SOCIEDADE POR QUOTAS
ASSEMBLEIA GERAL
JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
Sumário

I – Nos termos do disposto no art. 375.º n.º 6 do Código das Sociedades Comerciais, aplicável às sociedades por quotas por via do art. 248.º, n.º 1, a convocação judicial da assembleia geral de acionistas/sócios depende da verificação dos seguintes requisitos: 1) ter o interessado na convocação dirigido um requerimento (escrito) ao presidente da mesa da assembleia geral (PMAG), solicitando a convocação de uma assembleia geral; 2) ter indicado com precisão, nesse requerimento, os assuntos a incluir na ordem do dia; 3) ter justificado a necessidade da reunião da assembleia; e 4) não ter o PMAG promovido a publicação da convocatória da assembleia geral nos 15 dias seguintes à receção do requerimento ou ter indeferido, sem justificação pertinente, a convocatória.
II – Dada finalidade do processo e a sua natureza de jurisdição voluntária (art. 1057.º e ss. do CPCivil), não cabe ao tribunal, ao sindicar o preenchimento do requisito da necessidade da assembleia geral, a indagação da substância dessa necessidade, bastando-se com sua verificação em termos meramente formais.
III – Nada obsta a que o tribunal convoque a assembleia de sócios para data anterior ao trânsito em julgado da decisão, considerando que à partida o eventual recurso da mesma tem efeito meramente devolutivo.

Texto Integral

PROCESSO N.º 778/22.0T8AMT.P1
[Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Juízo de Comércio de Amarante - Juiz 3]

Relator: Fernando Vilares Ferreira
Adjunto: Alberto Taveira
Adjunta: Maria da Luz Seabra


SUMÁRIO:
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I.
RELATÓRIO
1.
AA veio, ao abrigo do preceituado nos arts. 1057.º e ss. do Código de Processo Civil (CPCivil) e 375.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais (CSC), requerer a convocação judicial de assembleia de sócios da sociedade comercial A..., LDA.
Alegou, em síntese, a recusa ilegítima da gerente de convocar a assembleia por si requerida, assim como a recusa de incluir na Ordem do dia os pontos de trabalho que quer ver discutidos, não recebendo, propositadamente, as cartas que são enviadas, nem levantando as mesmas nos correios, apesar de ter conhecimento dessas missivas através de e-mail e cartas simples enviadas.
2.
Realizada a audiência, na qual se procedeu à audição da gerente da sociedade e de uma testemunha, em 15.06.2022 foi prolatada sentença, com o seguinte DISPOSITIVO:
[Nestes termos e fundamentos supra enunciados, julga-se procedente, por provado, o presente pedido de convocação judicial da assembleia de sócios da sociedade “A..., Lda”, convocando-se judicialmente Assembleia de sócios para o próximo dia 13 de julho, pelas 17H30, a realizar na sede social, com os seguintes pontos da ordem de trabalhos:
1.º Quantificação da responsabilidade da sociedade na ação n.º 171/21.2T8PNF, apensos e recursos, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo do Trabalho de Penafiel, Juiz 1, com a apresentação pela gerência de todas as despesas na condução do assunto, incluindo taxas de justiça, encargos, honorários do Mandatário, multas, custas, custas de parte e demonstração do valor líquido da condenação a pagar pela sociedade à ex-trabalhadora BB, com discriminação de capital e juros e demonstração do valor global líquido a repor à Segurança Social considerando o pagamento de prestações sociais à mesma trabalhadora face à ilicitude do seu despedimento.
2.º Análise e discussão da eventual responsabilidade da sócia e gerente CC no despedimento da trabalhadora BB, considerado ilícito pela referida autoridade judicial confirmada por acórdão do T.R.P. de 05/04/2022, suas consequências económicas na vida da sociedade e repercussões no seu funcionamento e organização.
3.º Análise e discussão da eventual responsabilidade da sócia e gerente CC na convocatória, apresentação de propostas e votação na assembleia de sócios de 15/12/2021 das deliberações declaradas inexistentes pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este no processo n.º 79/22.4T8AMT, que corre termos no Juízo de Comércio de Amarante - Juiz 4 e a sua subsequente execução que conduziu ao decretamento da providência cautelar no apenso A ao identificado processo; Apresentação pela gerência de todas as despesas na condução desse assunto, incluindo taxas de justiça, encargos, honorários com Mandatário, multas, custas e custas de parte, custos com o(s)contrato(s) de mediação imobiliária e anúncios de venda da fração autónoma.
4.º Análise e discussão da eventual responsabilidade da sócia e gerente CC, na expedição do e-mail de 12/01/2022 que tem como destinatários os Clientes da sociedade em que, na sequência da penhora e bloqueio dos saldos bancários da sociedade por incumprimento da sentença proferida no processo identificado em 1.º desta, pede àqueles que os pagamentos sejam feitos em dinheiro, por cheque, ou por transferência bancária para uma conta daquela sócia e gerente; prestação de contas de todos os movimentos assim realizados que, com fundamento em confidencialidade, foram ocultados aos sócios e às autoridades judiciais.
5.º Destituição, com justa causa, da gerente CC, por violação grave dos deveres de gerente, face aos factos mencionados nos pontos prévios e responsabilidade a liquidar nos mesmos;
6.ª Exclusão da sócia CC por comportamento desleal e gravemente perturbador do funcionamento da sociedade que lhe causou prejuízos relevantes.
7.º Nomeação de gerente com vista a substituir a gerente a destituir.
8.º Nomeação do sócio DD como representante especial da sociedade para propor a ação de exclusão da sócia CC e para propor ação de indemnização fundada em responsabilidade civil da mesma gerente, pelos múltiplos prejuízos causados à sociedade.
- nomeio o sócio DD, com domicilio na Rua ..., ..., ... PAREDES, para exercer a função de presidente da assembleia ora convocada judicialmente.
- Determina-se que a ata de tal assembleia seja lavrada por notário, suportando o autor os seus custos;
- Deverá ser permitido o acesso e a permanência dos sócios e notário/notária na sede social no dia 13 de julho, pelas 17H30, nos termos da parte final do art.º 1057.º n.º 3 do C.P.C. devendo se necessário (caso não seja permitido esse acesso e permanência) ser chamada a autoridade policial ao local para garantir esse acesso e permanência na sede social.
Custas a cargo do autor, nos termos do disposto no art. 535.º, n.º 2, a), CPC.]
4.
Em 26.08.2022, sobre requerimento apresentado pela sociedade Requerida, incidiu o seguinte despacho:
[E-mail de 4.07.2022:
Veio a sociedade requerida A..., Lda invocar a nulidade da decisão proferida, por existir uma contradição entre os factos provados e a ordem de trabalhos da Assembleia convocada.
Afigura-se-nos que a decisão proferida não padece da apontada nulidade, não existindo contradição insanável entre os factos dados como provados e o dispositivo da decisão que determinara a convocação da Assembleia. Repare-se que a aprovação ou não do referido Ponto da Ordem de Trabalho da Assembleia depende agora da deliberação dos sócios.
Quanto aos documentos juntos a 19.06.2022 reitera-se o já plasmado no despacho de 21.06.2022, que aqui se transcreve: “Nos autos os documentos juntos, os quais não alteram o sentido da decisão proferida, encontrando-se esgotado o poder jurisdicional.”, nada mais havendo a acrescentar.
Quanto à data fixada para a Assembleia, importa ter presente que o recurso da decisão sempre teria efeito devolutivo.
Por último, eventuais lapsos de escrita de que padeça a decisão sempre ressaltam da leitura do texto, sendo compreensível a fundamentação e o dispositivo da mesma, entendendo o Tribunal que a mesma não carece de qualquer reformulação ou retificação de relevo.
Pelo exposto, indefere-se o requerido a 4.07.2022.
Custas do incidente, a cargo da requerida, que se fixam em 0,5 UC (art. 7.º RCP).]
5.
Inconformada com sentença e com o despacho que lhe sucedeu, a sociedade Requerida interpôs o presente recurso de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo, assente nas seguintes CONCLUSÕES:
1.ª – O presente recurso é interposto da decisão datada de 15-06-2022 (sentença) e da decisão datada de 26-08-2022 (despacho), respetivamente, com a Refª 89102554 e com a Refª 89606482, proferidas pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo de Comércio de Amarante – Juiz 3, decisões proferidas em processo de convocação de assembleia de sócios, instaurado pelo ora recorrido AA contra a ora recorrente, com a quais não se concorda nem se pode concordar.
2.ª – Conforme se verifica da sentença de que ora se recorre, cfr. sentença, foi julgado procedente, por provado, o pedido de convocação judicial da assembleia de sócios da sociedade A..., Lda., e convocada judicialmente a assembleia de sócios para o dia 13 de julho, pelas 17H30, a realizar na sede social, com os pontos da ordem de trabalhos aí elencados, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e integrado, cfr. dispositivo da sentença.
