PROCESSO TUTELAR CÍVEL
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
RESIDÊNCIA ALTERNADA
FREQUÊNCIA DE ESTABELECIMENTO DE ENSINO
Sumário


1. Nos processos tutelares cíveis, com a natureza de jurisdição voluntária, o tribunal pode/deve proferir a decisão que lhe pareça mais equitativa (mais conveniente e oportuna), a que melhor serve os interesses em causa.
2. A alternância de residências é uma solução adequada ao exercício conjunto das responsabilidades parentais desde que sirva o interesse dos filhos e possa ser implementada, mesmo sem acordo dos pais, salvo se o desacordo se fundamentar em razões factuais relevantes.
3. A residência alternada assenta no superior interesse da criança em manter com os progenitores uma relação em moldes igualitários e de grande proximidade com cada um deles.
4. A tal não obsta, necessariamente, uma distância entre as residências dos progenitores de cerca de 90 km (55-60 minutos de viagem) e a circunstância de a criança ter dois anos de idade.
5. Qualquer regime poderá/deverá ser ajustado se e quando as circunstâncias o ditarem, nomeadamente as sequentes à frequência de um estabelecimento de ensino.

Texto Integral


Relator: Fonte Ramos
1.º Adjunto: Alberto Ruço
2.º Adjunto: Vítor Amaral


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:                   

           

            I. Em 13.9.2021, AA veio requerer a regulação do exercício das responsabilidades parentais (RERP) contra BB, relativamente ao filho menor de ambos, CC, nascido em .../.../2021.

            Na conferência dos pais de 29.10.2021 foi fixado regime provisório de RERP.[1]             Em 06.01.2022, em sede de nova conferência de pais, perante os requerimentos de incumprimento, considerando as declarações dos progenitores acerca do regime provisório e a circunstância transitória relativa ao período de amamentação do menor, foi proferido despacho a determinar que os progenitores fossem notificados nos termos e para os efeitos do art.º 39º, n.º 4 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível/RGPTC (aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08.9) e para se pronunciarem sobre a eventual alteração do regime provisório.

            Em 27.01.2022, após contraditório e recolha de prova, foi proferido despacho de alteração do regime provisório.

            Em 03.02.2022, foi indeferida a realização de perícia médica (relativa à alegada “mastite” da progenitora e por ela requerida)[2] e solicitada a elaboração de relatórios sociais a ambos os progenitores.

            Em 16.3.2022, foi indeferida a realização de perícia de avaliação psicológica ao progenitor.[3]

            Juntos os relatórios da Segurança Social e após audição dos progenitores, a 24.6.2022 foi proferido despacho de alteração do regime provisório.[4]

Realizado o julgamento[5], o Tribunal a quo, por sentença de 20.9.2022, decidiu/determinou a RERP nos seguintes termos:

            A. DA RESIDÊNCIA E DA GUARDA.

               i) O exercício das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância para a vida do menor, compete a ambos os progenitores, sem prejuízo das situações de urgência manifesta; abrangendo tais questões: a) Alteração de morada de residência para fora do concelho de residência habitual; b) Decisões sobre intervenções cirúrgicas na criança (incluindo estéticas); c) Saída da criança para o estrangeiro; d) Requisição de passaporte; e) Saída da criança para países em conflito armado de onde possa advir perigo para a sua vida; f) Obtenção de licença de condução de ciclomotores; g) Escolha de ensino particular ou oficial para a escolaridade da menor; h) Decisões de administração que envolvem oneração; i) Educação religiosa da criança até atingir os 16 anos de idade; j) Autorização parental para contrair casamento; k) Exercício de atividade laboral pela criança até atingir os 16 anos de idade; l) Exercício do direito de queixa-crime em representação da criança enquanto esta tiver menos de 16 anos de idade, exceto caso um dos progenitores for o agente do crime praticado contra a criança; m) Orientação profissional do menor. n) Participação em programas de televisão que possam ter consequências negativas para a criança.

               a) O menor ficará a residir com ambos os progenitores em regime de guarda partilhada, com alternância semanal, devendo o progenitor não residente ir buscar o menor ao sábado entre as 17h e as 18h, a casa do progenitor residente, sem prejuízo de outro acordo entre os progenitores, devendo o regime de guarda partilhada/alternada (semanal) iniciar-se no dia 1 de outubro de 2022, passando o menor a semana seguinte com o progenitor.

               ii) Compete ao progenitor residente a decisão sobre os atos da vida corrente do menor.

               iii) Até dia 1 de outubro vigora o regime provisório fixado por despacho de 23.6.2022.

               B. CONVÍVIO, CONTACTOS E VISITAS

               i) Durante a semana com o progenitor residente, o progenitor não residente poderá contactar o menor diariamente através de chamada telefónica ou por vídeo chamada, entre as 18h e as 20h sem prejuízo do período normal de descanso do menor, da frequência escolar e das suas rotinas pessoais e familiares; não podendo a chamada/contactos durar mais de 15 minutos, sem prejuízo de outro acordo entre os progenitores e ou do envio de vídeos por redes sociais;

               ii) O progenitor não guardião no período semanal poderá, caso se encontre na respetiva localidade, estar e visitar o CC, podendo realizar pelo menos uma refeição diária por semana com o menor – lanche, comprometendo-se a entregar o menor após essa refeição e no máximo até as 18h30, preferencialmente à quarta-feira; devendo para o efeito comunicar previamente com o progenitor guardião, e sem prejuízo do período normal de descanso e de frequência pré-escolar do menor.

               iii) O menor passará com cada um dos progenitores metade das férias escolares, podendo passar um período consecutivo de 15 dias nas férias escolares de verão, e sem prejuízo de outro acordo pontual entre os progenitores, retomando-se logo após o regime de guarda alternada;

               iv) O menor passará o período do Natal (24 e 25-12) de ano novo (31-12 e 01-01), em dias alternados com cada um dos progenitores, e sem prejuízo de outro acordo pontual entre os progenitores, sendo que o progenitor deve ir buscar o menor a casa da progenitora entre as 10h e as 11h do dia 25-12 de 2022, e comprometendo-se a progenitora a ir buscar o menor a casa do progenitor entre as 10h e as 11h do dia 1 de janeiro de 2023.

               C. ALIMENTOS

               i) Cada um dos progenitores é responsável pelos encargos relativos aos alimentos do menor durante o período da respetiva residência, sem prejuízo de outro acordo entre os progenitores, nomeadamente quanto à aquisição de vestuário, material lúdico ou didático;

               ii) Ambos os progenitores comparticiparão em metade do valor das despesas escolares, médicas e medicamentosas e outras de saúde realizadas com o menor, mediante apresentação de comprovativo da despesa, com indicação de NIF do menor, e na parte não coberta por regime assistencial ou por contrato de seguro, que abranja o menor, comprometendo-se o outro progenitor a pagar a sua metade no prazo de 10 dias, por transferência/depósito bancário;

               iii) Quaisquer outros encargos com atividades extracurriculares – por exemplo explicações ou atividades desportivas, serão suportadas em metade por ambos os progenitores, desde que tenham previamente consentido nessa despesa.

               D. COMUNICAÇÕES e NOTIFICAÇÕES.

               i) No exercício das responsabilidades parentais ambos os progenitores devem comunicar entre si em assuntos exclusivamente relacionados como o menor, e preferencialmente através de rede social ou por correio eletrónico;

               ii) Ambos os progenitores devem prestar informação ao outro progenitor sobre a saúde, educação e outros assuntos pessoais do menor com periodicidade semanal;

               iii) Ambos os progenitores devem manter atualizados os contactos indicados nos autos, nomeadamente a residência, com expressa advertência de que, caso seja deduzido algum incidente de incumprimento que não implique a alteração da regulação das responsabilidades parentais, se determinará a notificação do progenitor requerido por carta registada simples.[6]

Inconformada, a progenitora/requerente apelou[7], formulando as seguintes conclusões:       

            1ª - Na presente ação está em causa saber qual o regime definitivo de exercício das responsabilidades parentais do menor, que é um bebé de colo com apenas vinte meses de idade, designadamente no que à sua guarda e residência concerne.

            2ª - O superior interesse da criança manda que esta continue à guarda e cuidados da mãe, fixando-se a residência do bebé unicamente junto desta.

