EXCLUSÃO JUDICIAL DE SÓCIO
SOCIEDADE POR QUOTAS
PRESSUPOSTOS
PREJUÍZO RELEVANTE
Sumário

I – A exclusão judicial de sócio nas sociedades por quotas – prevista no art.º 242.º do CSC – reclama, como ali se dispõe, a verificação cumulativa de dois pressupostos: a) a existência de um determinado comportamento do sócio que traduza ou revele a sua deslealdade em relação à sociedade ou uma grave perturbação do funcionamento da sociedade e b) que esse comportamento tenha causado ou possa vir causar prejuízos relevantes à sociedade.
II – O prejuízo atendível para efeitos de exclusão de sócio – que pode ser de natureza patrimonial ou não patrimonial – não tem que ser um prejuízo presente/actual, relevando também o prejuízo futuro desde que a sua verificação se possa ter como previsível em resultado da conduta do sócio, ou seja, desde que, num juízo de prognose, a sua verificação se possa antever como provável.
III – Em qualquer caso, esse prejuízo – seja ele patrimonial ou não patrimonial, seja actual/presente ou futuro/potencial – terá que ser um prejuízo relevante, ou seja, um prejuízo que tenha relevo, gravidade e significado bastantes para ameaçar, prejudicar e pôr em causa o normal exercício da actividade da sociedade e a prossecução do seu fim social em termos que justifiquem a solução extrema de excluir o sócio como forma ou meio de salvaguardar a sociedade e de assegurar o seu normal funcionamento.
IV – Incorre em violação do seu dever de lealdade e assume comportamento perturbador do funcionamento da sociedade o sócio que:
- Recebe valores de clientes sem os entregar à sociedade;
- Retira (ainda que temporariamente) equipamentos como forma de retaliação por comportamentos da gerência;
- Usa o seu direito de voto de forma anómala e com desconsideração pelos interesses da sociedade, recusando a aprovação de contas – apesar de com elas concordar – por motivações pessoais que não se relacionavam com essas contas.
V – Todavia, não obstante o desvalor ou ilicitude dessas condutas, elas só poderão ditar a exclusão do sócio que as praticou se e na medida em que delas resulte um prejuízo relevante, nos termos acima mencionados.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Apelação nº 1197/22.4T8CBR.C1

Tribunal recorrido: Comarca ... - ... - Juízo Comércio - Juiz ...

Des. Relatora: Maria Catarina Gonçalves

Des. Adjuntos: Maria João Areias

                               Paulo Correia

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

A... Lda., com sede na Rua ..., ... ..., representada pelo seu sócio gerente AA, intentou a presente acção contra BB, residente em Rua ..., ... ..., e contra CC, residente na Rua ..., ... ..., pedindo que seja decretada a exclusão dos Réus da qualidade de sócios da sociedade Autora.

Invoca para fundamentar essa pretensão um conjunto de actos e comportamentos dos Réus que sustenta serem violadores dos seus deveres societários e que causam – e continuarão a causar – sério prejuízo à sociedade e que constituem justa causa para a sua exclusão da qualidade de sócios, sendo certo que por via desses actos:

- Apropriaram-se (por acção e comissão) de várias quantias, bens e activos da sociedade;

- Mancharam a imagem da sociedade perante a instituição bancária com a qual aquela trabalha habitualmente, prejudicando os interesses desta a nível de perfil de risco para crédito e plafond de factoring (impedindo volumes maiores de facturação por esta via);

- Mancharam e mancham a imagem da sociedade junto de clientes, fornecedores e trabalhadores, fazendo-lhes crer que a sociedade se encontra numa situação de falência ou pré-falência por culpa da gestão do outro sócio e gerente, com impacto na manutenção dos seus melhores quadros, na angariação de novas obras, e na confiança junto dos seus fornecedores;

- Privaram a sociedade de um computador que era por ela utilizado para fazer a sua gestão de pagamentos e facturação;

- Ameaçaram por diversas vezes a integridade física do outro sócio e da sua esposa (também ela funcionária da sociedade) junto de outros funcionários, criando assim um clima de insegurança e medo por parte destes dentro da própria sociedade;

- Apresentaram, injustificadamente e sem sucesso, dois pedidos de declaração de insolvência da sociedade, bem sabendo que tal insolvência não existia;

- Bloqueiam a aprovação das contas da sociedade relativas aos anos de 2019 e 2020, apesar de reconheceram que as mesmas se encontram em condições de serem aprovadas.

Os Réus contestaram sustentando que não estão verificados os pressupostos necessários para a sua exclusão da sociedade. Negam a prática de alguns dos actos que lhes são imputados e, apesar de aceitarem a prática de alguns dos actos referidos pela Autora, alegam tê-lo feito como forma de pressão para que lhe fosse pago o seu vencimento ou no sentido de efectuar uma compensação de créditos sem que tivessem causado algum prejuízo à sociedade e sem que tivessem violado qualquer dever.

Concluem pedindo a improcedência da acção e a condenação da Autora, como litigante de má-fé, ao pagamento de uma indemnização aos Réus.

Foi realizada audiência prévia, no âmbito da qual as partes acordaram em considerar assentes os factos alegados que já haviam sido considerados provados no processo n.º 1196/22.... (onde se peticionava a destituição dos Réus das suas funções de gerente) e que não haviam sido questionados no recurso interposto da decisão aí proferida, prescindindo de qualquer outra diligência.

Nessas circunstâncias e depois de ser dada às partes a oportunidade de produzir alegações de direito, foi proferida sentença onde se decidiu julgar a acção procedente e determinar “…a exclusão dos réus da qualidade de sócios da autora, a efetivar com a deliberação de amortização ou aquisição das respetivas quotas”.

Inconformados com essa decisão, os Réus vieram interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

1. Citando o Ac. do STJ de 15.2.2005, Processo n.º 04A4369: “O fundamento legal para a exclusão em que se funda a pretensão do Autor encontra-se formulado no n.º 1 do art. 242º CSC nos seguintes termos: "pode ser excluído por decisão judicial o sócio que, com o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos graves". Antes de mais deve assentar-se em que, ao menos em nosso entender, o facto de o sócio ter sido gerente e de os factos que fundamentam a presente acção terem também ocorrido durante o período de exercício da gerência não exclui nem impede a aplicação da medida de exclusão, pois que a gerência e a qualidade de sócio têm as sua obrigações próprias e específicas e o cumprimento ou incumprimento das obrigações de gerente não dispensa o sócio, enquanto tal, da execução das obrigações próprias de sócio. Importa, então, verificar se o R., enquanto sócio, incorreu nas infracções merecedoras da medida de exclusão. O instituto da exclusão de sócio encontra fundamento na protecção do fim do contrato de sociedade, traduzido no interesse social, "enquanto elemento comum aos interesses dos sócios contratantes e meio contratual de satisfação dos seus interesses distintos". Assim, a exclusão justifica-se quando o interesse social é posto em causa por um sócio que, por via da violação das suas obrigações, conduza a resultados ou efeitos que prejudiquem o fim social. Daí que a sociedade só possa resolver o contrato em relação a determinado sócio, mediante a exclusão, quando este ponha em causa, não em função dos seus incumprimentos, mas dos seus efeitos, o interesse social (vd. LUÍS MENEZES LEITÃO, "Pressupostos da Exclusão de Sócio nas Sociedades Comerciais", A.A.F.D.L., 1988, p. 41 e ss). O sócio está, pois, obrigado a não violar deveres de conduta que possam causar prejuízos à sociedade. Entre estes deveres acessórios apontam-se os de esclarecimento, de colaboração e de lealdade, deveres que fazem parte do conteúdo das obrigações, como exigências gerais do sistema jurídico (cfr. MENEZES CORDEIRO, "Direito das Obrigações", I, 1994, 149). A violação desses deveres acessórios de conduta é, nas sociedades por quotas, o fundamento de exclusão acolhido pelo art.º 242º n.º 1 citado. Por um lado, tem de demonstrar-se factos atinentes ao comportamento do sócio violadores do dever de lealdade ou gravemente perturbadores do funcionamento da sociedade e factos respeitantes ao prejuízo causado, que tem de ser significativo. Analisando os seus pressupostos, logo se vê que não basta, para haver exclusão, a prática de actos danosos, a «ilicitude objectiva da violação», exigindo-se ainda a previsibilidade de verificação de "prejuízos relevantes" ou a ocorrência de «prejuízos concretos na actividade social», como refere L. M. LEITÃO (cit., p. 91; cfr., ainda, BRITO CORREIA, "Direito Comercial - Sociedades Comerciais", pp. 464 e ss. e acs. STJ, de 5/6/97 e 3/10/02).

