CONTRATO DE SEGURO
ADVOGADO
PARTICIPAÇÃO DO SINISTRO
EMPREITADA
Sumário

I - O seguro de responsabilidade civil dos advogados é obrigatório.
II - Nesse tipo de contratos de seguro, a falta de participação do sinistro ao segurador, não é oponível aos lesados.
III - Tendo sido convencionado no contrato de seguro que “o segurador assume a cobertura de responsabilidade civil do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador de seguro ocorridos na vigência de apólices anteriores, desde que participados após o início de vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, cobertas pela presente apólice, e, ainda que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação”, o âmbito temporal deste contrato não se cinge apenas aos factos geradores de responsabilidade ocorridos no período da vigência de tal contrato, mas estende-se também aos factos, da mesma natureza, antes verificados, desde que reclamados naquele período.
IV - Apurando-se que um advogado foi contratado pelo dono de obra para instaurar uma ação judicial com vista ao exercício dos direitos que entendia assistir-lhe perante o empreiteiro, em resultado dos defeitos verificados nessa mesma obra e não tendo aquele advogado instaurado qualquer ação com aquele objetivo, é responsável pelos prejuízos daí decorrentes para o dito dono.
V - Esse dono, sendo um condomínio de um prédio constituído em propriedade horizontal, não tem legitimidade para, por si só, reclamar a reparação dos prejuízos sofridos em frações autónomas desse mesmo prédio.

Texto Integral

Processo n.º 2997/19.3T8PRT.P2

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Sumário:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I- Relatório
1- O Condomínio do Prédio sito na Rua ..., ..., instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra AA, Advogada, e A..., alegando, em breve resumo, que, em Agosto de 2011, adjudicou à sociedade, B..., Ldª, a reparação do telhado do prédio onde se situa, pelo preço de 22.500,00€, que lhe pagou.
A execução dessa obra, todavia, não foi integralmente cumprida, nem o que foi feito obedeceu às boas regras técnicas de construção, daí derivando diversos defeitos, que enuncia.
Por isso mesmo, denunciou esses defeitos àquela sociedade, por mais de uma vez, mas a mesma não os eliminou totalmente.
Viu-se, assim, obrigada a contratar a 1ª Ré para, além do mais, a mesma demandar judicialmente a dita sociedade, com vista a compeli-la a eliminar os aludidos defeitos, cuja reparação importa em 24.000,00€.
Sucede que nem essa Ré deu cumprimento ao mandato que lhe conferiu, nem os ditos defeitos foram reparados, não tendo neste momento forma de exercer os direitos que lhe assistem, por, entretanto, os mesmos se terem extinguido.
Assim, além do prejuízo decorrente da deficiente execução da obra, a falta de oportuna reparação dos defeitos está a causar estragos em duas frações autónomas, estragos esses cujo custo de reparação não é possível ainda apurar, mas que nunca será inferior a 5.600,00€.
Ou seja, o prejuízo total que lhe causou a 1ª Ré não é inferior a 30.000,00€ e pretende por ele ser ressarcido, inclusive pela 2ª Ré, em virtude do contrato de seguro existente para cobrir esse risco.
Termina, assim, pedindo que a 1ª Ré seja condenada a pagar-lhe a referida quantia de 30.000,00€, a título de danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora a contar da data da citação até efetivo e integral pagamento, e a 2ª Ré também solidariamente condenada no mesmo pedido, dentro dos limites da apólice de seguro contratada.
2- Contestou a Ré seguradora refutando este pedido. Desde logo, porque entende ser inepta a petição inicial. E, depois, invocando, para além do mais, o valor da franquia do contrato de seguro e a exclusão da sua responsabilidade, por não lhe ter sido atempadamente comunicado pela A. o alegado facto danoso, que, de qualquer modo, impugna.
Defende também que, a serem devidos juros de mora, só podem ser contados a partir do trânsito em julgado da decisão final que recair sobre este litígio.
Conclui, assim, pedindo a sua absolvição da instância ou, subsidiariamente, a sua absolvição do pedido.
3- O A. respondeu, defendendo, para além do mais, a aptidão da petição inicial.
4- Terminada a fase dos articulados, foi proferida sentença que julgou inepta a petição inicial e absolveu as RR. da instância.
5- Esta sentença, todavia, viria a ser revogada, em sede de recurso.
6- Prosseguindo os autos os seus termos, foi dispensada a audiência prévia, proferido despacho saneador, relegado o conhecimento da exceção de falta de conhecimento prévio invocada pela Ré para momento posterior e, entre o mais, também enunciado o objeto do litígio e fixados os temas da prova.
7- Por fim, teve lugar a audiência de julgamento, após a qual foi proferida sentença na qual se julgou presente ação parcialmente procedente e decidido condenar as RR. a pagar, solidariamente, ao A. a quantia de 27.200,00€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar de tal decisão.
8- Inconformada com esta sentença, dela recorre a Ré seguradora, terminando a sua motivação de recurso com as seguintes conclusões:
“I. Os factos constantes dos pontos 6.º a 8.º da matéria de facto julgada não provada, alegada pela Apelante nos artigos 29.º a 32.º da sua contestação, devem ser julgados como provados.
II. Nos Despachos de 15.JAN.2021 (ref.ª 420724343) e de 20.MAI.2021 (ref.ª 424613429), o Tribunal “a quo” Considerou que “a matéria alegada nos artigos 29.º a 32.º da contestação não se mostra impugnada.” e, em sede de audiência final, o Tribunal recorrido reiterou a sua posição ao só ter admitido o depoimento de parte da ré advogada ao facto constante do artigo 33.º da contestação da Apelante, por a factualidade constante dos artigos 29.º a 32.º se encontrar assente.
III. Vem, agora, o Tribunal recorrido, em sede de Sentença, considerar que, afinal, tal matéria encontrava-se controvertida e, por esse motivo, não tendo sido produzida prova tendente à sua demonstração, essa matéria terá de ser julgada como não provada.
IV. O Tribunal “a quo” violou os princípios da confiança e do processo equitativo relativamente à fixação da matéria de facto elencada sob os pontos 6.º a 8.º dos factos não provados, uma vez que, por força do seu próprio comportamento, criou na Apelante a legítima convicção de que tais factos encontravam-se assentes e, por isso, insuscetíveis de prova, sendo que a recorrente não poderia razoavelmente contar com a decisão de facto que veio a ser proferida, agora, quanto a esses mesmos factos.
V. Ao Decidir como Decidiu o Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 2.º e 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa e o artigo 6.º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
VI. A violação da garantia do processo equitativo terá de conduzir à inexistência jurídica da Sentença na parte por ela afetada, devendo ser ordenada a revogação da Decisão recorrida nessa parte e a sua substituição por outra que Julgue como provados os factos elencados nos artigos 29.º a 32.º da contestação da recorrente.
Ainda que assim não fosse,
VII. Os factos alegados pela recorrente nos artigos 29.º a 32.º da contestação não foram impugnados pelo autor nem pela co-ré, motivo pelo qual se encontram admitidos por acordo e, como tal, sempre teriam de ser julgados como provados.
VIII. Nos artigos 31.º e 32.º da contestação a recorrente não fez referência a qualquer situação concreta – limitou-se a alegar dois factos: a ré advogada teve conhecimento dos factos que lhe são imputados, e bem assim da intenção do autor lhe imputar responsabilidade pelos mesmos antes do dia 1.JAN.2018.
IX. Dos factos provados (pontos N)” e O)”) resulta que a 1.ª ré não intentou a ação judicial para a qual havia sido mandatada pelo autor, tendo-o ludibriado acerca da sua interposição durante o período temporal de Setembro de 2014 a Fevereiro de 2017, pelo que a 1.ª ré não pode deixar de ter tido conhecimento/consciência de que as suas omissões poderiam vir a gerar a sua responsabilização profissional, como efetivamente veio a suceder, em data anterior a 1.JAN.2018
X. Do depoimento da testemunha BB resulta que aquando da sua deslocação ao Palácio da Justiça e perante a informação que recebeu de que os n.ºs indicados pela 1.ª ré não correspondiam a processos judiciais a testemunha “passou-se um bocadinho da cabeça”, tendo saído do tribunal e logo ligado para a 1.ª ré, tendo encetado uma discussão, em face da informação que por ela lhe havia sido transmitida.