            3ª - Alegou a Recorrente, na petição inicial (p. i.), que está separada do pai do menor e que não se encontram de acordo relativamente ao exercício das responsabilidades parentais referentes ao filho, pretendendo que o Tribunal procedesse a essa regulação e que o bebé lhe fosse confiado.

            4ª - Alegou ainda que o Requerido, durante o período inicial da separação, nunca contribuiu com a entrega de qualquer quantia para o sustento do bebé, não obstante ter privado com o menor sempre que quis, pese embora a existência constante de conflitos entre o casal, por causa das atitudes do progenitor que foi, e continua a ser, muito controlador, agressivo e violento.

            5ª - Concluiu a Recorrente na p. i. que o bebé devia ficar à sua guarda exclusiva.

            6ª - Os concretos pontos de facto que a Recorrente considera incorretamente julgados são os referidos em 59, 60, 61, 62, 64, 65 e 68 dos factos não provados, entendendo a Recorrente que tais factos deviam ter sido dados como provados.

            7ª - Considerando ainda a Recorrente que foram incorretamente julgados os pontos 40 e 41 dos factos dados como provados, entendendo que deviam ter sido dados como não provados.

            8ª - Para prova de que estão pendentes autos de processo-crime em que o Requerido é denunciado, a Recorrente juntou em 11.5.2022 o estatuto de vítima especialmente vulnerável que lhe foi atribuído no âmbito do processo n.º 137/22...., que corre termos no DIAP ....

            9ª - Diz a sentença recorrida que os pontos 59 a 75 configuram “(...) alegações especulativas, vazias de substrato factual concreto e de suporte probatório atendível ou sujeito a contraditório, e refletem afirmações de teor espúrio, sofista e intencionalmente diversivo da primazia da materialidade subjacente ao contexto dos convívios parentais durante a coabitação, após a separação e durante os convívios parentais nos regimes provisórios”.

            10ª - O documento junto pela Recorrente demonstra que, no âmbito do dito processo, foi-lhe atribuído o mencionado estatuto de vítima.

            11ª - O certo é que, o Tribunal a quo, apesar de ter conhecimento da pendência de processos-crime contra o progenitor não ponderou, como se impunha, a sua relevância.

            12ª - No processo civil vigora, a propósito da instrução, o princípio do inquisitório, nos termos do art.º 411º do Código de Processo Civil (CPC), que determina: «Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer».

            13ª - Tal princípio inquisitório surge fortalecido nos processos de jurisdição voluntária, estatuindo o n.º 2 do artigo 986º do mesmo código que, nestes processos especiais, como o presente (cf. art.º 12º do RGPTC) o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes.

            14ª - Ora, se o Tribunal a quo entendia (como entendeu) que não existia prova de que o progenitor agredia, física e verbalmente, e ameaçava a progenitora durante a

coabitação do casal e, inclusivamente, durante a gestação do menor, controlando ativamente a Recorrente, comportamentos que manteve durante o decurso do regime provisório estabelecido nos presentes autos, devia, no âmbito dos poderes inquisitórios que lhe competem, determinar a realização das diligências necessárias ao apuramento dos factos relacionados com a violência, em vez de, inesperada e surpreendentemente, considerar na sentença tais acontecimentos como não provados.

            15ª - Ao omitir tais diligências, o Tribunal a quo cometeu a nulidade decorrente da violação dos poderes/deveres inquisitórios do juiz, por omissão.

            16ª - Caso o tribunal ad quem entenda que os elementos constantes do processo não são suficientes para a alteração da decisão da matéria de facto deve, então, determinar que essa prova seja completada com as diligências que considerar pertinentes.

            17ª - No entanto, e como se referiu, a prova documental, que a Recorrente considera suficiente, foi complementada pelos depoimentos desta e da testemunha DD, prestados na sessão de 14.9.2022, nos termos acima referidos.

            18ª - Assim, deve considerar-se provado que o Requerido agredia física e verbalmente e ameaçava a Requerente durante a gestação do menor e coabitação do casal, situação que se manteve, após a separação do casal, no âmbito do regime provisório, tendo o conflito sido estendido aos progenitores da Recorrente.

            19ª - Em segundo lugar, o Tribunal a quo deu como não provados os sintomas de mastite da progenitora decorrentes do período de afastamento do bebé da mãe e suas repercussões na saúde da mãe, invocando, para tanto, os mesmos fundamentos.

            20ª - Os documentos juntos pela Recorrente com o seu requerimento de 21.01.2022 são documentos médicos que comprovam e demonstram que a Recorrente encontrava-se a amamentar o filho; o afastamento do bebé da mãe por mais de 8 horas é propício ao desenvolvimento de mastites, que podem levar a um quadro grave com risco de septicémia.

            21ª - Sobre o requerimento da progenitora recaiu despacho do Tribunal a quo – proferido em 27.01.2022 – onde se considerou que “(...) afigura-se-nos evidente que a progenitora apresentou e comprovou, por parecer médico qualificado, factualidade indiciária bastante que desaconselha a manutenção do período de pernoita – risco de aparecimento de mastites que prejudique a continuação da amamentação materna, sem que o progenitor tenha infirmado tais indícios ou apresentado contra factual que imponha uma decisão de prevalecimento dos direitos parentais aos convívios sobre o interesse do menor de 12 meses em beneficiar da amamentação materna.”.

            22ª - Face ao requerimento da mãe, o Tribunal a quo procedeu à alteração do regime provisório das responsabilidades parentais do bebé, tendo deixado de existir pernoitas junto do pai.

            23ª - Os Documentos n.ºs ... e ... juntos pela Recorrente aquando da apresentação das suas alegações, em 30.01.2022 comprovam que a Recorrente foi assistida no Centro Hospitalar ..., em urgência, no dia 23.01.2022, tendo-lhe sido diagnosticada mastite por estase de leite e medicada com anti-inflamatório.

            24ª - Face à factualidade tida por provada, o Tribunal a quo, por despacho proferido a 03.02.2022, indeferiu a perícia médica relativa à mastite da progenitora requerida pela mãe aquando da apresentação das respetivas alegações, nos termos acima expostos.

            25ª - O Requerido, através requerimento entrado em 14.7.2022, impugnou a autenticidade, genuinidade e força probatória da declaração médica junta pela requerente com o seu requerimento de 10.7.2022, assim como as demais declarações médicas juntas pela Recorrente aos autos.

            26ª - A referida impugnação por parte do Requerido não obsta à utilização de tais documentos como elemento de prova, a apreciar livremente pelo Tribunal.

            27ª - A sentença recorrida considerou que os referidos documentos não eram suficientes para fazer prova quanto à necessidade de amamentação do bebé e risco de desenvolvimento de mastites da Recorrente, contrariando o que havia decidido anteriormente nos preditos despachos.

            28ª - Conforme se disse, no âmbito dos processos de jurisdição voluntária o princípio do inquisitório prevalece sobre o princípio do dispositivo, devendo o tribunal

ordenar as provas que considere convenientes.

            29ª - Ora, se o Tribunal a quo entendia que os referidos documentos não eram suficientes para fazer prova quanto à necessidade de amamentação e risco de desenvolvimento de mastites, tinha que ter determinado a produção de tal prova e, não o tendo feito, incorreu, uma vez mais, na nulidade decorrente da violação dos poderes/deveres inquisitórios do juiz, por omissão, que influenciou a decisão da causa – pelo que deve a nulidade ser atendida, nos termos do art.º 195º, n.º 1, do CPC.

            30ª - Caso o Tribunal ad quem entenda que os meios de prova oferecidos não são suficientes para a alteração da decisão da matéria de facto deve, então, determinar

que seja feita perícia médica relativa à mastite da progenitora ou determinar outras diligências que considere pertinentes.

            31ª - Se o Tribunal ad quem entender que os documentos médicos apresentados pela Recorrente comprovam o risco de aparecimento de mastites, o que coloca em causa a continuidade da amamentação do bebé, então deve alterar a decisão de facto e dar os pontos 61 e 62 dos factos não provados como provados – entendimento que a Recorrente considera ser o mais correto.

            32ª - Em terceiro lugar, o Tribunal a quo deu como não provado que “o progenitor, sem autorização da progenitora, expõe o menor em redes sociais (Instagram, Facebook, etc.)” (cf. ponto 64).