2. Consoante enunciado do nº 1 do artigo 242º do CSC, os requisitos da exclusão judicial do sócio da sociedade por quotas são os seguintes: (i) que tenha havido, por parte do sócio a ser excluído: (i.a) comportamento desleal, ou mesmo comportamento gravemente perturbador do funcionamento da sociedade e, para além disso, (ii) que esse comportamento: (ii.a) tenha sido causa de prejuízo relevante, ou mesmo, (ii.b) que tal comportamento implique risco de prejuízo relevante.

3. De notar que, para legitimarem a exclusão judicial, é ainda necessário que estes comportamentos tenham causado ou sejam susceptíveis de causar prejuízos relevantes à sociedade.

4. Os factos em que a decisão recorrida se estribou para chegar à conclusão a que chegou não são idóneos, suficientes e suscetíveis de configurarem razões para uma exclusão de sócio.

5. Todos os comportamentos apenas se compreendem à luz do arrastado conflito que opõe os sócios da sociedade, e que envolve comportamentos lesivos não apenas por parte dos réus, mas igualmente por parte do outro sócio.

6. Não se vislumbram que tais comportamentos tenham sido causa de prejuízo relevante ou com capacidade para provocar danos relevantes.

7. Sendo que «a movimentação de dinheiros pelo sóciogerente em seu (dele) exclusivo proveito por força dos poderes que detinha enquanto gerente não autoriza a acção de exclusão de sócio» - Ac. do STJ de 15/10/1998, relatado pelo Conselheiro FIGUEIREDO DE SOUSA e proferido no Proc. nº 98B453, cujo sumário pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt.

8. Relativamente à questão de que os RR. Apresentaram pedidos de insolvência, os recorrentes dão como reproduzido o julgamento efectuado no acórdão de 9.11.2022, proferido no Processo 1196/22...., onde se julgou a questão da destituição da gerência: “Relativamente aos pedidos de insolvência apresentados pelos Requeridos, entendemos que eles não têm substancial relevo enquanto justa causa de destituição, na medida em que a matéria de facto não nos permite afirmar – com a necessária segurança – que, no momento em que formularam esses pedidos, os Requeridos tivessem efectiva consciência de que eles eram infundados ou que, de algum modo, tivessem violado, de forma grave, os seus deveres de cuidado na análise e apreciação da situação em termos de se poder afirmar que eles podiam e deviam ter tomado conhecimento, se actuassem com a devida diligência, que a sociedade não estava em situação de insolvência”.

9. Verifica-se que se num período de tempo, curto, os RR. actuaram, com alguma desconsideração pelo tempo de aprovação das contas, o certo é que as contas foram aprovadas, não tendo daí resultado prejuízo, ou mesmo, que tal comportamento implique risco de prejuízo relevante ou mesmo que fosse susceptível de causar danos, pois haveria sempre a possibilidade legal de corrigir a situação caso fosse necessário e não foi.

10. É totalmente inexacto que a aprovação de contas, fora do prazo, teve como resultado que a mesma deixasse de conseguir contratos com entidades públicas.

11. O que da matéria de facto consta é que: “De acordo com declaração da Junta de Freguesia ..., esta “atualmente não adjudica serviços à empresa A..., Lda., NIF..., com sede na Rua ... ... ..., devido ao facto de esta não apresentar prova da sua situação regularizada perante a Autoridade Tributária e Aduaneira e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P.”, facto que tem que ser articulado com o facto n.º 13: “Ao longo do tempo foi o passivo sendo reduzido, passando para cerca de € 400.000,00 nos dias de hoje com negociação, com acordos de pagamento, solvendo dívidas a fornecedores e trabalhadores, liquidando o passivo bancário (libertando garantias pessoais adstritas, designadamente dos réus), liquidando o passivo junto da Autoridade Tributária e liquidando mais de metade do passivo junto da Segurança Social (que era de cerca de € 600.000,00 e atualmente na ordem de € 220.000,00 e em cumprimento e pagamento, mediante acordo vigente)”.

12. Ou seja, a Junta de Freguesia ... não adjudica obras à sociedade porque esta não tem a sua situação fiscal e contributiva regularizada, não conseguindo por isso, apresentar uma declaração de não dívida e não porque as contas não foram aprovadas em determinado tempo, pois relativamente a 2019 e a 2020 nem autoliquidação ou liquidação de IRC havia e, portanto, inexistia qualquer dívida!!!

13. E quanto a tal situação, não é correcto que se faça qualquer extrapolação, invocando-se o que consta do ponto 47 da matéria de facto: “Em virtude da não aprovação das contas dos anos de 2019 e 2020 não foram atempadamente cumpridas as obrigações declarativas, o que poderia implicar a instauração dos procedimentos contraordenacionais por parte da Autoridade Tributária e ainda procedimento de apuramento de lucro tributável por recurso a métodos indiretos, que poderá não corresponder ao lucro real tributável apurado nos resultados contabilísticos”, pois que existe na lei, e esta sobrepõe-se e é do conhecimento do Tribunal, procedimento que visa exatamente a exclusão de quaisquer danos quer para a ATA quer para o contribuinte.

14. Quanto à conduta da R. BB, de toda a factualidade, a única que pode ser enquadrada para uma exclusão de sócio é a que se refere à questão da aprovação das contas, pois todas as demais condutas foram levadas a cabo pelo R. CC.

15. Com o circunstancialismo já referido, e com as razões discordantes alegadas relativamente ao julgamento efectuado, é manifestamente ilegal e desproporcionada a sanção da exclusão.

16. Podendo mesmo dizer-se que o funcionamento normal da sociedade pode prosseguir com os sócios na sociedade, mas fora da gerência, o que aliás já ocorre, tanto mais que a factualidade aportada deve ser praticamente toda imputada a comportamentos de gerente e não a comportamentos de sócio.

17. Solução diferente será premiar o A., que actua “como quer e lhe apetece”, que sonega a sociedade em milhões de euros, e que deixará de prestar contas desse dinheiro (vide: Por razões não concretamente apuradas são feitas transferências bancárias efectuadas da conta bancária da A..., Lda. para a conta bancária da esposa do requerente ou para outra com o IBAN ...).

18. Ofende in casu que se considere a existência de causa de exclusão, porque não se pode aceitar que as situações em causa tornem inexigíveis a continuação da relação contratual, segundo o princípio da boa-fé, precisamente porque o recorrido a não tem, como ficou amplamente demonstrado.