XI. Para além de assim o indicar todas as regras da normalidade e da experiência comum, também o depoimento da testemunha BB, à data dos factos administrador do autor, demonstra que, pelo menos aquando da deslocação do mesmo ao Palácio da Justiça, a 1.ª Ré não poderia deixar de ter conhecimento da intenção do autor de a responsabilizar pela omissão da propositura da ação judicial para a qual havia sido mandatada.
XII. Essa deslocação terá ocorrido em data anterior a outubro de 2016, uma vez que, de acordo com a factualidade provada sob os pontos E)” e F)”, a partir dessa data, o autor não mais recebeu qualquer informação ou contacto da 1ª ré, nem do alegado advogado CC.
XIII. Em consequência, os pontos 7.º e 8.º da matéria de facto não provada deverão ser julgados provados, ainda que com a seguinte redação: (i) A 1.ª ré teve conhecimento dos factos que lhe são imputados antes do dia 1 de Janeiro de 2018; e (ii) A 1.ª ré teve conhecimento da intenção do autor lhe imputar responsabilidade pelos factos imputados antes do dia 1 de Janeiro de 2018.
Por outro lado,
XIV. Em sede de Saneador-Sentença datado de 12.DEZ.2019, com a ref.ª 408790319, o Tribunal recorrido, considerou que “O autor não alegou factos concretos que fundamentem a possibilidade de procedência da ação, a probabilidade de ganho.”.
XV. Sem que a petição inicial tenha sido objeto de aperfeiçoamento, de forma absolutamente contraditória, o Tribunal recorrido vem, agora, em sede de Sentença, Considerar que, afinal, e, a factualidade alegada pelo autor é, agora, suscetível de determinar “com elevado grau de probabilidade, que a falta da propositura da acção judicial por parte da1.ª ré foi causa adequadada perda de oportunidade de obter a almejada eliminação dos defeitos, sendo consistente a chance de vencimento”.
XVI. O Tribunal recorrido adotou uma conduta incoerente e contraditória, violando, o disposto nos artigos 2.º e 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, bem como o artigo 6.º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
XVII. Em consequência, deve ser determinada a invalidade da Decisão proferida na parte afetada e ordenada a revogação da Decisão recorrida nessa parte e a sua substituição por outra que seja compatível com a sua atuação anterior, considerando-se que não foram alegados elementos de facto que permitam concluir (ou sequer apreciar) a consistência da chance de vencimento que justifique a procedência da presente ação judicial.
Ademais,
XVIII. Para o fundamentar aquela (segunda) conclusão, o Tribunal recorrido levou a cabo a tarefa de realizar o designado “julgamento dentro do julgamento” por mera remissão (literalmente) para a factualidade apurada.
XIX. O autor, na petição inicial, focou-se exclusivamente na narração de um enredo atinente às pretensas criações fantasiosas da 1.ª ré, olvidando a alegação de factos suscetíveis de desmontar a probabilidade de vencimento da ação judicial omitida, baseando a sua tese num raciocínio meramente abstrato e sem concretizar, no plano da alegação de facto, como e em que medida poderia advir aquele resultado (ainda que num juízo de probabilidade).
XX. O Tribunal recorrido não dispunha de elementos de facto que possibilitassem a determinação da probabilidade de vencimento da ação omitida, tanto assim que fundamentou a aferição da indemnização que julgou conceder em 10 palavras: “atenta a factualidade apurada, mormente atinente à má execução/reparação da obra”, violando, assim, o disposto nos artigos 563.º e 798.º do Código Civil.
XXI. Porque inexistem factos subsumíveis ao “dano avançado”, assim se deixando incompleta a causa de pedir na ótica de alegação de factos essenciais à pretensão manifestada pelo autor/recorrido, deverá a Decisão recorrida ser substituída por outra que absolva a ora recorrente do pedido.
XXII. A ser intentada a pretendida ação de defeitos contra o empreiteiro, muito provavelmente iria ser apresentada uma contestação com uma outra versão da narrativa articulada pelo autor, com os respetivos meios probatórios, situação que foi totalmente descurada pelo Tribunal recorrido que deu como certo o ganho, em toda a linha, da ação judicial omitida.
XXIII. A eventual indemnização a conceder ao autor, cuja determinação que não se concede, nunca poderia ser nem superior nem igual à quantia que se iria peticionar na ação omitida, pelo que ao decidir como decidiu o tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 563.º e 798.º do Código Civil.
Por fim,
XXIV. O objeto do contrato de seguro (coberturas e exclusões), seja ele facultativo ou obrigatório, é o que as partes livremente estipularam, sem prejuízo do regime imperativo previsto nos artigos 11.º a 15.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, daí que a ora recorrente só possa responder de acordo com as cobertura e exclusões acordadas, mesmo tratando-se de seguro obrigatório.
XXV. Do artigo 3.º da condição especial de responsabilidade civil profissional, (“Artigo 3.º //EXCLUSÕES// Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações: a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado, à data do início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar reclamação”) resulta que estamos perante uma mera exclusão, respeitante a factos ocorridos antes do início da vigência da apólice, em consonância com o disposto no n.º 2 do artigo 44.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, no qual se prevê que os sinistros anteriores à data da celebração do contrato não estão cobertos quando o segurado deles tiver conhecimento nessa data.
XXVI. A exclusão invocada prende-se, tão-só, com o concreto âmbito de cobertura da apólice. Pelo que, não colhe o raciocínio que levou o tribunal a quo a concluir pela condenação da ora apelante, impondo-se, por isso, a sua absolvição, resultante da aplicação do direito aos factos julgados provados.
XXVII. Ao decidir como decidiu, o tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 405.º, n.º1 do Código Civil, o artigo 44.º, n.º2 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, e o artigo 3.º da “Condição Especial de Responsabilidade Civil” do contrato de seguro celebrado entre a ora apelante e a Ordem dos Advogados.
Assim,
requer-se a V. Exas. que, dando provimento à pretensão da apelante, decidam pela revogação da sentença recorrida nas partes ora impugnadas, e, em sua substituição, seja proferida decisão que conclua pela alteração da matéria de facto nos termos contantes das Conclusões, bem como pela absolvição da recorrente do pedido, quer seja pela inexistência dos pressupostos de que dependem a obrigação de indemnizar ao abrigo da figura da perda de chance, quer seja pela exclusão da responsabilidade por via da exclusão do pré-conhecimento do sinistro que determina a inaplicabilidade aos factos dos autos do contrato de seguro subjacente aos mesmos”.
9- Também o A. se mostra inconformado com o decidido na sentença recorrido, impugnando-a em recurso subordinado que finaliza com estas conclusões:
“1. Com o presente recurso põe o recorrente em crise a sentença de fls..., dos autos, restrita à parte em que absolveu parcialmente as RR. do pedido, no montante de €2.800,00 e que restringiu a condenação em juros a contar da data da prolação da sentença em recurso;
2. É fundamento do presente recurso a errónea apreciação da matéria de facto e de direito, pelo que pretende o recorrente, nos termos do disposto nos artigos 662.º, nº 1 e 2 do C.P. Civil, que a decisão sobre a matéria de facto seja alterada;
3. É fundamento do presente recurso, por errónea apreciação da matéria de facto e de direito, o erro de julgamento;
4. É fundamento do presente recurso a errónea e incorreta interpretação e aplicação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/02 e do disposto nos artigos 566º, nº 2, 805º, nº 3 e 806º, nº 1, do C. Civil, no que respeita ao momento da constituição em mora e, consequentemente devidos juros de mora legais, no pagamento do quantum indemnizatório;
5. Tem o presente recurso por objeto a reapreciação da prova, bem como a matéria de direito!
6. Não se conforma o recorrente com a decisão da matéria de facto consubstanciada em 3., 4. e 5., dos FACTOS NÃO PROVADOS da sentença a quo, a qual, para efeitos do disposto no artigo 640.º, do CPC, vai, assim, impugnada.
7. A resposta dada nos PONTOS 3., 4. e 5., dos FACTOS NÃO PROVADOS contende com a matéria de facto dada por provada em R”, S” e U” dos FACTOS PROVADOS;
8. Há contradição notória entre a matéria de facto dada por provada e não provada e da matéria de facto dada por provada com a decisão de mérito, contradição, esta, patente entre a resposta dada em “R”, S” e “U” dos FACTOS PROVADOS e os fundamentos e o dispositivo da sentença a quo ao não condenar as RR., aqui recorridas, por danos causados na Fração J.
