FOTOGRAFIAS ILÍCITAS
FACEBOOK
PERFIS PÚBLICOS E PRIVADOS
UTILIZAÇÃO PÚBLICA DE IMAGEM
Sumário

- A imagem é bem jurídica eminentemente pessoal com a estrutura de uma liberdade fundamental e que reconhece à pessoa o domínio exclusivo sobre a sua própria imagem.
 - No art.º 199 nº 2 b) CP o que se pune são as condutas que violando a vontade da pessoa a quem respeita a fotografia ou a filmagem ou a utilização ou permissão de utilização das mesmas, atentam contra o direito de qualquer pessoa a não ver o seu retrato exposto em público, contra a sua vontade.
- Tendo em conta como funcionam as redes sociais, mais precisamente o facebook, e havendo a possibilidade de ter o perfil privado, aberto apenas a amigos, amigos chegados, conhecidos ou ao público e sem qualquer restrição de acesso, se o próprio exercendo o seu direito de disponibilidade da própria imagem, de forma livre e consciente, a torna pública, o uso das fotografias, tornadas públicas pelo próprio, não preenche o tipo.

Texto Integral

Acórdão proferido na 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

AS, assistente nos presentes autos, veio recorrer da decisão que absolveu as arguidas da autoria material de um crime e fotografias ilícitas, previsto e punido pelo artigo 199º, n.º 2, al. b) CP.

Apresentou para tanto as seguintes conclusões:

ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA (Art.º 410º, nº 2 al c) CPP)
1- A factualidade dada como provada na sentença recorrida, designadamente nos pontos 1 a 10, tipifica objetivamente a prática pelas recorridas, em coautoria e na forma consumada, do crime de Gravações e fotografias ilícitas, previsto e punido pelo artº 199º do Código Penal.
2- O Tribunal “a quo” fundamenta a decisão nos depoimentos das testemunhas, atribuindo credibilidade ao depoimento da testemunha TF, ao afirmar que “…estas que depuseram de forma isenta e objetiva, razão pela qual lograram obter credibilidade junto do Tribunal.”
3- Acrescentando que: “A testemunha TF, ex-cunhada da arguida FA, referiu que a família da testemunha RC já lhe tinha mostrado sinais de preocupação em face do relacionamento com a assistente, preocupação essa que se centrava na discordância em face do estilo desta última.”
4- Em audiência de julgamento a testemunha TF: (início 11:05 horas e termo ocorreu pelas 11:22 horas), a perguntas do MP, Minutos 3:20 a 8:28, respondeu sempre não ter conhecimento direto dos factos, sabendo apenas o que ouvia dizer ao ex-marido e ao filho LC.
5- O ex-marido e ao filho, alegadamente fontes através das quais tomou conhecimento dos factos, não foram chamados a depor, sendo que, o filho arrolado como testemunha pela defesa, não foi inquirido porque a defesa prescindiu do seu depoimento, conforme ata de 17/05/2022, referência CITIUS 152786357.
6- Nos termos do disposto no art.º 129º, nº 1, do Código de Processo Penal, o depoimento da testemunha TF, por não terem sido chamados a depor as pessoas a quem a testemunha alega ter ouvido dizer, não se verificando qualquer impossibilidade para que essas pessoas depusessem em tribunal, não pode servir como meio de prova, devendo ser anulada a sentença na parte em que valora o depoimento da testemunha TF.
7- Quanto ao facto 1. dos factos não provados, “Que as arguidas atuaram com o propósito concretizado de utilizar tais fotografias cientes de que as mesmas não tinham a virtualidade de servir de prova aos factos que pretendiam demonstrar na referida acção.”, não podemos concordar, senão vejamos:
8- Conforme resulta dos factos provados, a arguida FA acedeu ao perfil do Facebook da Recorrente, daí retirou fotografias que imprimiu a entregou à arguida SF, que as juntou como documento nº3 em incidente de alteração da regulação das responsabilidades parentais que correu termos no Juízo de Família e Menores de ….  com o n.º ….– A, conforme ponto 10 do Requerimento Inicial.
9- Com as fotografias pretenderam provar que a agora recorrente” …, mantém comportamento cesuráveis e que não vão de encontro às orientações educativas da mãe da menor …”
10- As fotografias juntas aos autos, que aqui se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais, nada têm de censurável, são fotografias da recorrente e do seu filho, em que retratam só a recorrente, a recorrente acompanhada do seu filho ou só o filho da recorrente.
11- Estão datadas de junho, outubro e novembro de 2016, ou seja, momento muito anterior ao do início do relacionamento amoroso com o pai da menor.
12- Não pode o tribunal recorrido ao considerar não provado que as arguidas ao usaram as fotografias da recorrente por as julgarem idóneas para provar os factos que pretendiam demonstrar, ou seja “comportamentos cesuráveis” da recorrente, quando é óbvio que nenhuma das fotos usadas pelas arguidas retrata qualquer comportamento censurável da recorrente.
13- Existindo mesmo uma contradição entre este facto não provado e o facto 10 dos factos provados onde se diz: “Com as respetivas condutas, ao carrear tais fotografias para os autos de alteração de regulação das responsabilidades parentais, as arguidas agiram com o propósito de fazer prova de facto concreto que foi alegado.”
14- As recorridas quiseram usar e usaram as fotografias da recorrente para fazer prova dos seus “comportamentos censuráveis”, sendo que, embora o desconhecimento da lei não aproveite a quem a viola, a recorrida SS é Advogada, bem sabendo que com elas não provaria qualquer comportamento censurável da recorrente e que tal conduta era proibida pela lei penal.
15- O facto não provado nº 1 deve ser considerado facto provado.
16- Consequentemente, também o facto 2 dos factos não provados deve ser considerado facto provado porque as recorridas agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