19. Normas jurídicas violadas: 242º do CSC.

Termos em que e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se consequentemente a douta sentença recorrida, com todas as legais consequências.

A Autora apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

(…).


/////

II.

Questão a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações dos Apelantes – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em saber se existe (ou não) fundamento legal para determinar a exclusão dos Apelantes de sócios da sociedade Autora.


/////

III.

Na 1.ª instância, julgou-se provada a seguinte matéria de facto:

1. A Autora é uma sociedade comercial que gira sob a firma A... Lda., pessoa colectiva n.º ..., com sede em Rua ..., ... ..., e com o capital social de € 150.000,00.

2. Tem como objecto social o exercício de transportes rodoviários ocasionais de mercadorias; construção civil; electricidade; metalomecânica; aluguer de máquinas industriais, nomeadamente, retroescavadoras, pás carregadoras, gruas telescópicas e betoneiras.

3. Actualmente, o capital social é composto pelos sócios BB, NIF ..., titular de uma quota no valor nominal de €28.500,00, CC, NIF ..., titular de uma quota no valor nominal de €22.500,00, AA, NIF ..., titular de uma quota no valor nominal de €22.500,00; sendo todos os sócios titulares de uma quota sem determinação de parte ou direito no valor nominal de €76.500,00.

4. AA é gerente e sócio da referida sociedade desde a sua criação em 18.10.1985 até à presente data.

5. A Ré BB é gerente desde 26.11.2012.

6. O Réu CC cessou formalmente funções da gerência em 12.03.2013, tendo retomado essas funções formalmente a 22.11.2019.

7. AA esteve formalmente a cargo da gestão da sociedade desde a sua criação, aprendendo com o seu pai DD, a quem competia a efectiva gerência de facto.

8. Após o falecimento do sócio e gerente DD, marido da Ré BB, e pai de AA e do Réu CC, a partir de 2012, a gestão da sociedade ficou a cargo de todos os sócios, que desde então se figuram como gerentes perante trabalhadores, terceiros e demais entidades, sendo que foram os irmãos que ficaram na gestão activa da sociedade.

9. AA, com oposição dos Requeridos, tem controlado as contas bancárias da empresa e paga os vencimentos, através de um cartão multibanco do Banco 1..., e, pelo menos, há mais de 2 anos, gere sozinho a sociedade A..., Lda.

10. Os Réus continuaram a questionar AA e funcionários sobre contactos e intervenções, a questionar a contabilidade acerca do quanto pertinente, a assinar documentos que lhes eram solicitados, quando necessário e assim concordavam, dando ordens aos funcionários, na veste de patrões.

11. Em 2012 a sociedade detinha um passivo de, pelo menos, €2.707.630,28, resultante de dívidas à autoridade tributária, segurança social, fornecedores, trabalhadores, colaboradores, indemnizações (em face de incumprimentos junto de clientes).

12. E pendentes acções judiciais contra si movidas, vendo-se alvo de pressões a pagamentos e cobrança, penhoras, citações, julgamentos, e inclusive pedidos de insolvência.

13. Ao longo do tempo foi o passivo sendo reduzido, passando para cerca de €400.000,00 nos dias de hoje com negociação, com acordos de pagamento, solvendo dívidas a fornecedores e trabalhadores, liquidando o passivo bancário (libertando garantias pessoais adstritas, designadamente dos Réus), liquidando o passivo junto da Autoridade Tributária e liquidando mais de metade do passivo junto da Segurança Social (que era de cerca de €600.000,00 e atualmente na ordem de €220.000,00 e em cumprimento e pagamento, mediante acordo vigente).

14. Foi impedida a requerida declaração de insolvência da sociedade.

15. Foi impedida a venda executiva de património da sociedade que havia sido penhorado, em face de cumprimento e extinção de execuções.

16. Após o falecimento do pai DD, o Réu CC deixou de ser gerente de direito (mas não de facto) a fim de intervir em processo judicial, enquanto testemunha, com a sociedade B... S.A. A Ré BB, pelo menos, ratificava os actos de gestão que a sociedade necessitava, sem nunca deixarem os Réus de controlar a actividade, os bens, as verbas, os trabalhadores.

17. As relações pessoais entre mãe e os irmãos foram-se deteriorando.

18. Em 2019, em assembleia geral, o Réu CC veio a ser nomeado novamente gerente de direito e o contrato de sociedade foi alterado para obrigar a sociedade com a assinatura de três gerentes para determinados actos, e a assinatura obrigatória da Ré BB para os demais.

19. Em Junho de 2020, o Réu CC recebeu directamente €2.780,00 referentes a trabalhos realizados para um cliente (C...), sem o entregar à sociedade posteriormente.

20. E exigiu ao funcionário encarregue da parte financeira/administrativa que emitisse recibos da sociedade relativos a essas quantias que havia recebido directamente para entregar ao cliente, mas sem entregar as quantias por si recebidas à sociedade.

21. O que o referido funcionário recusou fazer.

22. Em 22 de Junho de 2020, perante a recusa do funcionário e do representante da Autora em emitir as referidas facturas, decidiu remover o computador onde era feito o processamento de salários, a emissão de facturas e demais gestão de tesouraria de toda a empresa, para local desconhecido, onde o manteve até data não concretamente apurada, mas antes do final de Setembro de 2020.

23. A sociedade, durante aquele período, por não ter cópia de reserva da base de dados, não teve acesso à informação nele constante (dados de clientes, facturação feita até ali, registo de salários, entre outros), tendo o sócio e gerente AA logrado suprir parcialmente a situação com um equipamento alternativo, mas sem acesso a alguns dados e elementos que constavam do computador levado da sociedade pelo Réu CC.

24. Em virtude da referida ação do 2.º Réu, a sociedade não logrou efectuar atempadamente as declarações obrigatórias à Segurança Social, o que originou os competentes procedimentos sancionatórios.

25. A sociedade tinha relação comercial bancária com a Banco 1..., então na agência da Rua ..., em ... (ora encerrada, sendo a relação mantida com a agência no Largo ...), designadamente conta bancária, cartão de débito e crédito, e contrato de factoring com esta instituição.

26. Em 2020, o Réu CC dirigiu-se às instalações da sociedade e dali levou, pelo menos, o computador de trabalho da funcionária EE, impedindo-a de dar continuidade ao seu trabalho.

27. Situação que foi resolvida.

28. Ainda em 2020, o Réu CC desmontou uma porta na sede da sociedade, que ainda hoje se encontra por repor.

29. São propriedade da sociedade e são utilizadas para exercício da sua actividade, seja para realizar obras, seja para alugar a terceiros uma máquina niveladora 120-H, uma escavadora, um bulldozer, uma máquina escavadora de rodas KAT M316-C, uma escavadora de rodas M318-D, uma carrinha ... vermelha, um trator CASE CDX ...., uma máquina ceifeira, um camião matrícula ..-..-XO, um outro camião MAN de 3 Eixos, ..-IQ-...

30. O representante da Autora viu-se na necessidade de alugar a terceiro um camião para cumprir o serviço que deveria ser efectuado com recurso ao camião que se encontrava carregado em Santa Varão, para frete de transporte e entrega na manhã do dia seguinte, na cidade do Porto, de uma ferramenta prensadora de lamas, pertença das Águas Centro Litoral.