9. A prova documental e testemunhal considerada e fundamento da sentença sub judicie, mormente nos documentos 23º e 24º (“S” dos FACTOS PROVADOS), juntos com a petição inicial, os quais consubstanciam fotografias dos danos observados nas frações J e N, correspondentes ao 3º A e ao 4º A, respetivamente, aí devidamente identificadas, o depoimento da testemunha DD e o depoimento da testemunha de nome BB, marido daquela e, com ela, ao tempo, residente no 3º A – Fração J, invocados na fundamentação da sentença sub recurso, onde pode ler-se, respetivamente, que: ”Referiu problemas com as obras e confirmou o teor das fotografias (…) disse que já morou no condomínio, até há cerca de 3 anos; morava no 3º A, era proprietária” e“… que na véspera de Natal de 2013 detetaram água a escorrer pela parede abaixo. ”impunham que que, na sentença em crise, os factos constantes dos Pontos 3, 4 e 5 dos FACTOS NÃO PROVADOS, deviam ter sido dados POR PROVADOS;
10. Pugna-se, assim, pela alteração da resposta dada a tal matéria, - Pontos 3, 4 e 5 dos FACTOS NÃO PROVADOS - devendo a mesma passar a constar do elenco dos FACTOS PROVADOS!
11. Ocorre na sentença sub judicie contradição entre factos declarados provados e/ou declarados não provados e entre factos provados e a decisão de mérito não integra a oposição entre os fundamentos e a decisão, que importa o erro de julgamento previsto no artigo 662º, nº 2, al. c) do CPCivil ( Ac. TRG de 30-03-2007 in www.dgsi.pt);
12. Há na sentença sub recurso, erro na apreciação e valoração das provas e, por isso, erro de julgamento, por ausência de valoração racional, integrada, perceção e análise do depoimento testemunhal e documentos dos autos;
13. Enferma de vício a sentença sub judicie,por erro de julgamento que importa a sua revogação, no sentido de considerar na indemnização arbitrada, os prejuízos existentes na fração J, conforme ao peticionado nos autos, em valor nunca inferior a €2.800,00 (dois mil e oitocentos euros)!
Ainda,
14. Andou mal o tribunal a quo, ao decidir que a indemnização atribuída ao recorrente vence juros de mora legais a contar da data da prolação da sentença condenatória, ao invés dos peticionados juros a contar da citação;
15. Sem prescindir da revogação da sentença em crise, no que concerne ao valor do quantum indemnizatório, sempre se dirá que o valor atribuído na sentença sub recurso vem fixado em relação ao valor fixado na petição inicial e está contido no valor peticionado;
16. O relatório pericial de fls… dos autos não aponta, indicia ou refere uma qualquer atualização de valor, por efeito de fenómenos da taxa de inflação ou da desvalorização ou correção monetárias e/ou alteração de preços e/ou ao tempo transcorrido desde a propositura da ação, antes aponta a redução do valor da indemnização por efeito de não ter verificado os danos na Fração J;
17. O valor atribuído na sentença sub recurso não foi ou é objeto de atualização, nos termos definidos no artigo 805º, nº 3 do C. Civil e no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2002 de 09.05, nem transparece do teor da decisão qualquer atualização, para efeitos do disposto no artigo 566º, nº 2 do C.Civil;
18. Impõe-se que o quantum indemnizatório fixado ou que por efeito do presente recurso se vier a fixar, vença juros moratórios a contar da citação, como peticiona o recorrente nos autos, alterando-se a sentença sub judicie em conformidade;
19. Viola a sentença em recurso, além do mais, por errónea interpretação e/ou aplicação e/ou desaplicação, o disposto nos artigos 805º, nº 3, 806º, nº 1 e 566º, nº 2, do C.Civil e Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/02 de 09.05;
20. Impõe-se, por justiça e em nome da verdade material, a revogação da sentença em recurso, na parte, aqui sindicada!”.
Termina pedindo que seja concedido provimento ao presente recurso subordinado e, em consequência, revogada a sentença recorrida, na parte impugnada.
10- O A. e a Ré seguradora responderam ao recurso da contraparte, pugnando pela sua improcedência.
11- Recebidos os recursos nesta instância e preparada a deliberação, importa tomá-la.
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II- Mérito dos recursos
A- Definição dos respetivos objetos
O objeto dos recursos é delimitado, em regra e ressalvadas, designadamente, as questões de conhecimento oficioso, pelas conclusões das alegações do recorrente [artigos 608º, nº 2, “in fine”, 635º, nº 4, e 639º, nº1, do Código de Processo Civil (CPC)].
Assim, levando em consideração este critério, importa, no essencial, decidir, no caso presente, se:
a) Deve haver lugar à requerida modificação da matéria de facto;
b) Os factos imputados à 1ª Ré como geradores da sua responsabilidade civil, estão fora do âmbito temporal do contrato de seguro celebrado com a 2ª Ré;
c) Não há dados de facto para determinar a probabilidade de vencimento da ação omitida e, havendo, se a indemnização concedida deve ser reduzida;
d) O A. tem direito ao valor que reclama pelos prejuízos existentes na fração autónoma pelo mesmo indicada (fração J, correspondente ao 3º A);
e) Os juros moratórios devem ser atribuídos a partir da data da citação.
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B- Fundamentação
1- Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:
“A) A 1ª ré é advogada portadora da cédula profissional nº ..., com inscrição na Ordem dos Advogados, válida e em vigor à data dos factos (doc. 1 e artigo 1.º da petição inicial -aceite).
B) A 2ª ré é uma entidade de seguros para a qual a Ordem dos Advogados transferiu a responsabilidade civil de advogado, através de um contrato de seguro civil profissional, de grupo (artigo 2.º da petição inicial - aceite).
C)- Através da apólice ... (artigo 3.º da petição inicial e doc. 2 - aceite).
D)- Em agosto de 2011, o autor - conforme deliberação tomada na assembleia de condóminos de 2 de março de 2011 - adjudicou à sociedade B..., Lda., NIPC ..., com sede em ..., ... ... uma obra de reparação do telhado do prédio (v. docs. 3 e 4 e artigo 4.º da petição inicial).
E)- Pelas quais pagou a quantia de €22.500$00 (v. doc. 4 e artigo 5.º da petição inicial).
F)- Na execução de tal obra, a empresa supra referida, para além de não ter executado alguns dos trabalhos orçamentados, deu causa a que surgissem várias anomalias de construção, consistentes em deficiências de impermeabilização do telhado (artigo 6.º da petição inicial).
G)- Denunciados os trabalhos não realizados e os defeitos verificados, a empresa de construção, sociedade B..., Lda., reconhecendo que não havia concluído a obra e que os trabalhos haviam sido deficientemente realizados, anuiu às reclamações do condomínio e procedeu à realização de alguns dos trabalhos em falta e à correção das anomalias/defeitos de construção verificados, o que aconteceu nos idos de março de 2013 (artigo 7.º da petição inicial).
H)- Acontece que, mais uma vez, a referida empresa não realizou parte dos trabalhos em falta e ressurgiram os defeitos (artigo 8.º da petição inicial).
I)- Tendo o autor em 24. 01.2014, denunciando os mesmos e reclamado, mais uma vez, a eliminação de várias anomalias de construção, em prazo razoável (doc. 5 e artigo 9.º da petição inicial).
J)- Como a referida empresa não anuiu nem deu mostras de querer proceder às necessárias reparações das anomalias/defeitos ressurgidos (artigo 10.º da petição inicial).
L)- Em inícios de maio de 2014, o autor solicitou os serviços de advocacia da 1ª R., para que esta, na qualidade de mandatária do Condomínio, intentasse ação judicial contra a sociedade B..., Lda., NIPC ..., com sede em ..., ... ..., com fundamento no ressurgimento dos defeitos/ anomalias que se verificavam na obra de reparação do telhado, e ainda, para intentar ação Judicial contra o anterior administrador do condomínio com fundamento na prática de atos de má gestão (artigo 11.º da petição inicial).
M)- A 1ª ré aceitou patrocinar o autor e no exercício das suas funções de advogada, em 8 de maio de 2014, redigiu carta dando-a a assinar ao administrador do condomínio, autor (doc. 6 e artigo 12.º da petição inicial).
N)- Invocando a proximidade das férias judicias de 2014, a 1ª ré transmitiu ao autor que as ações judiciais referidas, seriam intentadas no mês de setembro desse mesmo ano (artigo 13.º da petição inicial).
O)- A partir de setembro de 2014, por contacto telefónico, SMS o Administrador do Condomínio do autor solicitou informações sobre o estado das ações judiciais que aquela assumiu intentar (artigo 14.º da petição inicial).