            33ª - A Recorrente juntou aos autos diversas publicações, designadamente Docs. n.ºs ... a ... das suas alegações, que comprovam que o progenitor expõe o bebé nas redes sociais, o que faz sem o consentimento da progenitora, não obstante a divulgação de fotografias na internet constituir questão de particular importância.

            34ª - Do depoimento do Requerido resulta, sem margem para quaisquer dúvidas, que o progenitor publica fotografias do bebé na internet.

            35ª - A prova produzida nos autos impunha que o Tribunal a quo tivesse dado como provado que o progenitor publicou fotografias do filho na internet sem que para

tal tivesse o consentimento necessário da Recorrente.

            36ª - Em terceiro lugar, o Tribunal a quo considerou que não se deu como provado que o “progenitor é um pai que não se preocupa com a saúde de seu filho”, o que devia ter sido dado como provado, atenta a prova produzida.

            37ª - Dos vários elementos juntos aos autos, resulta que o progenitor procurou sempre minorar a necessidade de amamentação do CC, negligenciando também o filho quando este foi acometido de varicela, ao não cumprir o respetivo período de isolamento, o que resulta do próprio depoimento do pai.

            38ª - Razão pela qual impunha-se que o referido ponto 65 dos factos não provados fosse dado como provado.

            39ª - Em quarto lugar, a sentença recorrida considerou como provado que “o progenitor dispõe de rede familiar e de amigos na ...” e que “o avô paterno do menor, EE, encontra-se totalmente disponível para deslocar-se à creche, seja a que horas for” e como não provado que o “progenitor não dispõe de rede de apoio para cuidar do menor”.

            40ª - Para tanto, o Tribunal a quo considerou as declarações prestadas pelo progenitor em sede de audiência de discussão e julgamento e os relatórios sociais elaborados a 28.4.2022 no âmbito dos presentes autos e a 21.7.2022, no âmbito do processo de promoção e proteção, sem que para tal tivesse ouvido o avô paterno ou a dita “madrinha de batismo”, não obstante o bebé não ser batizado.

            41ª - O Tribunal a quo não se podia ter bastado com tais informações prestadas pelo Requerido, ainda que conjugadas com os relatórios sociais elaborados nos autos.

            42ª - Daqui decorre que o Tribunal a quo tinha o poder-dever de diligenciar, ao abrigo do princípio do inquisitório, pelo menos, pela audição do avô paterno do bebé

sendo que, ao omitir tal diligência, incorreu na nulidade decorrente da violação dos poderes/deveres inquisitórios do juiz, por omissão, e que influiu na decisão da causa, devendo, por isso, ser atendida nos termos do artigo 195º, n.º 1, do CPC.

            43ª - Por estas razões, deve a decisão da matéria de facto ser alterada, dando-se como provados os pontos de facto dados como não provados 59 a 62, 64[8], 65[9] e 68.

            44ª - E deviam ser dados como não provados os pontos de facto dados como provados 40 e 41.

            45ª - Para além desta pretendida alteração da matéria de facto, discorda a Recorrente da decisão de direito que estabeleceu que a guarda do CC é atribuída

semanal e alternadamente a ambos os progenitores.

            46ª - A questão a decidir é se deve ser fixada a residência do menor, que é um bebé de colo, com apenas vinte meses e que ainda se encontra a ser amamentado, alternadamente com a mãe e com o pai.

            47ª - O regime fixado pelo Tribunal a quo não é a solução conjuntural que melhor satisfaz o interesse do CC.

            48ª - A guarda conjunta com residência alternada pressupõe a existência de um bom relacionamento entre os progenitores, a falta de desentendimentos, ou, a existirem, que os mesmos sejam pontuais, revelando-se imprescindível, em qualquer uma dessas situações, que os pais saibam priorizar os interesses dos filhos face àqueles

que são os seus interesses, por forma a conseguirem proceder à tomada de decisões em conjunto, o que não se verifica no caso em apreço.

            49ª - A separação dos progenitores aconteceu quando o bebé tinha apenas cerca de três meses de vida, tendo, desde então, o CC ficado, única e exclusivamente,

confiado aos cuidados da mãe que dele sempre cuidou, sendo a sua figura primária de referência, com quem partilha um forte vínculo afetivo e emocional.

            50ª - O bebé tem vinte meses e é amamentado pela progenitora desde o seu nascimento, situação que se mantém, quer por razões nutricionais quer por motivos psíquico-afetivos, dependendo, assim, da progenitora.

            51ª - A tenra idade do bebé, a dependência da mãe, a distância de 90 km que medeia entre as residências dos progenitores (... e ...) e a necessidade de o CC ter uma rotina estável, securizante e tranquila, inviabiliza a fixação de um regime de guarda partilhada com residência alternada.

            52ª - Importando também considerar que o Requerido é pai de uma menina, FF, de 7 anos de idade, que vive na mesma área de residência do progenitor, ou seja, na ..., com quem convive, apenas e exclusivamente, aos fins-de-semana,

em virtude de a menor se encontrar confiada à mãe, certamente por se ter considerado que o pai não reunia as condições necessárias para tê-la à sua guarda e cuidados.            

            53ª - Por todas estas razões, um regime de residência alternada afigura-se claramente contrário ao superior interesse do CC, por impedir que o bebé beneficie da estabilidade emocional e psicológica necessária ao seu desenvolvimento.

            54ª - Uma mudança tão drástica na vida do CC, como a que sucedeu na sequência da decisão proferida pelo Tribunal a quo, que acarreta mudanças de residência frequentes com a inerente ansiedade, irritação e insegurança que derivam para o menor de tais alterações terá, a longo prazo, um efeito negativo no desenvolvimento da criança, que não dispõe de maturidade e de capacidade de apreender e percecionar a realidade para se adaptar a tal regime, com manifesto prejuízo para a formação da sua personalidade e equilíbrio mental.

            55ª - Destarte, é manifesto que o regime determinado pelo Tribunal a quo é contrário ao superior interesse da criança.

            56ª - Ao decidir nos moldes em que decidiu, o Tribunal a quo violou, na decisão

recorrida, as normas dos art.ºs 411º e 986º, n.º 2, do CPC, 1906º, n.ºs 5 e 6, do Código Civil (CC), 12º e 40º, n.º 1, do RGPTC e 3º da Convenção Sobre os Direitos da Criança.

            57ª - Deve revogar-se a sentença recorrida, fixando-se ao bebé CC o regime de residência exclusiva junto da mãe.

            O M.º Público respondeu (em representação da criança) concluindo pela improcedência do recurso.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa reapreciar/decidir, sobretudo: a) impugnação da decisão sobre a matéria de facto (erro na apreciação da prova; diligências complementares); b) regulação das responsabilidades parentais (maxime, se é de alterar o decidido quanto à “residência partilhada” da criança).


*

            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

            1) CC, nascido em .../.../2021, é filho da requerente AA e do requerido BB.

            2) Em 19.10.2021, por acordo entre os progenitores, fixou-se o seguinte regime provisório de regulação das responsabilidades parentais do menor CC:

            1º - O exercício das responsabilidades parentais relativas ao menor CC compete a ambos os progenitores, nomeadamente quanto às questões de particular importância, como seja a requisição de passaporte ou a alteração de residência/área geográfica do menor;

            2º - Os progenitores, nomeadamente a progenitora, compromete-se a informar o outro progenitor de todas as questões relacionadas com as rotinas do CC, comprometendo-se a comunicar exclusivamente quanto a assuntos relacionados com o menor;

            3º - O progenitor poderá estar com o CC pelo menos um dia por semana, preferencialmente ao sábado ou ao domingo, comprometendo-se a ir buscar o menor a casa da progenitora entre as 10:00 horas e as 11:00 horas e a entregá-lo entre as 18:00 horas e as 19:00 horas, sem prejuízo de outro acordo pontual entre os progenitores;

            4º - A partir de 13 de novembro, o progenitor poderá estar com o menor CC e pernoitar com o mesmo de 15 em 15 dias, sem prejuízo dos convívios semanais, comprometendo-se nesse fim de semana a ir buscar o menor a casa da progenitora entre as 10:00 horas e as 11:00 horas de sábado e a entregá-lo em casa da progenitora entre as 17:00 horas e as 18:00 horas de domingo;