31. Os Réus contactaram o TOC/a firma que faz a contabilidade da sociedade.

32. O TOC e respectivo gabinete de contabilidade renunciaram aos serviços prestados à A..., Lda., por factos que resultam da carta enviada em Fevereiro de 2020, onde o Sr. Dr. FF refere, além do mais, que:

O outro sócio (AA) ligou e não sendo oportuno atender a chamada, liguei às 19h57m já terminada a reunião, informei que não atendi porque estava a falar com os outro sócios-gerentes. Não me deixou esclarecer nada do que tinha acontecido, de imediato começou novamente com um discurso provocatório, insultuoso e difamatório, em que eu não os “podia ter recebido no meu escritório”.

Afirmou que não queria mais os meus serviços, não me pagava mais nada, nem autorizava que me fosse feito qualquer pagamento no futuro, que resolvesse os problemas com os outros sócios.

Disse que ia solicitar os serviços de contabilidade a outro Contabilista e só me voltava a ligar, para eu lhe entregar os documentos que eu tivesse da empresa “D...”.

Mantive sempre um diálogo calmo e cordial com o AA, refutando todas as acusações de que estava a ser alvo e que não estava a ser correto comigo. Perante tais factos que considero, injustos, provocatórios, difamatórios, considero não ter mais condições de desenvolver os serviços de contabilista certificado, que vinha prestado a todas as empresas de que AA é sócio e gerente.: (…)

Sendo assim informo que cessarei funções de Contabilista Certificado na Autoridade Tributária e Ordem dos Contabilistas Certificado a partir de 01 de janeiro de 2020”.

33. O TOC/firma que fazia a contabilidade levou a cabo a emissão de nota de honorários finais e que foi ressarcido.

34. Os Réus comunicaram por carta a aceitação do reinício dos serviços contabilísticos do referido TOC/firma.

35. O Réu CC efectuou, pelo menos, obras:

a: E..., Lda.;

b. F..., Lda.,

c. Cooperativa Agrícola de ...;

d. G... Unipessoal, Lda.;

e. Junta de Freguesia ...;

f. H..., Unipessoal, Lda.;

g. I... Unipessoal, Lda.;

h. J..., Lda.,

das quais o sócio-gerente CC recebeu directamente dos adjudicantes verbas que não deram entrada na sociedade, mas facturadas à mesma, tendo o Réu, nestas obras e outras, pago despesas, como combustível.

36. Em Setembro de 2021 e Novembro de 2021 (processos n.ºs 3540/21.... e 5214/21...., que correram termos por este Juízo de Comércio - Juiz ...) os Réus deram entrada de dois pedidos sucessivos para declaração de insolvência da sociedade A..., Lda.

37. O primeiro enquanto sócios-gerentes em representação da própria sociedade, e em sequência de deliberação social com oposição e explicitação pelo requerente de inexistência de qualquer situação de insolvência.

38. E o segundo na qualidade de sócios, invocando a qualidade de credores da sociedade.

39. O primeiro pedido veio a ser liminarmente rejeitado pelo tribunal por insuficiência de representação, não sem antes implicar a necessidade de defesa da sociedade pelo representante da Autora.

40. E no segundo os Réus desistiram do pedido em sede de audiência de julgamento.

41. Na referida audiência de julgamento, o Réu CC confessou que a sociedade não se encontrava em situação de insolvência.

42. A apresentação de um pedido de insolvência, coloca em causa a imagem da sociedade perante o mercado em face de alertas detidos nas plataformas de rating societários.

43. Os Réus não assinam os pedidos de emissão das licenças para proceder à renovação da licença especial dos veículos de transporte, as quais são necessários para que tais veículos possam legalmente circular e proceder ao transporte da maquinaria necessária às obras e trabalhos adjudicados, sendo que a recusa da assinatura de alguns documentos, por parte dos Réus, deve-se ao facto de exigirem o pagamento dos créditos de que são titulares para com a A..., Lda. em contrapartida.

44. A omissão de obrigação de apresentação de contas relativas aos anos de 2019 e 2020 ocorreu pela oposição dos Réus.

45. Em 19 de Janeiro de 2022 foi realizada assembleia geral da sociedade, além do mais, com a seguinte ordem de trabalho: Prestação de informações e esclarecimentos aos sócios, considerando análise do serviço de assessoria contabilística e financeira acerca de contas, actividade, activo e passivo da sociedade, apresentação, discussão e deliberação e aprovação do relatório de contas dos exercícios dos anos de 2018 e 2020.

46. Na referida assembleia geral foi exarado, além do mais, que:

No sentido de abertura de sessão e início de trabalhos, estando em condições de deliberar validamente, assumindo a presidência o Dr. GG por os demais se recusarem a presidir, de modo a passarem a ser analisados os pontos 1 e 2 da ordem de trabalhos, os sócios presentes CC e BB indicaram que não assinaram qualquer ata sem a presença pessoal, e que não por representação, do sócio, AA e que não permitiam que fosse disponibilizado o livro de atas para os trabalhos a serem desenvolvidos, e que chamariam a polícia caso fosse preciso para o impedir.”

“E que era extremamente importante e essencial que as contas fossem aprovadas em ata de modo a poderem ser registadas e apresentadas as respetivas declarações fiscais em falta e substitutivas junto da Autoridade Tributária, de modo a regularizar a situação fiscal e com as mesmas levar a correção de valores que estavam a ser erradamente e excessivamente imputados à sociedade”.

“Os sócios CC e BB indicaram não colocar em causa o trabalho do Dr. FF e a validade do por este apurado e apresentado, e que a sua questão não era a correção das contas apresentadas, mas que não concordavam com alguns atos de gestão praticados pelo gerente AA, ainda que ali espelhados, mas que o queriam confrontar diretamente (…).

Os sócios CC e BB disseram ainda que não obstaculizavam à aprovação e contas, que as aprovavam, mas que não assinavam nada neste dia, pois só assinariam com a presença do sócio AA.

E que aprovavam as contas noutro dia qualquer, mas deixavam a indicação de que não concordavam com a sua gestão, que não era em favor da sociedade, mas em prejuízo deles, CC e BB.

Pelo que apesar de se encontrarem em condições de discutir e proceder a votação de aprovação das ditas contas aqui em questão, isto é, 2019 e 2020, tendo em conta o trabalho do Dr. FF, e o necessário à sociedade, que não participariam em assinatura de qualquer de qualquer ata de assembleia neste dia e que fosse marcado outro dia qualquer desde que com a presença do sócio AA e não de um seu representante.

Foi ainda dito pelo sócio CC que tudo isto era desnecessário se o sócio AA desse a cara e aceitasse dividir a empresa e património de herança, tendo pedido lista de bens da empresa para verificação e avaliação para proposta de divisão, e escrito proposta para divisão de bens da herança.

O representante do sócio AA solicitou os sócios CC e BB para aproveitarem a presença do Dr. FF para esclarecer qualquer dúvida que tivessem quanto ao seu trabalho e documentos que remeteu.

Disse ainda que era essencial que as contas fossem de facto apreciadas e aprovadas pois que a latência desta situação causava prejuízos, designadamente perante a Autoridade Tributária, perfeitamente evitáveis, até porque a sociedade tem o passivo perfeitamente controlado, enormemente diminuído ao longo dos anos, de cerca de 3 milhões de € para menos de 500 mil € (e não corrente), mantendo-se em correção com todas as entidades, menos com a Autoridade Tributária, em função deste impasse absurdo criado. Tendo inclusive crédito de IVA junto da AT que não fazia sentido estar a dar azo a incumprimento gratuitamente, obstaculizando à correção da empresa. E que as questões entre os sócios deveriam ser resolvidas familiarmente ou por meios próprios, que não era, em seu entendimento, o pedido de insolvência de uma empresa perfeitamente capaz, que geriu dificuldades ao longo do tempo de modo a ganhar fôlego e saúde financeira, e que agora está saneada, e cumpridora com as obrigações. Isto para além de ter um ativo valioso, bem superior ao que é devido. Que deveriam fazer um esforço para separar águas sobre o que é uma quezília pessoal e familiar, e o que deve minimamente ser respeitado em defesa da empresa.