P)- A 1ª ré, ora invocando impossibilidade de falar, ora agendando reuniões que constantemente e sempre adiava, nunca prestou informações precisas sobre as mesmas ações judiciais, vide SMS (doc. 7 e artigo 15.º da petição inicial).
Q)- Perante a insistência do Administrador do autor em saber a identificação dos processos, veio a 1ª ré, em 18 de março de 2016, via email, indicar dois números de processos judiciais – Proc. 257/15.0TBPRT – 2J – 1ª Secção; Proc. 302/15.1TBPRT – 3J – 3 Secção, sem dar indicação do Tribunal em que os mesmos estariam pendentes (doc. 8 e artigo 16.º da petição inicial).
R)- Veio, posteriormente, a 1ª ré, via SMS, informar o autor da data da realização do Julgamento, para o dia 5 de abril de 2016, sem indicar a que processo respeitava ou em que Tribunal tal julgamento se realizaria (doc. 8 e artigo 17.º da petição inicial).
S)- No início de abril de 2016, via SMS, a 1ª ré informou o autor que a audiência prévia agendada para 05 de abril de 2016 havia sido dada sem efeito (doc. 7 e artigo 18.º da petição inicial).
T)- No decorrer do mês de abril de 2016, via contacto telefónico, a 1ª ré comunicou ao autor que os processos corriam termos no DIAP do Porto, onde este se deslocou e tomou conhecimento e obteve informação de que os processos não existiam naquele Tribunal e de que, provavelmente e dada a natureza das ações, as mesmas estariam a correr na Instância Cível da Comarca do Porto, no Palácio da Justiça (antigas Varas Cíveis do Porto) (artigo 19.º da petição inicial).
U)- A 27 de Abril de 2016, via email, a 1ª ré, informou o autor de que a Audiência Preliminar agendada para a tarde desse mesmo dia, uma vez mais, tinha sido dada sem efeito e solicitou o agendamento de uma reunião (doc. 7 e artigo 20.º da petição inicial).
V)- Reunião que a 1ª ré veio a cancelar, por SMS, do dia 6 de maio de 2016 (doc. 7 e artigo 21.º da petição inicial).
X)- No dia 2 de junho de 2016, via email, a 1ª ré veio informar o autor do valor dos honorários relativos às duas ações, alegadamente pendentes (doc. 9 e artigo 2.º da petição inicial).
Z)- Pelo mesmo, informa sobre nova data de uma diligência judicial, marcada para o dia 15 de junho de 2016, sem indicar o Tribunal ou a que processo respeitava (artigo 23.º da petição inicial).
A)’- Uma vez mais, veio a 1ª ré a informar o autor de que a diligência marcada para o dia 15 de junho de 2016 havia sido dada sem efeito (artigo 24.º da petição inicial).
B)’- Neste mesmo dia 15 de junho de 2016, o administrador do autor, deslocou-se à Instância Cível da Comarca do Porto (Palácio da Justiça), com o intuito de obter informações sobre se as ações estariam pendentes nesse Tribunal e sobre o estado dos processos (artigo 25.º da petição inicial).
C)’- Foi aí informado de que os processos não corriam termos naquele Tribunal (artigo 26.º da petição inicial).
D)’- Perante tal informação, ainda neste dia 15 de junho de 2016, o administrador do autor contactou telefonicamente com a 1ª ré, para obter esclarecimento sobre a informação que lhe havia sido prestada (artigo 27.º da petição inicial).
E)’- Sendo que a 1ª ré lhe transmitiu que as ações tinham dado entrada em Tribunal, não na Instância Local Cível (antigas Varas Cíveis) mas sim nos Juízos Cíveis, situados no Edifício Mapfre, na Rua Gonçalo Cristóvão, na cidade do Porto (artigo 28.º da petição inicial).
F)’- Em deslocação ao indicado Edifício Mapfre, o Administrador do autor foi informado por um funcionário do edifício de que aquele tribunal havia encerrado há três anos, tendo todos os processos pendentes transitado para a Instância Local Cível do Porto (Palácio da Justiça) (artigo 29.º da petição inicial).
G)’- Por email de 19 de junho de 2016, o administrador do autor solicitou à 1ª ré um contacto para esclarecimento do estado dos processos (doc. 10 e artigo 30.º da petição inicial).
H)’- A 1ª ré não deu resposta ao email (artigo 31.º da petição inicial).
I)’- O administrador do autor, através de contacto telefónico, insistiu, por informações (artigo 32.º da petição inicial).
J)’- Recebeu por resposta da 1ª ré que os processos que lhe haviam sido confiados pelo autor foram transferidos para um colega seu de Lisboa (artigo 33.º da petição inicial).
L)’- A 1ª ré não identificou o alegado colega (artigo 34.º da petição inicial).
M)’- Sendo que, no dia 27 de junho de 2016, o administrador do autor, recebeu um email, enviado através do endereço eletrónico de ..., alegadamente subscrito por CC, advogado, a informar que a partir dessa data, teria a seu cargo a condução dos processos movidos pelo Condomínio, que haviam sido confiados à Exma. Dra. AA, que estava tudo em ordem com os processos e que na semana seguinte, aquando da sua vinda ao Porto, agendaria uma reunião, para fazer o ponto da situação, (doc. 11 e artigo 35.º da petição inicial).
N)’- Sem qualquer outro contacto, por email de 1 de julho de 2016, o Administrador do autor solicitou informação ao alegado advogado CC (doc. 11 e artigo 36.º da petição inicial).
O)’- No dia 4 de julho de 2016, recebe por resposta um email com o seguinte teor: “reunião apalavrada fica agendada para a próxima sexta-feira, da parte da tarde”, dia 08 de julho de 2016. (doc. 12 e artigo 37.º da petição inicial).
P)’- No dia 8 de julho de 2016, o administrador do autor recebeu um email do endereço ..., subscrito por uma alegada secretária de nome EE, a cancelar a reunião, devido ao falecimento súbito da esposa (v. doc. 13 e artigo 38.º da petição inicial).
Q)’- Perante a ausência de qualquer outra informação, no dia 14 de julho de 2016, o administrador do autor enviou email para o endereço ..., solicitando informações sobre estado dos processos (doc. 14 e artigo 39.º da petição inicial).
R)’- A 18 de Julho de 2016, o Administrador do autor recebeu por resposta que, no dia seguinte – 19 de julho, da parte da tarde, seria contactado para o agendamento da reunião solicitada (doc. 14 e artigo 40.º da petição inicial).
S)’- No dia 19 de julho de 2016, nenhum contacto foi estabelecido com o autor (artigo 41.º da petição inicial).
T)’- Vindo, no dia 21 de julho de 2016, o administrador do autor a receber e-mail do alegado advogado CC, justificando a ausência de contactos com a sua situação pessoal e informando que nesse mesmo dia 21 de julho remeteria por correio registado para o Condomínio “cópias obtidas do processo bem como as informações relevantes” (doc. 15 e artigo 42.º da petição inicial).
U)’- Nenhuma correspondência foi recebida pelo autor (artigo 43.º da petição inicial).
V)’- Pelo que, por e-mail de 29 de julho de 2016, o administrador do autor enviou novo e-mail para o endereço eletrónico do alegado advogado CC, a solicitar os elementos do processo e a manifestar descontentamento com a falta de profissionalismo (doc. 16 e artigo 44.º da petição inicial);
X)’- Não recebeu qualquer outro contacto até ao dia 02 de agosto de 2016 (artigo 45.º da petição inicial);
Z)’- Neste dia 02 de agosto de 2016, e na sequência do contacto estabelecido com a 1ª ré, o Administrador do autor recebeu um email do endereço ..., a desculpar-se e a assegurar que o trabalho efetuado pela 1ª ré tinha sido fiscalizado e que se encontrava em conformidade; e ainda que após férias judiciais seria agendada reunião urgente com o Administrador do autor (doc. 17 e artigo 46.º da petição inicial).
A)’’- Chegado o dia 12 de setembro de 2016, o administrador do autor recebe email do referido endereço ..., alegadamente subscrito pela secretária EE, a agendar reunião (doc.18 e artigo 47.º da petição inicial);
B)’’- No dia 18 de setembro de 2016, via email, o Administrador do autor confirma disponibilidade para a reunião (doc. 18 e artigo 48.º da petição inicial).
C)’’- No dia 20 de setembro de 2016, já desesperado e sem qualquer informação, o Administrador do autor, envia um email ao alegado advogado CC, contendo todos os emails enviados, a expressar todo o seu descontentamento e indignação perante toda a situação e a falta de profissionalismo (doc. 19 e artigo 49.º da petição inicial).