DO DIREITO
17- A sentença recorrida absolve as arguidas da prática do crime de fotografias ilícitas, considerando excluída a ilicitude, com os fundamentos seguintes: “…. não nos podemos olvidar que tais fotografias foram expostas no perfil do facebook pela própria assistente e que as arguidas apenas as utilizaram com o único propósito de provar factos alegados em peça processual, pelo que se entende que agiram no exercício de um direito, pelo que se entende que as arguidas agiram ao coberto do disposto no artigo 31º, n.º 2, al. b) do Código Penal.”
18- Como a Mmª juiz reconhece na sentença recorrida, o direito à imagem merece tutela constitucional, art.º 261º da CRP e legal, art.º 79º do Código Civil e art.º 199º do Código Penal.
19- Resulta dos factos provados que as arguidas usaram as fotografias, embora licitamente obtidas do perfil do Facebook da recorrente, sem o seu consentimento.
20- Dúvidas não restam sobre a tipicidade da conduta das recorridas preenchendo os pressupostos da norma incriminadora, nº 2, al. b) do artº 199º do CP.          
21- Quanto à questão que motiva a nossa discordância da sentença recorrida, a causa de exclusão da ilicitude fundamentada no exercício de um direito, veja-se a propósito a posição da doutrina e jurisprudência sobre a matéria:
22- Manuel da Costa Andrade in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo 1, pág. 838, Coimbra Editora, 1999, “§ 52. Assim, por desígnio tão expresso como inequívoco do legislador, a prossecução das finalidades (repressivas) imanentes ao processo penal, máxime a descoberta da verdade material, não legitima a produção - por particular ou autoridade pública – sem consentimento, de gravação, fotografia ou filme.
23- Como não legitima a sua utilização ou valoração sem consentimento em processo penal. Independentemente do seu estatuto adjetivo-processual, nomeadamente no contexto das proibições de prova (Costa Andrade, cit. 237 ss), tanto a produção como a utilização (valoração) das gravações e fotografias configuram, no plano substantivo expressões irredutíveis de ilicitude criminal.”
24- “§ 54. No que toca à imagem ……O propósito de carrear provas para o processo penal e prosseguir a verdade material, também não justifica a produção ou utilização das fotografias (filmes, registos videográficos) arbitrárias. Nem em relação a particulares, nem em relação a autoridades; e seja qual for a gravidade do crime ou a valência da fotografia do ponto de vista da privacidade/intimidade.”
25- Nem em Processo Penal é permitido o uso de fotografias sem consentimento do titular do direito logo, por maioria de razão, também o seu uso não é permitido num processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais.
26- E muito menos quando não provam sequer qualquer facto alegado pelas recorridas, muito menos qualquer “comportamento censurável” da recorrente.
27- Também a jurisprudência, de forma unânime considera verificados os pressupostos da prática do crime quando é feito uso, sem autorização do titular do direito à imagem, de fotografias retiradas do perfil do Facebook.
28-Vide, a propósito, AC TRP, processo nº 47/15.2T9AGD.P1, de 12/7/2017, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário de diz: “Constitui o crime do art.º 199º CP (fotografias ilícitas), a realização de cópias informáticas de fotografias existentes dos lesados e dos filhos e livremente acessíveis no Facebook daqueles e o seu envio posterior aos próprios por email, por ter sido feita contra a vontade de quem elas retratavam.”
29- Ou ainda, AC TRP, processo nº 101/13.5TAMCN.P1, de 05/6/2015, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário de diz: “... V – É suscetível de preencher o tipo legal de crime de Gravações e fotografias ilícitas, do art.º 199.º nº 2, do Cód. Penal, a arguida que, contra a vontade do fotografado, utiliza uma fotografia deste, ainda que licitamente obtida e a publicita no Facebook.”
30- O que contraria o argumento da necessidade de interpretação atualista do nº 2 al. b) do artº 199º CP, excluindo a ilicitude do uso das fotografias publicadas em perfis de utilizadores das redes sociais, in casu, com fundamento no exercício de um direito.

Do Pedido de Indemnização Civil:

31- A recorrente deduziu pedido de indemnização civil, peticionando a condenação solidária das arguidas/demandadas no pagamento da quantia de €1.500,00 (mil  e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, quantia esta acrescida de juros legais.
32- O Tribunal “a quo”, em consequência da absolvição pela prática do crime, julgou improcedente o pedido e absolveu as arguidas do pedido formulado pela agora recorrente.
33- Julgando verificada a prática do crime de fotografias ilícitas, previsto e punido pelo art.º 199º do CP, e condenando as arguidas pela sua prática, estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual e, consequentemente, o dever de indemnizar pelos danos não patrimoniais causados pelas recorridas à recorrente.
34- O facto ilícito praticado pelas recorridas causou à recorrente danos não patrimoniais, indemnizáveis nos termos das disposições conjugadas doas artºs 483º, 484º, 496º e 497º do Código Civil.
35- Com os fundamentos expostos, deve:
- Ser desconsiderado o depoimento da testemunha TF, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 128º e 129º, nº 1 do CPP.
- Serem considerados provados os seguintes factos:
a) “Que as arguidas atuaram com o propósito concretizado de utilizar tais fotografias cientes de que as mesmas não tinham a virtualidade de servir de prova aos factos que pretendiam demonstrar na referida ação.”
b) Que as arguidas agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.”
3. Ser julgado procedente o PIC e as recorridas condenadas no pagamento de indemnização no valor de €1500,00 acrescida dos respetivos juros legais.
36. Nestes termos e no mais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se e revogando-se a Douta Sentença recorrida pelos fundamentos supra expostos.
Assim far-se-á JUSTIÇA.
***
Responderam as arguidas nos seguintes termos:
(1) -» em termos jurídicos:
a-» inexiste tipicidade por ausência de violação do requisito típico autorização, antes tratando-se de acesso e uso a fotografia publicada em plataforma virtual que integra uma rede social em que a assistente gerou um perfil público que admitia o acesso e a partilha do que ali publicou, o que sabia ser assim e desejou, autorizando, pois, tais actos, nisso incluindo os praticados pela ora respondentes
b-» mesmo que fosse relevante o mero consentimento [e não é, devido à natureza dualista da actual descrição típica do crime, conforme o prevê o artigo 199º do Código Penal, por oposição ao artigo 179º do seu antecedente], o que se acaba de explanar quanto ao meio e ao modo como as imagens foram afixadas naquela rede social evidencia um consentimento expresso ao acesso e difusão
c-» mesmo que assim não fosse e a conduta fosse típica e ocorresse ilicitude, sempre ocorreria causa de justificação em função de se estar (i) perante exercício de direito ou cumprimento de dever (ii) ou face à causa geral de justificação dado o preceituado na lei civil em matéria de dispensa de consentimento
d-» uma perspetiva vitimológica, como vendo sendo recentemente patrocinado, leva a idêntico resultado, porquanto as imagens em causa foram usadas exclusivamente no meio judicial e para finalidades legítimas de busca de tutela para os superiores interesses de uma menor, filha da primeira respondente, patrocinados pela segunda respondente, e tudo de acordo com o que o Direito permite e a Justiça exige.
(2) -» em termos fácticos:
a-» inexistem os vícios probatórios que o recorrente pretende, menos ainda erro notório na avaliação da prova
b-» não ocorre contradição na fundamentação
c-» o facto vertido na análise crítica da prova, se não resulta de confronto da testemunha com a fonte de ciência, não foi vertido como tal, mas de modo incidental e sem relevo para o objeto jurídico do processo.
54. Por todas estas razões, o recurso da assistente deve ser considerado improcedente, porquanto decaem as razões que expendeu na sua motivação e levou às conclusões, sendo estas as que delimitam o objeto do processo.
Por tudo isto, a sentença decorrida deve ser confirmada e as arguidas absolvidas da matéria criminal e também civil, como é de JUSTIÇA!
*
Em 1ª Instância pronunciou-se o MP no seguinte sentido:

1. O erro notório na apreciação da prova não visa a análise em concreto da prova que foi produzida, mas sim qual a utilização que lhe foi dada para a formação da convicção do Tribunal.
2. A convicção do Tribunal a quo formou-se com base na globalidade da prova produzida em sede de audiência de julgamento e ainda da prova documental junto aos autos.
3. Mesmo que se considere que o depoimento da testemunha TF não é admissível, o que nem se concebe porquanto o mesmo não foi fundamento para a prova de um facto propriamente dito, mas sim para comprovar a impressão que havia sido criado no seio familiar, sempre se dirá que da análise da demais prova e a motivação supracitada sempre se dirá que a conclusão a que o Tribunal a quo chegaria à mesma conclusão sobre a matéria de facto sem o depoimento da testemunha TF.
4. Não se vislumbra a existência de qualquer contradição entre o facto 10. dos factos provados e o facto 1. dos factos não provados, porquanto no primeiro facto refere-se que as arguidas pretendiam fazer prova do facto alegado, na segunda diz-se que não foi provado que sabiam que as fotografias utilizadas com aquele propósito não tinham a virtualidade de fazer prova do facto que havia sido alegado.
5. Não se provou que as arguidas tenham tido o intuito de utilizar as fotografias em questão para qualquer outro fim senão fazer valer um direito no âmbito de um processo judicial, pelo que não merece qualquer reparo a douta sentença recorrida, devendo a mesma ser mantida na íntegra, sendo de aplicar a causa de exclusão de ilicitude prevista no artigo 31º, n.º 2, al. b) do Código Penal.
Pelo exposto, deverá o Tribunal ad quem negar provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Fazendo, deste modo, Vossas Excelências, a tão costumada, JUSTIÇA!
****
Neste Tribunal o Exmº Procurador Geral Adjunto, acompanhando as motivações do MºPº na 1ª instância, emitiu douto parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
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Da decisão recorrida resulta:
1.  A arguida FA foi casada com RC, desde ….2008 e até …2014 e, dessa relação, teve uma filha, CC, nascida a 15.02.2011.
2. Por seu turno, a assistente AS e RC viveram em comunhão de vida, como se de marido e mulher se tratassem, no período compreendido entre os meses de Julho de 2017 e Agosto de 2018.
3. Em data não concretamente apurada, situada em meados do ano de 2017, a arguida FA acedeu à página na rede social Facebook da assistente e daí extraiu cópias de diversas fotografias, onde surge retratada a imagem desta que guardou, o que fez sem o conhecimento ou autorização da mesma.
4. Entretanto, a arguida FA constituiu sua mandatária, a advogada SS, ora coarguida, a fim de suscitar a alteração da regulação das responsabilidades parentais relativas à sua filha menor de idade, ocasião em que procedeu à entrega de tais fotografias da imagem da pessoa da assistente, mais uma vez, sem o consentimento ou autorização desta.
5. Com efeito, no dia 18.11.2017, junto desta Comarca de Lisboa Norte – Juízo de Familia e Menores de Vila Franca de Xira, a arguida SS, na qualidade de mandatária da arguida FA, apresentou a petição inicial que deu origem aos autos de alteração da regulação das responsabilidades parentais n.º … –A.
6. Dessa petição inicial, no ponto 10., as arguidas fizeram constar, sobre a assistente que “a actual companheira do pai da menor, apesar de também ser mãe, mantém comportamentos censuráveis e que não vão de encontro às orientações educativas da mãe da menor – vejam-se algumas das publicações nas redes sociais, que se junta e se dá por integralmente reproduzido, como doc. 3”.
7. As arguidas, em concertação de vontades e esforços, na execução do plano que previamente traçaram, utilizaram essas fotografias extraídas da página da assistente na rede social do facebook, nas quais consta retratada a imagem desta, juntando-as como “doc. n.º 3”, o que fizeram sem o conhecimento ou autorização da mesma.
Mais se provou que:
8. Com a utilização das referidas fotografias no requerimento de alteração das responsabilidades parentais, as arguidas pretendiam demonstrar o desagrado da mãe da menor, a arguida FA, pelas publicações da assistente na rede social Facebook, que evidenciavam uma postura pública contrastante com as orientações educativas que a ora arguida FA dava à sua filha menor, já que esta desde o convívio com a Assistente passou a ter uma linguagem e maneirismos impróprios quando regressava da casa do seu pai.
9. As mencionadas fotografias que se encontravam na página da rede social facebook da assistente eram de acesso público e foi por essa forma que a arguida FA teve delas conhecimento e as obteve.
10. Com as respectivas condutas, ao carrear tais fotografias para os autos de alteração de
regulação das responsabilidades parentais, as arguidas agiram com o propósito de fazer prova de facto concreto que foi alegado.

Provou-se ainda que:
11. A arguida SS reside com marido e filhos menores de idade.
12. Na sua atividade profissional aufere a quantia de cerca de €1.500,00/2.000,00, despendendo a quantia de €1.000,00 a título de empréstimo de habitação.
13. A arguida FA reside com marido e filhos menores de idade.
14. A arguida na sua atividade profissional aufere a quantia de €1.400,00, sendo que despende a quantia de €400,00 a título de renda de habitação e €400,00 a título de empréstimo automóvel.

15. As arguidas não possuem antecedentes criminais.

FACTOS NÃO PROVADOS:
1. Que as arguidas atuaram com o propósito concretizado de utilizar tais fotografias cientes de que as mesmas não tinham a virtualidade de servir de prova aos factos que pretendiam demonstrar na referida acção.
2. Que as arguidas agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

Motivação da decisão de facto
O Tribunal formou a sua convicção na análise, crítica e global, de toda a prova produzida em audiência e constante dos autos, com recurso a juízos de experiência comum e da livre convicção do julgador, nos termos do artigo 127º, do Código de Processo Penal.
Na formação da convicção, no que tange aos factos provados, o Tribunal atendeu ao teor de fls. … (acta), … (certidão), … (assento nascimento), … e CRC´s constantes dos autos, entrecruzados com as declarações prestadas pelas arguidas, que no essencial assumiram os factos imputados, em conjugação com a prova testemunhal inquirida em sede de julgamento.
Assim, quanto aos factos que se consideraram provados e constantes da acusação, foram considerados, para além da prova documental acima referida, as declarações prestadas pelas arguidas.
Pela arguida SS, foi referido que teve intervenção na qualidade de mandatária da arguida FA no âmbito do processo identificado no ponto 5. Dos factos provados. A este propósito referiu que o requerimento de fls. … visava a alteração do exercício das responsabilidades parentais e que foi nesse contexto que juntou em anexo a tal requerimento as fotografias de fls. …, visando provar o desacordo da mãe da menor em face da discordância manifestada quanto ao “estilo” da assistente. Mais referiu que tais fotografias provinham do perfil da ora assistente, que era de acesso público.