3.ª – Ora, assim sendo, é manifesto que a sentença recorrida padece, além da nulidade prevista no disposto nº art. 615º, nº 1, al. c) do CPC, de errado julgamento, bem como, viola normas legais. - Dizemo-lo com todo o respeito, que é muito, pelo tribunal recorrido, mas dizemo-lo também pelo respeito que temos pelo sistema jurídico e judicial.
4.ª – Confrontando o teor da página 20 com o teor do dispositivo da sentença, é quanto basta para, sem qualquer complexidade, verificar a ocorrência da nulidade supra indicada, pois, se por um lado a Meritíssima Juiz declara que “sendo que quanto aos pontos de trabalho, dado que do depoimento do sócio DD decorreu que o processo n.º 171/21 ainda não terá transitado em julgado, retira-se este segmento dos pontos de trabalho”, por outro lado, encaixa os referidos pontos na ordem de trabalhos da assembleia que judicialmente ordenou, cfr. pag. 20 (concretamente parte final do 2º parágrafo) 21 e 22 do sentenciado (concretamente pontos 1 e 2 da ordem de trabalhos).
5.ª – Acresce que, conforme resulta dos autos, a ora recorrente fez juntar aos mesmos, certidões comprovativas de que nenhum dos processos mencionados nos pontos de trabalho 1, 2 e 3 queridos inserir na reunião da assembleia pelo recorrido haviam transitado em julgado, cfr. fls. dos autos e documentos juntos pela ora recorrente, documentos que, salvo melhor opinião, sendo essenciais à boa decisão da causa e tendo força probatória plena, deveriam, e não foram, ser atendidos pela Meritíssima Juiz.
6.ª – É que, atendidos que fossem, pela mesma lógia de raciocínio derramado quanto aos pontos referentes ao processo nº 171/21 – pontos 1 e 2, lógica de raciocínio que se segue, igualmente deveria ser retirado o ponto de trabalho indicado com o nº 3.
7.ª – Sendo de dizer, afirmar e reafirmar, que bastaria uma simples e atenta leitura dos pontos de trabalho que o recorrido quer ver discutidos para que se afirme injustificada a necessidade da reunião da assembleia, verificando-se, sem grande esforço que a convocação de uma assembleia geral da recorrente, em resposta à pretensão do recorrido, mais não pode ser do que um capricho totalmente injustificado seu, não sendo, seguramente, um expediente necessário ao exercício de algum dos seus direitos sociais.
8.ª – Isto porque, os pontos de trabalhos enunciados de 1 a 3, além de indiscutíveis desde logo por falta do trânsito em julgado das decisões proferidas nos processos aí referidos, são pontos, assim como o é também o enunciado ponto 4, não sujeitos a qualquer tipo de deliberação, nos termos do art. 246º do CSC, mas antes clausuram em si mesmo, direito à informação dos sócios – cfr. art. 214º do CSC, que pura e simplesmente, nem o sócio ora recorrido nem o outro sócio, DD, quiseram deitar mão antes de pedir a convocação da dita assembleia.
9.ª – Quanto aos restantes pontos da agenda, os pontos 5, 6, 7 e 8, sendo certo que comportam matéria sujeita a deliberação dos sócios, não é menos certo que, sendo tais pontos consequência do que viesse a ser apurado nos pontos antecedentes (os pontos enunciados de 1 a 4), salvo melhor e douta opinião, e, não estando os mesmos aptos a fornecer todos os elementos para tal efeito, é patente que inexiste também quanto a tais pontos qualquer justificação para a necessidade da reunião da assembleia geral de sócios e, consequentemente, qualquer justificação para a respetiva convocação.
10.ª – Havendo que concluir, que o expediente de convocação de assembleia de sócios com a ordem de trabalhos exposta, a que o ora recorrido AA lançou mão, cfr. P.I., não passa de mero capricho seu, em comunhão de esforços com seu partner/sócio DD, para se ver “livre” da gerente e sócia CC, houvesse ou não fundamento para a sua destituição ou exclusão, apurando-se ou não quaisquer responsabilidades suas… E, relegando para última instância os destinos e os interesses comerciais da sociedade!
11.ª – Perante toda a conduta do recorrido, não se pode deixar de dizer que a convocatória em causa nos autos encerra em si mesma, um ABUSO DE DIREITO, porquanto é exercitado de tal modo um direito que excede manifestamente os ditames da boa-fé e dos bons costumes, bem como, deixar de dizer que colocar em agenda assuntos para averiguar da responsabilidade de uma sócia-gerente, cujos temas se prendem com processos nos quais as sentenças ainda não se encontram sequer transitadas em julgado, como sabe o recorrido, não podendo ignorar…. E, daí partir, sem mais, para a sua destituição com justa causa e exclusão da sociedade…Só poderá levar a uma conclusão, qual seja, a que, sabendo o ora recorrido que não conseguiria a maioria qualificada exigida para a destituição (pura e simples) sem justa causa da gerente, fez questão de utilizar um estratagema “legal” para conseguir um objetivo ilegal…
12.ª – E isto, não obstante os pontos por si enunciados de 5 a 8 serem pontos a discutir posto que os pontos prévios, ou seja, os pontos enunciados de 1 a 4, pudessem ser verificados e, consequentemente, dos mesmos pudessem resultar qualquer responsabilidade da sócia CC.
13.ª – Pelo supra exposto, ao que se ajuíza sem necessidade de mais ou maiores considerações, decidindo como decidiu o tribunal recorrido, o mesmo cometeu a nulidade supra invocada, fez um errado julgamento e, ainda, violou o disposto nos arts. 214º, 246º e 375º, nº 3 do CSC e no art. 1057º do CPC, o que expressamente se invoca.
14.ª – Acresce que, conforme se verifica do sentenciado, a sentença foi proferida em 15/06/2022 e ordenada, em consequência do pedido da convocação judicial, a assembleia de sócios em 13/07/2022, cfr. sentença.
15.ª – Ora, salvo devido respeito por melhor opinião, o tribunal recorrido, ao ordenar a assembleia de sócios para o dia 13/07/2022, trabalhou em manifesta violação da lei, porquanto, não só o fez com manifesta violação do disposto no art. 377, nº 4 do CSC, para o qual remete o disposto no art. 248º do mesmo código, como o fez sem acautelar ou prevenir o decurso prazo legal à disposição da ora recorrente para interpor recurso, bem como, o facto de o mesmo poder seguir com efeito suspensivo, sendo que, da conjugação do disposto nos arts. 619º, 628º, 638º, 647º, 648º, 703º e 704º todos do CPC, resulta só possuírem valor definitivo as sentenças transitadas em julgado e valor provisório as sentenças às quais o respetivo recurso interposto tenha subido com efeito devolutivo, o que, em 13/07/2022, nem um nem outro seria o caso da sentença proferida.
16.ª – Sendo de declarar, que sem que ocorra o respetivo trânsito em julgado nenhuma sentença tem valor definitivo e sem que ocorra o prazo disposto por lei à parte para interpor recurso nenhuma sentença tem sequer valor provisório, logo e por maioria de razão, a designação da assembleia de sócios em 13/07/2022 padece de qualquer força legal e coerciva, pelo que, a sua indicação é/foi, manifestamente, ilegal ou ilegítima e, sabendo-se que a prática de um ato que a lei não admite fere-o de nulidade, salvo melhor e douta opinião, tal ato que designou a assembleia é nulo.
17.ª – Acresce que, conforme se verifica do despacho (com a Refª 89606482) proferido, foi decidido pela Meritíssima Juiz indeferir o requerido pela ora recorrente em 04-07-2022, cujo teor aqui se dá por integrado e integralmente reproduzido, e consequentemente, condenar a mesma em custas de incidente, cfr. decisão – despacho com a Refª 89606482.
18.ª – Salvo o devido respeito por melhor opinião, tal decisão padece igualmente de errado julgamento e, consequentemente, de nulidade por falta de fundamentação da condenação em custas, pois que, de uma leitura atenta do sentenciado bem como dos documentos juntos pela ora recorrente o que resulta é o invocado pela recorrente em 04-07-2022, o que expressamente se invoca.
19.ª – Contudo, ainda que assim não fosse, conforme se verifica do aludido requerimento, o mesmo não é uma ocorrência estranha ao desenvolvimento normal da lide que deva ser tributada segundo os princípios que regem a condenação em custas, sendo antes o meio processual próprio para que a recorrente deduzisse o que deduziu, cfr. art. 613º, nº 2 do CPC.
20.ª – Sendo, por certo, de defender, como refere Salvador da Costa a seu propósito, que são pressupostos dos referidos incidentes ou procedimentos a extraneidade ao desenvolvimento normal da lide, isto é, que seja suscitada uma questão descabida no quadro da sua dinâmica, o que, seguramente, não é o caso do requerimento em causa, razão pela qual, com todo o respeito que muito é pelo tribunal recorrido, não pode deixar de se dizer que a decisão proferida, designadamente no que concerne à condenação em custas de incidente, é completamente ilegal e descabida.
