Humano, comunicação contendo as condições complementares ao seu destacamento para o banco-Réu.

Em tal Comunicação Complementar, foram garantidas ao Autor condições que seriam suportada e asseguradas pelo Banco 2... enquanto sua entidade patronal, que correspondiam nomeadamente ao pagamento do valor de retribuição mensal que auferia ao momento, incluindo salário base, diuturnidades, isenção de horário de trabalho, complemento fixo e subsídio especial de função fixo, além de outras prestações e subsídios, sendo o período de destacamento considerado para efeitos de antiguidade profissional, mantendo-se a contagem para todos os efeitos previstos no ACT do sector bancário em rigor em Portugal, designadamente em matéria de pensões, condições essas que o Banco 2... cumpriu até Agosto de 2017.

Acresce que foi igualmente garantindo ao Autor que, cessando, por qualquer causa, o destacamento, o Autor retomaria a sua prestação de trabalho no Banco 2... no desempenho das funções inerentes à sua categoria profissional de Director, com a manutenção das condições remuneratórias e restantes prestações do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) do sector bancário.

E, como ficou também provado o vínculo contratual com o banco-Réu foi celebrado no pressuposto e com a garantia de que o mesmo:

(e) Não prejudicava a manutenção da relação laboral entre Autor e Banco 2...;

(f) Não prejudicava a continuação do pagamento da remuneração e benefícios que o Autor vinha auferindo no Banco 2...;

(g) Não prejudicava a antiguidade do Autor no Banco 2..., que continuaria a ser contabilizada; e,

(h) Não prejudicava a continuidade da carreira profissional do Autor no Banco 2..., se e quando cessasse o Acordo de Destacamento.

Assim, de tais factos decorre sem margem para dúvidas que nesse período não foi constituído entre o Autor e o banco Réu qualquer vinculo laboral por tempo indeterminado, apesar dos contratos de trabalho de estrangeiro não residente que foram celebrados enquanto vigorou tal acordo de destacamento.

Na verdade, resultou também provado que sendo o Autor cidadão português e dada a necessidade de obter um visto de trabalho para poder trabalhar em Angola, o banco-Réu preparou e solicitou ao Autor que assinasse um contrato de trabalho de estrangeiro não residente (“CT2009”), a termo certo, pelo período de 1 (um) ano, renovável até ao máximo de 3 (três) anos, para o exercício das funções de Director Comercial do banco-Réu, sendo que o banco instruiu o Autor para assinar o CT 2009 apenas e tão só com o exclusivo propósito e finalidade de obtenção do correspondente visto de trabalho, pelo que, o mesmo assumia natureza de mera formalidade a observar junto das autoridades legais, e estritamente instrumental a tal formalidade, aliás como fez em relação a todos os outros contratos a termo cuja assinatura solicitou ao Autor, bem como a outros trabalhadores expatriados em idêntica situação de destacamento pelo Banco 2....

Mais ficando claro entre Réu, Autor e Banco 2... que, no caso de contradição ou conflito entre o CT 2009 (ou outro da mesma natureza que o viesse a substituir) e o Acordo de Destacamento, prevaleceria sempre este último, em particular no que à remuneração, benefícios e condições respeitava.

O CT 2009 foi assinado, pelo Autor e pelo banco-Réu, de 03 de dezembro de 2009 e o visto de trabalho foi concedido ao Autor em 14.04.2010, com efeitos a partir de 15.04.2010.

Assim, o CT 2009 entrou em vigor em 15.04.2010, data da concessão do visto de trabalho ao Autor, muito embora o Autor tenha chegado a Angola em 23.10.2009 e iniciado imediata e efetivamente funções no Réu, em 3 de Dezembro desse ano, auferindo a correspondente remuneração como contrapartida do seu trabalho fixada no Acordo de destacamento. O que reforça e evidencia o carácter meramente formal e instrumental do CT 2009 à concessão de visto de trabalho, dado a relação laboral entre Autor e Ré ter sido sempre regida e sujeita somente às condições constantes do Acordo de Destacamento.

Acresce que o procedimento definido e implementado pelo banco-Réu, para assegurar a concessão de visto de trabalho ao Autor, repetiu-se, ainda, por diversas outras vezes, mediante a celebração de sucessivos contratos de trabalho de estrangeiro não residente a termo certo.

Assim, o banco-Réu enviou ao Autor, para assinatura, os seguintes contratos de trabalho de estrangeiro não residente a termo certo:

(d) Contrato cujas assinaturas foram datadas de 18 de março de 2013, cuja cópia consta do Doc. n.º 21 junto com a petição inicial (de ora em diante o “CT 2013”);

(e) Contrato cujas assinaturas foram datadas de 2 de dezembro de 2015, cuja cópia consta do Doc. n.º 22 junto com a petição inicial (de ora em diante o “CT 2015”); e,

(f) Contrato cujas assinaturas foram datadas de 21 de novembro de 2016, cuja cópia consta do Doc. n.º 23 junto com a petição inicial (de ora em diante o “CT 2016”).

Mas à semelhança do que ocorreu com o CT 2009, todos os restantes contratos de trabalho de estrangeiro não residente a termo certo foram celebrados pelo prazo de 1 (um) ano, renovável até ao máximo de 3 (três) anos e também à semelhança do que ocorreu com o CT 2009, todos os restantes contratos de trabalho de estrangeiro não residente a termo certo foram sujeitos a condição suspensiva, iniciando a sua vigência com a data de concessão de visto ao Autor.

Á semelhança do CT 2009, também os CT 2013, CT 2015 e CT 2016 foram celebrados apenas e tão só com o exclusivo propósito e finalidade de obtenção dos correspondentes vistos de trabalho do Autor, pelo que, os mesmos assumiram natureza de mera formalidade a observar junto das autoridades legais, e estritamente instrumentais a tal formalidade.

Ora, de tais factos resulta, sem margens para dúvidas que naquele período o vínculo entre o Autor e o Réu decorria do acordo de destacamento e não dos contratos de trabalho de estrangeiro não residente a termo certo, que foram apenas instrumentais para que o Autor obtivesse o visto e pudesse permanecer em Angola a prestar os serviços decorrentes do acordo de destacamento.

E tal acordo de destacamento, como supra se referiu era temporário, tendo duração limitada, constando do mesmo que tinha a duração de três anos, sendo automaticamente renovável por períodos de um ano, caducando no termo do prazo estipulado ou de uma das suas renovações mediante comunicação escrita feita pelo Banco 2... ou pelo Réu ao Autor, ou por este a qualquer um daqueles, por forma escrita e com a antecedência mínima de 30 dias, podendo ainda qualquer das partes, a todo o tempo, resolver tal contrato mediante comunicação escrita às outras feita com a antecedência mínima de 60 dias.

Assim, durante o período em que vigorou tal acordo de destacamento, não foi criado qualquer vínculo laboral duradouro, por tempo indeterminado, entre o Autor e o Réu, resultando dos factos provados que durante a vigência do mesmo foram cumpridas por todas as partes as obrigações decorrentes de tal acordo, sendo certo que o pagamento da remuneração do Autor por parte do Réu nos períodos de vigência dos CT celebrados para obtenção, mais não é que o cumprimento por parte do Réu do referido Acordo de Destacamento.

Desta forma, nada é devido ao Autor pelo Réu na sequência do Acordo de destacamento, que cessou por iniciativa do Banco 2... que decidiu não manter o destacamento e mandar regressar a Portugal os seus trabalhadores destacados, neles estando incluído o Autor.

A questão que se coloca é saber qual a relação contratual que foi estabelecida entre Autor e Réu depois de cessado o referido Acordo de Destacamento.

Ora, quanto a essa questão resultou provado que em meados de Março de 2017 e na sequência da reestruturação interna do Banco 2... e pretendendo este acabar com os destacamentos, o Dr. KK, a quem o Autor comunicou que estava a ponderar regressar definitivamente a Portugal, propôs ao Autor que se desvinculasse do Banco 2... e permanecesse em Angola, exclusivamente ligado ao Réu.

Perante tal proposta e de modo a que nenhumas dúvidas restassem sobre o tema, o Autor cuidou de enfatizar que a eventual aceitação de tal proposta implicaria abdicar da sua potencial progressão profissional no “novo” Banco 2..., sendo, por conseguinte, uma opção que teria de ser muito bem negociada.

E, no âmbito das negociações o Autor referiu que para aceitar a proposta não poderia haver redução das suas condições salariais, incluindo o pagamento de parte da sua remuneração em Portugal.