D)’’- Chegados a 21 de setembro de 2016, uma vez mais, recebe o Administrador do autor um email do referido endereço ... a reagendar a reunião para o dia 7 de outubro de 2016 (doc. 20 e artigo 50.º da petição inicial).
E)’’- No dia 07 de outubro de 2016, recebe o administrador do autor mensagem de telemóvel a cancelar a reunião agendada (artigo 51.º da petição inicial).
F)’’- Desde então, não mais o autor recebeu qualquer informação ou contacto da 1ª ré, nem do alegado advogado CC (artigo 51.º da petição inicial).
G)’’- Sendo que nunca chegou a receber “cópias obtidas do processo bem como as informações relevantes” ou quaisquer outros elementos/documentos (artigo 53.º da petição inicial).
H)’’- Em dia que não pode precisar, mas no mês de novembro de 2016, fez o Administrador do autor buscas no site da Ordem dos Advogados e não encontrou qualquer registo do alegado advogado CC (artigo 56.º da petição inicial).
I)’’- O autor também nunca falou, viu ou conheceu as secretárias que assinam os emails enviados a pedido do alegado advogado CC (artigo 58.º da petição inicial).
J)’’- O alegado advogado, bem como as funcionárias que assinam os emails referidos supra, não existem, são criações da 1ª ré (artigo 59.º da petição inicial).
L)’’- No decurso do mês de fevereiro de 2017, o administrador do autor deslocou-se aos vários Tribunais da Comarca do Porto e Porto Este para averiguar da existência de ações judiciais alegadamente intentadas pelo Condomínio contra a B... e contra o antigo administrador (artigo 61.º da petição inicial).
M)’’- Apurou, então, que nenhum processo judicial existia contra os mesmos intentado pelo Condomínio (artigo 62.º da petição inicial).
N)’’- A 1ª ré não intentou as ações judiciais que se propôs intentar e alegou ter intentado na qualidade de mandatária do condomínio (artigo 63.º da petição inicial).
O)’’- A 1ª ré não intentou a ação de eliminação de defeitos da obra de reparação do telhado contra a referida B..., Lda. (artigo 64.º da petição inicial).
P)’’- São vários os defeitos/anomalias de construção visíveis no prédio do autor:
- Inexistência de rufo em chapa lacada para separação do telhado com vizinho (arrematada com tela asfáltica com película de alumínio);
- Inexistência de rufo em chapa lacada de arremate do painel a empena (executada em tela asfáltica com película de alumínio);
- Inexistência de revestimento em chapa lacada no cimo das platibandas em arremate à caleira de escoamento de águas (executada em tela asfáltica com película de alumínio);
- Defeito da vedação do tubo de queda de escoamento das águas com caleira (encontra-se furado);
- Vários painéis estão curtos junto à Cumieira;
- Vedações de todas as chaminés e tubos feitos em materiais inadequados (feitos com tela asfáltica que se prolonga por todo o painel, painéis esses possivelmente irrecuperáveis);
- Falta de estrutura de suporte ao painel (estrutura muito espaçada), vide fotografias e levantamento de defeitos/anomalias com orçamento de reparação - docs. 21 e 22 da petição inicial).
- E cuja reparação importa para o autor um custo no valor de € 24.400,00 (vinte e quatro mil e quatrocentos euros) (artigo 68.º e doc. 22 da petição inicial).
Q)’’- Tais defeitos e anomalias na construção do telhado vieram, ainda, a causar danos no interior da fração autónomas do prédio, a Fração N correspondente ao 4º A (artigo 69.º da petição inicial).
R)’’- Por efeito de infiltração de águas (artigo 70.º da petição inicial).
S)’’- Causando humidades e fissuras nos tetos, paredes e chão, vide fotografias- docs. 23 e 24 (artigo 71.º da petição inicial).
T)’’- O autor não tem capacidade económica para proceder à reparação do telhado e das referidas frações (artigo 72.º da petição inicial).
U)’’- pelo que, o dano na referida fração, a cada dia se agravam e deterioram as condições de vida dos condóminos e em especial dos condóminos das frações referidas (artigo 73.º da petição inicial).
V)’’- cuja reparação importa um custo, quanto à fração N, de €2.800.
X)’’- Com o comportamento supra descrito a 1ª ré enganou-o, criando-lhe a ilusão, durante mais de 2 anos, de que estava a exercer o patrocínio, e usando de artifícios para mascarar a sua inércia (artigo 77.º da petição inicial).
Z)’’- Em 01.03.2017, deu entrada no Conselho de Deontologia do Porto da Ordem dos Advogados uma participação do autor contra a 1ª ré imputando-lhe os factos alegados supra, v. doc. 25 (artigo 82.º da petição inicial - aceite).
A)’’’- Foi aberto processo disciplinar - doc. 26 (artigo 84.º da petição inicial).
B)’’’- O autor participou, ainda, criminalmente da conduta da 1ªR (artigo 85.º da petição inicial - aceite).
C)’’’- Que veio a ser arquivada com fundamento de que a matéria em causa respeita a matéria de natureza disciplinar e civil, doc. 27 (artigo 86.º da petição inicial).
D)’’’- Entre a ré e a Ordem dos Advogados foi celebrado um contrato de seguro de grupo, temporário, anual, do ramo de responsabilidade civil, titulado pela apólice n.º ... (doc. 1 e artigo 15.º da contestação).
E)’’’- Através do referido contrato de seguro a ré segura a “Responsabilidade Civil Profissional decorrente do exercício da advocacia, com um limite de €150.000,00 por sinistro (…)”, entre outros riscos, cf. ponto 6 A do doc. fls. 155 e ss (pág. 3) (artigo 17.º da contestação).
F)’’’- “Mediante o pagamento do prémio, e sujeitos aos termos e condições da apólice, a presente apólice tem por objetivo garantir ao segurado a cobertura da sua responsabilidade económica emergente de qualquer reclamação de Responsabilidade Civil de acordo com a legislação vigente, que seja formulada contra o segurado, durante o período de seguro, pelos prejuízos patrimoniais causados a terceiros (…).” – cf. artigo 2.º da “Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional” (doc. fls. 159; (pág. 9) (artigo 18.º da contestação).
G)’’’- O contrato de seguro referido foi celebrado pelo prazo de 12 meses, com data de início às 0:00 horas do dia 1 de janeiro de 2018 e termo às 0:00 horas do dia 1 de janeiro de 2019, tendo sido renovado para a anuidade correspondente ao ano de 2019, cf. ponto 10 das “Condições Particulares do Seguro de Responsabilidade Civil” constantes do Doc. 1 (pág. 5) (artigo 19.º da contestação).
H)’’’- Através do contrato de seguro celebrado junto da R. foi, ainda, acordada a franquia de €5.000,00 por sinistro, cf. ponto 9 das “Condições Particulares do Seguro de Responsabilidade Civil” (pág. 5) (doc. 1 e artigo 20.º da contestação).
I)’’’- Nos termos acordados através do contrato de seguro celebrado com a ré “O tomador do seguro ou o segurado deverão, como condição precedente às obrigações do segurador sob esta apólice, comunicar ao segurador tão cedo quanto seja possível: a) Qualquer reclamação contra qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice; b) Qualquer intenção de exigir responsabilidade a qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice; c) Qualquer circunstância ou incidente concreto conhecida(o) pelo segurado e que razoavelmente possa esperar-se que venha a resultar em eventual responsabilidade abrangida pela apólice, ou determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento ou acionar as coberturas da apólice.” - artigo 8.º, n.º 1 da “Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional” das Apólices de Seguro contratadas. (doc. 1 e artigo 23.º da contestação).
J)’’’- “Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações: a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado, à data do início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação; (…)”(artigo 3.º da “Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional” das apólices em apreço, docs. 1 e artigo 24.º da contestação).
L)’’’- “O segurado, nos termos definidos no ponto 1. do artigo 8.º desta Condição Especial, deverá comunicar ao corretor ou ao segurador, com a maior brevidade possível, o conhecimento de qualquer reclamação efetuada contra ele ou de qualquer outro facto ou incidente que possa vir a dar lugar a uma reclamação.” – artigo 10.º, n.º 1 da “Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional” (doc. 1 e artigo 25.º da contestação).