21.ª – Por tudo o exposto e o mais resultante dos autos, importa, consequentemente, concluir, que as decisões recorridas carecem de qualquer razão ou fundamento quer de facto quer de direito, pelo que, devem, em consequência, ser anuladas/revogadas/alteradas com todos os devidos efeitos e consequências legais.
5.
O Requerente contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, mediante formulação das seguintes CONCLUSÕES:
A) RESPOSTA AO PEDIDO DE ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO
1.ª O art.º 652.º do C.P.C. atribui, em última instância, ao Venerando Juiz Relator, o poder/dever de corrigir o efeito atribuído ao recurso;
2.ª Cumprindo-se a Lei ao presente recurso deverá ser atribuído efeito meramente devolutivo e, caso tal não suceda, deverá rectificar-se o efeito, o que se requer;
3.ª Na verdade, o efeito regra dos recursos em Processo Civil é o efeito devolutivo – art.º 647.º n.º 1, primeira parte do C.P.C.-;
4.ª O recurso interposto não cabe em nenhuma das excepções legalmente previstas;
5.ª Restava assim à Recorrente prestar caução, nos termos do n.º 4 da mesma disposição legal, para obter o “desejado” efeito suspensivo;
6.ª Ónus com que a Recorrente não cumpriu – art.ºs 647.º n.º 4, 913.º e ss. e 292.º e ss. do C.P.C., pois não:
- Requereu a prestação de caução espontânea no requerimento de interposição do recurso aplicando-se supletivamente os termos previstos nos art.ºs 913.º e ss. do C.P.C.;
- Indicou, ainda que de forma previsional, o valor que pretende caucionar;
- Indicou a forma pela qual se propõe prestar a caução requerida;
- Não menos relevante não alegou factos que sustentem; e não
- Requereu prova (tendo a prova que ser requerida com o articulado inicial do incidente – art.º 293.º do C.P.C.), que a execução imediata da sentença lhe causa prejuízo considerável, o que deveria provar;
7.ª Apenas o rigoroso cumprimento dos pressupostos legais pode afastar a regra do efeito a atribuir ao recurso que, de sinal contrário, se justifica manter;
8.ª O pedido de subida da presente apelação com efeito suspensivo deduzido pela Recorrente é originária e insuprivelmente inepto, tanto mais que o prazo para o requerer é peremptório e está, a esta data, esgotado;
B) JUNÇÃO DE DOCUMENTOS.
9.ª Um dos processos judiciais referenciados no recurso é o Procedimento Cautelar que correu termos com o número de processo 79/22.4T8AMT-A no Juízo de Comércio de Amarante - Juiz 4, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, cuja sentença aí se diz não ter transitado em julgado;
10.ª Sucede que, desde a prolação da sentença recorrida e a apresentação do recurso, em 7/9/2022, a sentença proferida no identificado procedimento cautelar transitou em julgado, concretamente em 11-07-2022, o que se informa ao abrigo do princípio da cooperação e se comprova por via da certidão judicial – Doc. 1-, cuja junção aos autos se requer – art.ºs 651.º e 425.º do C.P.C..

QUANTO AO MÉRITO DO RECURSO
PRIMEIRO
INTRODUÇÃO
11.ª É entendimento jurisprudencial e doutrinal pacífico que os direitos de destituição de gerente e exclusão de sócio caducam decorridos noventa dias sobre o conhecimento dos factos que os fundamentam pela sociedade;
12.ª O que a gerência da Reqda/Apelante pretende com o seu recurso é a inexecução da sentença pelo curto tempo necessário extinguir aqueles direitos;
13.ª Foi a sócia-gerente CC que ilícita e ilegitimamente recusou a convocação da assembleia, com os fundamentos que avançou no seu depoimento, que está, pelo menos desde Abril de 2022, claramente investida em conseguir garantir a sua irresponsabilidade pelo decurso do tempo;
14.ª O presente Recurso e pedido de atribuição ao mesmo de efeito suspensivo é, como os autos demonstram, apenas mais um, dos muitos, expedientes dilatórios da Reqda, representada por esta sócia e gerente, vejam-se os incidentes anómalos que suscitou;
15.ª Aqui chegados, caso se conceda a tese da Apelante, na parte em que alega que a sentença recorrida é inexequível e que ao recurso deve ser atribuído efeito suspensivo, o que em circunstância alguma se admite, facilmente fará a gerente destituída caducar o direito Reqda deliberar a responsabilização da sócia-gerente;
SEGUNDO
DA INUTILIDADE DO RECURSO
16.ª O recurso tanto da sentença, quanto do despacho de 26/8/2022 é inútil supervenientemente pois a assembleia de sócios já ocorreu e está documentada na acta junta a fls. …, o que impõe, dentro dos princípios da celeridade e economia processuais, a sua não apreciação, face à demonstrada ineficácia do hipotético acolhimento da sua ilegítima pretensão – art.º 130.º do C.P.C.-;
17.ª A única coisa que se discute nos autos é se o Reqte do processo tinha legitimidade para requerer a convocação da assembleia de sócios e se cumpriu os formalismos necessários para esse efeito: questão, quanto a nós de manifesta simplicidade;
18.ª Em momento algum o processo comporta a discussão do mérito, ou demérito dos possíveis sentidos da deliberação que se venha a formar no órgão deliberativo da sociedade comercial (matéria para outras sedes, sem que isso prejudique quem quer que seja), como pretende ilicitamente a Recorrente apenas como modo de formalmente justificar e ampliar um recurso de outra forma vazio de conteúdo e objecto;
19.ª A inutilidade superveniente estende-se ao peticionado efeito suspensivo do recurso pois, como bem sabe a Apelante, já não é possível suspender a convocatória da Assembleia de Sócios, que já está realizada;
TERCEIRO
DAS NULIDADES
20.ª A douta sentença não incorre em qualquer nulidade, designadamente na alegada, mas não concretizada, nulidade prevista no disposto n.º art. 615.º, n.º 1, al. c) do C.P.C.;
21.ª Escreve-se na decisão recorrida que: o segmento “transitado em julgado” foi suprimido da ordem de trabalhos da assembleia convocada, o que consta da fundamentação e, de forma coerente e concordante, da decisão, de onde decorre à saciedade que a sentença não enferma da nulidade alegada pela Apelante, pois os fundamentos não estão em oposição, antes são convergentes com a decisão, nem ocorre alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
QUARTO
DA VIOLAÇÃO DA LEI
22.ª A tese da Apelante assenta na confusão que pretende instituir entre os conceitos de trânsito em julgado e o da eficácia das decisões judiciais;
23.ª Sendo que pretende ainda fazer depender a existência e a verificação de factos pretéritos do expresso e definitivo reconhecimento dos mesmos por sentença transitada em julgado (seja em sede laboral, comercial, ou cível), isto é, não permitindo sequer a discussão de factos que não estejam já definitivamente assentes num qualquer processo judicial;
24.ª É dogma da Recorrente que os factos só existem quando declarados por uma sentença e esta, por sua vez, só produz efeitos quando transita em julgado, veja-se, independentemente da sentença ser eficaz em função dos efeitos atribuídos ao recurso da mesma interposto;
25.ª Recorde-se que a tese da Reqda é contemporânea com factos como sejam os de: ter visto as contas bancárias penhoradas em execução movida para o cumprimento da sentença proferida no processo identificado no ponto 2.º da ordem de trabalhos, entre vários outros;
26.ª A convocatória judicial da assembleia tem 8 pontos na ordem de trabalhos, sendo que é conclusão de recurso que os pontos 1.º a 3.º, mas também o 4.º são “indiscutíveis” – sic conclusão 7.ª -, por “falta do trânsito em julgado das decisões proferidas nos processos aí referidos”, e mais,
27.ª Quanto aos restantes pontos da agenda, os pontos 5, 6, 7 e 8, sendo certo que comportam matéria sujeita a deliberação dos sócios (…) não estando os mesmos aptos a fornecer todos os elementos para tal efeito, é patente que inexiste também quanto a tais pontos qualquer justificação para a necessidade da reunião;
28.ª O mesmo é dizer que quanto a todos os assuntos a discutir na ordem de trabalhos que visam a destituição de gerente, a exclusão de sócia e propositura de acção de responsabilidade civil da sócia- gerente, esta pretende impor a sua não discussão, ou se preferirmos impedi-la, ou censurá-la, o que não é próprio do regular funcionamento das sociedades, sequer decorrência da Lei, do Ordenamento Jurídico e do Estado de Direito Democrático;
29.ª Partindo dessa proibição e acto de censura e com fundamento no mesmo, pretende impedir as deliberações sobre aquelas matérias de incontroversa competência dos sócios – cfr. al.s c), d) e g) do n.º 1, art.º 246.º do C.S.C. -, pugnando-se no recurso pela mais completa, frontal, ilícita e desejada violação da Lei;