Nessa sequência em 7 de abril de 2017, o Dr. KK respondeu ao Autor, por mensagem de correio eletrónico, garantindo (uma vez mais) que “o Banco 1... pagará e as pessoas jamais serão prejudicadas vs as suas condições actuais (salário, bónus, viagens, alojamento, …)” e em face de tal garantia, em 2 de Maio de 2017, o Autor enviou duas (2) mensagens de correio eletrónico ao Dr. KK através das quais o Autor informou o Dr. KK de algumas das condições que pretendia ver satisfeitas de modo a continuar vinculado ao Réu, nomeadamente que a partir do mês de junho de 2017, o banco-Réu passaria a pagar anualmente € 350 mil brutos, sendo repartido por salário, varável anual e subsídio de risco e /ou deslocação, este último a ser pago semestralmente com início em setembro 2017 por € 50 mil e/ou pago mensalmente por uma entidade externa detida pelo banco-Réu, o pagamento imediato do saldo acumulado do Fundo de Pensões, que o saldo futuro que viesse a ser constituído no Fundo de Pensões seria pago quando atingisse os 60 anos de idade e/ou ocorra rescisão do contrato de trabalho por alguma das partes, uma cláusula de salvaguarda: caso ocorresse a rescisão do contrato de trabalho por iniciativa do banco-Réu, esta pagaria uma indemnização equivalente a € 10 mil euros por cada mês não decorrido até Junho de 2021, sendo que o Autor comprometeu-se a regularizar o seu vínculo com o Banco 2... nos meses seguintes, no caso de tais condições serem aceites.

Na sequência de tais negociações, em 23 de Maio de 2017, o Dr. TT, Administrador do banco-Réu, remeteu ao Autor uma mensagem de correio eletrónico com o seguinte teor: “Em nome do Presidente do Concelho de Administração do Banco 1..., faço-lhe chegar a comunicação de condições que visam a continuidade do seu vinculo laboral com a nossa Instituição; será gratificante poder  contar consigo para o novo ciclo que agora se inicia, bem como para continuar a fazer do Banco 1... uma Instituição de referência em Angola; neste contexto, agradeço por favor que me comunique a sua decisão até ao próximo dia 1 de Junho”.

E, junto com aquela mensagem, o Administrador do banco-Réu, Dr. TT remeteu ao Autor um ficheiro pdf, o qual consistia numa carta escrita em papel timbrado do banco-Réu, datada também de 23 de Maio de 2017 e assinada por dois membros do respetivo Conselho de Administração – o próprio Dr. TT e a Dra. BB, na qual foi transmitido o seguinte ao Autor:

“Na sequência das conversações havidas, o Banco 1..., S.A. (Banco 1...) vem, pela presente manifestar formalmente a sua vontade de prolongar o vínculo laboral entre esta instituição e o colaborador AA, nos seguintes termos e condições:

. Natureza do vínculo: contrato de trabalho por tempo indeterminado, nos termos da legislação nacional em vigor;

Em caso de extinção deste vínculo laboral antes do final do terceiro ano contado a partir de 01 de Agosto de 2017, por causa não imputável ao colaborado, será assegurado o pagamento de indemnização de valor equivalente às remunerações que seriam auferidas pelo colaborador até ao final desse prazo.

. Categoria profissional e remuneração: o colaborador manterá a categoria profissional e o estatuto remuneratório de que atualmente goza no Banco 1..., incluindo os benefícios correspondentes a :

- Plafond de alojamento até ao valor mensal de USD 7.000,00;

- Três viagens por ano em Classe Executiva para o colaborador e esposa;

- Atribuição de viatura de serviço de acordo com a plitica em vigor;

- Atribuição de remuneração variável em função da política em vigor. (…)”

Na mesma carta datada de 23 de Maio de 2017, foi assegurado ao Autor que a cessação do seu vínculo no Banco 2... não implicaria qualquer perda de rendimento, na medida em que o mesmo seria devidamente compensado.

O banco-Réu assumiu perante o Autor a obrigação contratual de proceder ao pagamento de uma contrapartida no montante de € 7.142,00, 14 vezes ao ano, para compensação da perda de retribuição decorrente da cessação do contrato de trabalho entre o Autor e o Banco 2..., referindo “Será ainda assegurado o recebimento de uma compensação periódica pela perda do salário até agora pago pelo Banco 2... em Portugal. Esta compensação será paga mensalmente e corresponderá ao valor bruto daquele salário, no valor de € 7.142,00 (14 meses).

O Autor comunicou ao Réu, através de mensagem de correio eletrónico, do mesmo dia 23 de Maio de 2017, que aceitava a proposta que lhe sido apresentada por aquele Banco, através da mensagem de correio eletrónico, e respetiva carta anexa, de 23 de Maio de 2017, mais informando que, em consequência, iria pôr termo ao seu contrato de trabalho com o Banco 2....

Entre outras condições de que dependia a aceitação, por parte do Autor, de uma eventual proposta de continuidade ao serviço do banco-Réu, constava o pagamento em Portugal de parte da sua remuneração, tal como sempre sucedeu enquanto esteve vinculado ao Banco 2....

Neste contexto, em 23 de Agosto de 2017, o banco-Réu, na pessoa do seu Administrador e CEO – Dr. II – remeteu ao Autor, bem como a outros trabalhadores expatriados, por mensagem de correio eletrónico, minuta de contrato de trabalho em regime de comissão de serviços, a celebrar com a sociedade A..., S.A.

E, nos termos do contrato de trabalho em comissão de serviço assinado pelo Autor, a A... obrigava-se ao pagamento de um montante mensal de € 5.951,70, a título de remuneração, acrescida de um montante mensal de € 1.190,30, o que perfaz um montante total de € 7.142,00, montante esse correspondente, precisamente, ao valor compensatório cujo pagamento foi assumido pelo Ré na sua carta-proposta de 23 de Maio de 2017. Constando ainda de tal contrato que o pagamento das obrigações assumidas pelo banco-Réu através da A..., seria implementado, pelo menos, durante um período de 36 meses.

Mais se provou que a permanência do Autor ao seu serviço do banco –Réu implicava que fossem celebrados contratos a termo, com vista à obtenção do visto, assinando o Autor as minutas contratuais que o banco-Réu lhe fazia chegar, de modo a dar entrada dos processos de concessão de visto de trabalho.

E, neste contexto, o banco-Réu comunicou ao Autor, em Março de 2018, a necessidade de celebrar um contrato promessa de contrato de trabalho de estrangeiro não residente, tendo aquele disponibilizado a este último a minuta contratual para o efeito, sendo que tal Contrato de trabalho que foi assinado em 14.03.2018 (CT 2018”), pelo período de 1 (um) ano, renovável até ao limite máximo de 2 (duas) vezes, ao abrigo do visto de trabalho concedido ao Autor em 13.03.2018.

Acresce que em 25 de Fevereiro de 2019, o banco-Réu e o Autor celebraram novo contrato de trabalho de estrangeiro não residente, pelo período de 1 (um) ano, renovável até ao limite máximo de 2 (duas) vezes, e com início na data de concessão do visto de trabalho ao Autor, (CT 2019”).

Os referidos contratos de trabalho de estrangeiro não residente a termo certo foram sujeitos a condição suspensiva, iniciando a sua vigência com a data de concessão de visto ao Autor, pelo que, atentas as datas de concessão de visto, em 13.03.2018 e em 19.03.2019, os contratos de trabalho de estrangeiro não residente que o banco-Réu deu ao Autor para assinar teriam, no plano estritamente formal o CT 2018 iniciou a sua vigência em 14.03.2018 e o CT 2019 iniciou a sua vigência em 19.03.2019.

Perante tais factos invoca o Autor que celebrou com um Réu um contrato por tempo indeterminado, uma vez que na carta que o Reu lhe enviou em 23 de Maio de 2017 na natureza do vínculo faz referência a “contrato de trabalho por tempo indeterminado, nos termos da legislação em vigor, defendendo o Réu que a referência a essa natureza do contrato se ficou a dever a mero lapso dado que sendo o Autor um estrangeiro não residente a lei angolana não permitia que fosse celebrado um contrato dessa natureza.

Ora, como supra se referiu em conformidade com a LGT 2015, tal como já acontecia com a LGT2000, o contrato de trabalho com estrangeiro não residente era uma modalidade de contrato de trabalho especial, sendo regulado pela LGT, nos aspectos não contemplados por lei especial ou em acordos bilaterais., como decorre dos artsº 1º, nº 3, 3º, nº 28, 21º, nº 1, al. i) e nº2 e 30º desta LGT2015.

E, tal modalidade de contrato encontrava-se regulado inicialmente pelo Decreto do Conselho de Ministros 6/01, de 19 de Janeiro e posteriormente pelos Decretos Presidenciais 43/17 de 6 de Março e 79/17, de 24 de Abril, sendo por isso aplicável a tais contrato a LGT apenas a título subsidiário como decorre dos arts. 31º da LGT2000 e 30º da LGT2015.

Assim, pese embora no período de vigência do Acordo de destacamento tal tipo de contrato de trabalho espacial se encontrasse regulado pelo Decreto do Conselho de Ministros 6/01 de 19 de Janeiro, o certo é que após a cessação de tal Acordo encontrava-se em vigor o regime previsto pelo Decreto Presidencial 43/2017, em vigor desde 06 de março de 2017 e alterado pelo Decreto Presidencial 79/17, de 24 de Abril, com efeitos a partir desta data, sendo por isto este oi regime aplicável quando cessou o Acordo de destacamento e o Autor se vinculou exclusivamente ao Réu.