            5º - O progenitor poderá contactar com o menor diariamente, por chamada telefónica ou videochamada, entre as 18:00 horas e as 19:00 horas, sem prejuízo do normal descanso do menor e sem prejuízo de outro acordo ou disponibilidade de ambos os progenitores;

            6º - Aquando da entrega do menor, a progenitora compromete-se a entregar o documento de identificação do menor, o boletim de vacinas e o livro azul, comprometendo- se o progenitor a devolvê-los novamente aquando da entrega à progenitora;

            7º - O período festivo do Natal (24 e 25 de dezembro) será passado com ambos os progenitores sendo a véspera a passar com a progenitora e o dia de Natal com o progenitor, comprometendo-se este a ir buscar o menor entre as 10:00 horas e as 11:00 horas e a entregá-lo entre as 18:00 horas e as 19:00 horas;

            8º - O período festivo do ano novo (31 de dezembro e 01 de Janeiro) será passado com ambos os progenitores sendo a véspera a passar com a progenitora e o dia de ano novo com o progenitor, comprometendo-se este a ir buscar o menor entre as 10:00 horas e as 11:00 horas e a entregá-lo entre as 18:00 horas e as 19:00 horas;

            9º - O progenitor pagará a título de pensão de alimentos a quantia de € 100 (cem euros), a pagar por transferência bancária para o IBAN da progenitora até ao dia 08 do mês a que disser respeito, com início no mês de outubro, devendo a prestação relativa ao mês de Outubro ser paga até ao dia 22;

            10º - As despesas médicas e medicamentosas serão suportadas em metade por cada progenitor, na parte não comparticipada, mediante a apresentação do respetivo comprovativo da despesa comprometendo-se o outro progenitor ao pagamento da sua metade no prazo de 10 dias após a apresentação do comprovativo.

            3) Em 27.10.2021, o progenitor comunicou à progenitora que ia buscar o filho no domingo, dia 31.10.2021, mas a progenitora disse que só o entregaria no sábado porque tinha um compromisso no domingo.

            4) O progenitor deslocou-se à morada da mesma, no referido domingo, sendo que o menor não foi entregue ao progenitor.

            5) O menor, por opção da progenitora comunicada previamente ao progenitor, não passou com o progenitor o dia 13.11.2021 nem pernoitou com ele para o dia seguinte no âmbito do regime de convívios do regime provisório, tendo o progenitor ido buscar o filho no dia 14.11.2021 para que passassem juntos pelo menos um dia daquele fim-de-semana.

            6) Em 19.11.2021, a progenitora comunicou ao progenitor que não lhe entregaria o menor para passar o (dia de) fim-de-semana porque o menor estaria doente.

            7) O progenitor comunicou que ia buscar o menor no domingo, dia 21.11.2021.

            8) A progenitora insistiu que o não entregava, o que veio a suceder.

            9) Após, o progenitor, previamente ao convívio ao fim de semana de 27 e 28 de novembro, enviou mensagem escrita à progenitora nos seguintes termos:"Manu não te esqueças de ir tirando leite durante a semana, pois o CC pernoita este fds comigo. Obrigado", tendo a progenitora respondido apenas com a indicação e contacto do seu mandatário.

            10) Durante o convívio do menor com o progenitor com pernoita ao fim de semana de 22.01 e 23.01.2022, fixado por despacho de 19.10.2022, a progenitora apresentou queixa contra o progenitor por rapto de menor, após a não entrega do menor ao sábado, tendo o progenitor sido contatado pela PSP na noite de 22.01.

            11) Por despacho de 27.01.2022, o regime provisório de regulação das responsabilidades parentais do menor CC foi alterado nos seguintes termos:

            4º - O progenitor poderá estar com o menor CC, sem pernoita, de 15 em 15 dias, sem prejuízo dos convívios semanais, comprometendo-se, se puder e tiver disponibilidade, a ir buscar o menor a casa da progenitora, consecutivamente ao sábado e domingo, entre as 10:00 horas e as 11:00 horas e a entregá-lo em casa da progenitora entre as 18:00 horas e as 19:00 horas, devendo avisar previamente a progenitora quando não puder em algum desses dias.

            12) Por despacho de 24.6.2022, o regime provisório de regulação das responsabilidades parentais do menor foi alterado nos seguintes termos:

            4º - Com início no fim de semana de 2 e 3 de julho de 2022, o progenitor poderá estar com o menor CC, com pernoita, de 15 em 15 dias, sem prejuízo dos convívios semanais, comprometendo-se a ir buscar o menor a casa da progenitora entre as 10:00 horas e as 11:00 horas de sábado e a entregá-lo em casa da progenitora entre as 17:00 horas e as 18:00 horas de domingo.

            Qualquer alteração, atraso ou impedimento do progenitor deverá ser comunicada previamente à progenitora.

            O progenitor poderá estar com o menor CC, com pernoita de 8 dias (7 noites), durante uma semana de férias em agosto, a comunicar à progenitora e/ou por intermédio dos Ilustres mandatários, até 15 de julho de 2022, sem prejuízo de outro acordo pontual entre os progenitores.

            13) No dia 01.7.2022, a progenitora comunicou ao progenitor que não lhe ia entregar o filho no fim-de-semana de 2 e 3 de julho de 2022.

            14) O progenitor respondeu que iria buscar o filho e a progenitora reiterou que não o entregaria.

            15) A progenitora não entregou o menor no fim-de-semana de 2 e 3 de julho.

            16) Desde o nascimento, o menor era seguido em consulta de saúde infantil no Centro de Saúde de ..., na ....

            17) Após, em 06.10.2022, o menor ainda teve mais uma consulta no referido Centro de Saúde, que já estava marcada antes da separação do casal, mas a progenitora opôs-se a que o progenitor estivesse presente consigo.

            18) A progenitora não informou previamente o progenitor de consulta de urgência em médico particular ocorrida em 17.11.2021.

            19) A partir de 06.10.2022, a progenitora nunca mais comunicou ao progenitor as datas e os locais das consultas do menor antes de as mesmas acontecerem, para que aquele nelas pudesse acompanhar o filho, à exceção do dia 12.4.2022, em que a progenitora avisou o progenitor.

            20) No dia 13.7.2022, após confirmação da consulta, a progenitora opôs-se á presença do progenitor durante a consulta invocando a pendência de processo crime de violência doméstica, tendo o progenitor solicitado a presença da PSP.

            21) O progenitor solicitou ao ACES ... Norte informação clínica do CC, tendo ficado então a saber que o CC é acompanhado na Unidade de Saúde ... desde a consulta dos 12 meses.

            22) A progenitora não consultou previamente o progenitor antes da obtenção de passaporte do menor.

            23) Em 10.3.2022 foi instaurado processo de promoção e proteção na CPCJ ..., na sequência de sinalização por parte da progenitora, dando conta que o progenitor não teria as necessárias competências para cuidar do filho.

            24) Após autuação judicial do processo (apenso B) e solicitação de relatórios de diagnóstico com vista a determinar se existirão ou não fatores de perigo para a criança nos períodos em que a mesma conviva/resida com o progenitor, em 09.9.2022, foi proferido despacho a determinar o arquivamento dos autos de promoção e proteção.

            25) Os progenitores do menor estabeleceram uma relação amorosa em abril de 2019, sem coabitação, cessada em março de 2020.

            26) Após comunicação da gravidez da progenitora, a relação foi retomada, tendo a progenitora passado a residir na ... a partir de setembro de 2020 e até 3 meses após o nascimento do menor.

            27) Após o nascimento do menor, em junho de 2021, os progenitores do menor cessaram a relação e a coabitação de forma definitiva, tendo a progenitora passado a residir, com o menor na cidade ....[10]

            28) Após a cessação definitiva da coabitação, o progenitor visitava o menor na ..., por vezes em casa da progenitora.

            29) Numa ocasião em que a progenitora e familiares passaram em casa do progenitor na ..., de viagem ao Norte, o progenitor não lhes permitiu o acesso à própria habitação aquando da entrega do menor.