30.ª No estrito cumprimento da Lei e das obrigações que desta decorrem: é quanto ao Apelado possível e mais que isso desejável que se permita a convocação de assembleia para discussão de todos os pontos da ordem de trabalhos;
31.ª E porque os danos, o comportamento desleal e gravemente perturbador da Reqda a que os assuntos incluídos na ordem de trabalhos se referem são de fácil demonstração, verifica-se que, não só foi e é legítima a pretensão do Apelado em requerer a convocação judicial da assembleia geral de sócios da Reqda como, indo para além desse pressuposto está demonstrada a necessidade, a conveniência e a utilidade da assembleia com esse objecto;
32.ª Não é assim, nunca foi, um “capricho” do Reqte ver discutidos aqueles pontos, como despudoradamente defende a gerente da Reqda nas suas fantasiosas alegações, que sem mais improcedem;
33.ª A Recorrente não juntou “certidões” aos autos, previamente à prolação da douta sentença que pudessem assim ser valorados na mesma;
34.ª Apenas em momento subsequente à sentença, por e-mails de 19/06/2022 e de 2/7/2022 foram juntos documentos e duas certidões que demonstravam, àquela data, que não ocorrera ainda o trânsito em julgado das decisões dos processos cuja discussão constava da ordem de trabalhos;
35.ª Para além da superveniência dos documentos que a sentença assim não podia valorar, verdade é que os documentos foram apreciados e mereceram decisão por despachos não recorridos, desde logo o de 21/6/2022, a fls. … que admitiu a junção dos documentos aos autos, ordenou o cumprimento do contraditório quanto a estes e decidiu que os documentos juntos não alteram o sentido da decisão proferida;
36.ª Pretende ainda a Apelante confundir, sem o conseguir, a convocação da assembleia de sócios com as deliberações tomadas na assembleia de sócios; pois,
37.ª O pedido de convocação judicial de assembleia de sociedade comercial, não exige a apreciação das razões dos sócios, mas tão só a verificação dos requisitos do art.º 375.º do C.S.C. (Ac. Relação de Lisboa de 23/11/1993); e
38.ª O sócio de uma sociedade por quotas deve ser admitido a exercer o direito de ver convocada uma assembleia geral de sócios ou de requerer que na ordem do dia de uma assembleia já convocada sejam incluídos certos assuntos, desde que o requeira, por escrito, a qualquer dos gerentes, cabendo-lhe indicar com precisão os assuntos a incluir na ordem de trabalhos e justificando a necessidade da reunião da assembleia. Ac. Relação do Porto de 24/01/2021 proferido no processo n.º 981/21.0T8 STS.P1, disponível para consulta em www.dgsi.pt-;
39.ª Como bem se decidiu na sentença recorrida, verificam-se todos os pressupostos de facto e de Direito para a convocação judicial da Assembleia:
- Ter o requerente a qualidade de sócio (Art. 248º, 2 do CSC);
- Ter requerido por escrito a convocação da assembleia à gerente e habitualmente presidente da mesa (art. 248.º e 375.º, nº 3 do citado preceito);
- Ter indicado os pontos da ordem do dia (nº 3 do citado preceito);
- Ter justificado os motivos do seu pedido (nº 3 do citado preceito); e
- A gerente e habitualmente presidente da mesa ao, propositadamente, não receber a carta com o pedido de convocatória, não deu cumprimento ao disposto no nº 4 e 5 do art. 375.º e art. 248.º, n.º 3, CSC; e mesmo tendo conhecimento desses requerimentos não convocou a Assembleia, nem permitiu a inclusão desses pontos de trabalho na Assembleia previamente convocada para dia 18/07/2022.
40.ª Acresce ainda dizer que não se verificaram quaisquer factos impeditivos, modificativos, ou extintivos do direito do Reqte obter a convocação da assembleia, desde logo, nada nos autos, ou fora deles, admite enquadrar a figura do “abuso do direito” alegada na conclusão 11.ª do recurso a que se responde e que, como o demais, improcede também neste particular;
41.ª Interpretou e aplicou correctamente o Tribunal Recorrido os art.ºs 214.º, 246.º e 375.º, n.º 3 do C.S.C. e o art.º 1057.º do C.P.C. na, aliás, douta sentença recorrida, que não merece qualquer censura.
42.ª A Recorrente sustenta nos autos a aplicação do disposto no n.º 4 do art.º 377º do C.S.C., por remissão do art.º 248.º do mesmo diploma, para configurar a violação do primeiro dos normativos;
43.ª Não lhe assiste, porém, qualquer razão pois dispõe o n.º 1 do art.º 248.º do C.S.C. que às assembleias gerais das sociedades por quotas aplica-se o disposto sobre assembleias gerais das sociedades anónimas, em tudo o que não estiver especificamente regulado para aquelas; e
44.ª Regulando especificamente a forma e o prazo da convocação consta no n.º 3 do mesmo art.º que a convocação das assembleias gerais compete a qualquer dos gerentes e deve ser feita por meio de carta registada, expedida com a antecedência mínima de quinze dias, a não ser que a lei ou o contrato de sociedade exijam outras formalidades ou estabeleçam prazo mais longo;
45.ª Prazo que no caso, sendo o legal, foi respeitado, sendo inaplicável o art.º 377.º n.º 4 do C.S.C.;
46.ª Improcede assim por grosseiríssima falta de fundamento a invocada violação do n.º 4 do art.º 377.º do C.S.C.;
47.ª A sentença recorrida não violou o disposto os art.ºs 619.º, 628.º, 638.º, 647.º, 648.º, 703.º e 704.º todos do C.P.C., pois:
- Não violou caso julgado, ou os seus efeitos;
- Não violou o prazo de recurso;
48.ª Aliás, todas as normas invocadas nesta sede são de aplicação cronologicamente posterior à sentença que, diga-se, de forma evidente não violou o prazo de recurso legalmente estabelecido, nem os efeitos a atribuir ao recurso nem vedou a possibilidade de o interpor;
49.ª O mesmo vale para a suposta, mas inexistente, violação do disposto nos art.º 703.º e 704.º do C.P.C.;
QUINTO
DO DESPACHO DE 26/8/2022
50.ª Não merece quanto ao Apelado qualquer censura o teor do, aliás, douto despacho proferido em 26/08/2022 pelo Tribunal a quo;
51.ª Com efeito as nulidades da sentença apenas podem ser suscitadas, caso a decisão admita recurso, talqualmente sucedeu nos autos, nas alegações de recurso;
52.ª Tendo a Apelada suscitado o conhecimento das nulidades sem respeitar o momento e a forma legal, lançou mão de um incidente anómalo e ilegal o que foi conhecido com as consequências legais, aquelas que o douto despacho recorrido aplicou, sem que mereça por isso qualquer censura;
53.ª Improcede assim totalmente o recurso da Apelante.

II.
QUESTÃO PRÉVIA
Nos termos do preceituado no art. 615.º, n.º 4, do CPCivil, “as nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades”.
Desta norma resulta com toda a clareza a inadmissibilidade do ato praticado pela Requerida, agora Apelante, traduzido no requerimento que apresentou nos autos, arguindo perante o próprio tribunal que proferiu a sentença a nulidade desta, porquanto tal decisão é suscetível de recurso ordinário.
Como tal, o ato praticado pela Requerida é manifestamente anómalo, em face da regular tramitação processual admitida pela lei, e daí que seja merecedor de tributação como acabou por ser, por via do despacho proferido pela 1.ª instância em 26.08.2022.
Assim, em bom rigor, nem tão pouco a 1.ª instância deveria ter apreciado em substância a dita nulidade que foi arguida perante si diretamente, o que conduz a afirmar que também não tem justificação o recurso autónomo da mesma decisão, incluindo na parte respeitante a custas, em razão do respetivo valor diminuto.
Nestas circunstâncias, tendo presentes os princípios do dever de gestão processual e da adequação formal (arts. 6.º e 547.º do CPCivil), iremos apreciar a questão da nulidade enquanto objeto do recurso interposto da própria sentença, ficando o despacho de 26.08.2022 reduzido, enquanto expressão útil e adequada, ao segmento de condenação em custas do incidente, inteiramente justificado, como dissemos.

III.
OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPCivil).
Assim, partindo das conclusões das alegações apresentadas pela Apelante, as questões a decidir no presente recurso são as seguintes:
a) Se a decisão recorrida padece de vício de nulidade, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPCivil.
b) Se se justifica a alteração da solução jurídica dada ao caso pela 1.ª instância, por não se encontrarem reunidos os pressupostos de que depende a pretendida convocação judicial de assembleia de sócios.

IV.
FUNDAMENTAÇÃO
1.
OS FACTOS
Tidos com relevância para a decisão, o Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos:
1.1 – A R. é uma sociedade comercial por quotas, com sede na Rua ..., ..., Loja ..., ... Paredes, cujo objeto é atividade de escritório de contabilidade e procuradoria fiscal.
1.2 – O capital social da R encontra-se distribuído pelas seguintes quotas:
1.ª Uma quota no valor de € 99,76 pertencente à Herança aberta por morte de EE, pai do A., falecido em 21/04/2020.