Desta forma e como refere o Réu na sua contestação, até 24 de Abril de 2017, a duração máxima do contrato de trabalho com estrangeiro não residente era de 36 meses (cfr. arts. 11º, nº1 do Decreto do Conselho de Ministros 6/01 e 7º do Decreto Presidencial 43/17), devendo o trabalhador estrangeiro regressar ao país de origem uma vez decorrido o prazo máximo estabelecido para o contrato (art. 11º nº3 do Decreto do Conselho de Ministros 6/01 e art. 6º, f) do Decreto Presidencial 43/17).

Durante a vigência do Decreto do Conselho de Ministros 6/01, isto é, até 6 de Março de 2017, permitia-se que, em circunstâncias excepcionais, o trabalhador não residente fosse novamente contratado para o exercício de actividade profissional em território angolano, desde que observadas as exigências impostas por lei, como se de uma primeira contratação se tratasse (art. 11º, nº4 do Decreto do Conselho de Ministros 6/01).

No entanto, tal possibilidade, foi eliminada pelo Decreto Presidencial 43/17, pelo que, uma vez atingida a duração máxima de 36 meses, o trabalhador estrangeiro teria que regressar ao seu país de origem (cfr. art. 15º nº2).

O Decreto Presidencial 79/17 alterou o art.º 7º do Decreto Presidencial 43/17, passando a prever que “a duração do contrato de trabalho celebrado ao abrigo do presente Diploma é livremente acordada entre o empregador e o trabalhador, podendo o contrato ser renovado duas vezes, nos termos da legislação em vigor”.

Tal Decreto Presidencial 79/17 não restabeleceu, contudo, a possibilidade de nova contratação de um trabalhador que tivesse atingido a duração máxima do contrato, mantendo-se a obrigação de o trabalhador regressar ao seu país de origem uma vez decorrido o seu prazo máximo.

E, como também refere o Réu na contestação, tendo o Decreto Presidencial 79/17 deixado de estabelecer a duração máxima do contrato de trabalho com estrangeiro não residente, a referida duração passou a resultar da aplicação subsidiária do prazo previsto na LG2015 para o contrato a termo determinado certo (cfr. art. 9º do Decreto Presidencial 43/2017 e arts. 30º e e 17º nº1 da LGT2015), pelo que a duração máxima do contrato passou a ser de 5 anos, ao invés de 36 meses, mantendo-se a impossibilidade de nova contratação uma vez decorrido esse prazo máximo.

Acresce que, como também é referido pelo Réu, as relações jurídicas laborais dos trabalhadores estrangeiros em Angola encontram-se, igualmente, submetidas ao Regime Jurídico dos Estrangeiros na República de Angola, aprovado, inicialmente pela lei 2/07 de 31 de Agosto, regulamentada pelo Decreto Presidencial 108/11 de 25 de Maio, alterado pelo Decreto Presidencial 151/17 de 4 de Julho.

A Lei 2/07 veio a ser revogada pela Lei n.º 13/19 de 23 de Maio, regulamentada pelo Decreto Presidencial n.º 163/20, de 8 de Junho

O direito de entrar no território angolano para trabalhar subordinadamente encontra-se dependente da concessão de um visto de trabalho.

E, como estabelecia o artº 51º da Lei 2/2017, o visto de trabalho “destina-se a permitir a entrada em território angolano ao seu titular, a fim de nele exercer temporariamente uma actividade profissional remunerada no interesse do Estado ou por conta de outrem”

Sendo para efeitos da Lei 2/07 é definido como trabalhador estrangeiro não residente o “cidadão estrangeiro com qualificação profissional, técnica ou científica, contratado em país estrangeiro para, por tempo determinado, exercer na República de Angola actividade profissional por conta de outrem e que seja portador de visto de trabalho” (nº 27 do anexo de tal Lei)

A concessão do visto de trabalho depende do cumprimento de diversos requisitos, designadamente a existência de um contrato de trabalho, ou de contrato-promessa de trabalho, bem como do parecer favorável do órgão da tutela da actividade, para os casos de instituição e empresas privadas (cfr. art. 67 nº1 a) e f) e nº5 da Lei 2/07 e art. 68º da Lei 13/19).

E, ao abrigo da Decreto Presidencial 108/11 o visto de trabalho podia ser concedido até ao termo do contrato de trabalho, com um máximo de 36 meses (Cfr. art. 75º nº1 do referido diploma legal).

Acresce que o Decreto Presidencial 151/17, de 4 de Julho, veio dar nova redacção ao n.º 1 do artigo 75.º do Regulamento da Lei 2/07, nos termos da qual os vistos de trabalho podiam ser obtidos até ao fim do termo do contrato de trabalho de acordo com a duração estabelecida entre empregador e trabalhador.

No entanto, a Lei 13/19, de 23 de Maio, veio a estabelecer uma duração máxima do visto de trabalho por 365 dias, renovável por igual período até ao termo do contrato que justifica a sua emissão (art. 55º nº2), tendo tal lei entrado em vigor 60 dias após a sua publicação, ou seja, no dia 22 de Julho de 2019.

E, quer nos termos da Lei 2/07, quer nos termos da Lei 13/19, é indispensável à emissão de visto de trabalho o parecer favorável do órgão de tutela da actividade, no caso do Réu, o Banco Nacional de Angola (em diante, BNA), parecer este que necessita de ser emitido a cada renovação do contrato.

Decorre assim, de tais regimes legais que o contrato de trabalhador estrangeiro não residente se encontra submetido a apertados limites legais, designadamente quanto aos seus requisitos e à sua natureza temporal sendo, por imperativo legal, de duração determinada, actualmente com um máximo de 3 anos, e nunca convertível em contrato de trabalho por tempo indeterminado, regime contratual a que apenas têm acesso os cidadãos angolanos ou os cidadãos estrangeiros residentes em Angola.

Efectivamente como foi referido pela testemunha YY, o regime do contrato de trabalho com estrangeiro não residente, é um contrato especial que visa garantir a transmissão do know how aos residentes, sendo que a ratio do regime era apenas a transmissão do know how e não a permanência em território nacional.

E, como também refere Francisco Liberal Fernandes, in “A relação de trabalho dos cidadãos estrangeiros no direito angolano” Revista Electrónica de Direito, Dezembro de 2014, pág. 9 “Para além de constituir uma condição de acesso ao emprego, a concessão do visto de trabalho está limitada ao exercício de uma actividade temporária, o que implica que o contrato de trabalho (ou a promessa de contrato) que lhe serve de fundamento seja necessariamente (ou ex lege) de duração determinada (art. 51º, n.º 1, da Lei n.º 2/07). Aliás, como decorre do art. 51º, n.º 2, da Lei nº 2/07 e do art. 75º, n.º 1, do Decreto Presidencial n.º 108/11, é a duração estabelecida para o contrato — a qual deve ter uma duração compreendida entre três meses e trinta e seis meses (art. 11º do Decreto n.º 6/01 — que condiciona ou determina a duração do visto. Por outro lado, o facto de esta oscilar entre um limite mínimo de três meses e máximo de três anos (art. 75º, n.º 1, do Decreto Presidencial n.º 108/11) acaba igualmente por condicionar a liberdade contratual das partes”

No mesmo sentido se pronunciaram Liberal Fernandes e Maria Regina Redinha, in Contrato de Trabalho- Novo Regime Jurídico Angolano Vida Económica, págs. 155 e 156), junto como doc. nº 5 da contestação “Perante semelhantes pressupostos, dir-se-á que o acesso ao trabalho em território angolano dos estrangeiros não residentes constitui um direito de natureza económica. Assim, enquanto os trabalhadores estrangeiros residentes gozam do direito ao livre exercício de qualquer actividade remunerada (art. 54º, nº3, da Lei 2/07) concretamente, tanto podem celebrar contratos de trabalho de duração indeterminada como de duração determinada (a termo certo ou incerto), assim como exercer uma actividade autónoma -, os não residentes são admitidos a trabalhar apenas em regime de contrato de trabalho de duração determinada a termo certo”. ( no mesmo sentido vd Luís Menezes Leitão, O Direito do Trabalho de Angola, Editora Almedina, págs. 383 a 387, Docc. nº 6 junto com a contestação.

Assim, em face do referido regime legal em vigor em Angola para o contrato de trabalho com estrangeiro não residente, não poderia o contrato celebrado entre Autor e Réu ser um contrato de trabalho por tempo indeterminado por inadmissibilidade legal.

Na verdade, findos os prazos máximos previstos na lei para tal contrato de trabalho especial o mesmo nunca pode converter-se em trabalho sem termo, não lhe sendo aplicável as regras previstas na LGT para os contratos de trabalho a termo celebrados com angolanos ou com estrangeiros residentes, decorrendo antes da lei que tal contrato tem necessariamente que ser por tempo determinado.

Efectivamente, como refere Liberal Fernandes in “A relação de trabalho dos cidadãos estrangeiros no direito angolano” Revista Electrónica de Direito, Dezembro de 2014, pág. 12 e 13 “ (…)aos trabalhadores estrangeiros não   residentes só é permitido celebrar contratos de trabalho de duração determinada, os quais devem ser reduzidos a escrito, sob pena de nulidade” “Neste sentido, é nula a celebração de um contrato de trabalho sem termo, como também a transformação ou conversão de um contrato a termo em contrato sem termo, sempre que uma das partes seja um trabalhador estrangeiro não residente. (nota 22).