M)’’’- Comunicação essa que, “(…) dirigida ao corretor ou ao segurador ou seus representantes (…)”, deverá chegar ao conhecimento do segurador no prazo máximo e improrrogável de 8 dias. – cf. artigo 10.º, n.º 2 da “Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional” (doc. 1 e artigo 26.º da contestação).
N)’’’- A ré Dra. AA, não comunicou à ré, diretamente ou através de qualquer outra entidade, os factos ou circunstâncias alegados na petição inicial (artigo 33.º da contestação).
O)’’’- A 2.ª ré só teve conhecimento dos factos alegados na petição inicial 13.07.2018, na sequência de reclamação apresentada pelo autor junto da corretora de seguros da Ordem dos Advogados (doc. 28.º da petição inicial e artigo 36.ºda contestação).
P)’’’ O ponto 7 das condições particulares da apólice, estabelece: “O segurador assume a cobertura de responsabilidade civil do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador de seguro ocorridos na vigência de apólices anteriores, desde que participados após o início de vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, cobertas pela presente apólice, e, ainda que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação.» (fls. 156).
*
2- Na mesma sentença, não se julgaram provados estes factos:
“1.º- e deslocando-se ao domicílio pessoal da 1ª ré (artigo 14.º da petição inicial).
2.º- O autor tomou conhecimento, por contacto telefónico estabelecido para o nº ..., que a 1ª R. não exerce a atividade profissional no escritório registado no site da Ordem dos Advogados, desde há 3 anos (artigo 60.º da petição inicial).
3.º- Fração J correspondente ao 3º A (artigo 69.º da petição inicial). 4.º- os danos nas referidas frações (artigo 73.º da petição inicial).
5.º- cuja reparação importa um custo, ainda não suscetível de ser apurado, mas nunca inferior a €5.600,00 (artigo 74.º da petição inicial).
6.º- E a Senhora Advogada, ré, não pode ter deixado de ter conhecimento que a sua conduta poderia ser geradora de responsabilidade civil, no limite, no ano de 2017, por força da participação disciplinar apresentada pelo autor junto do Conselho de Deontologia do Porto da Ordem dos Advogados (doc.s 25 e 26 da petição inicial e artigo 29.º da contestação).
7.º- A ré, Dra. AA, teve conhecimento dos factos que lhe são imputados antes do dia 01.01.2018, por força da queixa-crime apresentada contra a ré (artigos 30.º e 31.º da contestação).
8.º- Assim como teve conhecimento da intenção do autor lhe imputar responsabilidade pelos mesmos, antes do dia 01.01.2018 (artigo 32.º da contestação)”.
*
3- Análise dos fundamentos dos recursos
Comecemos pelo recurso da Ré seguradora.
O que nele começa por estar em causa é a questão de saber se as afirmações contidas nos pontos 6.º a 8.º, dos Factos não Provados, deviam, ao contrário do que se decidiu na sentença recorrida, ser julgadas demonstradas. Isto porque, na versão da referida Ré, resultam daquilo que pela mesma foi alegado nos artigos 29.º a 32.º da contestação e, como reconheceu expressamente o Tribunal recorrido, o respetivo teor não foi impugnado. Aliás, foi justamente por isso que o mesmo Tribunal não admitiu o depoimento de parte da co-Ré (Advogada) a esses artigos, o lhe que criou a legítima expetativa de que o neles vertido se encontrava provado. Não podia, portanto, aquele Tribunal, julgar, depois, os factos constantes desses artigos como não demonstrados. Até porque o depoimento da testemunha, BB, também os comprova.
Ora, sem prejuízo de se reconhecer que os aludidos artigos da contestação não foram impugnados e que, parte do que neles é referido pode, em tese, ser valorado como exceção, por representar a alegação de factualidade que, na versão da Ré seguradora, determina a exclusão do evento danoso do âmbito do contrato de seguro que com ela foi celebrado (tendo, assim, o A. e também a co-Ré o ónus de os impugnar- artigo 587.º, n.º 1, do CPC), não consideramos, ainda assim, que a decisão adotada pelo Tribunal recorrido seja inválida, nem que todo o teor de tais artigos deva ser julgado como provado.
Na verdade, uma grande parte desses artigos é constituída por factos instrumentais, tendentes a demonstrar, no fundo, duas realidades: que a Ré, Dra. AA, teve conhecimento dos factos que lhe são imputados nestes autos, antes do dia 01/01/2018; e que a dita Ré, também antes dessa data, teve conhecimento da intenção do A. de lhe imputar a responsabilidade pela ocorrência de tais factos. Tudo o mais e, designadamente, as participações disciplinar e criminal aí referidas servem para comprovar aquele conhecimento. Nessa medida, deve ser reduzida a este último, nas duas dimensões assinaladas, a factualidade provada, que passará a ter esta expressão:
“Q’’- A Ré, Dr.ª AA, teve conhecimento dos factos que lhe são imputados nestes autos, antes do dia 01/01/2018.
R’’’- A mesma Ré, Dr.ª AA, teve também conhecimento antes do dia 01/01/2018, da intenção do A. de lhe imputar a responsabilidade pela ocorrência dos aludidos factos”.
Esta alteração da matéria de facto, no entanto – é importante clarifica-lo desde já – não assegura à ora Apelante o efeito jurídico que a mesma lhe associa. Isto é, a exclusão da cobertura do contrato de seguro com base no qual a mesma foi acionada nestes autos.
Com efeito, importa, antes de mais, ter presente que estamos perante um contrato de seguro que, como se provou, se destina a garantir a responsabilidade civil dos respetivos segurados; ou seja, a garantir o risco de constituição no património dos mesmos de uma obrigação de indemnização a favor de terceiros (artigo 137.º, n.º 1, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril). E, entre esses segurados, encontram-se os Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados que exerçam a respetiva atividade profissional, seja em prática individual, seja societária, podendo, portanto, ser beneficiários de tal contrato quando lhes seja imputada alguma responsabilidade por atos ou omissões, cometidos com dolo, erro ou negligência profissional. Nesses casos, preenchidos os respetivos pressupostos, o referido seguro pode ser acionado.
O contrato de seguro para estes profissionais, no entanto, não é facultativo. É, antes, obrigatório. Na verdade, como decorre do disposto no artigo 104.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 09 de setembro, “[o] advogado com inscrição em vigor deve celebrar e manter um seguro de responsabilidade civil profissional tendo em conta a natureza e âmbito dos riscos inerentes à sua atividade, por um capital de montante não inferior ao que seja fixado pelo conselho geral e que tem como limite mínimo (euro) 250.000, sem prejuízo do regime especialmente aplicável às sociedades de advogados e do disposto no artigo 38.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro”.
Estamos, portanto, perante uma obrigação legal, que, neste caso, foi assumida pela respetiva Ordem. Por um lado, para acautelar as consequências danosas decorrentes do risco do exercício desta atividade profissional, perante terceiros; e, por outro lado, para garantir também o património do próprio segurado, que, por esta via, pode ter mais tranquilidade e segurança no exercício da sua atividade profissional. Assume, por isso, também interesse público[1].
Tratando-se, no entanto, como se trata, de um seguro obrigatório, há especificidades que o afastam do regime comum.
Desde logo, as inerentes à falta de participação do sinistro.
Como decorre do disposto no artigo 101.º, n.ºs 1 e 2, do RJCS, ocorrendo essa falta, o contrato pode prever a perda da prestação do segurador ou a perda da cobertura, nas circunstâncias aí referidas. Mas nos casos de seguro obrigatório de responsabilidade civil, a solução é diversa. Nessas situações, a falta de participação do sinistro ao segurador não é oponível aos lesados (n.º 4). Prevalece, nessa hipótese, o interesse público e, portanto, os lesados continuam a poder fazer valer os seus direitos perante o segurador.
Ora, na situação em análise, é justamente isso que se passa; ou seja, não obstante tenha ficado convencionado no contrato de seguro em questão que as reclamações “[p]or qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado, à data do início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação”, ficariam excluídas da cobertura da apólice (artigo 3.º, al. a), das condições especiais responsabilidade civil profissional), essa não é ressalva que aqui possa ser aplicada.
De resto, nem é bem nesta dimensão que a ora Apelante escuda o seu recurso. É, antes, na circunstância da conduta alegadamente danosa se ter verificado antes do início do contrato de seguro que aqui está em causa (01/01/2018) e a reclamação que lhe foi feita só lhe ter sido dirigida posteriormente, ou seja, no dia 13/07/2018. Antes, como se provou, a co-Ré, Dr.ª AA, não lhe comunicou, diretamente ou através de qualquer outra entidade, os factos ou circunstâncias alegadas na petição inicial, embora o devesse ter feito.