Os mesmos não suscitaram qualquer dúvida àquele e referenciado que tinham confiança no trabalho do Dr. FF, mas que não confiavam era no sócio AA que, nos seus dizeres, os roubava.

O representante do sócio AA indicou que levaria a cabo a respetiva ata de assembleia, com menção à posição do sócio AA no sentido de concordância a aprovação das contas apresentadas, e que espelhava no escrito a posição dos sócios CC e BB e recusa em assinar qualquer ata quanto ao ocorrido (…)”.

47. Em virtude da não aprovação das contas dos anos de 2019 e 2020 não foram atempadamente cumpridas as obrigações declarativas, o que poderia implicar a instauração dos procedimentos contraordenacionais por parte da Autoridade Tributária e ainda procedimento de apuramento de lucro tributável por recurso a métodos indirectos, que poderá não corresponder ao lucro real tributável apurado nos resultados contabilísticos.

48. As contas dos anos de 2019 e 2020 foram aprovadas na pendência da presente acção.

49. O Réu CC executou obras a favor da Junta de Freguesia ....

50. Correram inquéritos criminais no âmbito dos processos n.ºs 7/20.... e 6/21.... na Procuradoria do Juízo de Competência Genérica ..., um dos quais teve já termo por desistência de queixa.

51. Os factos descritos levados a cabo pelo Réu CC são do conhecimento da Ré BB.

52. A Ré BB desde sempre que procede à limpeza, arrumação e organização das instalações da A..., Lda. sita em ....

53. O Réu CC efectua trabalhos na prossecução do objecto social daquela, tendo entre 2014 e 2017 prestado trabalhos que serviram para pagar, designadamente, os leasings existentes na sociedade nessa data.

54. São feitas transferências bancárias da conta bancária da A..., Lda. para a conta bancária da esposa do requerente ou para outra com o IBAN ....

55. Foram adquiridos aproximadamente €15.000,00 de gasóleo em nome da A..., Lda., em 11.01.2022, gasóleo que foi entregue e que se encontra na Quinta ..., propriedade do sócio AA.

56. Foram adquiridos veículos, os quais se encontram estacionados na Quinta ....

57. A trabalhadora HH publicitou na rede social Facebook, na página “...”, vagas de trabalho para empresa de construção civil em ... (local onde se situa a Quinta ...), indicando como contacto o email ....

58. A sociedade comercial K..., Lda. pertence ao sócio AA e à sua esposa, e tem o mesmo objecto social da A..., Lda.

59. O Réu CC não recebe o seu vencimento mensal desde Junho de 2020, o que perfaz, à data que foi apresentada a contestação, pelo menos, o montante de €30.999,16.

60. Encontra-se inscrito na matriz predial urbana, em ..., um imóvel figurando como titular o Réu CC.

61. O Réu CC continua a fazer trabalhos para a A..., Lda.

62. Como forma de pressão de, pelo menos, para o pagamento do seu vencimento, o Réu CC retirou o computador da mulher do sócio AA, tendo-o posteriormente entregue.

63. Foi comunicado ao Banco 1... que a A..., Lda. se obriga com a intervenção de três gerentes.

64. Em consequência da deliberação da Assembleia Geral de nomeação para o cargo de gerente do Réu CC, e alteração da forma de obrigar a sociedade para três assinaturas, os Réus enviaram no dia 23.09.2020 uma comunicação ao Banco 1..., mais concretamente ao seu Balcão sito na Fernão ..., Edifício... em ..., a solicitar a suspensão das contas, cartões de débito e crédito, ou outros activos, propriedade da A..., Lda., bem como, que agendassem uma reunião para a assinatura da documentação necessária para a alteração da forma de obrigar a referida sociedade junto do Banco 1..., tendo tal sido enviado através de advogado.

65. O Banco 1... não alterou as regras de movimentação e as condições da conta e dos cartões.

66. Em virtude do Banco 1..., na pessoa do Dr. II, trabalhador no Balcão da Ré sito na Fernão ..., Edifício... em ..., no dia 21.10.2020, ter recusado o fornecimento do extracto bancário aos aqui Réus, invocando que seriam necessárias três assinaturas, o Réu CC escreveu uma reclamação no Livro de Reclamações, onde denunciou o sucedido.

67. O Réu CC utilizou o veículo com a matrícula ..-..-XO, o veículo com a matrícula ..-IQ-.., a máquina niveladora 120-H e a escavadora do estaleiro.

68. A carrinha vermelha ... vermelha encontrava-se na sede da sociedade A..., Lda., mas está avariada e estragada.

69. O trator CASE CVX .... encontra-se num terreno propriedade dos sócios, sito em ... e uma máquina ceifeira, máquinas de agricultura está na sede da sociedade A..., Lda.

70. De acordo com declaração da Junta de Freguesia ..., esta “atualmente não adjudica serviços à empresa A..., Lda., NIF..., com sede na Rua ... ... ..., devido ao facto de esta não apresentar prova da sua situação regularizada perante a Autoridade Tributária e Aduaneira e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P.”


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IV.

A exclusão judicial de sócio nas sociedades por quotas é prevista no art.º 242.º do CSC aí se determinando que “pode ser excluído por decisão judicial o sócio que, com o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes”.

Resulta, portanto, da citada disposição legal que a exclusão de sócio reclama a verificação cumulativa de dois pressupostos:

· A existência de um determinado comportamento do sócio que haverá de traduzir ou revelar uma de duas coisas: a sua deslealdade em relação à sociedade ou uma grave perturbação do funcionamento da sociedade;

· Que esse comportamento tenha causado ou possa vir causar prejuízos relevantes.

A relevância do comportamento desleal para efeitos de exclusão do sócio deriva, naturalmente, da submissão dos sócios a um dever de lealdade em relação à sociedade. Esse dever dos sócios – que pode ser visto como um dever acessório de conduta em matéria contratual e um dever geral de respeito e de agir de boa fé[1] – é caracterizado por Jorge Coutinho de Abreu[2] como um dever de conteúdo negativo (de omitir ou não fazer) e que corresponderá, no essencial, ao dever de não actuar de modo incompatível com o interesse social. Assim e conforme diz o citado autor, apesar de os direitos do sócio serem direitos subjectivos que são atribuídos aos sócios no seu próprio interesse e apesar de, por essa razão, ser legítimo que eles exerçam tais direitos (nomeadamente o seu direito de voto) procurando satisfazer os seus próprios interesses, devem sempre fazê-lo dentro do campo delimitado pelo interesse social, sem que possam sacrificar ou prejudicar este interesse (o interesse social).

Relativamente ao comportamento perturbador do funcionamento da sociedade, importa notar que não releva, para efeitos de exclusão do sócio, qualquer acto ou comportamento que perturbe a vida societária; a perturbação da vida e funcionamento da sociedade tem que ser grave.

No entanto – reafirma-se – nenhum desses comportamentos releva, só por si, para a exclusão do sócio; eles só assumem relevância se e na medida em que tenham causado ou possam vir a causa um prejuízo relevante.

