PROPRIEDADE HORIZONTAL
EXISTÊNCIA DE DEFEITOS NAS PARTES COMUNS
LEGITIMIDADE PARA A PROPOSITURA DA ACÇÃO DE ELIMINAÇÃO DOS DEFEITOS
Sumário

Face à nova redacção do artigo 1437.º do Código Civil, que lhe foi dada pela Lei, n.º 8/2022, de 10/1, no que respeita às partes comuns de um edifício, sendo o condomínio quem tem legitimidade para demander e ser demandado, é sempre o administrador e não a univesalidade dos condóminos, quem o representa em juízo

Texto Integral



Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra1:
I - Relatório:
A) - 1) - AA, e mulher, BB, vieram, em 4/3/2021, propor ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra a sociedade “C... Lda.”, com sede em ..., alegando, em síntese, que, sendo os proprietários da Fracção “N”, correspondente ao ... andar, direito, do imóvel sito na Rua ..., ..., em ..., Fracção essa que adquiriram à Ré - que também foi a construtora do mesmo — por escritura de compra e venda de 21/10/2019, aperceberam-se, no início de 2020, das diversas patologias/deformidades, que discriminam e que dizem ser consequência da deficiente execução da obra.
Em face disso, denunciaram tais patologias/deformidades, à Ré vendedora/construtora, que acabaram por notificar para que, no prazo que então fixaram, as eliminasse, o que, porém, a Ré não fez, nem nada disse a propósito.
As patologias/deformidades em causa ocorrem, no TERRAÇO, nos ESTORES, nas CAIXILHARIAS, nas CALEIRAS, nos PAINEIS SOLARES, e no INTERIOR DA FRACÇÃO dos Autores.
Terminaram formulando o seguinte pedido:
«[...] DEVE A PRESENTE ACÇÃO SER JULGADA PROVADA E PROCEDENTE E, POR VIA DISSO:
a) Ser a ré condenada a proceder a expensas próprias à imediata e definitiva eliminação danos/defeitos existentes na fração propriedade dos autores (identificada em 1° da P.I.) e dos que se vieram a revelar após a propositura desta lide, nos exactos termos e prazos de execução de obra definidos pelo relatório de peritagem resultante da perícia requerida nos autos e com inicio de execução dos trabalhos no prazo fixado não superior a vinte dias após o trânsito em julgado da sentença.
b) Em alternativa, condenar-se a Ré a pagar aos autores, a título de indemnização a importância que se vier a liquidar, necessária à reparação e eliminação de todos os defeitos supra mencionados na presente ação cuja importância exacta de avaliação se relega para liquidação no decurso desta lide, nos termos do Artigo 569° do Código Civil e 556.° al) b C.P.C., a liquidar no substancial com a perícia e de acordo com o art.° 358 do C.P.C..
c) Em quaisquer dos casos condenar-se a Ré a indemnizar cada um dos Autores na quantia de 4.000€, no total de 8000,00€ a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidos de juros desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
d) Ser a ré condenada a pagar aos autores o quantitativo diário de 75,00€ por cada dia que durarem as obras necessárias à reparação/eliminação dos defeitos existentes na habitação dos autores.
e) Ser a ré condenada a pagar aos autores a quantia de 92,25€, que estes despenderam com a elaboração do relatório pericial junto como doc. 5° com a presente peça.
f) Condenada a Ré em custas. [...]».
2) — A Ré, na contestação que apresentou e em que deduziu reconvenção, veio, entre o mais, arguir a ilegitimidade activa dos Autores, sustentando que, uma vez que o pedido abarca a eliminação de defeitos que respeitam à parede da garagem, ao terraço e às caleiras, que são partes comuns do prédio onde se insere a “Fracção” dos AA, constituído em propriedade horizontal, a acção deveria ter sido instaurada pelo condomínio, o que deverá resultar na absolvição da instância da Ré quanto aos pedidos atinentes a tais partes comuns.
3) — Na Réplica, os AA aproveitaram para exercer o contraditório relativamente à arguida ilegitimidade, cuja improcedência defenderam;
4) - Por despacho de 11/5/2022, a Mma. Juiz do Juízo Local Cível ..., considerando que os defeitos imputados pelos AA., se localizam não só na sua fracção, como, ainda, em partes, imperativa ou presumidamente, comuns, v.g, o terraço de cobertura, as caleiras e a garagem, devendo os AA, quanto ao pedido de eliminação dos defeitos que respeitem a essas tais partes, estar acompanhados dos restantes condóminos, sob pena de ilegitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário activo, convidou os AA., a, querendo e no prazo de dez dias, suprirem a referida falta, sob pena de poder ser julgada verificada a excepção de ilegitimidade activa alegada pela Ré.
5) — Na sequência de tal convite vieram os AA, para suprir a referida preterição, requerer, a admissão dos condóminos proprietários do condomínio ..., ..., ... ..., mediante a respectiva intervenção principal;

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B) — Não obstante a Ré se ter oposto à requerida intervenção, a Mma. Juiz, por despacho de 13/10/2022, invocando o disposto nos artigos 316.°, 318.°, n°. 1, todos do Código de Processo Civil, admitiu “...a intervir nos presentes autos como parte principal, ao lado dos autores, todos os condóminos proprietários identificados no requerimento de 23.05.2022 (e cujas identificações e respetivas moradas constam da resposta prestada nos autos no passado dia 16.09.2022).”.
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II - Inconformada com a admissão da requerida intervenção principal, a Ré Apelou dessa decisão, apesentando, a finalizar a sua alegação de recurso, as seguintes conclusões :
«I. Na contestação oferecida aos presentes autos, a Recorrente arguiu a excepção de ilegitimidade dos AA./Recorridos para reclamar defeitos que se referem a partes comuns do edifício objecto dos autos, concretamente, no terraço de cobertura, nas caleiras e na garagem, pugnando pela sua absolvição da instância relativamente a essa parte do pedido. — cfr. art 28 a 31 da contestação.
II. Através de despacho proferido no passado dia 11 de Outubro, considerou o Tribunal a quo que aqueles locais eram comuns, decidindo convidar os Recorridos a suprir a excepção dilatória de ilegitimidade activa, ante a acção estar ferida de preterição de litisconsórcio necessário no que respeita a tais pedidos.
III. Na sequência desse convite e nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 316.° do CPC, os Recorridos requereram a intervenção principal provocada dos condóminos, proprietários das fracções melhor identificadas no requerimento de 23-05-2022 de forma individual e isolada, por entenderem terem estes legitimidade para intervir na presente acção, sendo portadores de um interesse igual ao dos AA.
IV. Ante o requerido, a Recorrente pugnou pelo indeferimento do chamamento dos demais condóminos como associados dos AA., por entender não se verificar uma situação de litisconsórcio necessário activo ou sequer voluntário.
V. Não obstante, o despacho ora recorrido decidiu admitir a intervenção, nos presentes autos, como parte principal, ao lado dos autores, de todos os condomínios proprietários das fracções que compõem o edifício, porquanto “a eliminação dos defeitos deve ser pedida ou pelo administrador do condomínio, autorizado pela assembleia (cfr. n.° 1 do artigo 1437.° do Código Civil) ou por todos os condomínios, por todos serem titulares do direito em causa. De modo que, face a tal circunstância, a requerida intervenção dos demais condóminos proprietários mostra-se necessária pela própria natureza da relação jurídica em causa, pois, de outro modo, considerar-se-ia estar comprometido o efeito útil da acção, o qual só será alcançado se a decisão poder regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado. Cfr. artigo 28.° n.° 2 do Código de Processo Civil.”
VI. Contudo, os condóminos não podem individual e isoladamente exercer os direitos inerentes à administração das partes comuns em que se incluem o direito à eliminação dos defeitos existentes nas partes comuns, carecendo de legitimidade activa para tal. Pois que,
VII. As partes comuns do edifício são compropriedade do universo dos condóminos e, por consequência, é o condomínio o titular de qualquer relação jurídica relativa às partes comuns do prédio. Destarte,
VIII. No caso concreto que nos ocupa, dúvidas não sobejam de que os defeitos apontados pelos Recorridos se situam nas partes comuns do edifício, e, nesta senda, compete à assembleia de condóminos, órgão deliberativo mediante o qual se forma a vontade dos condóminos, através da tomada de deliberações que a todos vincula, decidir sobre o exercício dos direitos decorrentes dos defeitos existentes nas partes comuns do edifício, competindo a posteriori, ao administrador, enquanto órgão executivo e representativo do condomínio e em execução da respectiva deliberação, accionar esses direitos, judicial ou extrajudicialmente, perante o construtor/vendedor ao abrigo do preceituado nos artigos 1436°, al. f) e 1437.° do CC.
IX. Sendo, assim, apodítico que o sujeito da relação material controvertida, o titular do interesse relevante para aquela demanda, seja o condomínio — por apenas ter esse universo de condóminos interesse directo em demandar —, que, em assembleia de condóminos, deverá mandatar o administrador para reclamar dos putativos defeitos existentes nas partes comuns.
X. Donde, tratando-se da legitimidade exclusiva do administrador do condomínio, a ilegitimidade dos AA/Recorridos para tal pedido não é suprível através do incidente de intervenção provocada, já que essa intervenção visa sanar a preterição de litisconsórcio necessário ou voluntário.
XI. Ora, não resulta da lei, nem tão pouco de negócio jurídico, a exigência da intervenção de todos os condóminos, proprietários das fracções do edifício, na relação controvertida, nem a sua ausência na presente demanda poderia obstar que a eventual decisão a ser proferida não produza o seu efeito útil normal (cfr. Artigo 33.°, CPC).
XII. Admitida que foi a intervenção principal dos condóminos, de forma isolada e individual, ao lado dos Recorridos, estamos ao invés perante a presença de entidade diversa daquela que deveria estar na acção.
XIII. Neste conspecto, a sanação da situação de ilegitimidade dos autos estava vedada processualmente ao tribunal a quo bem como aos AA/Recorridos.
XIV. Desta forma, e por esse exacto motivo, o despacho em crise violou o disposto nos artigos 1436°, 1437.° n.° 1 do CC e nos artigos 6.°, 33.°, 316.° n.° 1 e 578.° do CPC.
XV. Acresce que o despacho recorrido, na parte em que refere, sem mais, “porque as partes comuns são propriedade de todos os condóminos, a eliminação de tais defeitos deve ser pedida (...) por todos os condóminos, por serem titulares do direito em causa” carece de fundamentação legal, em violação do disposto no artigo 154.° n.° 1 do CPC, sendo, em consequência, nulo por falta absoluta dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão ao abrigo do disposto no artigo 615.° n.° 1 al b) do CPC, aplicável aos despachos por força do estatuído no artigo 613.° n.° 3 ambos do CPC, bem como ao abrigo do disposto no artigo 195.° n.° 1 do mesmo diploma legal, devendo ser revogado.
XVI. Nesta conformidade, impõe-se, a revogação do despacho recorrido neste segmento e a sua substituição por outro que declare a ilegitimidade activa dos AA./Recorridos e absolva a R./Recorrente da instância no que tange ao mencionado pedido de reclamação de defeitos nas partes comuns do edifício bem como indefira a admissão da intervenção principal dos chamados na qualidade de condóminos. [.]».
Terminou assim: «[...] Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho recorrido de admissão de intervenção principal provocada, ao lado dos autores, de todos os condóminos proprietários, por nulidade, nos termos do disposto no artigo 195.° e 615.° n.° 1 al b) do CPC, ou, quando assim não se entenda, por inadmissibilidade legal, em virtude de não estarmos perante situação de litisconsórcio necessário ou voluntário, o qual deverá ser substituído por outro que declare a ilegitimidade activa dos AA./Recorridos e absolva a R./Recorrente da instância no tocante ao pedido de reclamação de defeitos nas partes comuns do
III - Em face do disposto nos art.°s 635°, n°s 3 e 4, 639°, n° 1, ambos do novo Código de Processo Civil2 (doravante, NCPC, para o distinguir do Código que o precedeu, que se passará a identificar como CPC), o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.° 608°, n.° 2, “ex vi” do art.° 663°, n° 2, do mesmo diploma legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, “questões”, para efeito do disposto no n.° 2 do art° 608° do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes”3 e que o Tribunal, embora possa abordar para um maior esclarecimento das partes, não está obrigado a apreciar.
O que está aqui em causa, para além da nulidade que a Recorrente vislumbrou, e do pedido que formulou no sentido de ser declarada a ilegitimidade activa dos AA./Recorridos e de ser absolvida da instância no tocante ao pedido de reclamação de defeitos nas partes comuns do edifício, é, essencialmente, resolver se foi correcta a decisão de admitir, ao lado dos AA., a intervenção principal dos restantes condóminos. Foi essa decisão — de admissão dessa intervenção - que foi tomada no despacho recorrido.
É claro que, tendo já sido assumido pelo Tribunal “a quo”, que os AA, isoladamente, não possuíam legitimidade activa para acção no que respeita aos pedidos atinentes às partes comuns do imóvel onde se integra a sua fracção autónoma (foi nisso que se fundou o despacho- convite, bem assim como o despacho recorrido), ilegitimidade essa que a Ré suscitou e que acabou por ser aceite pelos AA. ao corresponderem ao convite do Tribunal, a questão que se coloca é a de saber se a admitida intervenção principal desses condóminos tem fundamento legal, “rectius”, no disposto no art° 316, n° 1, do NCPC, por sanar essa ilegitimidade.
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IV - Fundamentação:
A) - O circunstancialismo processual e a factualidade provada que importa ponderar para a decisão do presente recurso estão elencados I
“supra”.
B) - 1) - Sendo evidente que, tirando situações excepcionais (v.g., as dos despachos de mero expediente), todas as decisões necessitam de ser fundamentadas (art° 154° do NCPC), só aquelas em que a fundamentação está absolutamente ausente - ou, o que é equivalente, é ininteligível - é que enfermam da nulidade prevista no art° 615, n° 1, b), do NCPC.
Na verdade, a falta de fundamentação terá de ser absoluta, para que se considere integrar a nulidade de sentença. Não se pode ter por verificada uma tal omissão nas situações em que, em lugar de estar completamente ausente, ou ser ininteligível, a fundamentação, existindo e sendo compreensível, é tão só deficiente, v.g., por ser incompleta, ou por ser medíocre. É o que, versando as normas correspondentes do direito processual pretérito, a nossa Doutrina ensinou4 e os nossos Tribunais Superiores decidiram5.
E sendo claro que, como se disse, a fundamentação necessita de ser perceptível, a ponto de não se poder apodá-la de ininteligível, a mesma pode ser mais, ou menos, exaustiva, conforme o exija a cabal e completa compreensão da respectiva decisão.
Ora, no que concerne à decisão “sub judice”, não obstante os respectivos elementos fácticos não estejam discriminados separadamente, eles não deixam de estar presentes, embora que dispersos na decisão recorrida, que, por outro lado, tem, manifestamente, uma fundamentação de direito.
Fica claro, a quem ler a decisão em causa, o complexo fáctico que foi entendido como assente e as razões de direito que levaram a admitir a requerida intervenção principal.
Entende-se, assim, que a decisão “sub judice” não enferma de falta de fundamentação, não ocorrendo, pois, qualquer nulidade, v.g., a prevista no art° 615, n° 1, b), do NCPC.
2) — Sendo a ilegitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário, uma excepção dilatória, esta pode ser suprida nos termos do art° 316, n° 1, do NCPC, que preceitua que “Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.”.
Importa, pois, para ajuizar da legalidade da utilização, pelos AA, - para com estes se associarem -, da intervenção principal dos restantes condóminos, saber se a acção poderia/deveria ter sido proposta pelo conjunto dos condóminos do prédio de que faz parte a fracção autónoma pertença dos AA..
Anteriormente à alteração do artigo 1437°, do Código Civil (CC), pela Lei n.° 8/2022, de 10 de Janeiro, no Acórdão da Relação da Relação do Porto, de 09/12/2010, Apelação n° 4450/07.3TBPRD.P16, entendeu-se o seguinte: «[...] De harmonia com o disposto no citado art° 1437°, o administrador tem legitimidade para agir em juízo relativamente às acções que se inserem no seu âmbito funcional e àquelas para que foi autorizado pela assembleia; também pode ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício, exceptuando-se as acções referidas no seu n° 3, salvo se a assembleia lhe conceder poderes especiais.
O art° 1437° consagra assim a legitimidade do administrador para estar em juízo, quer como autor, em execução de alguns dos actos previstos no art° 1436°, quer como réu, nas acções respeitantes às partes comuns do edifício ou relativas à prestação de serviços de interesse comum, além de poder ainda agir em juízo, em representação do grupo de condóminos, quando a assembleia lhe confira autorização para tal.
No que respeita à legitimidade activa, e como se lê no Ac. desta Relação de 08.03.05[..tratando-se de acções obrigacionais, ou a acção é instaurada por todos os condóminos, seguindo o regime aplicável da compropriedade (art0 1405o, n0 1) ou é proposta pelo administrador na execução de funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia (art° 1437°, n 1).
A mencionada autorização da assembleia só pode ser concedida no âmbito da competência desta. Há muitos assuntos respeitantes à gestão dos bens comuns que exorbitam da competência do administrador, nas que cabem na da assembleia
Resulta do acima exposto que o administrador apenas tem legitimidade para intentar acção em que estejam em causa as partes comuns do edifício e que a assembleia de condóminos também só o pode autorizar a intentar acções em que estejam em causa aquelas partes comuns
A acção destinada a efectivar a responsabilidade do construtor e vendedor do prédio por defeitos de construção nas partes comuns do mesmo é claramente perante uma acção obrigacional, pelo que tem de ser instaurada ou por todos os condóminos ou pelo administrador, restando saber se este o pode fazer na execução de funções que lhe pertencem, para o que não carece da autorização da assembleia ou se esta autorização é necessária. [...]».
Versando a questão da legitimidade activa para a acção que tivesse como escopo a eliminação, por parte do respectivo construtor (vendedor/construtor), dos defeitos existentes em imóvel constituído em propriedade horizontal, escreveu João Cura Mariano (“Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra”, Almedina, 7a edição, Dezembro de 2020) ainda, pois, no âmbito da versão do art° 1437°, do CC, anterior àquela que foi introduzida pela Lei n.° 8/2022, de 10/1:
«[...] se o defeito se situar numa parte comum do edifício, há que efetuar uma distinção entre os direitos de eliminação do defeito ou realização de nova obra, por um lado, e os direitos de redução do preço e resolução do contrato, por outro lado, uma vez que aqueles pressupõem o exercício de um poder de administração, e estes a posição de comprador no contrato de compra e venda das frações autónomas. Relativamente ao direito de indemnização complementar ou residual, previsto no arts 1223o do C.C, a solução depende dos tipos de danos que visa ressarcir.
O exercício dos direitos de eliminação dos defeitos e realização de nova obra, parece competir apenas ao administrador do condomínio, devidamente mandatado pela assembleia de condóminos, uma vez que compete exclusivamente a estes órgãos do condomínio proceder à administração das partes comuns (art° 1430° do C.C.) (...). [...]». (pág. 214).
E mais à frente — págs. 217 e 218 - acrescenta:
«[•] Em casos de urgência, motivada pela premência dos danos em curso, ou pela proximidade do decurso do prazo de caducidade, poderá o administrador exercitar esses direitos, sem prévia deliberação da assembleia de condóminos nesse sentido, ao abrigo do disposto no art° 1436°, f), do C.C.(...). O mesmo poderá aliás suceder com qualquer condómino, nos casos de falta ou impedimento do administrador (art° 1427° do C.C.) ou mesmo um terceiro, no âmbito do instituto da gestão de negócios (art° 464° e seg. do C.C.), devendo, contudo, nesta última situação, tal conduta ser posteriormente aprovada e ratificada pela assembleia de condóminos (art°471° e 268° do C.C.).
Não se vislumbra também qualquer impedimento a que esses direitos possam ser exercidos em conjunto pela totalidade dos condóminos, dispensando-se assim a existência de deliberação da assembleia nesse sentido e a intervenção do administrador (...). Na verdade, nada impede que se tomem deliberações que reúnam o acordo da totalidade dos condóminos, sem necessidade de reunião da assembleia, desde que esse acordo seja formalizado por escrito, o que dispensa a elaboração de ata (...), assim como podem os condóminos prescindir da intervenção do administrador em sua representação, dado que a mesma só foi prevista no art0 1437o, no1, do C.C., para facilitar a sua atuação jurídica. [...]».
Estando nós de acordo quanto ao entendimento que ficou expresso nos extractos transcritos da obra acabada de citar, teríamos que, no caso “sub judice”, não tendo a acção sido proposta por todos os condóminos, os AA, carecendo de legitimidade activa para peticionar a eliminação dos defeitos respeitantes às partes comuns, poderia ser sanada com a intervenção dos restantes condóminos, se desconsiderado o disposto na Lei n.° 8/2022.
Contudo, a admissão dessa requerida intervenção já deveria ter sido apreciada à luz dessa Lei — porque já em vigor, aquando da prolação do despacho recorrido, quanto à redacção que deu ao art° 1437°. Vejamos.
Embora a Lei n.° 8/2022, haja, no geral, entrado em vigor 90 dias após a sua publicação, ocorrida no DR n° 6/2022, Série I, de 10 de Janeiro de 2022, a alteração ao artigo 1437.° do Código Civil, entrou em vigor no dia seguinte ao da publicação dessa Lei (respectivo art° 9°).
Ora, sob a epígrafe “Produção de efeitos”, o art° 8° dessa mesma Lei dispõe: “A alteração ao artigo 1437.° do Código Civil é imediatamente aplicável aos processos judiciais em que seja discutida a regularidade da representação do condomínio, devendo ser encetados os procedimentos necessários para que esta seja assegurada pelo respetivo administrador.”.
E o n° 1 do 1437.° do Código Civil, na redação dada pela Lei n.° 8/2022, e sob a epígrafe “Representação do condomínio em juízo”, preceitua: «1 - O condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele.
2 - O administrador age em juízo no exercício das funções que lhe competem, como representante da universalidade dos condóminos ou quando expressamente mandatado pela assembleia de condóminos.
3 - A apresentação pelo administrador de queixas-crime relacionadas com as partes comuns não carece de autorização da assembleia de condóminos.».
Ficou claro, assim, que, face à nova redação do art° 1437.° do CC, no que concerne às partes comuns, sendo o condomínio que tem legitimidade para demandar e ser demandado, é sempre o seu administrador, e não a universalidade dos condóminos, quem o representa em juízo.
Assim, sai reforçada a conclusão de que, a acção para exigir do construtor (ou do vendedor que o haja construído), a eliminação de defeitos respeitantes a partes comuns de imóvel em propriedade horizontal, deve ser instaurada pelo administrador, em representação do condomínio, pelo que, no caso, o chamamento à acção dos restantes condóminos, decidida, como se disse, em momento em que já era aplicável a alteração introduzida ao art° 1437° do CC pela Lei n.° 8/2022 -, não sanava a ilegitimidade dos AA, e, consequentemente, a intervenção principal desses condóminos carecia de fundamento legal.
Ora, tendo entrado em vigor em 12/1/2022, a nova redacção do n° 1 do art° 1437° do CC - e determinando o art° 8° da Lei n.° 8/2022, de 10/1, que essa nova redacção “é imediatamente aplicável aos processos judiciais em que seja discutida a regularidade da representação do condomínio, devendo ser encetados os procedimentos necessários para que esta seja assegurada pelo respetivo administrador”, embora seja a de revogar a decisão ora recorrida — que, como se disse, foi proferida já em plena vigência dessa nova redacção — daí não resulta, desde logo, a absolvição da Ré da instância no que concerne aos pedidos atinentes à eliminação dos defeitos que respeitam às partes comuns do imóvel onde se integra a Fracção autónoma dos AA., pois que há que encetar os procedimentos a que alude o art° 8° da Lei n.° 8/2022, o que poderá viabilizar a discussão do mérito desses pedidos.
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V - Decisão:
Em face de tudo o exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação, em, na procedência da Apelação, revogar o despacho recorrido e determinar que o Tribunal “a quo” encete os procedimentos a que alude o art° 8° da Lei n.° 8/2022, de 10/1.
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Custas pelos Apelados (art°s 527°, n°s 1 e 2, 607°, n° 6, 663°, n° 2, todos do NCPC).
7/2/20237
(Luiz José Falcão de Magalhães)
(António Domingos Pires Robalo)
(Sílvia Maria Pereira Pires)





1 Segue-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.Aprovado pela Lei n° 41/2013, de 26 de Junho, e que entrou em vigor em 01/09/2013.
2 Acórdão do STJ, de 06 de Julho de 2004, Revista n° 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, entre outros, no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.° 07B2113 e no Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.° 07B3586, todos estes arestos consultáveis em “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”.
3 Cfr. Prof. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora - 1984 - pág. 669; Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, Volume V, págs. 139 e 140.
4 Cfr. Acórdão do STJ de 14/06/1995, Processo n.° 47 940, “in” BMJ n.° 448, págs. 255 e ss. e Acórdão do STJ de 19/06/2007, Revista n.° 07A1830.
5 Consultável em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf?OpenDatabase, tal como os acórdãos da Relação do Porto, que, sem referência de publicação, vierem a ser citados.
6 Acórdão processado e revisto pelo Relator.