Esta versão dos factos, foi corroborada na integra pela arguida FA, que explicou as circunstâncias que levaram à elaboração do requerimento de fls. … dos autos. Por esta arguida foi referido que teria sido alertada pelos avós paternos relativamente ao novo relacionamento amoroso entre a assistente e o pai da menor. Mais referiu que ficou preocupada quando soube que a sua filha, à data com 6 anos de idade, e quando estava em casa do pai, andaria maquilhada na rua, ao que acresce o facto de a ora menor querer usar outro tipo de roupas, o que desagradou a ora arguida.
Mais referiu que a junção de tais fotografias da assistente, foi a única maneira que encontrou para descrever a postura da assistente e como esta se apresentava.
Ambas as arguidas prestaram declarações quanto às suas condições socioeconómicas.
Por sua vez, a assistente, AS, confirmou que tais fotografias constavam do seu perfil de facebook de acesso público e que veio a saber que teriam sido usadas sem o seu conhecimento ou autorização.
 Mais referiu que sentiu que estariam a denegrir a sua imagem, pela avaliação que foi feita quanto à sua pessoa, apesar de ter referido que “as fotografias não têm nada de mal…”.
Confrontada, reconheceu que há data dos factos residia, juntamente com o seu filho mais velho, com o pai da ora menor e que terá maquilhado a menor, contudo, a mesma não andou maquilhada na via pública.
Em sede de audiência foram ainda inquiridas as testemunhas RC, TF e PA, testemunhas estas que depuseram de forma isenta e objetiva, razão pela qual lograram obter credibilidade junto do Tribunal.
Pela testemunha RC foi referido que teve conhecimento do requerimento constante do ponto 5. dos factos provados, e que nessa medida apercebeu-se da junção das mencionadas fotografias da assistente. Mais referiu que, e na medida em que há data residia com a assistente, deu conhecimento a esta das mencionadas fotografias. Questionado acerca da razão da junção de tais fotografias, não soube justificar, tendo alegado o facto da ora arguida FA ter reservas quanto ao seu relacionamento com a assistente, pois que não aceitava tal relação.
No seu entender existia uma divergência entre o lado conservador da mãe e o lado mais liberal da assistente. Mais referiu que a arguida FA sempre mostrou desagrado quanto à imagem e estilo da ora assistente e como esta se expunha nas redes sociais.
A testemunha TF, ex-cunhada da arguida FA, referiu que a família da testemunha RC já lhe tinha mostrado sinais de preocupação em face do relacionamento com a assistente, preocupação essa que se centrava na discordância em face do estilo desta última.
Por último, salienta-se o depoimento da testemunha PA, que não obstante ser casado com a arguida FA, logrou depor de forma isenta e objetiva, não obstante a relação de proximidade com esta.
Por esta testemunha foi referido que, soube do desagrado manifestado pela arguida FA quanto à partilha de quarto pela filha e o facto de esta vestir-se e andar maquilhada, quando estava em casa do pai. No que concerne à utilização das fotografias da assistente, referiu que a utilização das mesmas foi a única forma que as arguidas tiveram de demonstrar o desagrado quanto à maneira como aquela se expunha nas redes sociais.
Ora, da prova efetuada em sede de julgamento, resultou que não pode o Tribunal, com um mínimo grau de certeza, assegurar que as arguidas praticaram os factos de que vinham acusadas, ou seja, que atuaram com o propósito concretizado de utilizar tais fotografias cientes de que as mesmas não tinham a virtualidade de servir de prova aos factos que pretendiam demonstrar na referida acção, até porque mereceu credibilidade a versão dos factos apresentada pelas arguidas.
 Realce-se que tal versão dos factos encontrou suporte na prova documental e testemunhal referida, da qual resulta que ao carrear tais fotografias para os autos de alteração de regulação das responsabilidades parentais, as arguidas agiram com o propósito único de fazer prova de facto concreto que foi alegado nos pontos 8. a 15º do requerimento de fls. 167/173, pelo que nessa medida se deram os factos acima referidos como não provados.
A verdade objecto do processo não é uma verdade ontológica ou científica, é uma convicção prática firmada em dados objectivos que, directa ou indirectamente, permitem a formulação de um juízo de facto.
*
Enquadramento jurídico-penal dos factos
Cumpre então agora averiguar se os factos dados como provados permitem concluir que a conduta das arguidas preenche, do ponto de vista objectivo e subjectivo, os requisitos necessários para que se conclua que a mesma integra o tipo legal do crime pelos quais vêm acusadas.
Vêm as arguidas acusadas pela prática, em co-autoria material e na forma consumada de um crime de fotografias ilícitas, previsto e punido pelo artigo 199º, n.º 2, al, b), do Código Penal.
Nos termos de tal dispositivo legal:
Artigo 199.º - Gravações e fotografias ilícitas
1 - Quem sem consentimento:
a) Gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem as gravações referidas na alínea anterior, mesmo que licitamente produzidas;
é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.
2 - Na mesma pena incorre quem, contra vontade:
a) Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 197.º e 198.º
Tal normativo é a expressão legislativa do direito à imagem, reconhecido e protegido pelo artº 26º1CRP, consubstanciando por essa via o bem jurídico protegido, expressão da dignidade da pessoa humana (artº 1º CRP) e da sua personalidade e livre desenvolvimento desta, constituindo também por esta via e pela sua importância limite a outros direitos fundamentais que com ele possam conflituar (cfr. Canotilho JJ Gomes / Moreira, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol I, 4ª ed. 2007, pág. 461 e ss;
O direito à imagem configura um bem jurídico-penal autónomo, independentemente da sua valência do ponto de vista da privacidade/intimidade. Trata-se de um bem jurídico eminentemente pessoal com a estrutura de uma liberdade fundamental e que reconhece à pessoa o domínio exclusivo sobre a sua própria imagem.
Trata-se de um bem jurídico eminentemente pessoal com a estrutura de uma liberdade fundamental e que reconhece à pessoa o domínio exclusivo sobre a sua própria imagem.
Nos termos de tal dispositivo legal, a conduta incriminada visa:
- na alínea a) o fotografar uma pessoa, sendo por isso ilícita a conduta do agente (terceiro) que fotografa outra pessoa sem o seu consentimento e,
- na alínea b) está em causa a utilização de tal fotografia/filme contra a sua vontade, de uma fotografia de outra pessoa mesmo que licitamente obtida, sendo punida a conduta de quem utilize uma fotografia de outra pessoa conta a sua vontade.
O direito à imagem abrange dois direitos autónomos: o direito a não ser fotografado, e o direito a não ver a sua fotografia/filme exposto em público.
O tipo objectivo das fotografias ilícitas consiste no registo fotográfico ou audiovisual da imagem de qualquer parte do corpo de outra pessoa ou na utilização, sem permissão, dessas imagens por terceiros.
O tipo subjectivo do crime admite qualquer modalidade de dolo, não se exigindo a intenção adicional de devassa da privacidade.
Regressando ao caso concreto, verificamos que as fotografias constantes dos autos, provieram do perfil da própria assistente, perfil este de acesso público. No caso em concreto verifica-se que as arguidas acederem licitamente ao conteúdo de tal perfil e nessa medida lograram aceder ao teor das fotografias nele constantes.
Outra questão é saber se poderiam utilizar tais fotografias como o fizeram.
De acordo com a factualidade dada como provada, resultou que com a utilização das referidas fotografias no requerimento de alteração das responsabilidades parentais, as arguidas pretendiam demonstrar o desagrado da mãe da menor, pelas publicações da assistente na rede social Facebook. Mais resultou provado que, ao juntarem tais fotografias aos autos, agiram com o propósito de fazer prova de facto concreto que foi alegado, nomeadamente o que foi alegado nos pontos 8. a 15. de tal requerimento.