Assim, em face de tal regime legal o contrato celebrado entre Autor e Réu, não podia considerar-se um contrato de trabalho por tempo indeterminado.

Acresce que, conforme resulta dos factos provados também não foi essa a natureza do vínculo pretendida pelas partes.

Na verdade, ficou provado nos autos que não sendo viável a manutenção do acordo de destacamento, o Réu em Março de 2017 endereçou ao Autor a proposta contratual para o mesmo permanecesse em Angola a trabalhar para o Réu, tal como o fez aos outros colegas do Autor que lhe prestavam serviços no âmbito de acordos der destacamento celebrados com o Banco 2..., sendo que o Autor era livre de aceitar ou recusar tal proposta, mas a sua aceitação implicaria, necessariamente, a cessação ou suspensão do contrato de trabalho do Autor com o Banco 2..., sendo que tal cessação ou suspensão caberia ao Autor decidir e negociar com o Banco 2..., não lhe impondo o Réu qualquer decisão num ou noutro sentido.

Tendo no email endereçado pelo administrador do Réu KK ao Autor em 7 de Abril de 2017 (Doc. nº 37 junto com a petição inicial) no qual, em resposta à questão do Autor “E o meu vínculo contratual ao Banco 2... como fica?”, afirma: “Desculpe só responder agora mas não o quis fazer sem falar antes com as pessoas do CB/Banco 2... para melhor perceber as suas ideias. Mas isto não quer dizer que possa ser eu a dizer o que vai acontecer ao contrato entre o AA e a sua entidade empregadora! O contrato de trabalho com o Banco 2... tem de ser o AA a conversar/negociar! […] Espero que isto ajude na sua reflexão mas peço-lhe que fale com o Banco 2... para melhor decidir”.

E, no email que o Autor endereçou ao Dr. KK em 02 de Maio de 2017, pelas 9h23 no qual apresenta as suas condições para celebrar um contrato de trabalho com o Réu, o Autor afirma: “Como referi, estou disposto a agarrar este novo desafio no Banco 1... para os próximos 3 / 4 anos, desde que sejam mantidas as actuais condições remuneratórias globais bem como das outras condições, levando em consideração o seguinte: […] 4- Cláusula de salvaguarda caso ocorra a rescisão do contrato por iniciativa do Banco 1..., pagará uma indemnização equivalente a € 10 mil euros por cada mês não decorrido até Junho de 2021”.

Mais se provou que o Autor sabia que à luz da legislação nacional angolana, não era possível celebrar contratos de trabalho por tempo indeterminado com estrangeiros não residentes, como era o seu caso.

E, a menção na carta enviada ao Autor em 23 de Maio de 2017, (Doc. nº 39 junto com a petição inicial) de “Natureza do vínculo: contrato de trabalho por tempo indeterminado, nos termos da legislação nacional em vigor” resultou de erro dos serviços de recursos humanos do Réu que prepararam as cartas que foram enviadas ao Autor e aos restantes colegas que se encontravam na mesma situação, terem, inadequadamente, usado como modelo uma minuta anteriormente preparada para uma situação de contrato por tempo indeterminado.

Em todas essas cartas se verifica o mesmo erro, sendo a formulação idêntica, pois para todos foi utilizada a mesma minuta.

Efectivamente, resultou provado que o horizonte temporal durante o qual o Réu se obrigou a manter o Autor ao seu serviço foi de 3 anos, contados a partir de 1 de Agosto de 2017, sendo que só durante tal período lhe sendo garantidas as condições explanadas na carta, após o qual poderiam tais condições ser livremente renegociadas entre as partes, constando expressamente: “Em caso de extinção deste vínculo laboral antes do final do terceiro ano contado a partir de 1 de Agosto de 2017, por causa não imputável ao colaborador, será assegurado o pagamento de indemnização de valor equivalente às remunerações que seriam auferidas pelo colaborador até ao final desse prazo.

Tendo a mesma condição sido retomada na clausula 13.3 do contrato de comissão de serviço onde consta que “Caso o presente Contrato venha a cessar por iniciativa da A... não corresponda a despedimento por facto imputável ao Colaborador, este terá direito a uma indemnização calculada nos termos da lei, exceto se essa cessação ocorrer durante os primeiros 36 meses de duração do vínculo (incluindo eventuais períodos de suspensão do contrato) caso em que a A... se obriga a pagar uma compensação ilíquida de valor equivalente à remuneração mensal ilíquida que o Colaborador teria direito a auferir entre a data da cessação do contrato e o termo dos 36 meses, ou a compensação calculada nos termos da lei se esta for superior.”

Assim provou-se que as partes tiveram a intenção de limitar, temporalmente, tanto a duração do contrato a celebrar entre ambas como as respectivas condições.

Desta forma quando em 2020 o Banco renegociou as condições contratuais com os colaboradores que tinham recebido idêntica carta, todos estes, à excepção do Autor e da testemunha DD (que também intentou acção judicial contra o Réu) aceitaram as novas condições propostas no pressuposto que as condições anteriormente acordadas tinham uma duração temporal de 3 anos.

Provou-se ainda que o Autor também tinha consciência de tal situação sendo que em 16 de Julho de 2020 na comunicação que enviou ao então administrador do Réu VV, (Doc. nº 53 junto com a petição inicial) resulta que estava a negociar “regressar/manter no Banco 1... por mais alguns anos […] desde que sinta, como referi, que estão cumpridos os 3 pilares que abaixo descrevo (...):

4. Projecto […]

5. Confiança/Segurança: Terei que estar à vontade e ter a confiança do responsável do pelouro – sem isso fica difícil trabalhar.[…]

6. Pacote financeiro: Não tendo sido ainda resolvida formalmente a minha remuneração do Banco 2... (mais tarde da A...), a partir deste mês de Julho, o pacote financeiro é dramaticamente reduzido. Se não for ajustado nos próximos dias, vai condicionar/inviabilizar o meu regresso e motivar eventual afastamento. Estou aberto a ver o que têm para me propor. Se assim o entenderem, fico disponível para apresentar uma proposta concreta do pacote financeiro!”

O Autor tinha consciência da limitação temporal e de que os contratos assinados após a cessação do acordo de destacamento regulamentavam, materialmente, a sua ligação com o Banco, tendo em Fevereiro de 2020 enviado um email à Sra. D. WW, referindo que a minuta de contrato não incluía algumas “as condições do destacamento”, o que motivou comentários da Directora da DCH, quando solicitada por aquela WW a esclarecer a questão.

Assim, perante tais factos, para além de como supra se referiu não ser admissível pela lei angolana a celebração entre Autor e Réu de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, também não foi um vínculo desta natureza que as partes quiseram celebrar entre si.

Pelo exposto, terá que se concluir que o contrato celebrado entre Autor e Réu após a cessação do acordo de destacamento foi um contrato de trabalho com estrangeiro não residente a vigorar por três anos a partir de Agosto de 2017.

E foi nesse contexto e com esse pressuposto que em Março de 2018, foi celebrado entre Autor e Réu um contrato promessa de contrato de trabalho de estrangeiro não residente, contrato de trabalho esse que foi assinado em 14.03.2018 (CT 2018), pelo período de 1 (um) ano, renovável até ao limite máximo de 2 (duas) vezes, ao abrigo do visto de trabalho concedido ao Autor em 13.03.2018 e em 25 de Fevereiro de 2019, o banco-Réu e o Autor celebraram novo contrato de trabalho de estrangeiro não residente, pelo período de 1 (um) ano, renovável até ao limite máximo de 2 (duas) vezes.

Assim, resulta dos factos provados que os termos e condições negociadas entre Autor e Réu com início em Agosto de 2017 eram apenas por 3 anos a cessar em Agosto de 2020 e quanto o Réu fez cessar o contrato com o Autor em Outubro de 2020 estava em vigor o contrato celebrado em Fevereiro de 2019 cujo termo ocorreria, depois de uma renovação, em Fevereiro de 2021.”

                                                           *

Ora, aqui chegados, tendo em conta a matéria de facto provada e o disposto na legislação supra enunciada, acompanhamos a sentença recorrida, pouco mais se impondo dizer.

Na verdade, ao contrário do alegado pelo recorrente não resulta da matéria de facto provada que as partes se pretenderam vincular a um contrato de trabalho por tempo indeterminado e que, aliás, mesmo que tivesse sido celebrado, seria nulo (artigo 19.º, n.º 1, a), da LGT angolana - Lei n.º 7/2015, de 15/06).

Como já referimos, o período de 3 anos a que se referem os pontos 52 e 139 a 141 da matéria de facto provada não se reporta ao critério de fixação da compensação a pagar ao recorrente.

Por outro lado, dos contratos celebrados entre o A. e o Réu extrai-se a respetiva duração descrita nos pontos 67, 72 a 77, 109, 139, 140 e 144 da matéria de facto provada inexistindo, por isso, qualquer fundamento legal para que seja considerada a celebração de um contrato de trabalho pelo prazo de 5 anos (artigos 7.º do Decreto Presidencial n.º 79/17, de 24/04 e 17º, n.º 1, da mesma LGT).