2.ª Uma quota no valor de €99,76 pertencente a FF, mãe do A.;
3.ª Uma quota no valor de €24.890,02 pertencente a DD, irmão do A.,
4.ª Uma quota no valor nominal d € 24.890,02 de CC, irmã do A.;
5.ª Uma quota no valor de €24.890,02 pertencente a AA, o aqui A., e
6.ª Uma quota no valor nominal de €24.890,02 detida sem determinação de parte ou direito pela Herança de EE e FF.
1.3 – Não obstante serem gerentes da sociedade de acordo com a certidão de registo comercial: FF (mãe dos demais sócios da sociedade), CC e GG (filho da gerente e sócia CC), o certo é que a gerência de facto da sociedade tem vindo a ser exercida por CC, sendo que a mãe da gerente e sócios FF conta já com 87 anos, não exercendo qualquer gerência e o filho da gerente, GG, exerce a sua atividade profissional numa outra empresa.
1.4 – Em 7/12/2021 o A. enviou para CC (na qualidade de gerente da sociedade A..., Lda.), a carta registada com aviso de receção, junta à petição inicial nos Doc. n.ºs 3, 4 e 5, com o seguinte teor:
“ASSUNTO: inclusão de um assunto na ordem de trabalhos da assembleia geral de sócios convocada para o dia 15/12/2021, pelas 19:00horas, na sede social de A..., Lda..
Ex.ma Senhora,
Dirijo-me na qualidade de sócio da sociedade comercial por quotas com a firma A..., Lda., a V/ Ex.ª na qualidade de gerente da mesma sociedade para, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 248.º n.º 2 e art.º 378.º do C.S.C., requerer a inclusão na ordem do dia da assembleia de sócios identificada em epígrafe do seguinte assunto:
5. Avaliação da situação económico-financeira da sociedade e do desempenho da gerência nos dois últimos exercícios, que apresentou sucessivamente à assembleia resultados deficitários; informação circunstanciada pela gerência e quantificação da responsabilidade da sociedade na ação n.º 171/21.2T8PNF do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo do Trabalho de Penafiel, Juiz 1; análise e discussão da eventual responsabilidade da mesma gerência no despedimento da trabalhadora BB, considerado ilícito pela referida autoridade judicial, suas consequências económicas na vida da sociedade e repercussões no seu funcionamento e organização; Destituição, com justa causa da gerente CC face àquelas responsabilidades, assim como os demais gerentes cuja responsabilidade na situação económico-financeira da sociedade seja verificada.”
1.5 – Esta carta foi recebida e o pedido de inclusão de novos assuntos na ordem do foi indeferido por carta junta à PI sob Doc. n.º 6, com fundamento na extemporaneidade do pedido.
1.6 – Desde então, o A. tem sucessivamente pedido a marcação de assembleias de sócios, ou a inclusão de assuntos na ordem do dia de assembleia previamente marcada, não tendo até ao momento conseguido a marcação de assembleia ou a inclusão de assuntos na ordem do dia de assembleia previamente marcada.
1.7 – O autor enviou a carta registada com aviso de receção (Docs. 7, 8, 9 e 10 junto à PI), datada e enviada a 11 de Abril de 2022 para a sede social, dirigida a CC, na qualidade de gerente da sociedade, com o seguinte teor:
“ASSUNTO: Requerimento para convocatória de assembleia geral extraordinária de sócios e requerimento para elaboração da ata por notário.
Ex.ma Senhora,
Dirijo-me na qualidade de sócio da sociedade comercial por quotas com a firma A..., Lda., a V/ Ex.ª na qualidade de gerente da mesma sociedade para, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 248.º n.º 2 e art.º 375.º n.º 2 do C.S.C., requerer a convocação de assembleia geral extraordinária de sócios, para a data mais próxima possível com a seguinte ordem do dia:
1.º Quantificação da responsabilidade da sociedade na ação n.º 171/21.2T8PNF, apensos e recursos, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo do Trabalho de Penafiel, Juiz 1, com a apresentação pela gerência de todas as despesas na condução do assunto, incluindo taxas de justiça, encargos, honorários do Mandatário, multas, custas, custas de parte e demonstração do valor líquido da condenação a pagar pela sociedade à ex-trabalhadora BB, com discriminação de capital e juros e demonstração do valor global líquido a repor à Segurança Social considerando o pagamento de prestações sociais à mesma trabalhadora face à ilicitude do seu despedimento.
2.º Análise e discussão da eventual responsabilidade da sócia e gerente CC no despedimento da trabalhadora BB, considerado ilícito pela referida autoridade judicial confirmada por acórdão do T.R.P. de 05/04/2022 transitado em julgado, suas consequências económicas na vida da sociedade e repercussões no seu funcionamento e organização.
3.º Análise e discussão da eventual responsabilidade da sócia e gerente CC na convocatória, apresentação de propostas e votação na assembleia de sócios de 15/12/2021 das deliberações declaradas inexistentes pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este no processo n.º 79/22.4T8AMT, que corre termos no Juízo de Comércio de Amarante - Juiz 4 e a sua subsequente execução que conduziu ao decretamento da providência cautelar no apenso A ao identificado processo; Apresentação pela gerência de todas as despesas na condução desse assunto, incluindo taxas de justiça, encargos, honorários com Mandatário, multas, custas e custas de parte, custos com o(s)contrato(s) de mediação imobiliária e anúncios de venda da fração autónoma.
4.º Análise e discussão da eventual responsabilidade da sócia e gerente CC, na expedição do e-mail de 12/01/2022 que tem como destinatários os Clientes da sociedade em que, na sequência da penhora e bloqueio dos saldos bancários da sociedade por incumprimento da sentença proferida no processo identificado em 1.º desta, pede àqueles que os pagamentos sejam feitos em dinheiro, por cheque, ou por transferência bancária para uma conta daquela sócia e gerente; prestação de contas de todos os movimentos assim realizados que, com fundamento em confidencialidade, foram ocultados aos sócios e às autoridades judiciais.
5.º Destituição, com justa causa, da gerente CC, por violação grave dos deveres de gerente, face aos factos mencionados nos pontos prévios e responsabilidade a liquidar nos mesmos;
6.ª Exclusão da sócia CC por comportamento desleal e gravemente perturbador do funcionamento da sociedade que lhe causou prejuízos relevantes.
7.º Nomeação de gerente com vista a substituir a gerente a destituir.
8.º Nomeação do sócio DD como representante especial da sociedade para propor a ação de exclusão da sócia CC e para propor ação de indemnização fundada em responsabilidade civil da mesma gerente, pelos múltiplos prejuízos causados à sociedade.
Informo que os temas incluídos na ordem de trabalhos da assembleia a convocar são bem ilustrativos da importância e justificada necessidade da reunião, além do mais por ser urgente repor a sociedade no caminho da legalidade e da sã cooperação e respeito pelas instituições, desde logo das decisões judiciais, mas também pelos sócios, sendo as consequências da gestão ilegal e de confronto com as instâncias judiciais absolutamente ruinosas.
Por fim, atenta a forma como têm decorrido as últimas assembleias de sócios, venho requerer ao abrigo do art.º 63.º n.º 6 do C.S.C. que a ata seja lavrada por notário estando disponível para suportar os custos inerentes.”
1.8 – A carta de 11.04.2022 enviada para a sede da empresa veio devolvida com a menção de “objeto não reclamado” e ainda assinalado “não atendeu”, sendo certo que do AR (Doc. 10) consta rasurada uma assinatura no local destinado à data e assinatura de quem recebe, constando assinalado uma cruz no campo destinado a “este aviso foi assinado por pessoa a quem foi entregue”.
1.9 – Face à recusa da gerente CC em proceder ao levantamento da carta de 11/04/2022, o autor enviou a 02/05/2022 nova carta datada de 27/04/2022 para a sede social, dirigida a CC, na qualidade de gerente, agora apenas com registo simples (doc. 11, 12 e 13 da PI), com o seguinte teor:
“ASSUNTO: Recusa de levantamento da carta de 11/04/2022 contendo o requerimento para convocatória de assembleia geral extraordinária de sócios e requerimento para elaboração da ata por notário e repristinação do mesmo.
Ex.ma Senhora,
Em 11/04/2022 requeri por escrito, por isso na forma legal, a marcação de uma assembleia geral extraordinária de sócios.
Sucede que, expedido tal requerimento por carta registada com aviso de receção na mesma data, para a sede social da sociedade da qual é gerente V/ Ex.ª não só se recusou a receber a carta, como, depois de informada que a mesma estava disponível para levantamento nos CTT não a levantou, conduta que reforça e mantém a atualidade e urgência da reunião da assembleia.
Assim, dou aqui por integralmente reproduzido, reitero e renovo o teor da missiva contendo o requerimento que se recusou a receber:
Dirijo-me na qualidade de sócio da sociedade comercial por quotas com a firma A..., Lda., a V/ Ex.ª na qualidade de gerente da mesma sociedade para, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 248.º n.º 2 e art.º 375.º n.º 2 do C.S.C., requerer a convocação de assembleia geral extraordinária de sócios, para a data mais próxima possível com a seguinte ordem do dia:
1.º Quantificação da responsabilidade da sociedade na ação n.º 171/21.2T8PNF, apensos e recursos, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo do Trabalho de Penafiel, Juiz 1, com a apresentação pela gerência de todas as despesas na condução do assunto, incluindo taxas de justiça, encargos, honorários do Mandatário, multas, custas, custas de parte e demonstração do valor líquido da condenação a pagar pela sociedade à ex-trabalhadora BB, com discriminação de capital e juros e demonstração do valor global líquido a repor à Segurança Social considerando o pagamento de prestações sociais à mesma trabalhadora face à ilicitude do seu despedimento.
