APOIO JUDICIÁRIO
CADUCIDADE DA PROTEÇÃO JURÍDICA
DECISÃO ADMINISTRATIVA
Sumário

I – A competência para proferir decisão de caducidade da proteção jurídica cabe à Segurança Social.
II - Ao tribunal incumbe conhecer da impugnação da decisão administrativa que determinou tal caducidade.

Texto Integral



Relator: Arlindo Oliveira
1.º Adjunto: Emídio Francisco Santos
2.º Adjunta: Catarina Gonçalves



Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra

AA, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra BB e mulher CC; DD e mulher EE; FF e mulher GG; A..., Sociedade Unipessoal, L.da; Herança aberta por óbito de HH, representada pelo seu cabeça de casal II; B..., Investimentos e Serviços, L.da e Condomínio do Prédio sito na Rua ..., ..., ..., ..., ..., ..., já todos identificados nos autos, pedindo a condenação dos réus a pagarem-lhe a quantia global de 30.892,00 €, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação e até integral pagamento.

Para tal, alega que em consequência da escorrência de esgotos do prédio contiguo para aquele onde reside, ocorreu a inundação da garagem que ocupa, por arrendamento, com urina, o que originou a destruição dos bens que identifica, no valor global de 24.892,00 €, atribuindo a responsabilidade de tal situação aos réus, quer porque são donos de fracções do prédio de onde proveio a inundação, quer porque ali residem, desenvolvem actividades comerciais ou gerem o respectivo condomínio.

Mais alega que tal situação lhe causou angústia e tristeza, geradora da obrigação de indemnização, a título de danos não patrimoniais, que quantifica em 6.000,00 €.

A petição inicial deu entrada em juízo no dia 28/04/21 (cf. fl.s 1).

Com vista à propositura da presente acção, a autora, havia requerido, em 03 de Julho de 2019, a concessão de protecção jurídica, que lhe veio a ser concedida, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono, por decisão proferida em 23 de Julho de 2019.

Apresentaram contestação os réus C... (que excepcionou a sua ilegitimidade e impugnou a existência e amplitude dos danos invocados); D... L.da (que invocou a sua ilegitimidade e impugnou a existência e amplitude dos danos alegados pela autora).

No que ao presente recurso interessa, conclusos os autos à M.ma Juiz a quo (cf. fl.s 104-A ) em 01 de Junho de 2022, foi proferido o seguinte despacho:

“Nos termos do disposto na. b) do n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (LAJ), a proteção jurídica caduca pelo decurso do prazo de um ano após a sua concessão sem que tenha sido prestada consulta ou instaurada ação em juízo, por razão imputável ao requerente.

No caso dos autos apoio judiciário foi concedido em julho de 2019, tendo a ação sido intentada em 28/4/2021.

Pelo exposto, convido o autor para, no prazo de dez dias, juntar aos autos o comprovativo do pagamento da taxa de justiça ou da concessão do apoio judiciário na modalidade de dispensa de

pagamento de taxa de justiça, com menos de um ano relativamente à data da instauração da ação.”.

Respondendo (cf. fl.s 105 v.º/106), a autora, em 04 de Julho de 2022, informou que o organismo da segurança social referiu “não ser possível emitir novo documento uma vez que o Apoio Judiciário em questão se mantém válido” e mais alega que a competência para a declaração de caducidade do apoio judiciário cabe à segurança social e não ao tribunal, cf. artigo 11.º, n.º 1, al. b), da Lei 34/2004, de 29 de Julho, peticionando o prosseguimento dos autos.

A ré “C...” (cf. fl.s 109/110 v.º), veio defender que cabe ao tribunal conhecer da caducidade do benefício do apoio judiciário, que já ocorreu e, consequentemente, devem os réus ser absolvidos da instância.

Para o caso de assim não se entender, requer que se proceda à notificação da segurança social para que esclareça se a concessão de tal benefício à autora, se mantém ou não, válido.

Em idêntico sentido se pronunciaram os réus A...; FF e Mulher GG; BB e mulher CC; DD e mulher EE (cf. fl.s 111/112).

De igual forma, a ré D..., defende que a competência para a decisão da caducidade em causa, pertence ao tribunal, citando em abono de tal solução, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 18 de Maio de 2017, Processo n.º 11786-15.8T8LRS.L1-6, disponível no respectivo sítio do Itij (cf. fl.s 113/115 v.º)

Após o que, conclusos os autos à M.ma Juiz a quo foi proferido o despacho de fl.s 116  (aqui recorrido), datado de 27/9/2022, com o seguinte teor:

“Foi concedido apoio judiciário à autora no dia 23-05-2019.