Acresce que, além dos contratos de março de 2018 e de fevereiro de 2019, Autor e Réu celebraram, ainda, o contrato referido no ponto 109 dos factos provados, datado de 15/01/2020 (com visto em 05/02/2020), pelo período de um ano, pelo que, impõe-se concluir, tal como consta da sentença recorrida, que o contrato celebrado entre Autor e Réu, após a cessação do acordo de destacamento, foi um contrato de trabalho com estrangeiro não residente a vigorar por três anos a partir de agosto de 2017 e em tal contexto foram celebrados entre Autor e Réu os citados contratos de 2018 e, 2019, pelo período de 1 (um) ano e, ainda, o de 2020, pelo mesmo período de um ano, pelo que, quando o Réu comunicou ao A., em 29/10/2020, a cessação do seu contrato de trabalho, ainda se encontrava em vigor aquele contrato de janeiro de 2020 com início em 05/02/2020 (data do visto) e termo previsto em 04 de fevereiro de 2021.   

Improcedem, assim, as conclusões do recorrente.

3ª questão

Se o contrato de trabalho cessou por despedimento sem justa causa do Autor efetuado pelo Réu, com as legais consequências.

Alega o recorrente que:

- O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de direito no que toca à forma de cessação do contrato de trabalho entre Recorrente e Recorrida e respetivas consequências jurídicas que lhe estão associadas, violando o disposto no art.º 198.º da LGT, interpretando incorretamente o art.º 15.º, n.º 2, do Decreto Presidencial 43/17 e aplicando erradamente o art.º 17.º da LGT.

- O art.º 15.º, n.º 2, do Decreto Presidencial 43/17 deveria ter sido interpretado e aplicado do seguinte modo, devendo ser ainda aplicados os art.º 208.º, n.º 3 e 209.º, n.º 3, da LGT, ao invés do seu art.º 17.º, pelos seguintes motivos:

Os motivos para cessação do contrato de trabalho encontram-se previstos no art.º 198.º, n.º 2, da LGT, aplicável aos contratos de trabalho com trabalhador estrangeiro não-residente por força do art º 15.º, n.º 1, do Decreto Presidencial 43/17, e do qual não consta a antecipação do termo do contrato;

O disposto no art.º 15.º, n.º 2, do Decreto Presidencial 43/17, deveria ter sido interpretado no sentido de o mesmo ser aplicado, somente, à obrigação de atualização de informação junto de autoridades públicas em caso de antecipação do termo, a qual não se confunde com a cessação do contrato, na medida em que tal antecipação corresponde à fixação de um prazo distinto do inicialmente acordado;

 A comunicação de cessação antecipada do contrato de trabalho efetuada pelo Recorrido constitui, desse modo, um despedimento sem justa causa, estando sujeito à disciplina dos art.ºs 208.º, n.º 3 e 209.º, n.º 3, da LGT;

Termos em que, deveria o Tribunal a quo ter condenado o Recorrido a reintegrar o Recorrente no seu posto de trabalho, auferindo as mesmas condições salariais de que vinha beneficiando, bem como a pagar ao Recorrente as retribuições que este deixou de auferir desde a data do seu despedimento, em 20.10.2020, até ao trânsito em julgado da decisão que declare a respetiva ilicitude;

A este propósito consta da sentença recorrida o seguinte:

“Desta forma, o Réu ao cessar tal contrato apenas antecipou o seu termo, tendo pago todas as quantias que eram devidas até ao termo do prazo em Fevereiro de 2021, não podendo desta forma concluir-se que se tratou de um despedimento ilícito.

Na verdade, de acordo com o disposto no Decreto Presidencial 79/17 alterou o art.º 7º do Decreto Presidencial 43/17, “a duração do contrato de trabalho celebrado ao abrigo do presente Diploma é livremente acordada entre o empregador e o trabalhador, podendo o contrato ser renovado duas vezes, nos termos da legislação em vigor”, pelo que o prazo acordado no CT 2019 cumpria o disposto em tal legislação angolana e de acordo com o disposto no artº 15º do Decreto Presidencial 43/17, a cessação do contrato de trabalho, bem como as indemnizações e compensações no âmbito de tal regulamento, são aplicáveis as disposições previstas na lei geral do trabalho e demais legislação aplicável ( nº1), sendo que do nº 2 de tal normativo resulta que é admissível a antecipação do termo do contrato, procedendo o empregador ao pagamento das quantias devidas até ao termo do contrato

No entanto, podendo tal antecipação de um contrato de duração limitada ser considerada ilícita, as consequências de tal ilicitude, tem como consequência a reintegração e pagamento dos salários até à data em que o contrato duraria, ou seja, até à data do termo, não prevendo a lei Angolana qualquer outra compensação, nem a possibilidade de pagamento de danos não patrimoniais por despedimento ilícito, como decorre do disposto nos artº 17º da LGT2015 que permite a denúncia do contrato com duração limitada com aviso prévio, determinando o nº 5 de tal normativo que nesse caso a falta de cumprimento de aviso prévio constitui o empregador na obrigação de pagar ao trabalhador uma compensação correspondente ao período de aviso prévio e também do artº 208 do mesmo diploma legal que prevê a reintegração e o pagamento dos salários devidos até à reintegração, pelo que no caso de contrato de duração limitada a reintegração terá que ocorrer até ao termo do contrato, sendo devidos os salários até que ocorra o referido termo.

Assim, no caso em apreço, mesmo que se considerasse tratar-se de uma cessação ilícita e não sendo já possível a reintegração por ter ocorrido a data do termo, o Autor teria apenas direito à retribuição correspondente até à data do termo do contrato que ocorreria em Fevereiro de 2021.

Em conformidade e dado que o Réu pagou ao Autor todas as retribuições devidas até Fevereiro de 2021, incluindo os valores acumulados no respectivo Fundo de pensões, terá que se concluir que nada mais é devido ao Autor na sequência da cessação do contrato, quer se considere que se tratou de uma cessação lícita, quer se considere que se tratou de uma cessação ilícita, não havendo também lugar ao pagamento de qualquer indemnização por danos não patrimoniais que aliás não ficaram provados nos autos.”

Vejamos:

Como já referimos, dúvidas não existem de que quando o Réu, em outubro de 2020, comunicou ao Autor a cessação do seu contrato de trabalho estava ainda em vigor o celebrado em janeiro de 2020 com início em 05/02/2020 (data do visto) e cujo termo ocorreria em 04 de fevereiro de 2021.

Resulta do disposto no artigo 15.º, n.º 1 do Decreto Presidencial n.º 43/17, de 06/03 (que regula as relações jurídico laborais do trabalhador não residente), sob a epígrafe “cessação do contrato”, que à cessação do contrato de trabalho, bem como às indemnizações e compensações no âmbito do presente regulamento, são aplicáveis as disposições previstas na Lei Geral do Trabalho.

E <<cessado o contrato ou sempre que por qualquer motivo for antecipado o seu termo, deve a entidade empregadora informar por escrito (…)>> - nº 2 do mesmo artigo 15.º.

Ora, prevê-se neste normativo a antecipação do termo do contrato, inexistindo qualquer fundamento legal para a interpretação que é feita pelo recorrente “no sentido de o mesmo ser aplicado somente à obrigação de atualização de informação junto de autoridades públicas em caso de antecipação do termo, a qual não se confunde com a cessação do contrato”.

Na verdade, a antecipação do termo constitui uma forma de cessação do contrato de trabalho e a informação aí prevista só faz sentido conjugada com a mesma.

Por outro lado, <<no caso de uma das partes não pretender renovar o contrato (…) é obrigatório o aviso prévio de quinze (15) dias úteis.>> e <<a falta de cumprimento do aviso prévio referido no número anterior constitui o empregador na obrigação de pagar ao trabalhador uma compensação correspondente ao período do aviso prévio.>> - n.ºs 4 e 5 do artigo 17.º da LGT angolana.

Acresce que, o contrato de trabalho pode cessar por decisão unilateral de qualquer das partes, oponível à outra – artigo 198.º, n.º 2, c), da mesma LGT.

Assim, sendo certo que pode ocorrer a antecipação do termo do contrato, esta pode, no entanto, ser considerada ilícita.

O que já não pode acontecer é o pretendido pelo recorrente no sentido de tal comunicação de cessação antecipada do contrato constituir um despedimento sem justa causa, com a consequente reintegração do recorrente no seu posto de trabalho e pagamento das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare a respetiva ilicitude.

Na verdade, por força do disposto no n.º 3 do artigo 208.º da LGT aplicável, <<quando o despedimento seja nulo, o empregador é obrigado a proceder à reintegração e pagar-lhe os salários e complementos que este deixou de receber até à reintegração (…)>>.