Acontece que o âmbito temporal deste contrato de seguro não se cinge apenas aos factos geradores de responsabilidade ocorridos no período da sua vigência. Estende-se também, como convencionado, aos factos da mesma natureza antes verificados, desde que reclamados naquele período. A cláusula 7ª das condições particulares deste contrato, é perfeitamente clara, neste sentido: “O segurador assume a cobertura de responsabilidade civil do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador de seguro ocorridos na vigência de apólices anteriores, desde que participados após o início de vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, cobertas pela presente apólice, e, ainda que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação”. É a chamada cláusula “claims made”, que se justifica pela necessidade das seguradoras, neste tipo de contratos, terem a noção, com razoável precisão, do âmbito das suas responsabilidades e, assim, melhorarem a sua gestão[2]. Cláusula que é perfeitamente válida, à luz do disposto no artigo 139.º, n.º 2, do RJCS, uma vez que, como aí se prescreve, ao contrário do que é regra, “[s]ão válidas as cláusulas que delimitem o período de cobertura, tendo em conta, nomeadamente, o facto gerador do dano, a manifestação do dano ou a sua reclamação”[3].
Neste contexto, portanto, tendo presentes os dados de facto já assinalados, não pode deixar de se concluir que o âmbito temporal do contrato de seguro em apreço também compreende os factos geradores de responsabilidade que estão em discussão nestes autos.
Daí que este fundamento de recurso seja de julgar improcedente.
Passemos à análise do seguinte.
Trata-se de saber, em primeiro lugar, se não há dados de facto que permitam concluir que o A. teria forte probabilidade de vencer a ação judicial que mandatou a 1ª Ré para propor.
A Ré seguradora considera que não. Até porque isso mesmo já foi reconhecido na Instância recorrida, que julgou inepta a petição inicial.
Acontece que o despacho que assim decidiu foi revogado em sede de recurso e, por conseguinte, não subsistindo mais na ordem jurídica, não podia, nem pode, mais ser contrariado. Logo, a sentença recorrida não padece de qualquer vício, neste domínio, improcedendo a invalidade que a referida Ré associa a essa alegada contradição.
O que resta, assim, por aquilatar é se o A., face aos factos provados e ao direito aplicável, tinha forte probabilidade de ver reconhecidos em juízo os direitos de que se arrogava titular, designadamente, sobre a sociedade B..., Ldª, em razão do contrato de empreitada entre ambos celebrado. Isto porque, como tem entendido a maioria da jurisprudência, a “perda de chance” só pode ser valorizada como dano autónomo, existente à data da lesão e, portanto, qualificável como dano emergente, “desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade suficiente, independente do resultado final frustrado”[4]. Nesse dano, com efeito, repara-se a possibilidade de um resultado e não o próprio resultado; compensa-se a perda de uma oportunidade com relevância jurídica e não o que seria obtido com a concretização dessa oportunidade.
Daí que tenha sido recentemente estabelecida jurisprudência uniformizada no sentido de que “[o] dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade”[5].
Vejamos se o A., neste caso, o conseguiu.
Para o avaliar, importa começar por ter presente que o já referenciado contrato de empreitada tinha por objeto a reparação do telhado do prédio onde o A. se situa.
No entanto, como se provou, na execução dessa obra, a empresa supra referida, para além de não ter executado alguns dos trabalhos orçamentados, deu causa a que surgissem várias anomalias de construção, consistentes em deficiências de impermeabilização do próprio telhado.
Denunciados os trabalhos não realizados e os defeitos verificados, a mesma empresa, reconhecendo embora que não havia concluído a obra e que os trabalhos haviam sido deficientemente realizados, anuiu às reclamações do A. e procedeu à realização de alguns dos trabalhos em falta e à correção das anomalias/defeitos de construção verificados, o que aconteceu em março de 2013.
Acontece que, mais uma vez, a referida empresa não realizou parte dos trabalhos em falta e ressurgiram os defeitos. O que obrigou o A., em 24/01/2014, a denunciá-los e a reclamar, mais uma vez, a eliminação de várias anomalias de construção. Mas, sem sucesso. Na verdade, a empresa em causa não anuiu nem deu mostras de querer proceder às necessárias reparações das anomalias/defeitos ressurgidos. E daí que ainda se verifiquem na obra as seguintes anomalias:
- Não há rufo em chapa lacada para separação do telhado com o vizinho (arrematada com tela asfáltica com película de alumínio);
- Inexiste rufo em chapa lacada de arremate do painel a empena (executada em tela asfáltica com película de alumínio);
- Inexiste revestimento em chapa lacada no cimo das platibandas em arremate à caleira de escoamento de águas (executada em tela asfáltica com película de alumínio);
- O tubo de queda de escoamento das águas da caleira encontra-se furado;
- Vários painéis estão curtos junto à cumieira;
- As vedações de todas as chaminés e tubos são feitos em materiais inadequados (feitos com tela asfáltica que se prolonga por todo o painel, painéis esses possivelmente irrecuperáveis);e,
- Há falta de estrutura de suporte ao painel (estrutura muito espaçada).
Perante esta realidade, pois, é inevitável a conclusão de que o trabalho realizado pela empreiteira não se mostra conforme com o contrato.
E quando assim é, a única conclusão a retirar é que a sociedade já indicada, que aqui era empreiteira, não cumpriu o seu principal dever, que era o de “executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato” (artigo 1208.º, do Código Civil). Ou dito por outras palavras, visto que o A., enquanto condomínio de um prédio do qual fazem parte frações autónomas destinadas a habitação, também é consumidor[6], executar essa obra em conformidade com o contrato (artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril (Venda de Bens de Consumo e das Garantias a ela relativas)[7], que transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio. Estes dois últimos diplomas foram, entretanto, revogados, respetivamente, pelo artigo 54.º, al. b), do Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro, e artigo 23.º, da Diretiva (UE) 2019/771 do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de maio de 2019, mas, como resulta do disposto no artigo 53.º, n.º 1, do referido Decreto-Lei n.º 84/2021, o respetivo regime só se aplica às relações contratuais estabelecidas após a sua entrada em vigor (01/01/2022), o que não é o caso.
Não tendo, pois, a referida sociedade cumprido o contrato, ao A. restavam várias alternativas, no sentido de ser reintegrado no seu direito. Designadamente, por via do último regime referido, o direito a ver reposta a conformidade do serviço prestado com o contratado, sem encargos, por meio de reparação, de substituição, de redução adequada do preço ou até de resolução do contrato, podendo exercer qualquer um desses direitos em alternativa (artigo 4.º, n.ºs 1 e 5, Decreto-Lei n.º 67/2003). Mais: podia pedir também para ser indemnizada pelo interesse positivo no cumprimento do contrato, em montante indispensável à conclusão da obra e à reparação dos defeitos da mesma [artigos 801.º, n.º 2, 802.º, n.º 1 e 1223.º, do Código Civil e artigo 12.º, n.º 1, da Lei n.º 24/96, de 31 de julho (Lei de Defesa do Consumidor), na redação que lhe foi dada pelo já referido Decreto Lei n.º 67/2003][8].
Donde, só se pode concluir que o A. tinha sérias probabilidades de ver reconhecidos estes direitos na ação judicial que mandatou a 1ª Ré para propor.
E, não tendo esta última atuado em conformidade com as obrigações que para si decorriam desse mandato, deve ser responsabilizada pelos danos daí decorrentes (artigo 798.º do Código Civil).
Com efeito, embora o advogado não preste, no exercício da sua atividade profissional e processual, uma obrigação de resultado, isto é, não garanta o sucesso da sua intervenção, com a satisfação integral do interesse pretendido pelo credor, obriga-se, ainda assim, a desenvolver a sua atividade, de modo diligente e responsável, para atingir esse objetivo. Como decorre do disposto no artigo 100.º, n.º 1, al. b), do EAO, o advogado está obrigado a “[e]studar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e atividade” e, por conseguinte, se o não fizer de modo ilícito e culposo, pode vir a ser responsabilizado pela reparação dos danos daí decorrentes. Isto é, pode vir a ser responsabilizado, não porque o resultado não foi atingido, mas porque não utilizou, como devia, todos os meios que estavam ao seu alcance, de acordo com o conhecimento disponível (legis artis), para o efeito.