2.º Análise e discussão da eventual responsabilidade da sócia e gerente CC no despedimento da trabalhadora BB, considerado ilícito pela referida autoridade judicial confirmada por acórdão do T.R.P. de 05/04/2022 transitado em julgado, suas consequências económicas na vida da sociedade e repercussões no seu funcionamento e organização.
3.º Análise e discussão da eventual responsabilidade da sócia e gerente CC na convocatória, apresentação de propostas e votação na assembleia de sócios de 15/12/2021 das deliberações declaradas inexistentes pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este no processo n.º 79/22.4T8AMT, que corre termos no Juízo de Comércio de Amarante - Juiz 4 e a sua subsequente execução que conduziu ao decretamento da providência cautelar no apenso A ao identificado processo; Apresentação pela gerência de todas as despesas na condução desse assunto, incluindo taxas de justiça, encargos, honorários com Mandatário, multas, custas e custas de parte, custos com o(s)contrato(s) de mediação imobiliária e anúncios de venda da fração autónoma.
4.º Análise e discussão da eventual responsabilidade da sócia e gerente CC, na expedição do e-mail de 12/01/2022 que tem como destinatários os Clientes da sociedade em que, na sequência da penhora e bloqueio dos saldos bancários da sociedade por incumprimento da sentença proferida no processo identificado em 1.º desta, pede àqueles que os pagamentos sejam feitos em dinheiro, por cheque, ou por transferência bancária para uma conta daquela sócia e gerente; prestação de contas de todos os movimentos assim realizados que, com fundamento em confidencialidade, foram ocultados aos sócios e às autoridades judiciais.
5.º Destituição, com justa causa, da gerente CC, por violação grave dos deveres de gerente, face aos factos mencionados nos pontos prévios e responsabilidade a liquidar nos mesmos;
6.ª Exclusão da sócia CC por comportamento desleal e gravemente perturbador do funcionamento da sociedade que lhe causou prejuízos relevantes.
7.º Nomeação de gerente com vista a substituir a gerente a destituir.
8.º Nomeação do sócio DD como representante especial da sociedade para propor a ação de exclusão da sócia CC e para propor ação de indemnização fundada em responsabilidade civil da mesma gerente, pelos múltiplos prejuízos causados à sociedade.
Informo que os temas incluídos na ordem de trabalhos da assembleia a convocar são bem ilustrativos da importância e justificada necessidade da reunião, além do mais por ser urgente repor a sociedade no caminho da legalidade e da sã cooperação e respeito pelas instituições, desde logo das decisões judiciais, mas também pelos sócios, sendo as consequências da gestão ilegal e de confronto com as instâncias judiciais absolutamente ruinosas.
Por fim, atenta a forma como têm decorrido as últimas assembleias de sócios, venho requerer ao abrigo do art.º 63.º n.º 6 do C.S.C. que a ata seja lavrada por notário estando disponível para suportar os custos inerentes.”
1.10 – Sucede que a receção desta carta veio novamente a ser recusada na sede social com a menção lavrada pelo funcionário dos CTT: “Recusado” (Doc. 12 PI).
1.11 – Prevenindo aquela possibilidade de nova recusa de receção de carta, nessa mesma data de 2/05/2022 o A. enviou idêntica comunicação para o e-mail de CC (gerente da sociedade), e-mail (Doc. 14 da PI) que a gerente CC recebeu.
1.12 – O e-mail para o qual fora enviada a comunicação é o e-mail normalmente usado por CC, no exercício das suas funções de gerente da sociedade.
1.13 – Sucede, porém, que este e-mail não foi objeto de qualquer decisão ou resposta.
1.14 – Por carta subscrita pela gerente da R. CC, ali constando a sua residência pessoal: Rua ..., ... Paredes, (Doc.s 16 e 17 da PI), procedeu aquela gerente à convocação do A. para uma assembleia de sócios a ter lugar no dia 18 de Maio de 2022, pelas 19:00horas.
1.15 – Nessa sequência, o A. requereu novamente a inclusão desses assuntos na ordem do dia, através de cartas que expediu em 4/5/2022, expedidas tanto para a sede social, quanto para a residência da gerente CC (que consta da convocatória), e expedindo para ambas as moradas cartas simples, com registo e registadas com aviso de receção, num total de seis missivas, com o teor constante dos Doc. 18 e 23, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, com o ASSUNTO: inclusão de assuntos na ordem de trabalhos da assembleia geral de sócios convocada para o dia 18/05/2022, pelas 19:00horas, na sede social de A..., Lda. e requerimento para que a ata seja lavrada por notário. – cfr. Doc.s 18, 19, 19-A, 20, 21, 22, 23, 24 e 25 e 25-A.
1.16 – O A. enviou ainda no dia 4/5/2022 idêntica comunicação para e-mail da gerente da sociedade e para o e-mail geral: ... (Doc. 26 da PI, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido).
1.17 – Apesar das diversas tentativas do autor para que fosse incluído na Ordem do dia de Assembleia previamente convocada ou fosse convocada Assembleia Geral extraordinária para discussão dos pontos acima elencados, o autor não logrou até ao momento que fosse convocada Assembleia para o efeito ou que fossem esses pontos incluídos na Ordem do dia.
1.18 – A gerência da sociedade não só não marcara a assembleia requerida pelo A., como se recusara a incluir os assuntos na ordem do dia da assembleia de 18/05/2022, nem garantindo a redação da ata através de notário, propositadamente recusando as cartas que lhe foram remetidas para o efeito pelo autor ou não procedendo ao levantamento das mesmas nos CTT, bem sabendo o conteúdo dessas cartas e intuito do autor em ver convocada Assembleia Geral de Sócios com aqueles pontos de trabalho ou a inclusão desses pontos na Ordem do dia de Assembleia previamente convocada, uma vez que a gerente CC recebera
essas mesmas comunicações através de e-mail ou cartas enviadas com registo simples ou sem registo para a sede social e para a sua morada pessoal.
1.19 – Tendo a gerente e sócia CC, no dia da assembleia, 18/5 passado, referido que não recebeu qualquer comunicação com pedido de inclusão dos pontos de trabalho na ordem do dia e que tal se devia ao facto do A. “não saber mandar cartas”.
1.20 – O cargo de Presidente da Assembleia tem vindo a ser habitualmente exercido pela sócia e gerente CC.

2.
OS FACTOS E O DIREITO
2.1.
Da invocada nulidade da decisão recorrida
Defende a Apelante a nulidade da decisão recorrida, por alegada contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPCivil, invocando para tanto: [Confrontando o teor da página 20 com o teor do dispositivo da sentença, é quanto basta para, sem qualquer complexidade, verificar a ocorrência da nulidade supra indicada, pois, se por um lado a Meritíssima Juiz declara que “sendo que quanto aos pontos de trabalho, dado que do depoimento do sócio DD decorreu que o processo n.º 171/21 ainda não terá transitado em julgado, retira-se este segmento dos pontos de trabalho”, por outro lado, encaixa os referidos pontos na ordem de trabalhos da assembleia que judicialmente ordenou, cfr. pag. 20 (concretamente parte final do 2º paragrafo) 21 e 22 do sentenciado (concretamente pontos 1 e 2 da ordem de trabalhos)].
Nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. c), a sentença é nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão”, o mesmo é dizer quando a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. “Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente”[1].
Do confronto do dispositivo da sentença impugnada, com a fundamentação jurídica que o precede, não vislumbramos qualquer contradição, afigurando-se-nos antes que a Apelante labora em equívoco nesta matéria.
Com efeito, apontando a ordem de trabalhos proposta pelo Requerente, no sentido de incluir o segmento transitado em julgado, logo a seguir a “considerado ilícito pela referida autoridade judicial confirmada por acórdão do T.R.P. de 05/04/2022” (cf.1.º pedido formulado na petição inicial, assim como ponto 9) do elenco dos factos julgados provados), o que a decisão recorrida considerou, e muito bem, em sede de fundamentação de direito, foi que por não ter resultado demonstrado o alegado “trânsito em julgado”, este segmento, e apenas este, não deveria fazer-se constar na redação da ordem de trabalhos da assembleia em apreço, entendimento que acabou por encontrar expressão no dispositivo da sentença recorrida, na medida em que no mesmo, mais precisamente no que respeita ao ponto 2.º da ordem de trabalhos, não consta o dito segmento “transitado em julgado”.
A solução jurídica que a sentença deixou afirmada no respetivo dispositivo, reproduz sem mais o que já havia deixado explanado em sede de fundamentação, não ocorrendo tão pouco qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, pelo que não ocorre de modo algum o invocado vício formal previsto no art. 615.º, n.º 1, al. c) do CPCivil.