Desta forma, acompanhamos a sentença recorrida quando na mesma se refere que “no entanto, podendo tal antecipação de um contrato de duração limitada ser considerada ilícita, (…), tem como consequência a reintegração e pagamento dos salários até à data em que o contrato duraria, ou seja, até à data do termo, não prevendo a lei Angolana qualquer outra compensação, nem a possibilidade de pagamento de danos não patrimoniais por despedimento ilícito, como decorre do disposto nos artº 17º da LGT2015 que permite a denúncia do contrato com duração limitada com aviso prévio, determinando o nº 5 de tal normativo que nesse caso a falta de cumprimento de aviso prévio constitui o empregador na obrigação de pagar ao trabalhador uma compensação correspondente ao período de aviso prévio e também do artº 208 do mesmo diploma legal que prevê a reintegração e o pagamento dos salários devidos até à reintegração, pelo que no caso de contrato de duração limitada a reintegração terá que ocorrer até ao termo do contrato, sendo devidos os salários até que ocorra o referido termo.

Assim, no caso em apreço, mesmo que se considerasse tratar-se de uma cessação ilícita e não sendo já possível a reintegração por ter ocorrido a data do termo, o Autor teria apenas direito à retribuição correspondente até à data do termo do contrato que ocorreria em fevereiro de 2021.

Em conformidade e dado que o Réu pagou ao Autor todas as retribuições devidas até Fevereiro de 2021, incluindo os valores acumulados no respectivo Fundo de pensões[2], terá que se concluir que nada mais é devido ao Autor na sequência da cessação do contrato, quer se considere que se tratou de uma cessação lícita, quer se considere que se tratou de uma cessação ilícita, não havendo também lugar ao pagamento de qualquer indemnização por danos não patrimoniais que aliás não ficaram provados nos autos.”

Improcedem, assim, as conclusões do recorrente.

4ª questão

Se o pedido de indemnização por violação do princípio da boa fé devia ter sido julgado procedente.

Alega o recorrente que:

- O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de direito no que toca ao pedido de indemnização pela violação do princípio de boa-fé, violando o disposto no art.º 227.º, n.º 1 e no art.º 334 do CC.

- Deveria o Tribunal a quo ter decidido no sentido de o art.º 227.º, n.º 1 e no art.º 334 do CC serem aplicáveis ao caso sub judice, reconhecendo a existência de abuso de direito por parte do Recorrido, nos seguintes termos:

(i) O Recorrente confiou no Recorrido quando este lhe apresentou uma proposta contratual para continuidade da sua relação laboral, bem como nos termos e condições da referida proposta, os quais incluíam a natureza indeterminada do vínculo laboral, e tendo o Recorrente informado o Recorrido da essencialidade que tais termos e condições para si representavam (dado que implicavam a cessação do vínculo laboral com o Banco 2...);

(ii) A confiança que o Recorrente depositou no Recorrido mostrou-se justificada, sendo acompanhada do correspondente investimento nessa confiança, consubstanciado, de uma parte, na aceitação da proposta do Recorrido, e de outra parte, na cessação do vínculo laboral entre Recorrente e Banco 2...;

(iii) Tal confiança é imputável ao Recorrido, que abordou o Recorrente, convidou o Recorrente, apresentou proposta contratual ao Recorrente, garantiu a manutenção de todas as condições ao Recorrente, configurou o vínculo laboral como sendo a tempo indeterminado, e inclusive agradeceu a confiança que o Recorrente depositou no Recorrido;

(iv) Deverá a confiança do Recorrente na atuação do Recorrido - de que este permaneceria fiel ao que prometeu e contratualizou, e atuaria em conformidade com o seu próprio comportamento desde há mais de uma década - ser devidamente tutelada pelo Direito;

(v) É atentatório dos mais basilares princípios de justiça material que o Recorrido recorra a um expediente por si implementado, e por si definido – múltiplos contratos por tempo determinado – para abrupta e injustificadamente cessar todo e qualquer vínculo contratual com o Recorrente, alegando a natureza determinada de uma relação que nunca foi temporária, quer na forma (dado que tais contratos apenas foram utilizados para efeitos de concessão de vistos), quer muito menos na matéria (como os 11 anos de vínculo laboral bem o demonstram)

(vi) A atuação do Recorrido constitui abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, tendo originado no Recorrente um dano quantificável, correspondente aos montantes que este auferiria até final da sua carreira, no Banco 2..., e que deixou de auferir por, confiando no Recorrido e na garantia de um vínculo perene com este último, ter cessado o contrato de trabalho com aquele, danos esses computados em € 600.000,00.

A este propósito consta da sentença recorrida o seguinte:

Por outro lado também dos factos provados também não se pode concluir pela existência de qualquer abuso de direito do Réu que determine o pagamento de qualquer indemnização ao Autor, dado que o mesmo procedeu em conformidade com a legislação aplicável pagando ao Autor todas as quantias devidas até ao termo do contrato que ocorreria em Fevereiro de 2021, termo este que era do conhecimento do Autor.

Na verdade, nos termos do artº 334º do Código Civil que estabelece o conceito de abuso de direito “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”

A figura do abuso do direito visa impedir actuações não razoáveis, imponderadas e, na responsabilidade contratual, exige que as partes, na execução do contrato, se conduzam pelo princípio da boa fé, cumprindo e estimulando o cumprimento por banda da parte contrária. O abuso do direito visa também funcionar como válvula de escape do sistema, de forma que naquelas situações em que a aplicação de uma norma conduza a resultados não razoáveis relativamente aos valores vigentes na ordem jurídica, se possa impedir o seu funcionamento: na verdade, nestes casos, se o legislador tivesse previsto o resultado a que a norma conduziu, ter-se-ia abstido de a editar, dados os clamorosos resultados em que a sua aplicação desaguou. De igual modo, são abarcados também pela figura do abuso do direito aqueles casos em que um sujeito adopta determinada conduta baseada no direito, mas simultaneamente adopta outra conduta, contraditória com a primeira, reveladora de que a invocação e aplicação da lei visou valores não condizentes com os estabelecidos pela ordem jurídica, vulgarmente designado como venire contra factum proprium. (…) Acresce que constituindo o abuso do direito o exercício desproporcionado de um direito subjectivo, que arranca da previsão de uma norma jurídica, mas cujo exercício provoca um resultado não desejado pela ordem jurídica no seu todo, em termos clamorosos e desequilibrados, o abuso desemboca numa situação não prevista pelo legislador, em termos tais que, se a tivesse previsto, não teria editado a norma, como se referiu. Daí que a concepção adoptada entre nós para o abuso seja a objectiva, pelo que se torna desnecessária a invocação e prova da consciência e intenção de exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, embora seja de atender aos elementos subjectivos do comportamento do exercente aquando da formulação do juízo de valor global acerca da existência do abuso.”

No caso concreto não resultaram provados factos que permitam concluir que o Réu com a sua conduta gerasse no Autor uma confiança justificada de que manteria o contrato e as condições acordadas por tempo indeterminado, tanto mais que a legislação em vigor naquele país não permitia vínculos daquela natureza a estrangeiros não residentes como era o caso do Autor.

O princípio da confiança exige que as pessoas sejam protegidas quando, em termos justificados, tenham sido levadas a acreditar na manutenção de um certo estado de coisas.

Ou seja, seria necessário que a conduta do Réu fosse de molde a criar, razoavelmente, no Autor uma expectativa factual, sólida, de que o contrato celebrado com o Réu e as condições acordadas se iriam manter por tempo indeterminado, antes sabendo o Autor que tal não podia ocorrer legalmente.

Antes dos factos provados resulta que o Réu procedeu em conformidade com a legislação aplicável pagando ao Autor todas as quantias devidas até ao termo do contrato que ocorreria em Fevereiro de 2021, termo este que era do conhecimento do Autor.

Assim, não se pode concluir pela existência de uma situação de abuso de direito por parte do Réu.”

Ora, tendo em conta a matéria de facto provada, facilmente se conclui que a pretensão do recorrente tem de improceder.

Na verdade, e desde logo, a mesma assenta em matéria de facto não provada, qual seja, a proposta de uma relação de trabalho por tempo indeterminado, sendo certo que, ao invés, provaram-se os factos descritos nos pontos 131 a 144, nomeadamente, que as partes tiveram intenção de limitar, temporalmente, a duração do contrato a celebrar e que o Autor tinha consciência da limitação temporal e de que os contratos assinados após a cessação do acordo de destacamento regulamentavam, materialmente, a sua ligação com o Banco, tendo celebrado os contratos de trabalho por tempo determinado referidos nos pontos 72 a 74 e 109.

Ao contrário do alegado pelo recorrente, não se apurou que o Réu tenha recorrido a um expediente de múltiplos contratos por tempo determinado para abrupta e injustificadamente cessar o vínculo contratual com o Autor. 

Assim sendo, inexiste qualquer atuação do recorrido em abuso do direito na modalidade de venire contra factum próprio, posto que não estamos perante qualquer exercício ilegítimo de um direito, na medida em que o Réu não excedeu <<manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito>> - artigo 334.º do CC.

Na verdade, não vislumbramos qualquer comportamento contraditório do Réu “caracterizado por uma conduta anterior geradora de confiança na contra-parte que, posteriormente, pretende inflectir”[3] e, consequentemente, inexiste qualquer direito à indemnização peticionada.

5ª questão

Se o pedido de condenação do Réu no pagamento do montante total de USD 21.426,00, referente à parcela de remuneração que aquele vinha pagando através da sociedade A..., devia ter sido julgado procedente.