Podemos, portanto, concluir que a exclusão de sócio está reservada para situações graves que prejudiquem (actual ou potencialmente) a sociedade, de forma relevante, pondo gravemente em causa o seu funcionamento e, em última instância, a sua sobrevivência, podendo dizer-se – como diz Coutinho de Abreu[3] - que “…subjaz à cláusula geral do n.º 1 do art. 242.º a ideia de exclusão permitida somente como “fundamento importante”, como ultima ratio (a exclusão é permitida quando se mostre necessária para que os restantes sócios prossigam normalmente a actividade social)”.

Feitas essas considerações de carácter geral, analisemos o caso dos autos.

A decisão recorrida concluiu pela existência de fundamento para excluir os Réus da sua qualidade de sócios da Autora por ter entendido que os Réus haviam assumido comportamentos desleais e perturbadores do funcionamento da sociedade que lhe causaram (a ela sociedade) prejuízos.

Os actos e comportamentos dos Requeridos que estão subjacentes a essa conclusão (ou seja, os actos que, segundo a decisão recorrida, correspondem a comportamentos desleais e perturbadores do funcionamento da sociedade) são os seguintes:

- Em Junho de 2020, o 2º Réu recebeu directamente 2.780,00€ referentes a trabalhos realizados para um cliente sem que tivesse entregue esse valor à sociedade, apesar de ter exigido ao funcionário encarregue da parte financeira/administrativa que emitisse recibo da sociedade relativo a essa quantia;

- Em Junho de 2020 e dada a recusa de emissão daquele recibo, o 2.º Réu removeu o computador onde era feito o processamento de salários, a emissão de facturas e demais gestão de tesouraria de toda a empresa, para local desconhecido, onde o manteve até data não concretamente apurada, mas antes de final de Setembro de 2020 (situação que privou a sociedade de ter acesso a dados de clientes, facturação, registo de salários e que impediu a sociedade de efectuar atempadamente as declarações obrigatórias à Segurança Social com os consequentes procedimento sancionatórios);

- Ainda em 2020, o 2.º Réu, levou das instalações da sociedade o computador de trabalho de uma funcionária, impedindo-a de dar continuidade ao seu trabalho;

- O 2.º Réu efectuou obras para diversas pessoas, recebendo verbas que não deram entrada na sociedade;

- Em 2021, os Réus deram entrada a dois pedidos de insolvência da sociedade sendo que o primeiro (que apresentaram na qualidade de sócios gerentes) foi liminarmente indeferido por insuficiência de representação (por ser necessária a assinatura dos três gerentes) e no segundo (que apresentaram na qualidade de sócios e credores) desistiram do pedido, reconhecendo o 2.º Réu na respectiva audiência, que a sociedade não se encontrava em situação de insolvência;

- Os Requeridos bloquearam a apresentação de contas relativas aos anos de 2019 e 2020 – que apenas recentemente foram aprovadas – sendo certo que, apesar não porem em causa a correcção das contas, não as aprovaram por não concordarem com alguns actos de gestão do representante da sociedade da autora e o pretenderem confrontar presencialmente com os mesmos (bloqueio que foi prejudicial para a sociedade autora, na medida em levou ao incumprimento das obrigações declarativas desta, e teve como resultado que a mesma deixasse de conseguir contratos com entidades públicas).

Sustentam, no entanto, os Apelantes que os factos em questão não são idóneos e suficientes para ditar a sua exclusão de sócios da Autora, argumentando para o efeito:

- Que todos esses comportamentos encontram justificação no arrastado conflito que opõe os sócios da sociedade, e que envolve comportamentos lesivos não apenas por parte dos Réus, mas também por parte do outro sócio;

- Que não há prova de tais comportamentos tenham sido causa de prejuízo relevante ou com capacidade para provocar danos relevantes;

- Que a apresentação de pedidos de insolvência não tem relevância uma vez que não há elementos para concluir que, nesse momento, os Réus tivessem efectiva consciência de que eles eram infundados ou que, de algum modo, tivessem violado, de forma grave, os seus deveres de cuidado na análise e apreciação da situação em termos de se poder afirmar que eles podiam e deviam ter tomado conhecimento, se actuassem com a devida diligência, que a sociedade não estava em situação de insolvência;

- Que, ainda que num período de tempo curto os RR. tenham actuado com alguma desconsideração pelo tempo de aprovação das contas, o certo é que as contas foram aprovadas, não tendo daí resultado prejuízo, não sendo verdade que a aprovação de contas, fora do prazo, tenha tido como resultado que a mesma deixasse de conseguir contratos com entidades públicas;

- Que, nessas circunstâncias, é manifestamente ilegal e desproporcionada a sanção da exclusão, sendo certo que o funcionamento normal da sociedade pode prosseguir com os sócios na sociedade;

- Que as situações em causa não tornam inexigíveis a continuação da relação contratual, segundo o princípio da boa-fé, precisamente porque o outro sócio também não a tem, tendo em conta que também tem actuado em violação dos seus deveres.

Como ponto de partida, importa dizer que, por decisão proferida no âmbito do processo n.º 1196/22.... – confirmada por Acórdão deste mesmo colectivo de 09/11/2022 –, os Réus foram destituídos da gerência da sociedade Autora com fundamento nos mesmos factos que são agora invocados para fundamentar a sua exclusão da qualidade de sócios.

No entanto, a circunstância de ter sido atribuída relevância a esses factos para efeitos de destituição de gerência não significa, naturalmente, que eles tenham também relevância para efeitos de exclusão de sócio, sendo certo que os pressupostos de destituição da gerência não são idênticos aos pressupostos da exclusão de sócio. A exclusão de sócio corresponde, na verdade, a uma situação mais grave – na medida em que afasta totalmente o sócio da vida da sociedade – que, como tal, está reservada para situações graves que prejudiquem (actual ou potencialmente) a sociedade, de forma relevante, afectando o seu funcionamento e a prossecução do fim e interesse social. Como se disse supra, citando Coutinho de Abreu, a exclusão apenas é admitida como “fundamento importante”, ou seja, como ultima ratio e quando ela se mostre necessária para que os restantes sócios prossigam normalmente a actividade social. Assim, e como diz o referido autor[4], caso se conclua que “…o funcionamento normal da sociedade pode prosseguir com ele na sociedade mas fora da gerência, bastará que seja destituído desta com justa causa”.

Ora, na nossa perspectiva, os factos aqui em questão não são suficientes para ditar a exclusão dos Réus da sociedade.

Vejamos.

Não há dúvida que os Réus assumiram comportamentos desleais e perturbadores da vida da sociedade.

Relativamente aos pedidos de insolvência apresentados pelos Réus – já o dissemos no acórdão proferido no processo referente à destituição da gerência – entendemos que eles não têm substancial relevo, na medida em que a matéria de facto não nos permite afirmar – com a necessária segurança – que, no momento em que formularam esses pedidos, os Réus tivessem efectiva consciência de que eles eram infundados ou que, de algum modo, tivessem violado, de forma grave, os seus deveres de cuidado na análise e apreciação da situação em termos de se poder afirmar que eles podiam e deviam ter tomado conhecimento, se actuassem com a devida diligência, que a sociedade não estava em situação de insolvência. Veja-se que, apesar de se desconhecer o valor do activo e outros elementos, o passivo da sociedade (conforme referido no ponto 13) não é insignificante ao ponto de se dizer que a situação de solvência da sociedade era evidente e não podia ser ignorada pelos Réus, tanto mais que o vencimento do Réu não estava a ser pago desde Junho de 2020. Nem sequer é possível afirmar que os Réus tivessem – ou devessem ter – conhecimento dos elementos necessários para aferir a real situação financeira e económica da sociedade, uma vez que, apesar de serem gerentes, era o outro sócio AA que geria (sozinho) a sociedade e controlava as respectivas contas bancárias.  É certo que o Réu veio a reconhecer, no âmbito do segundo processo, que a insolvência não existia, mas isso não nos permite, sem mais, concluir que os Réus tivessem efectiva consciência desse facto à data em que requereram a insolvência.