            30) Em 2022, a progenitora apresentou queixa contra o progenitor por comportamentos de agressão, intimidação e perseguição e por factos ocorridos antes e depois da cessação da coabitação.

            31) O progenitor desempenha funções numa empresa ligada à comercialização de produtos de cosmética denominada “T..., Lda.”, auferindo rendimentos laborais de cerca de € 1 300.

            32) O progenitor presta trabalho em horário laboral que decorre entre as 9 e as 18 horas, descolando-se entre as zonas de ... e ... durante a semana, indo uma vez por mês à zona de ....

            33) O progenitor reside sozinho, em casa própria de tipologia T3, com boas condições de habitabilidade, assumindo encargos mensais gerais e pessoais de cerca de € 500 / € 600.

            34) O progenitor tem uma filha menor, FF, de 7 anos de idade, com a qual convive regularmente no âmbito de acordo de regulação das responsabilidades parentais.

            35) A habitação do progenitor dispõe de condições habitacionais adequadas à residência e guarda do menor, em espaço físico organizado e higienizado, com quarto

destinado ao menor, sendo que os outros dois pertencem ao progenitor e à filha FF, que ali passa, igualmente, fins-de-semana, existindo ainda um terraço contíguo de cerca de 25 m2.

            36) A menor, irmã do menor, convive com este durante os convívios com o progenitor e desenvolveu com o menor uma relação afetiva.

            37) O progenitor procura conciliar os períodos de convívios dos seus dois filhos para que possam estar juntos.

            38) O progenitor inscreveu o menor no jardim de infância ....

            39) O progenitor sempre pagou regularmente a pensão de alimentos.

            40) O progenitor dispõe de rede familiar e de amigos na ....

            41) O avô paterno do menor, EE, encontra-se totalmente disponível para deslocar-se à creche, seja a que horas for.

            42) O agregado familiar da progenitora reside numa moradia geminada de rés/chão e 1º andar, que é propriedade dos pais da progenitora.

            43) A habitação dispõe de 4 quartos, 3 WC, sala e cozinha, assim como um espaço exterior privado com churrasqueira e piscina.

            44) A habitação reúne muito boas condições de habitabilidade, espaço e conforto e estavam, à data de junho de 2022, a ser implementadas medidas de segurança e proteção para a criança (nomeadamente vedação da piscina).

            45) A progenitora é licenciada em ..., com pós-graduação em ..., exercendo atualmente atividade profissional como ..., como trabalhadora independente (‘recibos verdes’), e com registo de qualificação profissional como trabalhadora independente (TI).

            46) A progenitora aufere rendimentos variáveis de € 800 / € 900.

            47) O progenitor beneficia do apoio económicos dos seus pais, não suportando encargos para as despesas domésticas.

            48) A progenitora assume encargos mensais pessoais de cerca de € 300 / € 400.

            49) O menor, junto da progenitora, nunca frequentou equipamento educativo, permanecendo junto dos familiares a tempo inteiro.

            50) O menor tem sido amamentado pela progenitora, prevendo esta a cessação da amamentação a partir dos 2 anos de idade do menor.

            51) O menor não carece da amamentação da progenitora por necessidades nutricionais.

            52) A progenitora recorre regularmente à extração de leite materno para armazenamento.

            53) Atualmente, o menor é amamentado por cerca de 4-6 vezes diárias, designadamente à noite.

            54) Atualmente, a progenitora encontra-se a diligenciar pela redução do número de amamentações diárias, designadamente à noite.

            55) O menor é acompanhado no Centro de Saúde ... pela Dra. GG, e tem o plano nacional de vacinação atualizado.

            56) O menor apresenta-se cuidado, detendo asseveradas as necessidades básicas, ao nível da alimentação, higiene, saúde e educação.

            57) O menor tem uma alimentação diversificada, comendo carne e peixe, frutas e legumes, embora com menos sal, açúcar e gorduras que a dieta familiar.

            58) O menor, após os convívios com o progenitor, apresenta-se cuidado, tendo asseveradas as necessidades básicas, ao nível da alimentação, higiene e saúde.

            2. E deu como não provado:

            a) O progenitor agredia fisicamente e verbalmente e ameaçava a progenitora durante a gestação do menor e durante a coabitação do casal.

            b) O progenitor agrediu fisicamente e verbalmente e ameaçou a progenitora e os avós maternos do menor durante os convívios e entregas do menor no âmbito do regime provisório.

            c) A progenitora desenvolveu sintomas de mastite decorrentes dos períodos de afastamento do menor para convívios com o progenitor.

            d) A progenitora correr risco de vida decorrente do desenvolvimento de sintomas de mastite decorrentes dos períodos de afastamento do menor para convívios com o progenitor.

            e) Durante o convívio com o menor no fim de semana de 22.01.2022, o progenitor recusou videochamadas da progenitora com o menor.

            f) O progenitor, sem autorização da progenitora, expõe o menor em redes sociais (Instagram, Facebook, etc.).

            g) O progenitor é um pai que não se preocupa com a saúde de seu filho.

            h) O progenitor não dispõe de condições habitacionais para residir com o menor.

            i) O progenitor oferece alimentos que o menor não pode comer, prejudicando a sua saúde.

            j) O progenitor não dispõe de rede de apoio para cuidar do menor.

            k) O progenitor não tem nenhuma pessoa para ajudar em casa, tendo que lidar sozinho, com limpezas, refeições e gestão do orçamento.

            l) O progenitor conduz a consultar o telemóvel e após ingestão de bebidas alcoólicas.

            m) Por diversas vezes, o progenitor evita e recusa intencionalmente colaborar com a progenitora na realização das videochamadas, alegando motivos falsos para a sua obstrução, opondo-se ao normal decurso dos contatos, desincentivando o menor e prejudicando conscientemente os contactos deste com a progenitora.

            n) Por diversas vezes, a progenitora evita e recusa intencionalmente colaborar com o progenitor na realização das videochamadas diárias, alegando motivos falsos para a sua obstrução, opondo-se ao normal decurso dos contactos, desincentivando o menor e prejudicando conscientemente os contactos deste com o progenitor.

            o) A progenitora conduz com o menor sem que se encontre sentado em cadeira de segurança.

            p) A progenitora tem uma cadela, que vive dentro de casa, onde faz as necessidades, incluindo urina nos sofás.

            q) A progenitora encontra-se desempregada.

            3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

            a) A requerente/recorrente insurge-se, desde logo, contra a decisão sobre a matéria de facto, pugnando para que seja dada como não provada a factualidade dita em II. 1. 40) e 41), supra, e como provada a matéria aludida em II. 2. a) a d), f), g) e j), supra, baseando-se, sobretudo, na prova pessoal produzida em audiência de julgamento (declarações dos pais e depoimento de testemunha), conjugada com alguns dos documentos juntos aos autos principais e apensos.

            Por conseguinte, dada a relevância da referida matéria, antolha-se fundamental saber se outra poderia/deveria ser a decisão do Tribunal a quo quanto à factualidade em causa.

            b) Esta Relação procedeu à audição da prova pessoal produzida em audiência de julgamento e analisou a prova documental e os relatórios juntos aos autos.

            c) Pese embora a maior dificuldade na apreciação da prova (pessoal) em 2ª instância, designadamente, em razão da não efetivação do princípio da imediação[11], afigura-se, no entanto, que, no caso em análise, tal não obstará a que se verifique se a prova pessoal foi apreciada de forma razoável e adequada.

            Na reapreciação do material probatório disponível por referência à factualidade em causa, releva igualmente o entendimento de que a afirmação da prova de um certo facto representa sempre o resultado da formulação de um juízo humano e, uma vez que este jamais pode basear-se numa absoluta certeza, o sistema jurídico basta-se com a verificação de uma situação que, de acordo com a natureza dos factos e/ou dos meios de prova, permita ao tribunal a formação da convicção assente em padrões de probabilidade[12], capaz de afastar a situação de dúvida razoável.

            d) Consignou-se na motivação da decisão sobre a matéria de facto, designadamente:

            «O Tribunal fundou a sua convicção, no que diz respeito à matéria de facto dada como provada e não provada, na análise da prova documental probatória junta e por declarações dos progenitores produzida nestes autos e nos vários apensos, por homenagem ao princípio de aquisição probatória e à natureza do processo enquanto jurisdição voluntária, relevando que ambos os progenitores, na audiência de julgamento, declararam que aceitavam os sucessivos relatórios elaborados pelo ISS[13].