Ora, da análise efetuada aos factos provados, verifica-se que as arguidas fizeram uso de tais fotografias apenas e tão só no âmbito de um uso restrito, como prova de factos. alegados em petição processual, pelo que importa analisar se a anti juridicidade de tal comportamento deve ou não ter-se por excluída, face à ocorrência de causa de justificação, sendo que para nós a resposta não poderá deixar de ser afirmativa.
É certo que as arguidas acederam licitamente às referidas fotografias e fizeram uso das mesmas sem o consentimento da ora assistente, contudo, para além de ser necessário fazer uma interpretação atualista do artigo 199º do Código Penal, em face das novas realidades que as redes sociais vieram introduzir, não nos podemos olvidar que tais fotografias foram expostas no perfil do facebook pela própria assistente e que as arguidas apenas as utilizaram com o único propósito de provar factos alegados em peça processual, pelo que se entende que agiram no exercício de um direito, pelo que se entende que as arguidas agiram ao coberto do disposto no artigo 31º, n.º 2, al. b) do Código Penal.
Pelo exposto, e na medida em que a ilicitude da conduta das arguidas se mostra excluída, impõe-se decidir pela sua absolvição.
Do pedido de indemnização civil:
Por requerimento de fls. 156/157, veio AS, deduzir pedido de indemnização civil, peticionando a condenação de ambas as arguidas/demandadas no pagamento da quantia de €1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, quantia esta acrescida de juros legais.
Nos termos do art.º 71º do Código de Processo Penal “o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo (...)”.
De harmonia com o disposto no art.º 129º do Código Penal “a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”.
Assim, para a existência de responsabilidade civil extracontratual necessário é que sejam preenchidos os requisitos constantes do artigo 483º do Código Civil, a saber: um facto voluntário do agente, ilicitude, imputação do facto ao lesante, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Deste modo, temos que se exige “um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana” (neste sentido João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 2000, pág. 527).
Porém, esse facto tem de ser ilícito, isto é, violar um direito subjectivo de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios.
Tem também de haver um nexo de imputação do facto ao lesante, o mesmo é dizer, tem de haver culpa no sentido de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito, pois que face à sua capacidade e pelas circunstâncias concretas da situação o agente podia e devia agir de outro modo, podendo revestir a forma dolosa ou negligente.
É ainda necessário que o facto culposo tenha causado um prejuízo a outrem, podendo consistir em danos patrimoniais, ou seja, naqueles que “incidem sobre interesses de natureza material ou económica, que se reflectem no património do lesado” ou em danos não patrimoniais (neste sentido Mário Júlio de Almeida Costa, em Direito das Obrigações, 1998, pág. 515).
A indemnização devida por danos patrimoniais abrange não só o dano emergente, mas também o lucro cessante ou frustrado, conforme dispõe o art.º 564º, n.º 1, do Código Civil, sendo que, em respeito pelo art.º 566º, n.º 2, do mesmo Código, essa indemnização mede-se pela diferença entre a situação real actual do lesado e a situação hipotética em que ele se encontraria não fora o facto lesivo.
Quanto aos danos de natureza não patrimonial à que chamar ainda à colação o disposto no art.º 496.º, n.º 1, do Cód. Civil, onde se prescreve que: “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
Conforme, a propósito, referem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª ed., p. 499), «a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada) (...). Não se enumeram os casos de danos não patrimoniais que justificam uma indemnização. Diz-se apenas que devem merecer, pela sua gravidade, a tutela do direito. Cabe, portanto, ao tribunal, em cada caso, dizer se o dano é ou não merecedor de tutela jurídica».

Pelo que respeita à fixação do montante da indemnização, a lei socorre-se aqui, como em outros casos em que há manifesta dificuldade de quantificação abstracta das obrigações, da equidade, entregando aos tribunais a solução do caso concreto, mas balizando o caminho a seguir para determinação do montante da indemnização ou, o que vai dar no mesmo, fixando os critérios dentro dos quais a equidade vai operar.
Tais critérios são, em primeiro lugar, a gravidade dos danos, não podendo a decisão desconsiderar essa gravidade, proporcionando a indemnização a essa extensão, mas também o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso concreto – artigo 494.º, aplicável ex vi do artigo 496.º, n.º 3, 1.ª parte, ambos do Código Civil.
Conforme faz notar Pessoa Jorge (Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, p. 376), «(...) na generosa formulação do art.º 496.º do C. Civil, que confia ao julgador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, no que fundamentalmente releva, não o rigor algébrico de quem faz a adição de custos, despesas, ou de ganhos (como acontece no cálculo da maior parte dos danos de natureza patrimonial), mas, antes, o desiderato de, prudentemente, dar alguma correspondência compensatória ou satisfatória entre uma maior ou menor quantia de dinheiro a arbitrar ao lesado e a importância dos valores de natureza não patrimonial em que ela se viu afectada».
Na perspectiva da indemnização nos termos da responsabilidade civil pode afirmar-se que dano ou prejuízo é toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica.
Ora, pese embora o peticionado não temos assente qualquer factualidade que permita concluir que tenha sido violada pelas arguidas qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, até porque não resultou provada a prática de qualquer facto ilícito.
Ante o exposto, temos de absolver as demandadas/arguidas do correspondente pedido de indemnização cível.
III– DISPOSITIVO
Tudo ponderado, julgo a acusação deduzida improcedente e em consequência, decido:

a) Absolver as arguidas FA e SS da prática do ilícito criminal que lhes é imputado;

b) Julgar improcedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante AS e em consequência absolvo as arguidas do peticionado;
(...)

Cumpre decidir:
Pretende a assistente ora recorrente que:
existe erro notório na apreciação da prova
existe contradição entre um facto provado e um facto não provado
que há que aplicar a incriminação prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 199º do Código Penal
que se deve rejeitar qualquer “interpretação atualista” do referido preceito em nome da qual a ilicitude estaria excluída.

Vejamos desde já quanto ao erro notório na apreciação da prova.
 Este apenas existe quando é de tal modo evidente que não passa despercebido mesmo a um leigo.
 Ora, da decisão recorrida resulta que as arguidas recolheram de uma rede social onde a recorrente colocara acessível a quem acedesse ao seu perfil, umas fotografias suas, tiradas por si própria e, juntaram as mesmas, a um processo que corria termos para a regulação de responsabilidades parentais relativas à filha de uma das arguidas.
Tenha-se em conta que uma das arguidas é advogada da outra. Provado ficou que queriam com estas fotos, acessíveis ao público, retiradas do perfil da assistente, demonstrar comportamentos, segunda elas, censuráveis, a fim de conseguirem alteração ao regime fixado relativamente às responsabilidades parentais.
O erro na apreciação da prova tem de resultar da decisão em si. Esta contendo uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal - art.º 374.º, n.º 2 CPP, analisando a aplicação do direito aos factos não pode conter um erro na apreciação da prova.
Entende a recorrente que nos termos do disposto no art.º 129º, nº 1CPP, o depoimento da testemunha TF, por não terem sido chamados a depor as pessoas a quem a testemunha alega ter ouvido dizer, não se verificando qualquer impossibilidade para que essas pessoas depusessem em tribunal, não pode servir como meio de prova pelo que a decisão deverá ser anulada.
A referência ao testemunho de TF serve apenas para corroborar o depoimento de RC, no que toca às divergências entre estilos de vida, relativamente a recorrente e recorrida – um mais conservador, outro mais “liberal”. Sem este depoimento ou esta referência a decisão recorrida não seria diferente.
 Inexiste, pois, erro ou violação do disposto no art.º 129º do C.P.P.
Relativamente à pretendida  à contradição relativa à utilização das fotografias (facto não provado 1: Que as arguidas atuaram com o propósito concretizado de utilizar tais fotografias cientes de que as mesmas não tinham a virtualidade de servir de prova aos factos que pretendiam demonstrar na referida acção.), inexiste a mesma pois uma coisa é a pessoal convicção da recorrente a esse respeito (que as fotos não tinham virtualidade probatória) e outra, diversa, as razões que levaram as arguidas a entender que tinham.
 E o tribunal “a quo” convenceu-se que, atento o contexto em que foram juntas – alteração de responsabilidades parentais – tais fotos visavam provar o desacordo da mãe da menor em face da discordância manifestada quanto ao “estilo” da assistente, inexistindo, pois, qualquer contradição face ao conteúdo das ditas e à restante matéria dada como assente e não assente.
Assim sendo, não se verifica erro notório na apreciação da prova.
No que se refere ao invocado erro de apreciação jurídica.
 Há que ter desde logo em conta qual a finalidade do dispositivo que pune o uso de fotografias alheias para que as fotografias usadas se possam considerar ilícitas.
O que o art.º 199 do C.P. não permite é a utilização de fotos que não sejam destinadas ao público, ainda que licitamente obtidas e usadas para fins lícitos.
Reconhecemos que é cada caso concreto, que nos diz se as fotografias recolhidas ou usadas se tornaram, devido ao uso, ilícitas.
O ilícito penal em causa tem  por objeto de proteção os bens jurídicos reserva da intimidade da vida privada e imagem , protegidos nos termos do artigo 26.º da Constituição e, envolve as condutas de quem, sem consentimento, gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas ou fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado, ou usar indevidamente fotografias alheias sem a autorização da pessoa nelas retratada.
 Ou seja, o legislador reconhece a cada um de nós, o direito de recusar a exibição, exposição da nossa imagem em público, sem consentimento, por ser a imagem o reflexo da   identidade pessoal, como bem jurídico pessoal, correspondente a uma expressão direta da personalidade.
 Na verdade, o direito à imagem é um direito fundamental e como tal tem consagração constitucional   e, como nos diz o Código Civil, o retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela;
E mesmo depois da morte da pessoa retratada, a autorização compete às pessoas designadas no n.º 2 do artigo 71.º, segundo a ordem nele indicada.
 Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didáticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente.
O retrato não pode, porém, ser reproduzido, exposto ou lançado no comércio, se do facto resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada.