A presente ação foi instaurada em 28-04-20121.

Segundo o disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º da Lei n.º 32/2004, de 29 de julho, o apoio judiciário caduca pelo decurso do prazo de um ano após a sua concessão.

A caducidade, neste caso, é de conhecimento oficioso - art.º 333.º, n.º 1 do Código Civil.

Assim, a proteção jurídica concedida à autora já caducou, pelo que tudo se passa como se a petição inicial tivesse sido apresentada sem o comprovativo do apoio judiciário ou do pagamento da taxa de justiça devida, o que é causa de recusa pela secretaria - art.º 558.º, al. f) do Código de Processo Civil.

Foi proferido despacho convidando a autora a juntar no prazo de dez dias o comprovativo do pagamento da taxa de justiça ou da concessão do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça, com menos de um ano relativamente à data da instauração da ação.

A autora não respondeu ao convite, mesmo depois de prorrogado o prazo.

A autora não pagou a taxa de justiça, nem tem apoio judiciário, porque este caducou antes da instauração da ação.

Estamos, assim, perante uma exceção dilatória atípica ou inominada, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e conduz à absolvição da instância.

Pelo exposto, ao abrigo do disposto no art.º 278.º, n.º 1, al. e) do CPC, declaro a verificação da exceção dilatória de falta de pagamento da taxa de justiça por parte da autora e, em consequência, absolvo os réus da instância.”.

Inconformada com a mesma, dela interpôs recurso a autora AA, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – (cf. despacho de fl.s 134), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1- Resulta do art 11 b) da LAJ que não basta o mero decurso do período temporal de um

ano para a declaração de caducidade.

2- A Lei refere expressamente que é necessário e cumulativo que o facto de não intentar a acção no referido prazo de um ano, tenha acontecido por razão imputável à beneficiária do Apoio Judiciário. Por isso, esta deveria ter sido ouvida.

3- É pois necessário averiguar, previamente com segurança, a origem do facto impeditivo da interposição da acção no prazo de um ano, o que não foi feito.

4- A decisão é nula.

5- Não são os presentes autos propostos a coberto do benefício do Apoio Judiciário (que

é posto em causa na sentença), os competentes para declarar a caducidade de tal benefício.

6- Com a publicação da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de dezembro, a apreciação dos pedidos de concessão de apoio judiciário passaram a ser da competência dos serviços da Segurança Social, fazendo-se assim um corte com o passado, pois até aí eram os Tribunais os órgãos competentes para decidir se as partes podiam ou não beneficiar do Apoio Judiciário.

7- Com esta nova Lei n.º 30-E/2000, de 20 de dezembro, todas as decisões relacionadas com a concessão ou não do Apoio Judiciário aos Tribunais, passaram a ser da exclusiva competência da Segurança Social.

8- Assim, quem tem competência para decidir da caducidade do Apoio Judiciário é o órgão de Segurança Social respetivo, estando vedada ao Tribunal tal apreciação.

9- Ademais, a Lei 34/2004 de 29/07 com as alterações subsequentes é clara quanto à forma que deve ser seguida.

10- Quer a concessão quer o apuramento e eventual declaração da caducidade do benefício da proteção jurídica a que se refere o art. 11 nº 1 al. b) da LAJ, compete em exclusivo ao respetivo órgão da Segurança Social. A este compete reconhecer os ajustados pressupostos do caso em apreço, e depois, pronunciar-se em conformidade.

11- Resulta da própria Lei, ser da competência dos serviços da Segurança Social apreciar e decidir da verificação da caducidade dos processos de proteção jurídica.

12- Na realidade, pela análise do diploma podemos verificar que todo o procedimento com vista à concessão de apoio judiciário corre termos nos serviços da Segurança Social, só havendo intervenção de uma entidade externa, do tribunal, na fase da impugnação judicial.

13- Concedido o apoio judiciário não pode o Tribunal desconsiderar o mesmo, sob pena de violação do poder de decisão concedido na lei à Segurança Social no artigo 20 da LAJ e da autonomia do procedimento – art 24º e ss da LAJ.

14- Quanto muito o Tribunal deveria ter oficiado a Segurança Social para que esta se pronunciasse sobre a caducidade do Apoio Judiciário concedido à Recorrente.

15- O Tribunal a quo apenas pode avaliar a impugnação judicial do que ali seja decidido.

16- A presente ação não está vocacionada para a averiguação da caducidade já que é outro o seu desiderato substantivo.

17- Foram violados as disposições conjugadas dos artigos 12º, 24º, 27º e 28º da LAJ.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que mantenha o deferimento do Apoio Judiciário a coberto do qual foi instaurada a presente ação.