               (...) a factualidade provada decorre, em primeira linha, da instrução documental trazida pelos articulados de alegações dos progenitores, (...) mais se revelando os relatórios sociais de relativos a ambos os progenitores juntos (...) autos principais, e (...) apenso B.

            Em sede de audiência de julgamento foram tomadas declarações a ambos os progenitores, e prestados depoimentos a DD e HH, familiar e amigas da progenitora.

            (...) a regulação das responsabilidades parentais e os sucessivos regimes provisórios ocorreram num contexto de profundo litígio parental sobre a guarda partilhada e sobre os convívios parentais geradores de incidentes (...).

            Posto isto, se o circunstancialismo temporal e motivacional desses incumprimentos não oferece contradição, e foi frontalmente admitido pela progenitora, temos por inequívoco e preclaro que nenhuma prova relevante se fez sobre (...) essa justificação atendível, visto que, mormente quanto à necessidade de amamentação e risco de desenvolvimento de mastites, a progenitora abdicou da produção de qualquer prova, estando a prova junta com o requerimento de 21.01.2022 (atestados médicos) [O progenitor deduziu incidente de incumprimento do regime de convívios e visitas quinzenais, que corre termos no apenso A e no qual a progenitora pronunciou-se, invocando que o regime da pernoita se afigura impossível de ser cumprido, que dispõe de orientação médica para amamentar seu filho no mínimo até completar 2 (dois) anos de idade; e que no dia 30-11-2021, foi acometida de febre alta, dores no peito, inchaço por excesso de leite e passou muito mal, tendo a médica informado que é sintoma de mastite, e que se não amamentar, poderá ter graves problemas de saúde. / (...) com vista à aferição da necessidade de revisão do regime provisório, determinou-se a notificação da progenitora para juntar, no prazo de 10 dias, comprovativo do atendimento médico que alegou no apenso de incumprimento e de parecer de médica pediátrica ou de família acerca do risco, sério, concreto ou grave, para a saúde da progenitora caso se mantenham pernoitas do menor de 15 em 15 dias junto do progenitor. / Por requerimento de 21-01-2022, a progenitora veio responder, juntando atestados médicos, com o seguinte teor: / 1) Para os devidos efeitos se declara que a Sra. D. AA de 34 anos de idade, submetida a cesariana segmentar transversa a 10/fevereiro/2021 por sofrimento fetal, tem mantido amamentação de seu filho, atualmente com 10 meses de idade, facto que se apresenta vantajoso para ambos. A inibição da lactação não está indicada quer pelo facto de apresentar grande secreção láctea, quer por se tratar de uma decisão que só à própria diz respeito. / Dra. II em 25/11/2021 / 2) Para os devidos efeitos se declara que esta criança se encontra com alimentação materna durante o tempo que for possível, respeitando os horários habituais Dra. JJ em 17/11/2021. / 3) DECLARAÇÃO MÉDICA / Para os devidos efeitos, declara-se que AA, portadora do cc n.º ... está a amamentar o seu filho de 10 meses, CC e NÃO DEVE ESTAR MAIS DO QUE OITO HORAS SEM AMAMENTAR POR RISCO DE DESENVOLVER MASTITE ou o leite deixar de ser produzido por falta de estímulo do bebé.[14]] (...) devidamente impugnada pelo progenitor e quanto ao seu aproveitamento probatório no interesse da progenitora. Nenhum daqueles médicos foi inquirido e nenhuma testemunha se pronunciou sobre tal factualidade neste processo e julgamento.

            (...) Os pontos 31) a 41) dos factos provados correspondem à aquisição probatória não impugnada dos relatórios sociais e realizados ao progenitor, destes autos e do apenso B de promoção e proteção, estando a inserção profissional, social e habitacional do progenitor devidamente corroborada pelos demais elementos processuais.

            (...) As testemunhas ouvidas em julgamento foram de aproveitamento nulo, inútil e ineficiente para a atividade probatória do Tribunal. Efetivamente, a testemunha DD, atenta a sua razão de ciência (psicóloga, prima e visita regular de casa dos avós maternos do menor), referiu que a amamentação do menor se mantém por questões afetivas e não nutritivas, que ouviu o progenitor referir-se à progenitora em tom jocoso como “gorda” durante a gestação e que este apelidava o menor de “picha de aço” (matéria não alegada nos autos), nada mais conseguindo concretizar de relevante sobre o conflito parental, sobre as competências parentais do progenitor ou execução do regime provisório. (...)

            A inexistência de qualquer sinalização de falta de cuidados ou de colocação do menor em perigo ou em risco consubstancia, portanto, matéria assente e ausente de controvérsia aparte alegações escritas mais temerárias dos progenitores.

            (...) Os pontos 59) a 75) dos factos não provados configuram, então, alegações especulativas, vazias de substrato factual concreto e de suporte probatório atendível ou sujeito a contraditório, e refletem afirmações de teor espúrio, sofista e intencionalmente diversivo da primazia da materialidade subjacente ao contexto dos convívios parentais durante a coabitação, após a separação e durante os convívios parentais nos regimes provisórios.

               Em específico: i) Nenhuma prova atendível foi produzida acerca da falta de competências parentais por parte do progenitor, antes ou depois da separação, e com imputação ao progenitor de comportamentos negligentes; / ii) As próprias declarações da progenitora confrontadas com aquelas alegações revelam um intuito instrumentalmente argumentativo de introduzir imputações por mera suposição, sugestão ou rumor, sem facto ou prova, e de modo a instalar uma perspetiva de incapacidade parental do progenitor que foi frontalmente negado pela própria e pelos relatórios periciais; (...)»

            e) Relativamente à prova pessoal, visto o objecto da impugnação e o aduzido pela recorrente, atente-se no que de essencial foi dito:

            - Declarações da Requerente (fls. 106 verso):

            A coabitação do ex-casal após o nascimento do CC “era muito conflituosa (...), tinha muita violência verbal e alguma violência física (...); eu cuidava do CC, quase todo o tempo o CC estava comigo.

            Sendo-lhe perguntado se aqueles conflitos tinham algo que ver com o CC ou era por situações pessoais de ambos, enquanto casal, respondeu que “a maioria era pessoal, eu não ser uma boa companheira, eu não ser uma boa mãe... e eu não dar conta das coisas, era sempre uma agressividade (...); (...) o CC tinha quinze dias e o CC estava comigo, e eu fiquei com muito medo do que podia acontecer, tive que ligar para uma vizinha, para ela ir ter connosco, (...) tive que pedir ajuda. ...O CC estava no meu colo”.

            Referiu ter efetuado uma “queixa”, depois da separação do casal, por violência doméstica contra o requerido e que não o fez antes da separação porque “tinha muito medo, porque era mais ou menos (...) que eu era Brasileira, (...) não tinha direitos, então eu vivia com medo do que poderia acontecer. E depois da separação, eu comecei a perceber que aquilo que eu estava vivendo era, sim, uma violência (...)”; a dita “queixa tem sobre antes também”, mas “foi feita depois, são as duas coisas [factos relativos a antes e depois da separação do casal].” “(...) ele [requerido] sempre teve o direito de ver o filho quando ele quisesse; (...) sempre disse que ele podia ligar para o CC e mandava fotos, e ele tinha esse acesso, e que ele podia ir até em casa quando ele queria; no começo ele ia até a minha casa, várias vezes, uma ou duas vezes, ele chegou a ficar em casa, todos saímos, eu, meu pai e minha mãe, para ele estar, em casa, com o CC e com a filha dele, passou lá duas horas, (...) foram à praia, voltaram. Depois, isso parou, porque eu (...) fui fazer um passeio com o CC até ..., (...) parei na ..., para ele poder estar com o pai, quando eu fui buscar o CC, ele fechou a porta na minha cara, não me deixou entrar na casa dele, para pegar o meu filho, e aí, a partir daí, ele já não pôde entrar na minha casa...; (...) ´mas eu não posso pegar o meu filho aí dentro?`, ele disse que não, que eu era proibida de entrar, eu e a minha família, que ninguém era bem-vinda na casa dele; foi em... agosto. E depois entrou o processo. E aí ele podia ver o CC, quando ele quisesse, desde que me avisasse...