Se a fundamentação jurídica, considerada por si mesma, será ou não merecedora de censura, por não observar o direito aplicável, é questão que contende já com o acerto do julgamento, logo de natureza substancial, e por isso fora do alcance do citado normativo.
Improcede, assim, a invocada nulidade da sentença recorrida com fundamento em oposição entre os fundamentos e a decisão.
2.2.
Dos pressupostos da convocação judicial de assembleia de sócios
Nos termos do disposto no art. 375.º n.º 6 do CSC[2], aplicável às sociedades por quotas por via do art. 248.º, n.º 1, a convocação judicial da assembleia geral de acionistas/sócios depende da verificação dos seguintes requisitos: 1) ter o interessado na convocação dirigido um requerimento (escrito) ao presidente da mesa da assembleia geral (PMAG), solicitando a convocação de uma assembleia geral; 2) ter indicado com precisão, nesse requerimento, os assuntos a incluir na ordem do dia; 3) ter justificado a necessidade da reunião da assembleia; e 4) não ter o PMAG promovido a publicação da convocatória da assembleia geral nos 15 dias seguintes à receção do requerimento ou ter indeferido, sem justificação pertinente, a convocatória.
O Tribunal recorrido considerou verificados os quatro requisitos e daí que tivesse deferido o pedido, fundamentando, entre o mais, assim:
[No caso dos autos, o autor é sócio da sociedade, por quotas, sendo que nos termos do art. 248.º, n.º 2, CSC, os direitos atribuídos nas sociedades anónimas a uma minoria de acionistas quanto à convocação e à inclusão de assuntos na ordem do dia podem ser sempre exercidos por qualquer sócio de sociedades por quotas, também a quota do autor é representativa de mais de 5% do capital social.
Sendo sócio da sociedade deve ser admitido a exercer o direito de ver convocada uma assembleia geral de sócios ou a inclusão de Pontos de Trabalho na ordem do dia de Assembleia previamente convocada, desde que o requeira, por escrito, à Presidente da Mesa, no caso das sociedades por quotas ao gerente (já que é a este que compete convocar Assembleia), cabendo-lhe indicar com precisão os assuntos a incluir na ordem do dia e justificando a necessidade da reunião da assembleia.
Nos termos do art. 377.º, n.º 1, CSC, as assembleias gerais são convocadas pelo presidente da mesa ou, nos casos especiais previstos na lei, pela comissão de auditoria, pelo conselho geral e de supervisão, pelo conselho fiscal ou pelo tribunal.
Já nas sociedades por quotas, essa competência cabe a qualquer dos gerentes (art. 248.º CSC).
Preceitua o art. 389.º CSC:
“1 - O acionista ou acionista que satisfaçam as condições exigidas pelo artigo 375.º, n.º 2, podem requerer que na ordem do dia de uma assembleia-geral já convocada ou a convocar sejam incluídos determinados assuntos.
2 - O requerimento referido no número anterior deve ser dirigido, por escrito, ao presidente da mesa da assembleia geral nos cinco dias seguintes à última publicação de convocatória respetiva.
3 - Os assuntos incluídos na ordem do dia por força do disposto nos números anteriores devem ser comunicados aos acionistas pela mesma forma usada para a convocação até cinco dias ou dez dias antes da data da assembleia, conforme se trate de carta registada ou de publicação.
4 - Não sendo satisfeito o requerimento, podem os interessados requerer judicialmente a convocação de nova assembleia para deliberar sobre os assuntos mencionados, aplicando-se o disposto no artigo 375.º, n.º 7.”
Assim, a injustificada rejeição do seu pedido confere-lhe o direito a requerer a convocação judicial da assembleia, nos termos do nº 6 do art. 375º do CSC.
Citando o Acórdão da Relação do Porto de 04/28/2018, Proc. 2580/17.2T8OAZ.P1, in www-dgsi.pt, cumpre referir que:
“A interpretação deste regime mostra-se claramente operada no Ac. deste TRP (…), proferido no processo nº 1012/11.4TYVNG.P1, em 09-10-2012 (disponível em dgsi.pt). Como consta do respetivo sumário, aí se esclareceu que “I - O pedido de convocação judicial de assembleia geral de sociedade comercial, a que se referem os arts. 375°, n° 6 do Cód. das Sociedades Comerciais e 1486° do Cód. do Proc. Civil, não exige a apreciação pelo tribunal das razões do sócio requerente, competindo-lhe apenas verificar se a recusa foi, ou não legítima, à luz do preceituado no art. 375° do Cód. das Sociedades Comerciais, isto é, se, formalmente, se verificam ou não os pressupostos constantes dos n°s 2 e 3 deste artigo. II – O exercício do direito de convocar uma assembleia geral, conforme o que se estatui no n° 3 do art. 375° do Cód. das Sociedades Comerciais, aplicável às sociedades por quotas por força do disposto no art. 248°, n° 1 do mesmo diploma, está condicionado: i) à indicação precisa e concreta dos assuntos a incluir na ordem do dia; ii) à justificação da necessidade de reunião dessa assembleia.”
O acórdão que acaba de se citar resulta coerente com o proferido pelo STJ, no processo nº 04B3095, proferido em 26/2/2004, também disponível em dgsi.pt, onde se salienta que a convocação de uma assembleia geral de uma sociedade comercial, em resposta à pretensão de um dos sócios, não pode corresponder a um capricho injustificado, antes devendo afigurar-se como um expediente necessário ao exercício de algum dos seus direitos sociais.
É nesta medida que se deve interpretar a exigência de uma justificação quanto à “necessidade da reunião da assembleia”, imposta pelo nº 3 do art. 375º do CSC.
O que já não caberá ao tribunal, ao sindicar o preenchimento desse requisito e, concomitantemente, a justeza da recusa da convocação da assembleia geral, é a indagação e verificação da substância dessa necessidade, isto é, da realidade das razões invocadas (Diz-se no Ac. do STJ citado: “O pedido de convocação judicial de assembleia de sociedade comercial (…) não exige a apreciação pelo tribunal das razões do sócio requerente”).
E isso porquanto, afinal, ao fazê-lo se estaria já a sindicar a razoabilidade e legitimidade de uma deliberação, neste momento apenas espectável, relativamente à matéria apontada para inclusão na ordem do dia. O que, por natureza, seria totalmente prematuro.”
Descendo ao caso concreto, o autor é sócio da sociedade por quotas especificou com o rigor necessário os assuntos a incluir na ordem do dia na carta que enviou à gerente, também habitualmente Presidente da Assemblia a 11.04.2022 e nas demais missivas enviadas para esse efeito. O pedido de convocação de assembleia por carta de 11.04.2022 fora enviado por escrito por carta registada com AR, para a sede social e dirigido à gerente da sociedade CC.
O autor indicou com precisão os assuntos a incluir na ordem do dia, conforme resulta daquela carta; justifica de forma clara no final a razão da necessidade de convocação da assembleia e discussão dos pontos ali indicados. Justificando a necessidade da reunião da assembleia, desde logo porque aí estão descritos assuntos da competência da assembleia de sócios – art.º 246.º n.º 1 al.s c), d) e g) e n.º 2 al. a) do C.S.C.
Veja-se neste sentido o Acórdão da Relação de Coimbra, Proc. 189/18.2T8GRD.C1, de 11/06/2018, in www.dgsi.pt:
“1 - Resulta do art. 375.º/3 do CSC que, quando o requerente da convocação da Assembleia Geral é o acionista que possua pelo menos 5% do capital social, deve o mesmo justificar a “necessidade da reunião da assembleia”.
2.- A justificação de tal necessidade fica satisfeita com a mera indicação de assuntos, a incluir na ordem do dia, que sejam, legal e estatutariamente, sujeitos a deliberação dos sócios, não sendo exigível que o requerente indique/adiante, de modo preciso, os factos e as razões fundamentadoras da proposta a apresentar em Assembleia Geral.” Ademais, conforme decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01/24/2022, Processo 981/21.0T8STS.P1:
I - O sócio de uma sociedade por quotas deve ser admitido a exercer o direito de ver convocada uma assembleia geral de sócios ou de requerer que na ordem do dia de uma assembleia já convocada sejam incluídos certos assuntos, desde que o requeira, por escrito, a qualquer dos gerentes, cabendo-lhe indicar com precisão os assuntos a incluir na ordem de trabalhos e justificando a necessidade da reunião da assembleia.
II - A injustificada rejeição do seu pedido confere-lhe o direito a requerer a convocação judicial da assembleia através do processo especial regulado no artigo 1057º do Código de Processo Civil, cujo âmbito de aplicação abarca casos em que a lei comercial prevê expressamente a convocatória da assembleia geral, nomeadamente para suprir a inércia dos órgãos societários a quem cabe tal convocação, ou situações em que a assembleia geral, apesar de convocada, foi ilicitamente impedida de funcionar.