É certo, no entanto, que os Réus assumiram outros comportamentos que têm que ser qualificados como desleais em relação à sociedade e perturbadores do seu funcionamento, aqui se incluindo o facto de os Réus terem recusado a aprovação das contas relativas aos anos de 2019 e 2020 e o facto de o 2.º Réu ter recebido de clientes algumas quantias que não entregou à sociedade e de, em duas ocasiões, ter retirado (temporariamente) dois computadores que estavam afectos à sociedade.

Começando pela recusa de aprovação das contas, importa dizer – o que também já dissemos no âmbito do processo referente à destituição da gerência – que essa recusa corresponderia a um acto perfeitamente normal se tal tivesse resultado de discordância em relação às contas apresentadas ou de falta de informação bastante para sobre elas tomar posição. A verdade é que não foi esse o caso, já que, como resulta da matéria de facto, os Réus declararam na respectiva assembleia: que a sua questão não era a correcção das contas; que se encontravam em condições de discutir e proceder à votação de aprovação das ditas contas e que até as aprovavam. Na verdade, o que motivou a posição dos Réus não foram as contas em si (ou qualquer discordância ou dúvida que tivessem em relação às mesmas), mas sim o facto de o outro sócio não estar fisicamente presente (estando representado por outrem), afirmando que não concordavam com a gestão do outro sócio (gestão que diziam estar a ser feita em seu prejuízo), que o queriam confrontar directamente e que só aprovariam as contas com a presença (pessoal e não por representação) do outro sócio, mais acrescentando o Requerido, CC, que “…tudo isto era desnecessário se o sócio AA desse a cara e aceitasse dividir a empresa e património de herança…”.

É indiscutível que os Réus não actuaram em prol dos interesses da sociedade, tendo usado o seu direito de voto de forma anómala – com motivações que não estavam relacionadas com a questão que estava a ser submetida à sua aprovação – e desconsiderando os prejuízos que a não aprovação das contas poderia causar à sociedade. É certo, portanto, que, ao actuar desse modo, os Réu violaram o dever de lealdade em relação à sociedade, sendo certo que actuaram de modo incompatível com o interesse social, ignorando o prejuízo que daí poderia resultar para a sociedade e sacrificando o interesse social em prol dos seus interesses pessoais e com base em desentendimentos com o outro sócio que, apesar de relacionados com a gestão da sociedade, não se relacionavam directamente com as contas e não afectavam a sua aprovação (como eles próprios reconheceram).

É certo, por outro lado, que o 2.º Réu recebeu quantias de clientes que não entregou à sociedade (cfr. pontos 19 e 35 da matéria de facto provada) o que, traduzindo uma apropriação de valores pertencentes à sociedade, corresponde a um acto incompatível com o interesse da sociedade que, como tal, viola o dever de lealdade.

Refira-se ainda o facto de o 2.º Réu ter retirado (temporariamente), em duas ocasiões, dois computadores que estavam afectos à sociedade (cfr. pontos 22 e 26 da matéria de facto). Refira-se que em nenhuma dessas situações, o Réu teve a intenção de se apropriar desses equipamentos; numa das situações, fê-lo como retaliação pelo facto de o funcionário da sociedade ter recusado a emissão de um recibo referente a valor que havia recebido de um cliente e que não havia entregue à sociedade (cfr. ponto 22 da matéria de facto) e na outra situação fê-lo como forma de pressão para obter o pagamento do seu vencimento (cfr. ponto 62), sendo que, em ambas as situações, devolveu os computadores que havia retirado. Em relação à segunda situação, não há notícia de que tenha causado qualquer perturbação ao funcionamento da sociedade; ainda que não se diga como, a situação foi resolvida (cfr. ponto 27 da matéria de facto) sem aparentes constrangimentos. Em relação à primeira situação, existiu maior e mais grave perturbação, tendo em conta que era o computador onde era feito o processamento de salários, a emissão de facturas e demais gestão de tesouraria de toda a empresa e a falta de acesso a alguns dados e elementos que dele constavam (durante cerca de três meses) determinou que a sociedade não efectuasse atempadamente as declarações obrigatórias à Segurança Social, o que originou os competentes procedimentos sancionatórios (cfr. ponto 24 da matéria de facto).

É certo, portanto, que os Réus assumiram, nos termos acima descritos, comportamentos desleais e perturbadores do funcionamento da sociedade.

Mas, conforme referimos supra, isso não basta para ditar a exclusão do sócio, sendo ainda necessário que esse comportamento tenha causado ou possa vir a causar prejuízos relevantes à sociedade.

No que toca ao apontado requisito, importa dizer, em primeiro lugar, que esse prejuízo – que pode ser de natureza patrimonial ou de natureza não patrimonial – não tem que ser um prejuízo actual ou presente (já verificado, portanto) relevando também o prejuízo que possa vir a verificar-se no futuro. Importa notar, no entanto, que esse prejuízo (futuro ou potencial) não pode ser um prejuízo meramente hipotético, apenas podendo relevar o prejuízo cuja verificação futura se possa ter como previsível em resultado da conduta do sócio, ou seja, o dano cuja verificação, num juízo de prognose, se possa antever como provável.

Importa notar que, na perspectiva e de acordo com a opção do legislador, aquilo que verdadeiramente determina a exclusão do sócio é o prejuízo para a sociedade (é esse, nas palavras de Carolina Cunha[5], o “fulcro nevrálgico” do instituto da exclusão de sócios na sociedade por quotas), sendo certo que a conduta do sócio e o seu desvalor ou ilicitude não bastam, só por si, para fundar a sua exclusão. De acordo com a opção do legislador, a exclusão do sócio não visa, portanto, sancionar o sócio pelo seu comportamento, mas sim proteger a sociedade dos danos que possam ameaçar o exercício da sua actividade e a prossecução do seu fim.  Como se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15/02/2005[6], “O instituto da exclusão de sócio encontra fundamento na protecção do fim do contrato de sociedade, traduzido no interesse social, "enquanto elemento comum aos interesses dos sócios contratantes e meio contratual de satisfação dos seus interesses distintos" (…) Assim, a exclusão justifica-se quando o interesse social é posto em causa por um sócio que, por via da violação das suas obrigações, conduza a resultados ou efeitos que prejudiquem o fim social”.

Sendo esse o fundamento e a finalidade do referido instituto – que radica, como se viu, no prejuízo provocado à sociedade que, de algum modo, ameace ou possa ameaçar o seu fim social – não faria sentido que uma solução tão extrema como é a exclusão de sócio pudesse ser determinada em função de um prejuízo futuro meramente hipotético cuja verificação, apesar de teoricamente possível, não se possa antever com alguma probabilidade.

Mas tal prejuízo – seja ele patrimonial ou não patrimonial, seja actual/presente ou futuro/potencial – terá ainda que ser, segundo a lei, um prejuízo relevante. Não basta, portanto, um qualquer prejuízo, por mínimo que seja; ele tem que ser relevante.

Ora, um prejuízo relevante é aquele que tem algum relevo e significado no contexto da actividade da sociedade e do seu fim social; tendo em conta a finalidade e o fundamento do instituto (nos termos acima referidos) terá que ser um prejuízo com relevo, gravidade e significado bastantes para ameaçar e pôr em causa o normal exercício da actividade da sociedade e a prossecução do seu fim.