            Confrontada com o regime provisório acordado em 19.10.2021, referiu, nomeadamente: “(...) esta pernoita não [ocorreu] porque eu tinha um atestado médico, como o CC era muito novo, ainda tinha oito meses (...); (...) tentei um acordo, que eu precisaria ou sábado ou domingo, mandei para ele que eu tinha compromisso, para ele vir buscar no domingo, e não existiu acordo, (...) mas eu nunca proibi ele de estar com o filho, sempre tentei um acordo, quando teve essas duas vezes que eu tive compromisso, e ele se opôs a qualquer hora, acordo, a qualquer conversa...”.

            Relativamente ao regime provisório fixado em 27.01.2022, afirmou, nomeadamente: foram cumpridos, todas as vezes que ele quis buscar o filho, foi buscar o filho; (...) a não ser uma vez também, que eu tentei um acordo; (...) acho que eu tinha uma festa, tinha um compromisso, e falei: ´vem buscar no sábado`, e ele sempre disse que não. (...) nunca consegui nenhum tipo de acordo com ele, do fim de semana, ´você pode pegar um dia, eu posso pegar outro`. Eu nunca proibi ele de estar com o filho dele (...)”.

            Quanto ao regime provisório fixado em 24.6.2022, afirmou, designadamente: “A primeira pernoita, eu não... foi a única vez realmente que eu não deixei o CC ir (...) porque eu não tive tempo (...) para (...) desmamar o CC à noite, (...) tirar o leite da noite, a mama da noite. (...) o que as médicas falaram, que tinha que ser uma coisa gradual, tentei falar; (...) As férias foi (...), o CC ficou com varicela (...), eu avisei o pai, tinha um atestado, mas o pai mesmo assim quis buscar o CC, e assim foi. (...) decidi que só vou colocar ele em janeiro, quando ele for para a creche, que era um acordo que eu tinha com o BB, que ele só ia para a creche depois dos dois anos, por ele ser muito pequenino, por não falar, por não ter essa necessidade, porque ele está com a minha família e ...

            Disse manter a intenção de “tirar o peito” quando o CC fizer dois anos (“dois anos, sim”; “mantenho isso”).

            Referiu depois: “(...) ele [requerido] pode pernoitar com o CC. (...) a única coisa aqui que eu me opus aqui é a guarda partilhada, porque eu acho que um bebé e uma criança, ela precisa de estabilidade, ela precisa de uma rotina, não é? Se nós adultos, quando vamos viajar, a gente gosta de voltar para casa, de ter o nosso lar, de ter a nossa segurança, uma criança também gosta. (...) ele pode estar com o CC, de sexta a domingo, ele pode pegar durante a semana, um dia durante a semana [na semana em que não está com o CC ao fim de semana] [e] (...) três fins de semana por mês; (...) a guarda partilhada, o meu filho vai ter que ter duas creches, (...); para ter uma guarda partilhada, tem que ter o mínimo de diálogo entre os progenitores, que não existe...; uma guarda partilhada, ele, ok, tem que ter uma rotina na casa do pai que seja, mais ou menos, parecida com a rotina da mãe; e se não existe um diálogo, se é só ataque, se é só... não tem como. Como é que o CC vai ter um crescimento saudável, vivendo no meio de um conflito de uma rotina, outra rotina? (...) o conflito é: o pai contra mim, (...) porque ele.... ele quer de uma maneira me atingir. (...) [no período de férias] ... o CC, na segunda-feira, começou a apresentar febre, começou a ficar doente, na quarta-feira, se eu não me engano, na quarta ou na quinta, eu levei ele no médico e ele estava com varicela. E desde segunda à noite, ele não comeu mais nada, e depois no hospital eles viram que ele estava todo tomado aqui de borbulhas, e eu não consegui, eu fiquei só dando mama, e foi impossível tirar leite, e só dando mama para ele, porque ele realmente não estava comendo nada. Mandei vídeos para o BB, para mostrar que não era mentira, ele não estava comendo, ele estava... ele chorava de dor, ao comer, então eu não consegui mandar... já tinha congelado três potinhos (...), na segunda-feira, para começar a congelar, para poder mandar (...); [na semana em que o menor esteve com o requerido] (...) a única coisa que eu sei, que me foi dita, ele tinha que estar em isolamento, durante sete dias, e esse isolamento não aconteceu, ele foi para a praia, ele foi para a piscina, e isso foi o que chegou até a mim [pelos amigos em comum, ele colocou na internet...]; (...) eu nunca incumpri, eu sempre tentei um acordo, (...) isso é o normal, você tentar um acordo, já que tem uma criança, não é que ele não possa estar com o pai, é tentar um acordo. (...) É não, porque não. Como foi no Dia das Mães. Ele quis o CC no Dia das Mães porquê? Foi para me atingir ou foi para estar com o CC? (...) agora, ele [CC] já passou a noite com o pai, já passou a semana, já passou a semana de férias, voltou e quer a mama (...), estou dando menos, ainda continuo com calma, ´agora não`, quando ele quer muito, quando ele chora muito, eu dou a mama, porque eu estou tentando fazer de uma forma que seja respeitosa para o meu filho; (...)  é uma alimentação normal, para uma criança de um ano e oito meses, (...) come o que o resto da família come; (...) quando ele tinha oito meses, foi a prima dele que conseguiu, e fomos nós dois, para... no Hospital ..., para cortar o freio da língua, e o pai não compareceu; ele [requerido] foi avisado que nós mudámos de morada. (...) [relativamente à frequência do novo Centro de Saúde, o requerido] foi informado depois; (...) [o requerido] não tem rede de apoio (...), o pai, que eles não se dão bem, pelo menos não se davam quando ele estava comigo, não se davam bem, conviviam, mas com (...). Ele não se dá bem com a família, ele não (...), ele tem alguns vizinhos, mas o pai, ele sai de casa às nove da manhã e termina o trabalho às seis da tarde, não necessariamente às seis da tarde ele está em casa. Ele pode estar voltando, como aconteceu muitas vezes quando nós estávamos juntos, ele chegava em casa às sete, às vezes chegava às sete e meia, às vezes chegava às seis e meia. E aqui a minha questão é: (...) o meu filho se machuca na creche, quem vem buscar o meu filho?(...) mas existe uma rede de apoio, por exemplo, uma guarda partilhada com o BB daria certo se morássemos na mesma cidade...; (...) imprevistos acontecem, como, por exemplo, eu também posso estar trabalhando até nalgum outro lugar e ligar para a minha rede de apoio, (...) eu podia não ter, os meus pais poderiam não estar a morar aqui, mas nesse momento eles estão a morar, e eu tenho uma rede de apoio. (...) Eu me recusei a estar com ele [requerido] no mesmo local porque eu tinha essa queixa (...) de violência doméstica, eu não quero estar com ele no mesmo lugar sozinha, tenho medo do que pode acontecer, do que pode-me falar, é um ano, aliás, dois anos de violência psicológica e até física já aconteceu, e a única coisa que eu falei ´Eu entro, ou se você quiser entrar primeiro e eu entro depois, eu só não quero estar com você no mesmo local`”.

            - Declarações do Requerido (fls. 107):

            “(...) quero que o meu filho também tem escola e que se habitue aos hábitos semanais do pai, levá-lo à creche, buscá-lo à creche, ser um pai ativo (...). Eu quero ter laços (...) com o meu filho, eu quero criar o meu filho.” A coabitação do ex-casal era “conflituosa” porque “a AA sempre foi uma pessoa com bastantes ciúmes da FF [filha do declarante] ...”; (...) muitos ciúmes, que eu só dava atenção à FF e que não pensava nela, pronto. Alterou-se, porque eu tinha todos os fins de semana, eu estava com a minha filha, e chegámos a um consenso, eu e a AA, de que fazia semana sim, semana não, para ter tempo, os dois (...)”.

            Depois de o CC nascer, a coabitação manteve-se até “abril/maio” e a requerente passou depois a viver com os seus pais, “(...) ela disse-me que ia passar um fim de semana com o pai e, a partir desse fim de semana, nunca mais voltou...”; (...) depois reatámos, chegámos a um consenso (...), ´Vens, eu vou-te buscar ao fim de semana`, porque ela queixava-se de não conseguir conduzir, não sei porquê, e eu ia buscá-la ao fim de semana e durante a semana ia lá dormir, à ..., a casa dos pais (...)”.