Alega o recorrente que:

- O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de direito no que toca ao pedido de condenação da retribuição do Recorrente que vinha sendo realizada mediante a sociedade A..., aplicando incorretamente o disposto nos arts.º 236.º e 237.º do CC, bem como ao não aplicar o disposto no art.º 43.º e) da LGT.

- Os arts.º 236.º e 237.º do CC, deveriam ter sido interpretados e aplicados do seguinte modo, devendo ser ainda aplicado o art.º 43.º e) da LGT, pelos seguintes motivos:

(i) O Recorrente e o Recorrido acordaram, entre si, que parte da retribuição que constituía contrapartida da relação laboral entre ambos, no montante mensal de € 7.142,00, seria paga através de uma sociedade terceira, constituída com o exclusivo propósito de realizar esse pagamento (a sociedade A..., igualmente utilizada para pagar a retribuição de outros trabalhadores expatriados do Recorrido);

(ii) O acordo de pagamento através da sociedade A... teria uma duração de 3 anos, sendo que a sua cessação, ainda que com o acordo do Recorrente, apenas afeta a forma de pagamento, mas não o direito a auferir o montante de € 7.142,00, o qual integrava a retribuição mensal do Recorrente pelo trabalho prestado ao Recorrido, sendo esta a interpretação do acordo firmado entre as partes que melhor reflete a letra e vontade negocial das partes (cfr. art.º 236.º do CC);

(iii) Fazendo parte da retribuição, o montante mensal em causa beneficiava da garantia de irredutibilidade constante do art.º 43 e) da LGT, não podendo, como tal, ser unilateralmente suprimida pelo Recorrente, que deixou de pagar tal montante nos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 2020, sendo por conseguinte o Recorrente credor do montante de USD 21.426,00.

A este propósito consta da sentença recorrida o seguinte:

“Acresce ainda que perante os factos provados terá também que improceder o pedido relativo à parcela que Réu vinha pagando através da sociedade A..., dado que como resultou provado e supra referido as condições inicialmente negociadas entre o Autor e Réu estavam garantidas apenas por três anos a contar de Agosto de 2017, tal como decorre expressamente do Contrato de trabalho em comissão de serviço que o Autor celebrou e foi pago ao Autor antecipadamente o valor devido por esses três anos de acordo com o acordado aquando do acordo de cessação do contrato de trabalho em comissão de serviço, tendo sido pago parte de tal valor pela A... aquando do acordo de cessação e a restante quantia foi paga pelo Réu, parte em 06-07-2000[4] e a restante parte em 08 de Maio de 2020 integrado na retribuição variável.

Assim, dos factos provados terá que se concluir que foi paga ao Autor pelo Réu a totalidade da quantia que lhe era devida a esse título.

Tendo em conta a matéria de facto provada desde já avançamos que acompanhamos a sentença recorrida.

Na verdade, conforme resulta dos pontos 54, 63, 65 a 67 e 141 da matéria de facto provada, o Réu assumiu o pagamento do montante mensal de € 7.142,00 para compensar o Autor pela perda salarial do Banco 2..., através da sociedade A..., com quem o A. celebrou um contrato de trabalho em comissão de serviço, com início em 01/08/2017 e pelo período de 36 meses, pagamento que foi efetuado (pontos 68, 80 a 91 e 146), pelo que, inexiste qualquer fundamento legal para aplicação do disposto no artigo 43.º, e), da LGT angolana (irredutibilidade da retribuição), na medida em que não houve qualquer diminuição da retribuição do Autor (referida no ponto 105 da matéria de facto provada) por iniciativa do Réu, tendo ocorrido, ao invés, a revogação daquele contrato (ponto 83 da mesma matéria de facto provada).

6ª questão

Se o pedido de condenação do Réu no pagamento de diferenças cambiais devia ter sido julgado procedente.

Alega o recorrente que:

- O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de direito no que toca ao pedido de condenação do Recorrido no pagamento de diferenças cambiais, interpretando incorretamente o disposto nos arts.º 236.º e 237.º do CC aos factos constantes dos autos, interpretando inadequadamente as condições negociais celebradas entre Recorrente e Recorrido, tendo ainda errado ao não aplicar o disposto no art.º 406.º, n.º 1, do CC e no art.º 334.º do CC.

- Os arts.º 236.º e 237.º do CC, deveriam ter sido interpretados e aplicados do seguinte modo, devendo ser ainda aplicado o disposto no art.º 406.º, n.º 1, do CC e no art.º 334.º do CC, pelos seguintes motivos:

(i) Da matéria provada resulta a assunção, pelo Recorrido, da obrigação contratual de pagamento da retribuição do Recorrente por referência ao seu valor fixado em dólares americano, manifestada quer na formulação frásica dos diversos contratos assinados, quer na materialidade dos factos consubstanciada no efetivo pagamento dessa remuneração indexada ao dólar ao longo de 11 anos de relação contratual (arts.º 236.º e 237.º do CC);

(ii) O argumento avançado pelo Recorrido, e aceite pelo Tribunal a quo, de que a desindexação do dólar decorria de um movimento nacional de “desdolarização” não afeta o acordado entre Recorrente e Recorrido, na medida em que, o art.º 10.º, n.º 1, do Decreto Presidencial 43/17 – nos termos do qual o valor e a moeda da remuneração do trabalhador estrangeiro não residente são acordados livremente entre o empregador e o trabalhador – permanece em vigor;

(iii) A desindexação decidida pelo Recorrido consubstancia o incumprimento de uma obrigação por si contratualmente assumida, na medida em que tal obrigação apenas poderia ser modificada com o consentimento do Recorrente – nos termos do artigo 406.º, n.º 1 do CC, sintetizada na locução pacta sunt servanda – consentimento esse que não foi prestado

(iv) Ainda que a obrigação de pagamento da retribuição por referência ao seu valor fixado em dólares americanos não resultasse de estipulação contratual, o que se admite por mera hipótese, o mero decurso do tempo bastaria para fazer surgir na esfera do Recorrente o direito a esse mesmo pagamento;

(v) O reiterado pagamento da retribuição de forma indexada ao dólar, formalizado em cláusula nos diversos contratos de trabalho e correspondente à política interna da empresa, mostrava-se objetivamente suficiente para gerar confiança, no Recorrente, de que volvidos 11 anos o Recorrido não adotaria o comportamento exatamente oposto, pelo que, ao desindexar a retribuição do dólar americano o Recorrido agiu em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium (art.º 334 do CC).

Consta da sentença recorrida, a este propósito, o seguinte:

“O mesmo terá de se dizer relativamente ao pedido de pagamento das diferenças cambiais.  

Na verdade, dos factos provados não resulta que tivesse sido acordado entre Autor e Réu o pagamento da retribuição em dólares americanos.

É certo que se provou que o Réu fazia os pagamentos da remuneração até Outubro de 2019 por referência ao dólar americano o que deixou de fazer a partir dessa data.

No entanto provou-se também que apenas na Cláusula 5.ª dos CT 2009 e nas cláusulas 2ª e 3ª do Acordo de destacamento, foi acordada a definição de todas as prestações pecuniárias, a pagar pelo banco-Réu ao Autor, por equivalência ao correspondente montante em dólares americanos, no entanto nos CT 2013, CT2015, CT2016, CT2018 e CT2019 foi estabelecido o valor da remuneração do Autor em kwanzas e em seguida efectuada a correspondência ao montante equivalente em dólares americanos.

A referida remuneração era paga, pelo banco-Réu, mediante transferência para a conta bancária do Autor, em regra, no dia 25 de cada mês de calendário, sendo que para o efeito, o banco-Réu procedia à transferência de um valor, em kwanzas, que, à taxa de câmbio aplicável no dia do processamento salarial, equivaleria ao valor de dólares americanos fixado no contrato de trabalho, de modo a garantir que o Autor auferia um montante de USD 10.306,00, sendo que por tal motivo, o valor das prestações retributivas pagas ao Autor, em kwanzas, era distinto de mês para mês, em função da concreta taxa de câmbio no dia do processamento.

O único contrato de trabalho de estrangeiro não residente que não contemplava, expressamente, o referido pagamento por referência ao dólar americano foi o assinado, por Autor e Ré, com data de 15 de Janeiro de 2020, onde a retribuição é fixada em Kwanzas.

No entanto, para além de não decorrer expressamente dos contratos celebrados apos a cessação do acordo de destacamento que a retribuição devia ser paga em dólares americanos, estando a mesma fixada em Kwanzas e depois feita a equivalência em dólares americanos, resultou provado que até 2019 era política do Banco proceder à indexação das retribuições dos seus trabalhadores (e não apenas dos estrangeiros não residentes) ao dólar americano, sendo que se tratava de uma política do Banco que correspondia a uma prática comum em Angola, numa altura em que o dólar tinha, na prática, curso legal no país, sendo aceite como meio de pagamento no tráfico jurídico em geral.

No entanto, a partir de 2018 o governo de Angola tomou medidas progressivas de “desdolarização” da economia angolana, que tinha pesados custos para o país.