Transpondo essas considerações para o caso em análise, pensamos não estar demonstrada a existência de qualquer prejuízo com as características definidas que tenha resultado ou possa vir a resultar do comportamento dos Réus acima referidos.

Vejamos.

Em relação à apropriação de quantias/valores da sociedade que foi levada a cabo pelo 2.º Réu, temos como certa a existência de um prejuízo causado à sociedade correspondente ao valor apropriado. Não temos, no entanto, elementos bastantes para concluir que está em causa um prejuízo relevante, uma vez que, além do valor de 2.780,00€ a que alude o ponto 19 da matéria de facto (valor que, na nossa perspectiva, não é muito significativo e relevante), desconhecemos quais os restantes valores que o Réu recebeu e não entregou à sociedade (cfr. ponto 34 da matéria de facto), importando ainda notar que, apesar de não ter entregue esses valores à sociedade, o Réu pagou despesas (como combustível) que eram da responsabilidade desta.

Pensamos, portanto, que a matéria de facto não fornece elementos bastantes para concluir pela existência de um prejuízo relevante (o valor de 2.780,00€ não tem o significado e relevo bastante e desconhecemos os demais valores que o Réu recebeu e não entregou à sociedade).

Em relação à retirada do computador onde era feito o processamento de salários, a emissão de facturas e demais gestão de tesouraria de toda a empresa, apenas sabemos que a sociedade não logrou efectuar atempadamente as declarações obrigatórias à Segurança Social, o que originou os competentes procedimentos sancionatórios (cfr. ponto 24 da matéria). Não sabemos, no entanto, quais foram as sanções aplicadas e tão pouco sabemos – porque nem sequer foi alegado – qual foi o atraso na apresentação das referidas declarações; não sabemos se foi um atraso de três meses (correspondente ao período em que o Réu reteve o computador na sua posse), se foi um atraso de um mês, de quinze dias ou de um ou dois dias.

Também não resultou demonstrada a existência de qualquer prejuízo relevante – presente/actual ou futuro/potencial – resultante da circunstância de os Réus terem recusado a aprovação das contas na assembleia que, para esse efeito, foi realizada em 19/01/2022.

Em relação a essa matéria, apenas se provou que, por causa de falta de aprovação das contas, não foram atempadamente cumpridas as obrigações declarativas, o que poderia implicar a instauração dos procedimentos contraordenacionais por parte da Autoridade Tributária e ainda procedimento de apuramento de lucro tributável por recurso a métodos indirectos, que poderá não corresponder ao lucro real tributável apurado nos resultados contabilísticos. Refira-se que não se disse que aquele facto implicou ou poderá implicar as consequências ali descritas; disse-se que “poderia implicar” (condicional), o que parece significar que, na verdade, não implicou (e, ao que parece, não irá implicar) tais consequências, o que, eventualmente, poderá resultar da circunstância de as contas já terem sido, entretanto, aprovadas na pendência da acção (cfr. ponto 48 da matéria de facto).

Não sabemos, portanto, se aquele facto chegou a implicar ou ainda irá implicar algum prejuízo e muito menos sabemos qual o valor e a relevância de algum prejuízo que, eventualmente, tenha chegado a existir ou venha a existir futuramente em resultado daquele facto. Refira-se que, ao contrário do que se considerou na decisão recorrida, entendemos não resultar da matéria de facto provada que a falta de aprovação das contas (que ocorreu, aliás, apenas 46 dias antes da propositura desta acção) tenha determinado que a sociedade deixasse de conseguir contratos com entidades públicas e, designadamente com a Junta de Freguesia .... Na verdade, ainda que se tenha julgado provado (cfr. ponto 70) o teor de uma declaração da Junta de Freguesia ..., segundo a qual esta não adjudica, actualmente, serviços à sociedade Autora pelo facto de esta não apresentar prova da sua situação regularizada perante a Autoridade Tributária e Aduaneira e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., a verdade é que nada resulta da matéria de facto provada que permita afirmar que essa situação resultou da falta de aprovação de contas pelos Réus, podendo resultar, naturalmente, de incumprimentos de obrigações anteriores sem qualquer relação com a recusa de aprovação daquelas contas.

Refira-se, aliás, que, apesar de não terem actuado em conformidade com os seus deveres para com a sociedade, os Réus não se negaram a aprovar as contas em qualquer circunstância, tendo declarado na assembleia que as aprovariam num outro dia com a presença do sócio AA. Parece, portanto, que a situação poderia ter sido facilmente ultrapassada com a colaboração e presença do sócio AA, o que, pelos vistos, não aconteceu antes da propositura da acção (sendo certo que as contas vieram a ser aprovadas na pendência da acção).

Não resultou, portanto, demonstrado que em resultado das condutas dos Réus tenha ocorrido – ou seja previsível que venha a ocorrer – qualquer prejuízo relevante que afecte, de modo significativo, o exercício da actividade da sociedade Autora e a prossecução do seu fim social e que, como tal, possa justificar a sua exclusão de sócios da Autora.

É bom referir que, com fundamento nessas condutas, os Réus já foram destituídos da gerência da sociedade e não nos parece – pelo menos para já e em face dos comportamentos até agora adoptados pelos Réus, sem que se evidencie, neste momento, como previsível que os Réus (agora despidos das suas funções de gerência) irão insistir e reincidir nessas condutas (veja-se que, entretanto, aprovaram as contas) – que o prosseguimento normal da actividade social e a prossecução do seu fim reclame ainda que os Réus sejam totalmente excluídos da sociedade

É certo que os Réus actuaram em desconformidade com os deveres para com a sociedade – o que, eventualmente, até terão feito de forma impensada e precipitada e em resultado dos desentendimentos com o outro sócio – mas não resultou demonstrado que essas condutas tenham determinado qualquer prejuízo que afecte ou ameace afectar, de modo significativo e relevante, o exercício da actividade da sociedade e a prossecução do seu fim ao ponto de justificar a solução extrema de os Réus serem excluídos de uma sociedade  que está na família desde a sua criação em 1985 e da qual os Réus sempre foram sócios em conjunto com AA (filho da 1.ª Ré e irmão do 2.º Réu) e, até à sua morte, com DD (marido da 1.ª Ré e pai dos demais sócios).

Entendemos, portanto, em face de tudo o exposto, que não há fundamento legal bastante para determinar a exclusão dos Réus da sociedade Autora.

Em consequência, revoga-se a decisão recorrida e julga-se a acção improcedente.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

(…).


/////

V.
Em face de tudo o exposto, concede-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, na parte em que julgou a acção procedente e determinou a exclusão dos Réus da qualidade de sócios da Autora, julgando-se a acção improcedente e absolvendo-se os Réus do pedido contra eles formulado.
Custas a cargo da Apelada.
Notifique.

                              Coimbra, 28 de fevereiro 2023

                                             (Maria Catarina Gonçalves)

                                                  (Maria João Areias)

                                                      (Paulo Correia)                    



[1] Cfr. António Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais, Valores Mobiliários e Mercados, 6.ª edição, pág. 129
[2] Curso de Direito Comercial, Vol. II, Das Sociedades (2.ª Reimpressão da Edição de 2002), pág. 304.
[3] Ob. cit., pág. 431.
[4] Ob. cit., págs. 431 e 432, nota 482.
[5] Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. III, 2.ª edição, pág. 594.
[6] Proferido no processo n.º 04A4369, disponível em http://www.dgsi.pt.