O direito à imagem constitui um direito de personalidade, absoluto, como os demais direitos de personalidade, pois que se lhe contrapõe um dever jurídico universal, com uma dupla componente, positiva e negativa.
- na sua componente positiva, trata-se do direito que confere às pessoas a faculdade exclusiva de reprodução, difusão ou publicação da sua própria imagem, com caráter comercial ou não; e,
- na sua componente negativa, trata-se do direito que cada pessoa tem de impedir que um terceiro possa praticar esses mesmos atos sem a sua autorização.
Como diz o professor Menezes Cordeiro, “O destino que se dê à imagem é, de certo modo, um tratamento dado à própria pessoa. A imagem faz, assim, a sua aparição no palco dos bens de personalidade.» in Tratado de Direito Civil - IV - Parte Geral - Pessoas - 4.ª Edição, Almedina, 2017, pp. 254-255.
Jorge Miranda e Rui Medeiros In “Constituição Portuguesa Anotada”, Coimbra Editora, 2005, p. 289/290.) defendem que os direitos fundamentais em causa consistem num direito à «reserva e à transitoriedade».
No mesmo sentido, Costa Andrade   In “Liberdade de imprensa e inviolabilidade pessoal, uma perspetiva jurídico-criminal”, Coimbra Editora, 1996, p. 131/132.), sustenta que «(…) a imagem configura um bem jurídico eminentemente pessoal, com a estrutura de uma liberdade fundamental, que reserva à pessoa uma posição de domínio. É à pessoa que assiste, e em exclusivo, o direito de determinar quem pode gravar, registar, utilizar ou divulgar a sua imagem. O direito à imagem emerge nesta linha como expressão concretizada da autonomia pessoal».
O Prof. Costa Andrade -In Comentário Conimbricense do Código Penal- anota que o art. 199º do C. Penal protege o direito à imagem como bem jurídico pessoal, correspondente a uma expressão direta da personalidade.
E referiu-se no acórdão da RE 29/05/2012 (P. 253/07.3 JASTB.E1 - Martinho Cardoso.): «Trata-se de um bem jurídico eminentemente pessoal com a estrutura de uma liberdade fundamental e que reconhece à pessoa o domínio exclusivo sobre a sua própria imagem
 Concluímos, pois, que, o que se pune são as condutas que  violando a vontade da pessoa a quem respeita a fotografia ou a filmagem ou a utilização ou permissão de utilização das mesmas, atentam contra o direito de qualquer pessoa a não ser fotografada nem ver o seu retrato exposto em público, contra a sua vontade, ainda o direito de não se ver apresentado em forma gráfica ou montagem ofensiva e malevolamente distorcida ou infiel.
Isto porque todo o indivíduo tem o direito de   recusar a exibição/exposição da sua imagem por ser reflexo da identidade pessoal, ninguém pode ser exposto sem o seu consentimento.
 No caso de ser permitido o uso de uma fotografia ou de uma gravação, elas têm de ser empregues com todo o rigor e a autenticidade que merecem, não podendo ser descontextualizadas nem alteradas. Esta solução vale também, para os casos em que não sejam admitidas as suas utilizações (Cfr. Vanessa Vicente Bexiga in «O direito à imagem e o direito à palavra no âmbito do processo penal» (in VV Bexiga - 2013 - repositorio.ucp.pt.), que acentua neste estudo: «o ritmo acelerado das descobertas das novas tecnologias tem feito com que a população assista a uma tremenda e nunca vista evolução, mas não sem repercussões... O ser humano está cada vez mais desprotegido e ameaçado pela ciência desde os microfones ocultos às escutas telefónicas e aos novos sistemas de videovigilância. É, neste ambiente, que a palavra e a imagem começam por ser banalizadas, de seguida, desprezadas e, hoje em dia, quase que esquecidas por muitos pela chamada “era facebook”».)
É verdade, mas não é menos verdade que se circula nas redes sociais com o à-vontade da figura pública que o não é, mas pretende ser.
Qualquer perfil de facebook pode ser fechado e aberto apenas às pessoas com quem se tem afinidade, a quem conhecemos, não tendo qualquer público acesso á nossa imagem.
Além disso, sabemos que colocada uma fotografia sem os cuidados de a tornar privada, é porque a queremos tornar pública nem que seja apenas aos que frequentam o perfil em que a colocamos.
 Para além da hipótese de ter o perfil privado há sempre a hipótese de não permitir a identificação própria em fotografias nossas sem o nosso consentimento.
Ou seja, o que queremos dizer com isto é que a assistente tinha o perfil aberto ao publico e que, as suas fotografias que retratam a própria e o filho, sem que, como diz “nada de mal tenham”, estavam acessíveis a quem as quisesse ver.
No caso, as imagens foram tornadas públicas pela assistente, na sua página do Facebook e, a partir desse momento, a sua utilização, desde que lícita, não é proibida por lei. Tanto foi tornada pública que essa operação, realizada pela assistente, é comumente designada como publicação e partilha. E a utilização foi lícita, pois destinava-se a servir como meio de prova numa acção (independentemente do sucesso de tal meio probatório).
A assistente exerceu o seu direito de disponibilidade da própria imagem e de forma livre, e certamente consciente, colocou-a ao alcance de quem a quisesse aceder.
Foi a própria que dispôs do seu direito á imagem tornando-a pública.
Podemos perguntar-nos se as arguidas estariam então autorizadas a registar essas imagens tornadas públicas para as usar num processo de regulação de responsabilidades parentais da filha de uma delas.
O tipo objetivo do crime em presença consiste no registo fotográfico ou audiovisual da imagem de qualquer parte do corpo de outra pessoa ou na sua utilização ou permissão de utilização dessas imagens por terceiro.
É ao próprio, que aparece nas fotografias, que assiste o poder soberano de decidir quem pode gravar, registar, utilizar ou divulgar a sua imagem. Isto em consonância com o disposto no art.º 79.º, n.º 1, CC .
E sendo o objeto da proteção legal a imagem física da pessoa, se a própria a torna pública numa rede social frequentada por um Mundo ou pelo Mundo, é porque não se opõe a que a mesma seja vista e revista e copiada e eventualmente usada.
 Ou seja, quando a primeira arguida recolhe tais imagens públicas, publicitadas pela própria pessoa que nelas figura, não está a devassar a vida privada da assistente ou a sua intimidade já que o retratado nas imagens já não é privado nem íntimo a partir do momento em que a própria o torna público.
Se as imagens podem ser usadas para um vasto público desconhecido e conhecido, se o foram também num processo de regulação de responsabilidades parentais, não vemos como entender que as fotografias são ilícitas se a sua publicidade é autorizada e alimentada por quem nelas figura.
A assistente disponibilizou a sua imagem fazendo o uso que entendeu   fazer com o seu direito á imagem.  A assistente tornou lícito o acesso à sua imagem a qualquer pessoa, considerou que o seu direito á imagem passava por a tornar pública.
O problema da publicação e publicitação deste tipo de imagens é precisamente esse; ao torná-la acessível ao público em geral o dono da imagem perde o controlo sobre o seu uso e não se pode opor à sua divulgação, desde que os fins que presidem à mesma se não mostrem ilícitos ou ilegítimos. E no caso não eram.
Não vemos, pois, como preencher o tipo.
As arguidas juntaram as fotografias publicitadas no uso do direito à imagem por quem nelas figurava, com o intuito de provar factos que levassem á alteração da regulação das responsabilidades parentais, alegados no requerimento elaborado para o efeito. No mesmo sentido:http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/2f2019c441a3740480258957003eedf1?OpenDocument
Não se verifica qualquer contradição entre os dois factos apontados.
De tudo o que fica dito resulta que não há qualquer lesão do direito à imagem da assistente a qual dispôs do mesmo legitimamente, pelo que não há lugar à indemnização pedida.
Não há como não fazer uma interpretação atualista do Direito já que este, para o ser, tem de acompanhar a realidade envolvente a fim de se fazer justiça em qualquer caso concreto.
Assim sendo, embora como resulta da decisão, por razões diferentes, mantemos a absolvição das arguidas por não se verificar o preenchimento do tipo pelo qual vinham acusadas.
Nestes termos  

Nega-se provimento ao recurso apresentado, mantendo a absolvição.

Custas fixando a taxa de justiça em 4 Ucs.


Lisboa, 8 de março de 2023
Adelina Barradas de Oliveira
Ana Paramés
Maria Margarida de Almeida

Acórdão elaborado e revisto pelas juízas desembargadoras relatora e adjuntas com declaração de voto da Exma. Senhora Desembargadora - Ana Paramés.

DECLARAÇÃO DE VOTO
Voto a decisão mantendo a absolvição das arguidas.
Sem prejuízo, não concordo com parte da fundamentação do acórdão, designadamente, quando nele se defende que não  se encontra preenchido  o tipo objectivo do crime gravações e fotografias ilícitas, previsto e punível, no  art.º 199º nº2, al.b) do Código Penal, justificando-se, tal posição, com a afirmação de que «o que este artigo não permite é a utilização de fotos que não sejam destinadas ao público, ainda que licitamente obtidas e usadas para fins lícitos, o que não foi o caso dos autos pois a imagem foi tornada pública por quem tinha legitimidade para o fazer  a assistente na sua página publica do Facebook, pelo que, a partir daí, a sua utilização por terceiros, desde que licita, não é proibida por lei».
Salvo o devido respeito, não perfilhamos tal entendimento e já deixamos expressa a nossa posição em acórdãos anteriores desta 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
 Contrariamente ao que acontece em muitos sistemas jurídicos, nomeadamente, o francês e o alemão, o ordenamento jurídico português consagra na Constituição da República Portuguesa o direito à imagem, no art.º 26.º nº.12 da C.R.P.
O direito à imagem constitui, assim, um direito fundamental, um direito de personalidade, absoluto, como os demais direitos de personalidade, pois que não se lhe contrapõe um dever jurídico de pessoas determinadas, mas antes uma obrigação universal.
Uma vez que a constituição não delimita o âmbito de protecção deste direito torna-se necessário recorrer à lei ordinária para esse efeito.
 O art.º 79º do Código Civil, constitui a base para a delimitação do conceito constitucional do direito o à imagem.
Dispõe o nº 1 do citado art.º 79.º sobre a epigrafe de direito á imagem:
«1. O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela; depois da morte da pessoa retratada, a autorização compete às pessoas designadas no n.º 2 do artigo 71.º, segundo a ordem nele indicada
2.  Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente».
O direito da imagem de uma pessoa é um bem jurídico pessoal, uma forma particular de respeito da sua personalidade, cuja tutela penal assenta no consentimento do próprio em relação a esse reduto da sua intimidade/privacidade, ou, por outras palavras, cuja tutela penal reside no reconhecimento à pessoa do domínio exclusivo sobre a sua própria imagem, cabendo-lhe a ela e apenas a ela, decidir quem pode gravar, registar, utilizar, ou divulgar a sua imagem.
A tutela penal do direito à imagem está prevista no art.º 199, do Código Penal que sob a epígrafe “Gravações e fotografias ilícitas”, dispõe:
«1 - Quem sem consentimento:
a) Gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem as gravações referidas na alínea anterior, mesmo que licitamente produzidas;
é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.
2 - Na mesma pena incorre quem, contra vontade:
a) Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos».
O direito à imagem era protegido, nos termos do art.º 192º, do Código Penal, na versão de 1992, no âmbito do crime de violação da reserva da vida privada.
O texto adoptado pelo Código Penal de 1982, no art.º 192º que era «ser o de fotografar, filmar ou registar aspectos da vida particular de outrem» com a alteração ao Código Penal de 1995 é substituído pela expressão «fotografar ou filmar outra pessoa» - cf. art.º 199º, nº 2, al. a do C.P.
Com esta alteração ao Código Penal, o direito à imagem passa, assim, a ser protegido criminalmente como um tipo autónomo e individualizado, no citado art.º 199º do Código Penal, relativamente ao crime   de violação da reserva da vida privada, previsto no art.º 192º do Código Penal.
Defende o acórdão supra referido na fundamentação de direito, o seguinte:
«No caso, as imagens foram tornadas públicas pela assistente, na sua página do Facebook e, a partir desse momento, a sua utilização, desde que lícita, não é proibida por lei»; «E sendo o objeto da proteção legal a imagem física da pessoa, se a própria a torna pública numa rede social frequentada por um Mundo ou pelo Mundo, é porque não se opõe a que a mesma seja vista e revista e copiada e eventualmente usada» e «O problema da publicação e publicitação deste tipo de imagens é precisamente esse; ao torná-la acessível ao público em geral o dono da imagem perde o controlo sobre o seu uso e não se pode opor à sua divulgação, desde que os fins que presidem à mesma se não mostrem ilícitos ou ilegítimos. E no caso não eram». (sublinhado nosso).
Deste modo, e com esta argumentação  defende o acórdão que não  se encontra preenchido, desde logo,  o tipo objectivo do crime  previsto no   art.º 199º do Código Penal, pois,  que no caso dos autos a imagem foi tornada pública por quem tinha legitimidade para o fazer  a assistente na sua página publica do Facebook, pelo que, a partir daí, a sua utilização por terceiros, desde que licita, não é proibida por lei e não cabe na previsão do tipo .
Salvo o devido respeito, estamos, em total, desacordo com o afirmado.
Em nosso entender, a reprodução das fotografias da assistente que se encontravam na sua página  do Facebook e a utilização destas fotografias pelas arguidas, seja para que fim forem utilizadas, desde que não tenha o consentimento da própria assistente, constitui quanto a nós uma violação ilegítima e grave do direito à imagem da assistente. 
Estamos de acordo que as redes sociais, como é o Facebook, constituem espaços abertos ao público e permitem a visualização pública das publicações e fotografias aí expostas, o que já  não podemos concordar é que essa possibilidade de visualização das fotografias comporte  qualquer consentimento para a  utilização por terceiros dessas fotografias sem o consentimento do visado, isto é, que qualquer pessoa se possa apoderar  de uma fotografia pessoal e utilizá-la  para os fins que lhe aprouver (publicitários, jornalísticos, postagens em bancos de imagens etc.)  desde que os mesmos sejam lícitos.
O facto de a fotografia ser de acesso público, no sentido de poder ser visualizada por quem aceder à rede, não significa que seja um fotografia destinada ao público em geral e, muito menos, que esteja excluída da área protegida pelo direito à própria imagem do visado a possibilidade de ser utilizada por terceiros para os fins que lhes aprouver  desde que lícitos, porquanto, o nosso entendimento é que tal utilização carece sempre de consentimento expresso do visado, salvo, nos casos excepcionais, expressamente previstos na lei, para as figuras públicas .
Como tem sido entendimento da doutrina e da jurisprudência dos nossos tribunais o conteúdo do direito à própria imagem é constituído por dois aspectos, um positivo e o outro negativo.
O seu aspecto positivo ou de «autodeterminação», significa que o seu titular tem o poder de dispor da representação da sua aparência física que permita a sua identificação e decidir quais informações gráficas da sua imagem podem ter uma dimensão pública.
Relativamente ao seu aspecto negativo ou "exclusivo", o titular do direito de a própria imagem tem o poder de impedir a obtenção, reprodução ou publicação de sua própria imagem por terceiros sem o seu consentimento- cf. neste Carlos Pinto e Abreu in «O DIREITO À IMAGEM: TODA A IMAGEM TEM O SEU PREÇO» pág. 2 e o  Ac. da  Relação do Porto  de 5/06/2015 proferido no proc. n.° 101/13.5TAMCN.P1, em que foi relator o Sr. Desembargador  JOSÉ CARRETO, disponível para consulta em www.dgsi.pt onde se afirma:
 «(…)  II. O direito à imagem abrange dois direitos autónomos: o direito a não ser fotografado e o direito a não ver divulgada a fotografia.
III.  O visado pode autorizar ou consentir que lhe seja tirada uma fotografia e pode não autorizar que essa fotografia seja usada ou divulgada.
IV. Contra vontade do visado não pode ser fotografado nem ser usada uma sua fotografia.
V. É suscetível de preencher o tipo legal de crime de Gravações e fotografias ilícitas, do art.º 199° n° 2. do Cód. Penal, a arguida que, contra a vontade do fotografado, utiliza uma fotografia deste, ainda que licitamente obtida e a publicita na Facebook».
Foi este, também, o entendimento do acórdão recorrido da 1ª instância, com o qual, concordamos.
Na verdade, o facto de a fotografia poder ser livremente visualizada através do Facebook não dava às arguida qualquer legitimidade para a utilizar, sem o consentimento da assistente, configurando essa conduta uma utilização ilícita das referidas fotografias, por ter sido feita contra a vontade de quem ela retratava, isto é, da assistente, sendo certo que as provas assim obtidas  são proibidas em qualquer processo e, portanto, nulas nos termos do art.º 126º nº 3 do CPP.
A publicação de uma imagem numa rede social comporta o consentimento para que tal fotografia seja visualizada por contactos da própria rede ou até por terceiros, segundo a configuração da privacidade escolhida mas, esse consentimento, não abrange a utilização de tal fotografia, sendo que, para tal é necessário o consentimento expresso e explícito do visado.
Acresce que, o facto de a assistente ter publicado as fotografias em causa no seu Facebook, o qual se mostra «aberto» não permite concluir e nem há razão válida para alguém «presumir» que a sua divulgação está implicitamente consentida pela assistente.
Como já referimos o consentimento do visado, embora não tenha que obedecer a qualquer formalidade, tem de ser expresso e inequívoco.
Por outro lado, de acordo com um critério de experiência comum e de normalidade dos acontecimentos, nunca seria de presumir que a assistente autorizaria a divulgação das suas fotografias para servirem de prova, num processo judicial, a fim de as arguidas demonstrarem que aquela «(…) mantém comportamentos cesuráveis e que não vão de encontro às orientações educativas da mãe da menor (…)».
No sentido por nós perfilhado, pode ler-se na jurisprudência espanhola, a Sentencia do Tribunal Constitucional de Espanha 27/2020, que coincide com o critério seguido pelo Supremo Tribunal de Justiça Espanhol, em   STS 91/2017, e que fixou jurisprudência no sentido de que «(…) la publicación de una foto en el perfil de una red social de una persona anónima, configurado con carácter público o sin restricciones de privacidad, comporta —exclusivamente— el consentimiento expreso del titular a que dicha imagen sea accedida por los usuarios de Internet. Nada más.
Dicha actuación no constituye consentimiento expreso para que sea utilizada por cualquier tercero, para cualquier acto y con cualquier finalidad, como, por ejemplo, la futura publicación en una crónica de sucesos en la que, en principio, nadie espera verse envuelto. Tampoco constituye, en modo alguno, un acto propio que pudiera generar en el periódico la confianza de que contaba con la aquiescencia de la víctima para que publicara su foto de perfil»- (cf.https://revista-estudios.revistas.deusto.es/article/view/1827/2251 e Laura Flores Anarte em «FACEBOOK Y EL DERECHO A LA PROPIA IMAGEN: REFLEXIONES EN TORNO A LA STC 27/2020, DE 24 DE FEBRERO e «Derecho a la propia imagen versus libertad de información en redes sociales: la STC 27/2020, de 24 de febrero» Professor Jesús Alberto Messía de la Cerda Ballesteros- Universidad Rey Juan Carlos).
Em nosso entendimento, temos, assim, como preenchido, atenta a matéria de facto provada, o elemento objectivo do tipo de fotografias ilícitas previsto no art.º 199º, nº 2, al. c) do Código Penal.
Sucede, porém, que não ficou provado a seguinte factualidade:
«FACTOS NÃO PROVADOS:
1. Que as arguidas atuaram com o propósito concretizado de utilizar tais fotografias cientes de que as mesmas não tinham a virtualidade de servir de prova aos factos que pretendiam demonstrar na referida acção.
2. Que as arguidas agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal».
Deste modo, não obstante se encontrar preenchido, em nosso entender, o elemento objectivo do tipo não se provou, porém, o elemento subjectivo do tipo, isto é, o dolo (no seu elemento cognitivo e volitivo), em qualquer das modalidades previstas no art.º 14º do Código Penal, não sendo exigível, porém, o dolo especifico.
E sendo assim, como é, não se tendo provado, a actuação das arguidas a titulo de dolo, há que concluir que não encontram preenchidos todos os elementos do tipo de  crime de Gravação e fotografias ilícitas, previsto e punível, no art.º 199º, nº 2, al. c) do Código Penal, impondo-se, embora, por outros fundamentos, a absolvição das arguidas de prática do crime de gravação e fotografias ilícitas, previsto e punível, no art.º 199º, nº 2, al. c) do Código Penal.
Ana Paramés