E, foi nessa sequência, que em Outubro de 2019, o Conselho de Administração do Banco 1... aprovou a desindexação das remunerações dos seus trabalhadores ao dólar, tendo a nova tabela salarial sido definitivamente fixada por referência à taxa do dólar americano à cotação de 18 de Outubro de 2019, nos termos constantes da Acta da reunião extraordinária do Conselho de Administração do Réu de 21 de Outubro de 2019.

O então Presidente do Conselho de Administração do Réu, HH, considerou nessa reunião que a medida só pecava por tardia, acrescentando ainda que tal medida relevava da gestão do Banco, não assumindo natureza contratual, mais referindo que a mesma já vinha sendo preparada desde 2018, tendo inclusivamente o Réu já sido interpelado a tal propósito pelas autoridades de supervisão.

Assim, a desindexação da retribuição do Autor ao dólar americano foi uma medida geral, aplicada a todos os trabalhadores do Réu e tal medida foi imposta por critérios de gestão, bem como por pressão da autoridade de supervisão (BNA), em consonância com a política monetária governamental.

A indexação das retribuições dos trabalhadores do Réu ao dólar americano relevava de uma política interna do banco e o Autor director da área de empresas do Banco, estava perfeitamente ciente da “desdolarização” da economia empreendida pelo governo de Angola, bem como do pesado encargo financeiro que a indexação representava para o Banco.

A implementação de tal medida já vinha a ser preparada há um ano e fora  objecto de reuniões entre a administração do Banco e os seus directores, entre os quais se contava o Autor, sendo que a decisão de desindexação foi comunicada a todos os trabalhadores do Réu, em reunião na qual o Autor esteve presente, nunca se tendo manifestado nessa altura quanto a tal medida.

Assim, para além de não estar demonstrado que estava acordado e era uma obrigação do Réu proceder à indexação, antes sendo uma politica interna do Réu, que era comum em Angola, o certo é que a desindexação decorreu de uma decisão de gestão do Réu mas também por imposição do supervisor, facto de que o Autor tinha conhecimento.

Pelo exposto terá que se concluir que inexistia qualquer obrigação do réu em proceder à indexação da remuneração do Autor ao dólar americano, pelo que não lhe é devida qualquer quantia a título de diferenças cambiais.”

Pois bem, tenho em conta a matéria de facto provada mais uma vez acompanhamos a sentença recorrida, pouco mais se impondo dizer.

Na verdade, resulta do disposto no artigo 10.º do Decreto Presidencial n.º 43/17, de 06/03, alterado pelo Decreto Presidencial n.º 79/17, de 24/04 que:

<<1. O valor e moeda de remuneração do trabalhador estrangeiro não residente são acordados livremente entre o empregador e o trabalhador, com observância dos princípios gerias estabelecidos na Lei geral do Trabalho e no presente Decreto presidencial.

2. A remuneração do trabalhador estrangeiro não residente é paga na moeda acordada entre o trabalhador e o empregador, podendo ser efectuado em moeda estrangeira. (…)>>

No entanto, pelas razões expostas na sentença recorrida, não acompanhamos o recorrente quando o mesmo alega que a desindexação decidida pelo Réu consubstancia o incumprimento de uma obrigação contratual, posto que, por um lado, não resulta dos factos provados que tivesse sido acordado entre Autor e Réu o pagamento da retribuição em dólares americanos e, por outro, nos CT 2013, CT2015, CT2016, CT2018 e CT2019 foi estabelecido o valor da remuneração do Autor em kwanzas e em seguida efetuada a correspondência ao montante equivalente em dólares americanos, sendo certo que o contrato de trabalho de estrangeiro não residente datado de 15/01/2020 não contemplava, expressamente, o referido pagamento por referência ao dólar americano, no qual a retribuição é fixada em Kwanzas.

Acresce que, como resultou provado, a desindexação da retribuição do Autor ao dólar americano foi uma medida geral, aplicada a todos os trabalhadores do Réu e tal medida foi imposta por critérios de gestão, bem como por pressão da autoridade de supervisão (BNA), em consonância com a política monetária governamental.

O recorrente alega, ainda, que o mero decurso do tempo bastaria para fazer surgir na sua esfera o direito ao pagamento peticionado e que o reiterado pagamento da retribuição de forma indexada ao dólar, formalizado em cláusula nos diversos contratos de trabalho e correspondente à política interna da empresa, mostrava-se objetivamente suficiente para gerar confiança, no recorrente, de que volvidos 11 anos o recorrido não adotaria o comportamento exatamente oposto, pelo que, ao desindexar a retribuição do dólar americano, o recorrido agiu em abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

Na verdade, os usos e costumes, profissionais e da empresa são fonte supletiva de regulamentação do direito do trabalho (artigo 9.º, n.º 4, da LGT angolana), <<desde que não sejam afastados pelas partes ou na ausência de lei que disponha em sentido contrário (…)>>[5], no entanto, o recorrente só agora, em sede de recurso, veio invocar esta questão o que impossibilita a sua apreciação pois trata-se de uma questão nova.

Em sede de recurso, não é possível invocarem-se questões novas não suscitadas anteriormente nos autos, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.

O recorrente não suscitou aquela questão perante o tribunal recorrido fazendo-o apenas perante esta 2ª instância, pelo que estamos diante de uma questão nova, que este Tribunal da Relação nem sequer pode apreciar, já que o seu conhecimento, enquanto instância de recurso, se circunscreve à apreciação de questões que já tenham sido colocadas na 1ª instância.

Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais (art. 627.º do CPC), através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões já proferidas que incidam sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e não criá‑las sobre matéria nova, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas, salvo quanto às questões de conhecimento oficioso, o que, como vimos, não é o caso.

Como refere Teixeira de Sousa (Estudos Sobre o Processo Civil, 2.ª Edição, págs. 395 e segts.), não pode deixar de se ter presente que tradicionalmente seguimos, em sede de recurso, no âmbito do processo civil, um modelo de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no Tribunal de recurso.

Dito de outra forma, os recursos destinam-se à apreciação de questões já antes levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que antes não foram submetidas ao contraditório e decididas pelo Tribunal recorrido (cfr. José Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, CPC Anotado, Vol. III., Tomo 1, 2ª Ed., Coimbra Editora, pág. 8.).

O que é posto em causa e se pretende alterar em sede de recurso é o teor da decisão recorrida e os fundamentos desta. A sua reapreciação e julgamento terão de ser feitos no seio do mesmo quadro fáctico e condicionalismo do qual emergiu a sentença proferida e posta em crise.

A este propósito, também Abrantes Geraldes (Recursos Em Processo Civil – Novo Regime”, Almedina, 2ª Edição, págs. 25 e segts.) explicita que os recursos se destinam a permitir que um Tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida, objetivo que se reflete na delimitação das pretensões que lhe podem ser dirigidas e no leque de competências suscetíveis de serem assumidas.

Seguindo o acórdão do STJ de 17.11.2016 (proferido no processo 861/13.3TTVIS.C1.S2, disponível em www.dgsi.pt) “O mesmo é dizer que devem circunscrever-se às questões que já tenham sido submetidas ao Tribunal de categoria inferior e aos fundamentos em que a sentença se alicerçou e que resultaram da prova produzida e carreada para os autos, salvo, naturalmente, as questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos imprescindíveis ao seu conhecimento.

Assim, não procederemos à apreciação desta questão.

Por fim, também aqui, no âmbito do pedido de pagamento de diferenças cambiais, não vislumbramos qualquer abuso do direito por parte do Réu, ou seja, qualquer comportamento contraditório do mesmo “caracterizado por uma conduta anterior geradora de confiança na contra-parte que, posteriormente, pretende inflectir”[6] e, consequentemente, inexiste na esfera jurídica do Autor o direito às diferenças cambiais peticionadas.

Desta forma, não ocorreu a alegada violação dos artigos 406.º e 334.º, ambos do CC.

                                                             *

Improcedem, assim, as conclusões formuladas pelo Autor recorrente, impondo-se a manutenção da sentença recorrida.

                                                             *                                                        

IV – Sumário[7]

(…).

                                                               *

                                                             *

V - DECISÃO

Nestes termos, sem outras considerações acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

                                                             *

                                                             *

Custas, a cargo do Autor recorrente.

                                                             *

                                                             *

Coimbra, 2023/02/24

                                                                                                           (Paula Maria Roberto)

 (Azevedo Mendes)                       

(Felizardo Paiva)

                                                                                        



[1] Relatora – Paula Maria Roberto
  Adjuntos – Azevedo Mendes
   Felizardo Paiva

[2] Como resulta dos pontos 164 e 165 dos factos provados.
[3] Acórdão da Relação do Porto, de 10/05/2010, disponível em www.dgsi.pt.
[4] Conforme resulta do ponto 91 da matéria de facto provada tal pagamento ocorreu em 06/07/2020 e não de 2000.
[5] Liberal Fernandes e Regina Redinha, Contrato de Trabalho, Novo Regime Jurídico Angolano, Lei Geral do Trabalho, Lei n.º 7/15, de 15 de junho, VidaEconómica, pág. 51.
[6] Acórdão da Relação do Porto, de 10/05/2010, disponível em www.dgsi.pt.
[7] O sumário é da responsabilidade exclusiva da relatora.