Assim se fazendo Justiça

Contra-alegando, os réus D..., L.da e A..., L.da e FF e mulher GG; BB e mulher CC; DD e mulher EE, pugnam pela manutenção da decisão recorrida, aderindo aos fundamentos nesta expendidos, designadamente que a competência para declarar a caducidade da protecção jurídica, pelo decurso do prazo de um ano, está atribuída ao tribunal onde pende a acção e não à segurança social.

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de apurar qual o meio adequado para se obter a decisão da declaração de caducidade da protecção jurídica, o que equivale a determinar a quem está atribuída a competência para proferir tal decisão.

A matéria de facto a ter em consideração é a que consta do relatório que antecede.

Qual o meio adequado para se obter a decisão da declaração de caducidade da protecção jurídica, o que equivale a determinar a quem está atribuída a competência para proferir tal decisão.

Como resulta do relatório que antecede, importa determinar a quem está atribuída a competência para declarar a caducidade da protecção jurídica que foi concedida à recorrente: se ao tribunal recorrido, como defendido na decisão recorrida ao à segurança social, como pretende a autora.

Conforme disposto no artigo 11.º, n.º 1, al. b), da Lei 34/2004, de 29 de Julho:

“A protecção jurídica caduca nas seguintes situações:

(…)

b) Pelo decurso do prazo de um ano após a sua concessão sem que tenha sido prestada consulta ou instaurada acção em juízo, por razão imputável ao requerente”.

Daqui resulta, pois, que para que se verifique a aludida caducidade se exige o decurso do prazo de um ano, sem que tenha sido instaurada a acção, a que acresce que tal omissão se deva a razão imputável ao requerente, pelo que, sempre será necessário averiguar das razões da não propositura atempada da acção.

Por outro lado, cf. disposto no artigo 12.º da mesma Lei “Da decisão que determine o cancelamento ou verifique a caducidade da protecção jurídica cabe impugnação judicial, que segue os termos dos artigos 27.º e 28.º”.

A competência para conhecer do pedido de impugnação/caducidade da protecção jurídica cabe ao tribunal da comarca em que está sedeado o serviço de segurança social que apreciou o pedido de protecção jurídica ou, caso o pedido tenha sido formulado na pendência da acção, o tribunal em que esta se encontra pendente.

Ora, se é ao tribunal que incumbe conhecer da impugnação da declaração que determinou a caducidade da protecção jurídica, é salvo o devido respeito por contrário entendimento, apodítico que não pode ser o tribunal a decidir da existência da referida caducidade.

Aliás, tal conclusão decorre, directamente do disposto no citado artigo 12.º, que determina que de tal decisão cabe impugnação judicial. Se assim é, como o é, tem de se concluir que a decisão sujeita a impugnação judicial pertence à segurança social, é da competência do organismo da segurança social.

Neste sentido, se pronuncia Salvador da Costa in O Apoio Judiciário, 10.ª Edição, Almedina, 2021, pág. 44.

A nível jurisprudencial, igualmente neste sentido, por último, os Acórdãos da Relação do Porto, de 27/09/2017, Processo n.º 1528/17.9T8VFR-A.P1 e de 24/05/2021, Processo n.º 2466/19.6T8AVR-A.P1; da Relação de Guimarães, de 14 de Março de 2019, Processo n.º 268/11.7TBAVV-D.G1 e da Relação de Lisboa de 25 de Outubro de 2022, Processo n.º 8834/20.3T8LSB-A.L1-7, todos disponíveis no respectivo sítio do Itij.

O Acórdão da Relação de Lisboa citado pela recorrida D..., acima já mencionado, é o único (que se conhece) em que se defende a tese acolhida na decisão recorrida.

Face ao acima exposto, em face dos preceitos legais aplicáveis, entendemos que a competência para proferir decisão de caducidade da protecção jurídica cabe à segurança social, em função do que não pode subsistir a decisão recorrida.

Havendo, por isso, de prosseguir a instância e requerer à segurança social para que informe da subsistência da protecção jurídica concedida à autora.

Em virtude de se atribuir a competência à segurança social para averiguar da aludida caducidade, fica prejudicado o conhecimento da invocada nulidade da decisão recorrida.

Assim, face ao exposto, procede o presente recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar procedente o presente recurso de apelação, em função do que se revoga a decisão recorrida, que se substitui por outra em que se decide manter-se a protecção jurídica que foi concedida à autora e, em consequência, deve prosseguir a instância, diligenciando-se junto da Segurança Social, para que esta se pronuncie sobre a eventual caducidade da protecção jurídica que foi concedida à autora.

Sem custas, o presente recurso.

Coimbra, 28 de Fevereiro de 2023.