E é o que o A. pretende e tem direito. Não só em relação a esta Ré (Advogada), mas também quanto à ora Apelante, posto que, como se provou, a mesma aceitou a transferência de responsabilidade, neste domínio, não se verificando, como vimos, o obstáculo que a mesma suscitou para dela se eximir.
Questão diferente é a de saber qual a dimensão concreta dessa responsabilidade, matéria que entronca diretamente também com o recurso (subordinado) do A..
Vejamos, então, esse aspeto.
Nesta ação, o A. dimensiona o seu dano em função de duas realidades distintas: os prejuízos que lhe advieram diretamente da inércia da 1ª Ré e que o levam a ter de suportar 24.400,00€, para reparar os defeitos que a sociedade empreiteira deixou na obra realizada nas partes comuns do edifício onde se situa; e, os prejuízos ocasionados por esses mesmos defeitos em duas das frações autónomas desse mesmo edifício, para cuja reparação, no seu modo de ver, são necessários, 5.600,00€.
Na sentença recorrida, ao A. foi reconhecido apenas o direito a uma indemnização de 27.200,00€; ou seja, o correspondente ao valor necessário para reparar as ditas partes comuns (24.400,00€) e ainda 2.800,00€, para reparar a fração N, correspondente ao 4.º A.
A Ré seguradora insurge-se contra o referido valor de 27.200,00€. Alega que a “reparação da perda de uma chance deve ser medida em relação à chance perdida e não pode ser igual à vantagem que se procurava, pelo que a indemnização não pode ser nem superior nem igual à quantia que seria atribuída ao lesado ora recorrido caso se verificasse o nexo causal entre o facto e o dano invocado”.
Já o A., por seu turno, defende que lhe deve ser reconhecido o direito aos indicados 5.600,00€, pois que, para além da fração N, também ficou danificada, com os defeitos da obra realizada nas partes comuns, a fração J, correspondente ao 3.º-A, importando a respetiva reparação também em 2.800,00. O que pretende se reconheça por via, desde logo, da alteração da matéria de facto que pede em relação aos factos constantes dos pontos 3.º, 4.º e 5.º, do capítulo dos Factos não Provados.
Acontece que o A. não é dono, nem representa os proprietários destas frações autónomas; pelo menos, não há qualquer facto provado que ateste esta representação. A sua intervenção nesta ação, pois, só pode cingir-se aos interesses que dizem respeito às partes comuns. Quanto às ditas frações autónomas, como resulta do disposto no artigo 1420.º, n.º1, do Código Civil, a sua representação compete a quem delas é proprietário.
Isto não significa, obviamente, que o A. não possa vir a ser responsabilizado pelos danos surgidos naquelas frações, se oriundos de defeitos verificados nas partes comuns. E que o A., por seu turno, não possa também repercutir sobre terceiros a sua responsabilidade, se os mesmos a ela tiverem dado causa.
Mas, para isso é necessário que os proprietários daquelas frações se manifestem, no sentido de querer ver reintegrada a sua esfera jurídica, pelos danos nela sofridos, com aquela origem. O que não está demonstrado que, no caso, tenha sucedido.
Ou seja, em resumo, o A. não tem legitimidade para, nesta ação, pedir qualquer indemnização pelos danos consequenciais verificados nas aludidas frações.
Donde, nem pode ser atribuída nenhuma indemnização a esse título ou com essa base de referência, nem, consequentemente, se justifica a análise da alteração da matéria de facto pedida pelo A. Seria completamente inútil. E, quando assim é, a Relação deve abster-se dessa tarefa[9].
O dimensionamento da indemnização a que o A. tem direito, pois, só pode ser feito em relação aos defeitos existentes nas partes comuns do edifício e ao prejuízo que para ele resultou da não instauração da ação judicial, por parte da 1ª Ré, conforme a tinha mandatado.
E esse prejuízo não pode deixar, neste caso, de ser equivalente ao custo da reparação desses defeitos (24.400,00€), pois, como vimos, o A. tinha séria probabilidade de ver reconhecido esse direito, na dita ação.
Como tal, será esse o valor arbitrado.
Resta a questão dos juros moratórios.
Dispõe o artigo 805.º, n.º 3, do Código Civil o seguinte: “[s]e o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número”.
Na sequência de interpretações contraditórias a respeito deste preceito o Supremo Tribunal de Justiça estabeleceu a seguinte orientação uniformizadora (Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2002 de 9/05/2002, publicado no DR n.º 164, Série 1-A, de 27/06/2002): “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.
E compreende-se que assim seja. Com efeito, visando os juros de mora compensar a depreciação monetária, faz sentido que, nas decisões judiciais em que o capital é atualizado à data em que as mesmas são proferidas, se não estabeleçam esses juros desde data anterior. Como se escreveu no Ac. STJ de 04/06/2015[10], “os juros de mora não podem transformar-se, nem numa elevação indireta dos montantes indemnizatórios, nem numa duplicação de indemnizações pela demora no pagamento da indemnização”. Caso contrário, haveria uma duplicação de compensações em virtude do mesmo facto: o decurso do tempo.
No caso presente, porém, não foi pedida, nem houve lugar a qualquer atualização. A quantia devida é, no fundo, como vimos, a equivalente à necessária para a reparação dos defeitos existentes nas partes comuns do edifício onde o A. se situa (24.400,00€), e, por conseguinte, deve aplicar-se a regra geral para a data de vencimento dos juros moratórios que, como dissemos, se deve situar na daquela em que ocorre a citação.
Assim, será a partir desta data que os referidos juros serão atribuídos e não, como se decidiu na sentença recorrida, a partir da data em que a mesma foi proferida.
Em resumo: procede o recurso do A., nesta parte, mas improcede em tudo o mais; e o recurso da Ré seguradora, por sua vez, procede quanto à redução do valor indemnizatório para os referidos 24.400,00€, mas improcede na parte restante, sendo de alterar a sentença recorrida em conformidade.
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III- Dispositivo
Pelas razões expostas, acorda-se em:
Conceder parcial provimento aos recursos em apreço e, revogando parcialmente a sentença recorrida, condenam-se ambas as Rés a pagarem, solidariamente, ao A. a quantia de 24.400,00€ (vinte e quatro mil e quatrocentos euros), acrescida dos correspondentes juros de mora, à taxa legal, a contar da data da citação até integral pagamento.
2.º Quanto ao mais, nega-se provimento a ambos os recursos e confirma-se, nessa medida, a sentença recorrida.
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- Em função deste resultado, as custas de cada um dos recursos serão pagas por A. e Ré Seguradora, na proporção do respetivo decaimento – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
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Porto, 07/02/2023
João Diogo Rodrigues
Anabela Miranda
Lina Baptista
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[1] Neste sentido, entre outros, Ac. RP de 09/11/2017, Processo n.º 9108/16.0T8PRT-A.P1, consultável em www.dgsi.pt
[2] Neste sentido, J.C. Moitinho de Almeida, Contrato de Seguro, Estudos, Coimbra Editora, pág. 239.
[3] Acompanhámos, assim, o entendimento expresso, entre outros, no Ac STJ de 14/12/2016, Processo n.º 5440/15.8T8PRT-B.P1.S1, Ac STJ de 11/07/2019, Processo n.º 5388/16.9T8VNG.P1.S1 e Ac. STJ de 16/12/2020, Processo n.º 17592/16.5T8SNT.L1.S1, todos consultáveis em www.dgsi.pt
[4] Ac. STJ de 09/07/2015, Processo n.º 5105/12.2TBXL.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, parecem também pronunciar-se o Ac. STJ de 17/05/2018, Processo n.º 236/14.7TBLMG.C1.S1, Ac. STJ de 06/12/2018, Processo n.º 456/14.4TVLSB.L1.S1, consultáveis no mesmo endereço eletrónico.
[5] AUJ do STJ n.º 2/2022, de 26 de janeiro, publicado no DR n.º 18/2022, Série I, de 26/01/2022.
[6] Neste sentido, Ac. STJ de 20/01/2022, Processo n.º 1451/16.4T8MTS.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[7] Que também se aplica ao contrato de empreitada. Neste sentido, por exemplo, Ac. RC de 15706/2020, Processo n.º 101/18.9T8VLF.C1, consultável em www.dgsi.pt.
[8] Neste sentido, Ac. RC de 04/05/2020, Processo n.º 4581/15.6T8VIS.C2, consultável em www.dgsi.pt.
[9] Cfr. neste sentido, Ac. RP de 13/07/2022, Processo n.º 1836/12.5TBMCN-A.P1, consultável em www.dgsi.pt
[10] Proc. 1166/10.7TBVCD.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt