CRÉDITO À HABITAÇÃO
PERSI
SITUAÇÃO DE INCUMPRIMENTO DEFINITIVO DOS DEVEDORES À DATA DA ENTRADA EM VIGOR DO REGIME DO PERSI
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Sumário

I- A nulidade por omissão de pronúncia pressupõe que o tribunal deixe de apreciar alguma questão submetida pelas partes à sua apreciação e que não tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras, pelo que não padece daquele vício a decisão de 1ª instância que que julgou verificada a exceção dilatória prevista no artigo 18º, nº1, al. b) do DL 227/2002, de 25 de outubro, ao abrigo do disposto no artigo 576º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, com a consequente a absolvição dos embargantes da instância executiva.
II- Num contrato de crédito à habitação, em que se convencionou o reembolso do empréstimo em prestações mensais, ao longo de vários anos, encontrando-se os devedores em situação incumprimento definitivo à data da entrada em vigor do regime do PERSI a instituição bancária não tinha a obrigação de integrar os mutuários nesse regime.
III- A prescrição é uma forma de extinção de direitos e correspondentes deveres em consequência do seu não exercício durante um determinado período de tempo.
IV- Os contratos de mútuo constituem o caso paradigmático de acordos de amortização, porquanto a obrigação unitária assumida pelos mutuários de valor predeterminado é fracionada num número fixado de prestações mensais, consubstanciando-se esse ajuste no acordo de amortização.
V- Cada uma das quotas devidas pelo mutuário constitui uma quota de amortização, sendo a obrigação do reembolso da dívida efetuada por quotas de capital e juros, com prazos de vencimento autónomos, mostrando-se a dívida amortizada na medida em que as prestações são cumpridas.
VI- A circunstância de, em consequência da perda do benefício do prazo, se vencerem e tornarem exigíveis todas as prestações de um mútuo liquidável em prestações, não altera o prazo de prescrição das prestações (de 5 anos, de acordo com o art.º 310.º/e) do CC), sendo que o termo inicial (de tal prazo prescricional de 5 anos), em relação a todas as prestações que em tal data hajam ficado vencidas, se situa e começa a contar na data desse vencimento.

Texto Integral


Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

RELATÓRIO

Nos presentes autos, AA e mulher BB, por apenso à execução em que são executados e exequente a A..., S.A., vieram deduzir embargos de executado.

Para tanto, alegaram, por um lado, desconhecer o contrato de cessão de créditos aludido no requerimento executivo e, por outro lado, invocam a prescrição do capital mutuado, juros e demais prestações conexas, nomeadamente imposto de selo e comissões.

Subsidiariamente, alegaram ter existido lapso na determinação da taxa de juro aplicável ao contrato de mútuo dado à execução, estando a liquidação efetuada por valores muito superiores aos contratados.

Por fim, alegaram que sobre o bem penhorado existe uma penhora anterior, pelo que, nos termos do disposto no artigo 794º do CPC, a penhora posterior deverá ser sustada.

Concluíram pela procedência da invocada exceção de prescrição ou, subsidiariamente, pela redução do valor dos juros peticionados para €39.845,31, relativos ao período de 27.04.2011 a 21.10.2021, à taxa de 6,356% + 3%, e respetivo imposto de selo, no montante de €1.593,81.

A exequente apresentou contestação, sustentando, em síntese, que incorreu num lapso quanto à determinação da quantia exequenda e quanto à taxa de juro aplicável em caso de incumprimento, pelo que requerer que lhe sejam relevados tais lapsos e determinada a retificação/redução da quantia exequenda, nos seguintes termos:

-€40.586,46, a título de capital;

-€33.573,65, a título de juros calculados desde 26/12/2010 a 21/10/2021 (data de apresentação da execução), à taxa de 5,640%, acrescida de mora à taxa de 2%;

- €1.757,78, a título de Imposto de selo; o que perfaz o total de €75.917,89.

No demais, sustenta que o crédito exequendo não se encontra prescrito, sendo-lhe aplicável o prazo ordinário de vinte anos, a que alude o artigo 309º do Código Civil.

E, ainda, que assim não se entenda, o certo é que, em 14.02.2011, o Banco cessionário apresentou reclamação de créditos em sede de execução fiscal, o que constituiu uma causa de interrupção da prescrição, ao abrigo do disposto no artigo 323º, nº1 do Código Civil.

Ora, tendo presente que o incumprimento dos embargantes ocorreu em dezembro de 2010 e a apresentação de reclamação de créditos pela embargada teve lugar em fevereiro de 2011, não se verifica a prescrição do crédito exequendo, na medida em que apenas passaram dois meses, desde o incumprimento contratual.

Terminou pedindo que a quantia exequenda seja reduzida para a importância total de setenta e cinco mil novecentos e dezassete euros e oitenta e nove cêntimos, acrescida de juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento. No demais, pediu que os presentes embargos sejam julgados improcedentes, por não provados, tudo com as legais consequências.

Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho a dar conhecimento de que os autos reúnem os elementos que permitem proferir decisão final, sem prolação de prova adicional, para as partes, querendo, dizerem ou requererem o que tiverem por conveniente quanto à delimitação dos termos do litigio e ulteriores termos processuais.

Foi proferido despacho saneador/sentença que julgou verificada a exceção dilatória prevista no artigo 18º, nº1, al. b) do DL 227/2002, de 25 de outubro, ao abrigo do disposto no artigo 576º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, com a consequente a absolvição dos embargantes da instância executiva.

Inconformada, a exequente A..., S.A., interpôs recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

“i. A douta sentença em apreço veio julgar verificada a exceção dilatória prevista no artigo 18º, nº1, al. b) do DL 227/2002, de 25 de outubro, ao abrigo do disposto no artigo 576º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, e consequentemente, determinou a absolvição dos embargantes da instância executiva.
ii. Ora, com tal decisão não pode o Recorrente concordar uma vez que não foi efectuada uma correcta e adequada aplicação do direito, conforme a seguir se demonstrará

OMISSÃO DE PRONÚNCIA NOS TERMOS DA ALINEA D) DO N.º 1 DO ARTIGO 615.º DO C.P.C.
i. A sentença de que ora se recorre enunciou as questões a decidir:

“(…), em primeiro lugar, saber se a quantia exequenda é certa, líquida e exigível, desde já; em segundo lugar e sendo caso disso, se a obrigação exequenda está prescrita e, em caso negativo, determinar a quantia exequenda que, neste momento, se mostra em dívida.
iii. Sucede que, o Tribunal não se pronunciou sobre as questões enunciadas, mas absolveu os Recorridos da instância e determinou a extinção da acção executiva com fundamento na violação do disposto no artigo 18.º do n.º 1 da alínea b) do DL227/2002 de 25 de Outubro a qual prevê o impedimento da instituição de crédito de intentar acções judiciais para satisfação do seu crédito no período compreendido entre a data de integração e extinção daqueles no PERSI.
iv. Ou seja, a sentença foi completamente omissa no que respeita às questões centrais a dirimir e suscitadas pelas partes.
v. A omissão de pronúncia está contemplada no preceito do art.º 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, segundo o qual é nula a sentença quando o “juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”.
vi. É entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência que apenas existe omissão de pronúncia quando o Tribunal deixe de apreciar questões submetidas pelas partes à sua apreciação, mas já não quando deixe de apreciar os argumentos invocados a favor da posição por si sustentada, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes.
vii. Por tudo o exposto, é inequívoco que a sentença recorrida é nula, nulidade que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais, devendo ser o aresto substituído por sentença que não incorra na assacada nulidade.

Caso assim não se entenda, e sem prescindir,

Erro na aplicação do Direito
viii. A sentença de que ora se recorre incorre em manifesto erro na aplicação do direito uma vez que refere:

“Nos autos de execução a que os presentes estão apensos foi dado em execução um documento particular contrato de compra venda e empréstimo. Estabelece o nº 4 do art.º 9º do DL nº 287/93, de 20 de agosto que “Os documentos que, titulando ato ou contrato realizado pela Banco 1..., prevejam a existência de uma obrigação de que a Banco 1... seja credora e estejam assinados pelo devedor revestem-se de força executiva, sem necessidade de outras formalidades.”(sublinhado nosso).
ix. Todavia, o mencionado diploma legal, regula exclusivamente o enquadramento normativo da actividade da Banco 1... e conforme decorre da prova documental (v.g. Escritura pública) carreada para os autos e dos factos assentes, o contrato de mútuo com hipoteca, que constitui título executivo, não foi celebrado com a Banco 1..., mas com o Banco 2..., S.A..
x. Por conseguinte, não é aplicável aos presentes autos, o Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de Agosto, incorrendo a presente sentença num ostensivo erro na aplicação do direito.
xi. Acresce ainda que, a sentença recorrida discorre ainda sobre a constitucionalidade dos documentos particulares assinados por devedores revestirem a natureza de títulos executivos, nos termos do artigo 703.º, n.º 1, al. d), do C.P.C. para enquadrar o contrato no Diploma Legal que norteia o regime jurídico do PERSI.
xii. Por sua vez, perscrutada a prova documental junta aos autos bem como os factos assentes (ponto 1, 2 e 3), resulta que o contrato que figura como título executivo nos presentes autos foi celebrado por escritura pública – documento autêntico - de compra e venda e mútuo com hipoteca e não é um documento particular conforme decorre da sentença em questão.
xiii. Melhor concretizando, tendo o contrato dado à execução sido celebrado originalmente pelo Banco 2..., S.A. no montante de dezassete milhões de escudos, correspondendo actualmente a cerca de € 84.795,64, com constituição de garantia de real sempre teria de ser sujeito a escritura pública para ser válido, o que sucedeu in casu.
xiv. Face a tudo quanto vem aduzido, resulta inequívoco que o Tribunal aplicou mal os factos ao direito uma vez que nos presentes autos está em causa uma escritura pública (documento autêntico) e não um documento particular.

Por último, e sem prescindir, nunca poderia o Tribunal a quo aplicar o regime jurídico do PERSI aos presentes autos, conforme a seguir se demonstrará
xv. A sentença a quo determinou a extinção da instância com fundamento na verificação da excepção dilatória por violação da alínea b) do n.º 1 do artigo 18.º do DL 227/2012 de 25 de Outubro por entender.
xvi. De acordo com o entendimento pugnado pelo Tribunal a quo, nos presentes autos estaria em causa um contrato de mútuo que integraria o referido diploma normativo que o regime em questão lhes era aplicável.
xvii. Todavia, com tal entendimento não pode o aqui Recorrente concordar!
xviii. O incumprimento por parte dos recorridos remonta a 26 de Dezembro de 2010, conforme configurado na contestação e como resulta do ponto 5 dos factos assentes, ou seja, muito antes da entrada em vigor do regime do PERSI (01 de janeiro de 2013).
xix. À data de entrada em vigor do regime PERSI já não estava em vigor o contrato de crédito celebrado entre os Recorridos e o Banco Cedente motivo pelo qual, naturalmente, as disposições deste diploma não lhes eram aplicáveis.
xx. incumprimento do contrato de mútuo celebrado entre os Recorrente e os Recorridos deu-se, conforme referido, em 26.12.2010, altura em que deixaram de proceder ao pagamento das prestações vencidas e das subsequentes.
xxi. Por requerimento de 29.11.2021 com referência CITIUS 1857849, o Recorrente juntou aos autos as cartas remetidas pelo Banco cedente em 04 de Março de 2011 através das quais interpelou os Recorridos para regularizarem no prazo de 10 dias o incumprimento sob pena de o contrato ser denunciado.
xxii. E, as cartas enviadas em 02 de Abril de 2011, nas quais o Banco Cedente informou os Recorridos que, atenta a ausência de regularização do incumprimento, iria recorrer à via judicial para cobrança coerciva da totalidade da dívida, tendo-se o contrato por resolvido.
xxiii. Ou seja, reafirma-se por ser verdade: o contrato já não estava em vigor à data da entrada em vigor do referido regime legal, o que desde já se alega e argui para todos os devidos e legais efeitos.
xxiv. Ainda que por mera hipótese académica assim não se entenda.
xxv. O não pagamento das respetivas prestações nos exatos termos convencionados pelos recorridos consubstanciou uma situação de mora, independentemente de interpelação, a partir de 2010 – altura em que deixaram de pagar as prestações.
xxvi. A persistência da mora contratual, que não foi regularizada pelos recorridos, veio, então, a converter-se em incumprimento definitivo, conforme estipula o artigo 808.º n.º 1 do CC.
xxvii. Atenta a conversão do incumprimento verificado em definitivo, operou a resolução automática do contrato e concomitantemente, o vencimento antecipado de todas as prestações vincendas, nos termos do artigo 781.º do CC.
xxviii. Nesse sentido, verificou-se sem margem para dúvidas, a resolução automática do contrato sub judice, ao abrigo não só do princípio da liberdade contratual, plasmado no artigo 405.º do CC, mas também do disposto no artigo 436.º n.º 2 do CC e bem assim do estipulado nos próprios contrato.
xxix. Mais, as partes regularam especial e especificamente cada uma das situações que levariam imediata exigibilidade da obrigação não o tendo feito de forma genérica ou abstracta
xxx. Deste modo, e salvaguardando sempre e para todos os efeitos que à data da entrada em vigor do regime legal do DL 227/2012 os contratos já estavam resolvidos por incumprimento, conclui-se que a resolução operada e motivada pelo incumprimento foi imediata, legítima e eficaz, tendo produzido validamente os seus efeitos.
xxxi. Por tudo quanto foi alegado, deve o recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se, na integra, a sentença proferida pela Meritíssima Juiz a quo.

Nestes termos, e nos demais de direito que Vs. Exas. Doutamente suprirão, deve ao presente recurso ser dado provimento e, assim, ser a sentença revogada, com todas as consequências legais.

Os recorridos apresentaram contra-alegações com as seguintes conclusões:

“A) O recurso interposto, com o devido respeito por opinião contrária, não merece provimento. Efetivamente a correta verificação da exceção dilatória mencionada na sentença, prejudicou a apreciação das restantes questões, ou seja, ficaram “afastadas”.

B) Todavia, se por mera hipótese académica, V.ªs Exºs se dignassem apreciar a invocada prescrição, deveria ter-se em conta, que consta dos factos assentes que “2. No documento mencionado em 1) dos factos assentes, consta que o referido empréstimo será “liquidado em dezoito anos, em duzentas e dezasseis prestações mensais constantes sucessivas de capital e juros, vencendo-se a primeira trinta dias após a data desta escritura. …”; (…) “5. Em 26 de dezembro de 2010, os embargantes interromperam o pagamento do acordo mencionado no artigo 1) da factualidade provada.”; (…) “7. A execução apensa foi intentada no dia 11 de novembro de 2021”. Ora, constando ainda dos autos que os executados foram citados para os termos desta execução no dia 10/12/2021, muito respeitosamente, prescreveram, pelo decurso do prazo de 5 anos, todos os “Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos…”, todas as “prestações mensais constantes sucessivas de capital e juros” e “Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis”, devidas desde a interrupção do pagamento “Em 26 de dezembro de 2010”, nos termos da al. d) e) e g) do art.º 310º do CC. Ou seja, prescreveu a totalidade do capital, de juros e respetivas prestações conexas, nomeadamente imposto de selo e comissões.

C) E não se diga que a alegada Reclamação de Créditos apresentada pela exequente tenha interrompido a prescrição pois não estão preenchidos os pressupostos legais para tal, uma vez que os Reclamados (ora Oponentes) não foram citados ou notificados da alegada Reclamação de Créditos, nem a citação ou notificação se fizeram dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, uma vez que o Reclamante nem requereu tal. Efetivamente, não consta dos factos assentes da sentença recorrida (nem foi alegado sequer, nem consta dos elementos juntos aos autos) que os Reclamados (ora Oponentes) tenham sido citados ou notificados da alegada Reclamação de Créditos, nem que a Reclamante tenha requerido que a citação ou notificação se fizesse dentro de cinco dias.

Pelo que não merece provimento o recurso interposto pela exequente. Todavia, se por mera hipótese académica, V.ªs Ex.ªs se dignassem apreciar a invocada prescrição, deveriam declarar que já prescreveu a totalidade do capital, de juros e respetivas prestações conexas, nomeadamente imposto de selo e comissões.”

Pelo Juiz relator foi proferido despacho, ao abrigo do disposto no artigo 655º, nº 3, do CPC, convidou os ilustres advogados das partes a pronunciaram-se sobre a possibilidade deste Tribunal substituir-se ao tribunal recorrido no conhecimento da exceção de prescrição.

A apelante respondeu, no sentido de não se opor a que este tribunal se pronuncie sobre a questão da prescrição apesar do Tribunal de primeira instância não tenha conhecido da referida questão, considerando, no entanto, que a exceção de prescrição deve improceder.

Os apelados responderam também, dizendo que não se opõem a que este tribunal se pronuncie sobre a questão da prescrição, considerando que a exceção de prescrição deve proceder.

O recurso foi admitido.

Foram colhidos os vistos.

                  OBJETO DO RECURSO

Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são as seguintes:
1- Se verifica nulidade por omissão de pronúncia
2- Se verifica a exceção dilatória inominada por preterição dos executados no PERSI.
3- Caso se julgue que não se verifica a exceção referida ponto anterior, se verifica a exceção de prescrição.

FUNDAMENTOS DE FACTO

Com base na prova documental junta aos autos e na posição assumida pelas partes nos seus articulados, o Tribunal de 1ª instância considerou assentes os seguintes factos com relevância para a decisão a proferir:
1. Em 26 de abril de 2000, por documento escrito denominado “compra venda e empréstimo” constante de fls. 23 verso a 25 verso, do qual faz parte integrante o documento complementar junto a fls. 26 a 27 dos presentes autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, em que foram primeiros outorgantes CC, em nome e em representação da sociedade “B..., Lda.”; segundos outorgantes AA e mulher BB e terceiro outorgante, Banco 2..., S.A. foi por este concedido aos segundos outorgantes um empréstimo de dezassete milhões de escudos, importância de que aqueles se confessaram desde logo devedores.
2. No documento mencionado em 1) dos factos assentes, consta que o referido empréstimo será “liquidado em dezoito anos, em duzentas e dezasseis prestações mensais constantes sucessivas de capital e juros, vencendo-se a primeira trinta dias após a data desta escritura.

A taxa de juro inicial do empréstimo será inicialmente de cinco virgula cinco por cento, correspondente à taxa anual efetiva de cinco virgula sessenta e quatro por cento. A taxa válida para efeitos de registo predial é a efetiva.

A taxa de juro aplicável ao empréstimo será revista com a periodicidade semestral e corresponderá à Lisbor de referencia, acrescida de quatro virgula oito por cento. A Lisbor de referencia é calculada todos os meses e corresponde à média aritmética das taxas Lisbor a seis meses dos dias úteis do mês anterior, com arredondamento para o oitavo superior.

Que, em garantia do bom pagamento da importância mutuada, acrescida dos juros que forem devidos e ainda das despesas judiciais e extrajudiciais que o Banco mutante tenha de fazer no caso de ir a juízo para manter e assegurar o seu crédito e acessórios, em qualquer processo, e que para efeitos de registo são computadas em oitocentos e cinquenta mil escudos, e eles segundos outorgantes, por esta mesma escritura constituem hipoteca, a favor do “Banco 2..., S.A., sobre a fração provisoriamente registada a favor do mesmo Banco (…)”.
3. O crédito mencionado em 1) dos factos assentes, destinou-se à aquisição de habitação própria e permanente dos segundos outorgantes.
4. Por contrato de cessão de créditos celebrado, em 07 de junho de 2019, junto nos autos de execução apensos a fls. 6 a 13, cujo o teor se dá aqui por integralmente reproduzido, o Banco 3... S.A., cedeu à A..., S.A., o crédito exequendo e respetivas garantias, emergentes do mencionado contrato de crédito.
5. Em 26 de dezembro de 2010, os embargantes interromperam o pagamento do acordo mencionado no artigo 1) da factualidade provada.
6. Em 14 de fevereiro de 2011, nos autos de execução fiscal nº ...62, o Banco 2..., S.A., apresentou junto do Serviço de Finanças ..., a reclamação de créditos junta neste processo, a fls. 21 a 23, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, na qual peticiona o pagamento do mutuo que serve de base à execução apensa.
7. A execução apensa foi intentada no dia 11 de novembro de 2021.

FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Se verifica nulidade por omissão de pronúncia

Sustenta a recorrente que a decisão recorrida não se pronunciou sobre as questões que enunciou e que foram suscitadas pelas partes: em primeiro lugar, saber se a quantia exequenda é certa, líquida e exigível; em segundo lugar e sendo caso disso se a obrigação exequenda está prescrita. Em caso negativo, determinar a quantia exequenda que, neste momento, se mostra em dívida.

Esta nulidade está diretamente relacionada com o comando fixado na 1.ª parte do n.º 2 do art.º 608.º do CPC, segundo o qual o “juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.

Analisada a decisão recorrida, à qual é imputada a nulidade por omissão de pronúncia, não se vislumbra que a mesma tenha deixado por apreciar qualquer das questões suscitadas nos articulados que não tivesse ficado prejudicada pela decisão.

Na verdade, tendo ela julgado verificada a exceção dilatória prevista no artigo 18º, nº 1, al. b) do DL 227/2002, de 25 de outubro, ao abrigo do disposto no artigo 576º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, com a consequente absolvição dos embargantes da instância executiva, é evidente que todas as restantes questões suscitadas ficaram prejudicadas.


2. Se verifica a exceção dilatória inominada por preterição de integração dos executados no PERSI

De harmonia com o disposto no artigo 662º, nº 1, do CPC “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

“..A Relação no âmbito da reapreciação da decisão recorrida e naturalmente nos limite objetivo e subjetivo do recurso, deve agir oficiosamente mediante a aplicação das regras vinculativas extraídas do direito probatório material, modificando a decisão da matéria de facto advinda da 1ª instância (art.º 607º, nº 4 e 663º, nº 2). A oficiosidade desta atuação é decorrência da regra geral sobre a aplicação do direito (in casu, das normas de direito probatório material), na medida em que possam interferir no resultado do recurso que foi interposto e, é claro, respeitando o seu objeto global, que, no essencial, é delimitado pela recorrente, nos termos do art.º 635º, e respeitando também o eventual caso julgado parcelar que porventura se tenha formado sobre alguma questão ou segmento decisório”[1].

 Assim sendo, acrescenta-se à matéria de facto provada os seguintes factos:

8. Por cartas remetidas aos executados em 4 de março de 2011, o banco cedente interpelou-os para regularizarem no prazo de 10 dias o incumprimento sob pena de o contrato ser denunciado. Mais, informaram que a partir desta data será exigido o pagamento da totalidade do valor do contrato, acrescido dos juros vencidos e das despesas extrajudiciais incorridas.

9. Por cartas enviadas aos executados em 2 de abril de 2011, o banco cedente informou-os que, atenta a ausência de regularização do incumprimento, iria recorrer à via judicial para cobrança coerciva da totalidade da dívida (4 cartas juntas com o requerimento de 29-11-2021 no processo executivo, na sequência do despacho de 15-11-2011).
Na decisão recorrida entendeu-se “Como resulta dos factos provados, o contrato em causa nos presentes autos, destinou-se a aquisição de habitação própria e perramente dos embargantes, integrando-se, por isso, no âmbito de aplicação dos citados diplomas, quanto ao conteúdo.
No que respeita ao âmbito na dimensão temporal, o artigo 39.º, n.º 1, do Decreto-Lei 227/2012, de 25 de outubro, determina que são automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.
O mencionado diploma entrou em vigor em 1 de janeiro de 2013 (artigo 40º, do citado diploma legal), o contrato encontrava-se em vigor nessa data e as obrigações em causa tinham-se vencido em 26 de dezembro de 2010, pelo que também nesta dimensão há que considerar a integração no âmbito de aplicação do diploma (artigo 39.º, n.º 1).
Da conjugação das citadas disposições legais e atenta a factualidade assente, resulta inequívoco a exigência legal de integração no PERSI, no caso vertente”.
Defende a recorrente que à data da entrada em vigor do regime do PERSI, em 1 de janeiro de 2013 já não estava em vigor o contrato de crédito celebrado entre os recorridos e o banco cedente. Com efeito o incumprimento do contrato em causa deu-se em 26.12.2010, altura em que deixaram de proceder ao pagamento das prestações vencidas e das subsequentes, tendo o banco cedente interpelado aos recorridos para regularizarem o incumprimento, sob pena de o contrato ser denunciado. Ainda que por mera hipótese assim não se entenda, a persistência da mora contratual que não foi regularizada pelos recorridos, veio a converter-se em incumprimento definitivo, conforme estipula o artigo 808º, nº 1 do CC, este operou a resolução automática do contrato e concomitantemente o vencimento antecipado de todas as prestações vincendas, nos termos do artigo 781º do CC.

No caso das obrigações com prazo (como é o nosso caso), o respetivo decurso determina por si, como é claro, o vencimento da obrigação (independentemente de interpelação), fazendo com que a prestação se torne logo exigível (exigibilidade em sentido forte).

“Se a prestação não for cumprida dentro do prazo, existe mora, nos termos do artigo 805º, nº 2, al. a), do CC, sem prejuízo das situações de: (i) impossibilidade da prestação (em que se extingue o dever de prestar); ii) perda de interesse do credor (prazo essencial), em que se considera para todos os efeitos não cumprida a obrigação (artigo 808º, nº 1); (iii) prazo perentório fixado no contrato (mesmo que este seja apenas subjetivamente essencial) cujo decurso gera imediatamente incumprimento definitivo; (iv) interpelação admonitória que, representando uma última oportunidade para o cumprimento, provoca a conversão da mora em incumprimento definitivo. Esta interpelação admonitória não se confunde com a interpelação que tem como objetivo provocar o vencimento das obrigações puras: esta consiste na comunicação pelo credor ao devedor da sua decisão de lhe exigir o cumprimento da obrigação, constituindo o devedor em mora se não cumprir; deferentemente, aquela provoca a conversão da mora em incumprimento definitivo.

A interpelação admonitória só não é necessária se ter havido recusa de cumprimento, invocada a perda de interesse do credor ou incumprida uma cláusula resolutiva expressa.

No que respeita à interpelação, exige-se, comummente, a advertência, pelo credor de que a obrigação se terá por definitivamente incumprida após o decurso do prazo fixado (intimação admonitória). Apesar de alguma doutrina dispensar qualquer ritual solene ou declaração com semelhantes formalismos, a jurisprudência tende a afirmar que “para transformar a mora em incumprimento definitivo é necessária uma interpelação com fixação de prazo peremptório e razoável para cumprimento da obrigação, cominada expressamente, e não acatada, com não cumprimento. Além de que se sublinha a necessidade de interpelação da declaração do credor, de tal maneira que “a comunicação do credor ao devedor de que se não pagar no prazo consignado, considere o contrato não cumprido, à luz da teoria da impressão do destinatário tem de ser entendida pelo devedor como estando o credor a cominar a resolução contratual.

Tem-se entendido, com razão, que se pode dispensar uma autónoma declaração de resolução, por exemplo, determinando logo o credor, na interpelação admonitória, que decorrido o prazo sem que se verifique o cumprimento se considera o contrato imediatamente resolvido[2]”.

Sustenta ainda a apelante que a persistência da mora contratual, que não foi regularizada pelos recorridos, veio a converter-se em incumprimento definitivo, conforme estipula o artigo 808º, nº 1, do CC. Verificou-se assim a resolução automática a resolução automática do contrato sub judice, ao abrigo do principio da liberdade contratual, plasmado no artigo 405º do CC, mas também do disposto no artigo 436º, nº 2, do CC, e bem assim do estipulado no próprio contrato.

Conforme se entendeu no Ac. do STJ, de 10-09-2009[3] “a resolução consequente à perda do interesse do credor não se produz automaticamente: exige-se ainda, de acordo com os ditames da boa fé, uma comunicação dirigida pelo credor ao devedor, informando-o da perda do interesse na sua prestação, uma vez que nem sempre transparece das circunstâncias do contrato, de forma clara, o desaparecimento desse interesse”[4].

Assim, em ordem a obter a pretendida resolução impunha-se que a recorrente tivesse provado que recorridos que entraram em mora, por força desta, desaparecera o seu interesse na manutenção do contrato, ou então que aquela convertera-se em incumprimento definitivo, nos termos que se assinalaram (art.º 342º, n.º 1, do CC)

Vejamos, agora, sucintamente, o regime do PERSI, para depois, concluir se a sentença recorrida fez a correta aplicação do direito ao caso concreto.

O DL nº 227/2012, de 25 de outubro[5] que definiu princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários, estabelecendo a rede extrajudicial de apoio a esses clientes no âmbito da regularização dessas situações, criou o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento — PERSI (artigos 12º a 22º).

Tal diploma integra-se num quadro de múltiplos instrumentos legais[6], em cujos objetivos se identifica a regulamentação da concessão de crédito responsável aos consumidores (como se afirma no próprio preâmbulo desse diploma), impondo às entidades financeiras e concedentes de crédito o cumprimento de extensas listas de deveres de informação, deveres de avaliar a solvabilidade dos consumidores, deveres de lhes proporcionar o acesso a meios extrajudiciais de resolução de litígios respeitantes aos deveres e obrigações contratualmente assumidos, entre outros.

Trata-se de soluções que, em grande medida, incorporam regras de direito europeu destinadas à proteção dos consumidores nas relações com as entidades concedentes de crédito.

O PERSI estabelece uma particular proteção dos consumidores clientes bancários que, tendo celebrado os contratos referidos no art.º 2º do DL nº 227/2012, entrem em incumprimento das obrigações que contratualmente assumiram.

O objetivo central deste procedimento é o de conferir ao consumidor que se encontra em mora a oportunidade para renegociar o modo de cumprimento do contrato, privilegiando a sua modificação objetiva em vez da resolução e subsequente ação judicial, seja de condenação, seja executiva (quando o credor já se encontra munido de título executivo).

Como resulta do art.º 18º, o recurso ao tribunal é uma etapa que não pode ser antecipada, ou seja, não pode ocorrer sem que antes o credor tenha cumprido a obrigação de integrar o devedor no PERSI, como determina o art.º 14º, e de seguir os trâmites previstos nos artigos 15º e 16º, tendo em vista a possibilidade de encontrar uma solução extrajudicial. Só após a extinção do PERSI, quando não é possível encontrar uma solução negociada, se torna lícito ao credor recorrer à via judicial, devendo ainda informar o consumidor, nos termos do art.º 17º, nº 3, sobre as razões que inviabilizam a solução extrajudicial.

Deste modo, a instituição de crédito que move ação contra o devedor/consumidor tem o ónus de demonstrar que a sua atuação não se encontra bloqueada pelo art.º 18º, nº 1, al. b), do DL nº 227/2012.

A demonstração de que a entidade financeira/exequente integrou o consumidor/executado no PERSI ou lhe proporcionou a oportunidade para tal, nos termos dos artigos 12º e seguintes do DL n.º 227/2012, constitui um pressuposto específico da ação executiva para pagamento de quantia certa (quando a obrigação exequenda respeita a financiamento de uma entidade financeira a um consumidor), equiparável à existência do título executivo, cuja ausência constitui uma exceção dilatória inominada (dado o caráter não taxativo do art.º 577º do CPC) de conhecimento oficioso (como se extrai da regra estabelecida no art.578º), que nos termos do art.º 576º, nº 2 e art.726º, nº 2, alínea b) do CPC determina a absolvição da instância executiva.

O DL nº 227/2012, entrou em vigor em 1-01-2013.

Dispõe o art.º 39º (Aplicação no tempo) do DL 227/2012, no qual se estabelece:

“1. São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.

2 - Nas situações referidas no número anterior, a instituição de crédito deve, nos 15 dias subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, informar os clientes bancários da sua integração no PERSI, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 14.º.

3 - Os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora quanto ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito há menos de 31 dias são integrados no PERSI nos termos previstos no n.º 1 do artigo 14.º

Conforme decorre da factualidade dada como provada, em 1-01-2013, o contrato de mútuo em causa já se encontra resolvido, pelo que os embargantes/recorridos não tinham que ser automaticamente integrados no PERSI.

Em conclusão: não se verifica assim a exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, tal como se decidiu na sentença recorrida.


4- Caso se julgue que não se verifica a exceção referida ponto anterior, se verifica a exceção de prescrição
A questão a dirimir consiste em saber se verifica a prescrição da dívida exequenda, com a consequente procedência dos embargos, e extinção da execução.
Os apelados consideram que é aplicável o acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 6/2022.

A apelante começa por sustentar que não é aplicável nos presentes autos qualquer exceção de prescrição, seja aos juros peticionados, seja ao valor de capital peticionado, não havendo lugar à aplicação do prazo de cinco anos previsto no artigo 310.º do Código Civil, mas sim o prazo ordinário de vinte anos previsto no artigo 309.º do mesmo diploma.

Alega ainda, que com a apresentação da mencionada reclamação de créditos no Processo de Execução Fiscal ...62 e Aps, dúvidas não restam de que fosse qual fosse o prazo de prescrição a decorrer, viria o mesmo a interromper-se nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 323º do CC, defendendo que o incumprimento dos embargantes ocorre em dezembro de 2010 e a apresentação de reclamação de créditos pela embargada, em fevereiro de 2011, pelo que será de concluir que não ocorreu a prescrição, na medida em que apenas passavam 2 meses desde o mencionado incumprimento.

Como se sabe a prescrição é uma forma de extinção de direitos e correspondentes deveres em consequência do seu não exercício durante um determinado período de tempo, no reporte ao art.º 298, do Código Civil, sendo o seu regime jurídico injuntivo, estabelecendo no art.º 309, do mesmo diploma, que o prazo ordinário de prescrição é de vinte anos, prevendo também as designadas presunções de curto prazo, isto é, de cinco anos, art.º 310, ainda do CC.

Não se confundindo com prescrições presuntivas, mostram-se consagradas com o fim de evitar que o credor retarde a exigência de créditos que se renovem periodicamente, onerando excessivamente a prestação do devedor, com fundamento não só na posição deste último, mas também referenciando-se, razões de ordem geral, atinentes à paz jurídica e à segurança.

Entre os casos de prazo de prescrição de cinco anos, prevê-se no art.º 310, alínea d), “Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos (…) e na alínea e) “As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros”; sendo conhecido o dissídio jurisprudencial[7], no que concerne ao prazo de prescrição aplicável aos contratos de mútuo onerosos em que a obrigação de restituição do capital mutuado foi fracionada, isto é, realizada em prestações, traduzida num acordo de amortização em que cada uma das prestações mensais devidas é uma quota de amortização do capital, integrada pelo capital e juros.

O Supremo, e Pleno das Seções Cíveis, clarificou a questão, fixando, no segmento uniformizador, a seguinte jurisprudência[8]:

“I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.

II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.”

Vem sendo entendido que os contratos de mútuo constituem o caso paradigmático de acordos de amortização, porquanto a obrigação unitária assumida pelos mutuários, obrigação essa de valor predeterminado, é fracionada num número fixado de prestações mensais, consubstanciando-se esse ajuste no acordo de amortização, pelo que cada uma das quotas devidas pelo mutuário constitui uma quota de amortização, nos termos do art.º 310, e) do CCivil, sendo a dívida amortizada na medida em que as prestações são cumpridas.[9]

Conforme se refere no Ac. do STJ, de 12-07-2022[10]:

“Ocorrendo o vencimento antecipado, nos termos do art.º 781.º do C. Civil, das quotas de amortização de capital mutuado pagável com juros, continua a aplicar-se às quotas assim antecipadamente vencidas o prazo de prescrição de 5 anos do art.º 310.º/e) do C. Civil; prazo esse que se inicia e começa a correr, em relação a todas as quotas assim vencidas, na data em que ocorreu o vencimento antecipado (por ser nesta data que o direito passa a poder ser exercido – cfr. art.º 306.º/1 do C. Civil).

Efetivamente, para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no art.º 781.º do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas – continuam a ser quotas de amortização do capital – só se alterando o momento da sua exigibilidade, o que também significa que o aproveitamento da faculdade prevista no art.º 781.º do C. Civil não equivale à resolução contratual, não se estando na relação de liquidação (mas ainda na ação de cumprimento) quando, ao abrigo do art.º 781.º do C. Civil, se pede o pagamento de todas as  prestações.

O que ainda significa, no que aqui interessa, que, vencendo-se e tornando-se exigíveis todas as prestações, por força do disposto no art.º 781.º do Código Civil, a prescrição quinquenal não tem como termo inicial, em relação a cada uma das prestações, a data de vencimento (de cada uma dessas prestações) constante do plano de reembolso inicialmente gizado pelas partes, mas sim que a prescrição quinquenal se reporta e conta em relação a todas as prestações a partir da data – termo inicial – em que foi exercida a faculdade prevista no art.º 781.º, ou seja, a partir da data em que se venceram e tornaram exigíveis todas as prestações.”[11]

No caso dos autos ocorreu em 4 de março de 2011– quando a recorrente invocou o direito a exigir a totalidade da dívida – tem que concluir-se que o direito da embargada a exigir todas as prestações se iniciou (art.º 306.º/1 do CC), ou seja, que o termo inicial do prazo de prescrição quinquenal (em relação a todas as prestações) se iniciou naquela data.

Acresce dizer que a apelante invoca como causa de interrupção da prescrição, a reclamação de créditos que foi deduzida pelo Banco 2..., S.A. em 14 de fevereiro de 2011 no processo de execução fiscal nº ...62, na qual se peticionou o pagamento do mútuo que serve de base à execução apensa.

Prescreve o artigo 323º, nº 1, do Código Civil que “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.

Ora, tendo esta reclamação de créditos sido deduzida em data anterior ao inicio do prazo de prescrição, conforme acima se deixou esclarecido, não pode a mesma funcionar como causa de interrupção da prescrição, nos termos do preceito citado.

Concluímos assim, que quando, em 11 de novembro de 2021, a aqui recorrente intentou a presente execução, já haviam decorrido mais de cinco anos sobre a data em que todas as prestações (de capital e juros) podiam ter sido exigida aos mutuários, pelo que todas as prestações que integravam esse crédito se encontravam prescritas, conduzindo à procedência dos embargos e à extinção da execução em relação aos embargantes.

Das custas:

Atendendo ao seu decaimento, as custas são da responsabilidade da apelante- artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, todos do CPC.

(…)

               DECISÃO

               Com fundamento no atrás exposto, acorda-se em:
1- Revogar a decisão recorrida que julgou verificada a exceção dilatória prevista no artigo 18º, nº1, al. b) do DL 227/2002, de 25 de outubro, ao abrigo do disposto no artigo 576º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, com a consequente a absolvição dos embargantes da instância executiva.
2- Julgar procedentes os embargos de executado.

               Custas pela apelante.

                                                                                                       Coimbra, 28 de fevereiro de 2023

               Mário Rodrigues da Silva- relator

               Cristina Neves- adjunta

               Teresa Albuquerque- adjunta

                    Texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original



([1]) António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Felipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil notado, Vol. I, p. 858.
([2]) Ana Perestrelo de Oliveira, Madalena Perestrelo de Oliveira, Incumprimento resolutório: uma introdução, Almedina, pp. 59-60.
([3]) Proc. 170/09.2YFLSB, relator Santos Bernardino, www.dgsi.pt.
([4]) Cf. ainda Ana Perestrelo de Oliveira, Madalena Perestrelo de Oliveira, obra citada, p. 57.
([5]) Que entrou em vigor em 1-01-2013, nos termos do artigo 40º deste diploma.
([6]) Neste quadro legal são também identificáveis, por exemplo, o DL n. 133/2009 (alterado pelo DL 74A/2017), que estabelece o regime dos contratos de crédito a consumidores; o DL n. 744/2017 (alterado pela Lei n. 13/2029), que estabelece o regime dos contratos de crédito relativos a imóveis.
([7]) Se era aplicável o prazo ordinário de prescrição de 20 anos ou se o prazo de prescrição de cinco anos do art.º 310.º/e) do C. Civil.
([8]) Ac. do STJ, de 30-06-2022, publicado no Diário da República, I Série, nº 184 , 22SET2022.
([9]) Ac. do STJ, de 11-10-2022, proc. 27376/18.0T8LSB-A.L1.S1, relatora Ana Resende, www.dgsi.pt.
([10]) Proc. 373/20.9T8OVR-A.P1.S1, relator Barateiro Martins, www.dgsi.pt.
([11]) Cf. ainda Acórdãos do STJ, de 29-09-2022, proc. 1895/20.7T8OVR-A.P1.S1, relator Ferreira Lopes, de 28-09-2022, proc. 627/20.4T8SNT-A.L1.S1, relator Espírito Santo, de 15-09-2022, proc. 83/21.0T8PDL-A.L1.S1, relator Nuno Oliveira e de 13-10-2022, proc. 8625/19.4T8LRS.L1.S1, relator Rijo Ferreira, www.dgsi.pt.