III - Dada a finalidade desse processo e a sua natureza de jurisdição voluntária, não cabe ao tribunal, ao sindicar o preenchimento do requisito da necessidade da assembleia geral, a indagação e verificação da substância dessa necessidade, isto é, da realidade das razões invocadas”.
Por outro lado, afigura-se-nos que as diversas cartas enviadas pelo autor a requerer a convocação de Assembleia Geral para discussão daqueles pontos de trabalho ali indicados, que incluem a destituição da gerente CC ou a inclusão destes pontos de trabalho em Assembleia previamente convocada, justificam a necessidade da convocação da Assembleia, a necessidade de pôr à discussão dos sócios esses pontos de trabalho, sendo da competência da Assembleia deliberar pela destituição de gerente ou propositura de ação de condenação do gerente em indemnização ou ação de exclusão de sócio e nomeação de novo gerente - art.º 246.º n.º 1 al.s c), d) e g) e n.º 2 al. a) do C.S.C.
A realização de uma assembleia geral, tal como pretendido pelo autor é um expediente societário idóneo ao exercício dos seus direitos sociais e os objetivos por si pretendidos têm cabimento legal.
A realização da assembleia geral pretendida revela-se como necessária, à luz do disposto no art. 246.º, 248.º e 375.º do CSC, existindo por isso interesse do autor na sua convocação.
No que respeita à recusa ilegítima de convocação da assembleia por parte da gerente CC, também habitualmente Presidente da Assembleia, importa notar que o pedido de convocatória tem a natureza de uma declaração negocial recetícia, tornando-se eficaz, logo que chega ao poder do seu destinatário, ou seja dele conhecida, sendo ainda eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida, tal como resulta do disposto do nº 1 e 2 do art. 224º do Código Civil.
O facto de a gerente CC que, geralmente assume o cargo de Presidente da Assembleia, intencionalmente, não ter recebido as cartas registadas que lhe foram enviadas, seja para a sede social, seja para o seu domicílio, recusando a receção das cartas com aviso de receção, nem tendo procedido ao seu levantamento nos CTT (seja por si, seja através de terceiro), apesar de ter efetivo conhecimento do pedido de convocatórias de assembleia e de inclusão de pontos de trabalho na Assembleia previamente convocada (tendo tomado conhecimento através das cartas por correio simples que foram enviadas para a sede social e para a sua morada pessoal e ainda através de comunicação enviada para o seu e-mail que usa como gerente), ter-se-á de entender como eficaz e concretizado aquele pedido de convocação de assembleia formulado pelo autor, nos termos do art. 224.º, n.º 2, CC.
Com efeito, preceitua o art. 224.º, n.ºs 1 e 2, C. Civil:
“1. A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada.
2. É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.”
Existiu intencionalidade e culpa por parte da gerente também habitualmente Presidente da Assembleia na não receção das cartas registadas com AR, sendo certo que o teor das missivas chegou ao seu efetivo conhecimento através das cartas por correio simples e por e- mail.
Tendo consciência do cargo que exerce como gerente e conhecedora dos litígios sociais existentes, deveria ter diligenciado pela convocação de assembleia ou inclusão daqueles pontos de trabalho na Ordem do dia da Assembleia previamente convocada.
Ora, não tendo a gerente procedido à convocação da assembleia nos termos solicitados, deve considerar-se ilegítima a recusa na convocação da assembleia, pois que não apresentara justificação válida para a sua não convocação.
De notar que os argumentos aduzidos pela gerente em sede de depoimento não colhem, nem são justificativos de que seja impedido este direito social do autor de ver convocada uma assembleia para discussão dos pontos de trabalho que indica de forma precisa e clara nas suas comunicações e pedidos de convocação de assembleia e/ou inclusão dos pontos de trabalho na Ordem do dia.]
Adiantamos desde já a nossa concordância com os fundamentos acabados de citar.
Mas vejamos os pontos essenciais da discórdia que fundamenta o recurso.
Sustenta a Apelante, sob as conclusões 5.ª e 6.ª: [Acresce que, conforme resulta dos autos, a ora recorrente fez juntar aos mesmos, certidões comprovativas de que nenhum dos processos mencionados nos pontos de trabalho 1, 2 e 3 queridos inserir na reunião da assembleia pelo recorrido haviam transitado em julgado, cfr. fls. dos autos e documentos juntos pela ora recorrente, documentos que, salvo melhor opinião, sendo essenciais à boa decisão da causa e tendo força provatória plena, deveriam, e não foram, ser atendidos pela Meritíssima Juiz. É que, atendidos que fossem, pela mesma lógia de raciocínio derramado quanto aos pontos referentes ao processo nº 171/21 – pontos 1 e 2, lógica de raciocínio que se segue, igualmente deveria ser retirado o ponto de trabalho indicado com o nº 3].
Nesta parte importa apenas dizer que o Tribunal de que vem o recurso não atendeu, nem podia atender, aos documentos em questão, pela simples razão de que os mesmos foram juntos aos autos em momento ulterior à sentença recorrida, ou seja, numa fase em que já se havia esgotado o poder jurisdicional daquele tribunal quanto ao conhecimento do mérito da causa.
Seja como for, os documentos em análise, ao invés do que parece acreditar a Apelante, não assumem utilidade ou importância decisiva para a boa decisão da causa.
É que, independentemente do trânsito ou não trânsito das decisões dos processos em questão, nada impede a deliberação dos sócios sobre os assuntos subjacentes às mesmas decisões.
Como bem faz notar o Apelado em sede de contra-alegações: [Pode a Apelante sustentar, nas sedes que entender oportunas que as deliberações são abusivas, ou tomadas em abuso do direito; porém diferentemente o acto de requerer a convocação da assembleia dificilmente poderá ser abusivo, pois deste decorrerá apenas e só a reunião de sócios para a discussão dos assuntos na ordem do dia, núcleo central à existência de uma qualquer sociedade comercial].
Argumenta ainda a Apelante não existir qualquer justificação para a necessidade da reunião da assembleia geral de sócios e, consequentemente, qualquer justificação para a respetiva convocação, havendo que concluir, que o expediente de convocação de assembleia de sócios com a ordem de trabalhos exposta, a que o Apelado lançou mão, não passa de mero capricho seu.
Trata-se de uma conclusão que não merece o nosso acolhimento, desde logo porque, como vem sendo reiterado de forma praticamente unânime pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, entre a qual a que se mostra citada pela própria decisão recorrida e que deixámos transcrita supra, dada a finalidade do processo e a sua natureza de jurisdição voluntária, não cabe ao tribunal, ao sindicar o preenchimento do requisito da necessidade da assembleia geral, a indagação da substância dessa necessidade, bastando-se com a verificação da necessidade em termos meramente formais, à luz dos requisitos do art. 375.º do CSC.
Radicando o “abuso do direito” no exercício pelo respetivo titular com manifesto excesso dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (art. 334.º do CCivil), é manifesto que a factualidade julgada provada não autoriza de modo algum a concluir que o Autor tenha agido em abuso de direito, ao deduzir a pretensão que deduziu.
Bem pelo contrário. A pretensão do Requerente, à luz da factualidade julgada provada, não só é legítima, à luz das normas jurídicas vertidas na decisão recorrida, como necessária para discutir e deliberar sobre assuntos passíveis de poder integrar a ordem de trabalhos da assembleia geral de sócios.
Também não podemos concordar com a Apelante quando defende que a sentença recorrida nunca poderia ter convocado a assembleia de sócios em questão para o dia 13.07.2022, por violar o preceituado no art. 377.º, n.º 4, do CSC, e por naquela data a sentença não ter ainda transitado em julgado.
Quanto à norma do n.º 4 do art. 377.º, é manifesta a sua inaplicabilidade no caso dos autos, impondo-se antes a aplicação da norma do art. 248.º, n.º 3, por estarmos perante uma sociedade por quotas, no segmento em que aponta para uma comunicação da convocatória com a “antecedência mínima de 15 dias”, o que no caso foi sem qualquer dúvida acautelado.
A falta de trânsito em julgado da sentença não constituía, à partida, nem mesmo após a instauração do presente recurso de apelação, impedimento da respetiva eficácia executiva, em razão do recurso sobre a mesma assumir efeito meramente devolutivo (art. 704.º do CPCivil).
Concluímos, pois, pela manifesta improcedência do recurso, e consequente manutenção da decisão recorrida.
2.3.
Tendo dado causa às custas do recurso, a Apelante constituiu-se na obrigação de as suportar (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais).

V.
DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, julgamos o recurso improcedente e, consequentemente, decidimos:
a) Confirmar a sentença recorrida nos seus precisos termos, assim como o despacho mencionado supra em I-4), na parte em que condenou a aqui Apelante nas custas do incidente; e
b) Condenar a Recorrente no pagamento das custas do recurso.
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Porto, 7 de fevereiro de 2023
Os Juízes Desembargadores,
Fernando Vilares Ferreira
Alberto Taveira
Maria da Luz Seabra
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[1] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES e outros, ob. cit., p. 763.
[2] São deste Código todas as normas legais doravante citadas sem menção diversa.