            Reafirmou que a partir de abril/maio de 2021, a requerente “disse que ia passar lá o fim de semana [a casa dos Pais/...] e nunca mais voltou”; o declarante passou a ver o CC “numa hora, ao (...) almoço, (...) quando coincidia a minha volta de ir à ..., eu não almoçava, ia buscar o CC, e estava sem almoçar essa hora, com o meu filho, em frente à praia, (...) uma vez por semana (...).”

            Relativamente aos regimes provisórios que foram sendo fixados, disse que sempre cumpriu, mas “da outra parte, não foi”, que dizia ter “compromissos (“coisas a fazer”) e eu tinha que adiar e ir de encontro à data...; (...) estava, claro que sim! Eu estava, quando conseguia vir buscar, estava com ele. Agora, quando não consigo, ou não mo entregavam, não estava. (...) Foram várias vezes. (...) Não via o CC.

            Aquando do primeiro acordo/regime, chegou a pernoitar uma única vez com o CC - “(...) dormi, sim; fui buscá-lo, e fui acusado de rapto nessa mesma..., foram à Polícia da ... fazer queixa de rapto. (...) soube da queixa durante a noite, porque me ligaram da polícia (...) e eu, na brincadeira, permita-me, eu: ´boa noite, senhor agente`, e ele ri-se da outra...

            Na sequência da alteração do regime por causa da amamentação, o declarante foi “sempre só um dia” e foi cumprido - “(...) foi, pode ter havido aí alguma falha, não estou a dizer...

            Na sequência da terceira alteração ao regime provisório (com pernoita e  semana de férias), foi cumprido (inclusive, a semana de férias) “... só menos a última... que foi acordado que eu avisaria até quinta-feira que ia buscar o CC, sábado ou domingo, e eu avisei até quinta-feira, (...) na sexta me manda uma mensagem a dizer que ´não, não vens buscar o CC no sábado, vens no domingo`, e eu vou no sábado.”

            A mãe pediu para o menor não ir de férias porque tinha varicela, “(...) disse que tinha um atestado do CC, que a médica indicou que os cuidados eram (...). Ao qual aquele atestado não é para o CC, mas sim para a AA entregar no trabalho. E eu cuido do meu filho na saúde e na doença. (...) Tinha uns pontinhos, sim. (...) Eu disse que o ia buscar. E fui buscá-lo [sem incidentes, sendo-lhe recomendado que ele não estivesse em sítios públicos durante determinado período, o que o declarante diz ter cumprido e que não levou o menor à praia ou à piscina pública]; (...) nós colocamos as datas que nós queremos, posso tirar uma foto hoje e publicá-la, a da semana passada, publicá-la hoje.”

            Confrontado com a realidade dos autos (os progenitores não moram perto um do outro, pelo que a “guarda partilhada” implica necessariamente duas creches, duas casas, duas rotinas, algum tempo de separação de cada um dos pais), respondeu “manter” a sua posição/pretensão de “guarda exclusiva” porque, “(...) a AA mostrou uma pessoa, ao início do processo, e agora mostra outra pessoa totalmente; ela não pensa no CC, ela pensa em (...) estragar a vida do pai do CC, o foco é estragar a vida do pai (...); é a diferença, eu tenho outra filha. (...) não vejo a AA com capacidade, se não houver os pais, para tratar do CC, porque é uma rapariga muito imatura... (...) Aquando da “licença de parentalidade”, o declarante gozou/tirou “um mês inteiro”, mas depois foi a requerente quem ficou a cuidar do CC (“sim, foi ela, sim, claro”) e o declarante foi trabalhar. O CC “não está mal cuidado, isso não” e tem estado ao cuidado da requerente, que tem capacidade para cuidar, tem cuidado bem (“até hoje, sim, sim”) e garante as necessidades do CC (“até ver, sim”).“(...) eu quando falo isto é de pai e mãe, porque nós temos uma criança e temos que zelar pelo interesse da criança (...)”; “(...) saio de casa nove, nove menos um quarto, (...) faço ..., ou faço ..., ou faço ......; (...) Tenho o meu pai, tenho a ´madrinha` do meu filho... (...), a KK, o meu pai, EE, e tenho um grupo de amigos fantástico. (...) os meus braços-direitos, nessa ausência, é o meu pai e a ´madrinha` [se houver batizado, será a ´madrinha`...]”, que mora “dois apartamentos ao lado”.

            Quando, no desempenho da sua atividade de vendedor, se desloca à região de ... (zona mais distante) sai “mais cedo, oito horas” e volta pelas 19”; acrescentou: na “semana em que o menino estiver comigo, nessa semana, logicamente, não faço” ....

            Inscreveu o CC numa creche, na “Associação ..., na ...” (“1ª opção”). A relação entre o CC e a irmã, FF, é “excelente”, tal como a relação do declarante com a mãe desta, em termos de comunicação (“é pela nossa filha, independentemente de a relação ter acabado”).

            Não tem conhecimento da existência de qualquer processo penal por violência doméstica em que o declarante seja “arguido” (“nunca ninguém me chamou”); “(...) quando eu fui prestar declarações, foi por rapto - é a única coisa que eu sei”.

            Sobre o circunstancialismo ligado às situações de incumprimento dos regimes provisórios de RERP, referiu, nomeadamente, que “(...) ela [requerente] não avisava, nem me questionava, dizia que era no domingo, não no sábado; (...) nunca me questionou: ´podes trocar?`; (...) avisava”, mas era no dia em que “ela entendia”; “(...) fazia a extração do leite durante o dia”; depois, deixou de haver incumprimentos na entrega da criança (“estabilizou”).

            Na “última consulta” do CC, no “Centro de Saúde ..., por volta de junho/22, o declarante esteve presente, mas a requerente não o deixou “entrar”; “(...) eu estive um bocadinho perto da enfermeira e do menino e tive que sair”. A requerente opôs-se à sua presença “porque se queixou que tinha uma queixa de violência doméstica, e tinha que estar afastado dela, coisas que eu não sei; (...) [mais tarde] questionei a Dr.ª GG (...) como é que estava o menino a crescer, os hábitos...; (...) liguei à minha médica [da ...], por causa do CC, para saber as consultas (...); porque não me foi dada pela AA, ´e, BB, eu vou-lhe dar isto, mas... o CC já não está na nossa (...)`; e eu depois soube (...) através da AA, mas porque me enviou qualquer coisa para pagar, tinha ido ao hospital, foi assim nestes moldes que eu soube (...)”.

            Inexiste qualquer relacionamento entre os avós maternos e o declarante (“Não há! Digo ´bom dia`, não há resposta da outra parte.”); (...) a D.ª LL foi bastante mal-educada comigo, há uns meses atrás, até que me cuspiu... o pai é mais cordial, mas não há... não há... não se fala!

            Em determinada ocasião, entregou o CC à requerente e fechou de imediato a porta - “eu recebi o menino e fechei a porta; (...) ´se ela entrava em minha casa? Não, não entrava!`; (...) não entrou em minha casa. Eu impedi, sim. (...).”

            - Testemunha DD (fls. 107):

             “(...) a AA ela é muito afetuosa (...). Mas eu percebi que ela foi ficando um pouco mais contida, com o tempo de se relacionar com ele. (...) teve uma situação (...) tipo de agressão verbal, foi na frente dos meus filhos também, foi um dia que estava (...) grávida e a gente estava falando, pronto, o meu filho tem uma diferença de 4 meses do CC, não é? (...) aí o BB usou o termo com a AA de ´gorda`, não é? De um jeito um pouco ofensivo. (...) ´Ah, estou brincando...`; (...) aconteceu várias vezes, minha tia [mãe da requerente] falou: ´De novo?!`; a minha tia também já tinha ouvido outras vezes (...) e repreendeu ele, na frente de todos. (...) eu fui a primeira pessoa a saber que (...) estava grávida. (...) ´Você está dando golpe em mim, você fez isso para me manipular`... (...) Eu falei para ela, ´Está louco, (...) golpe de quê?  (...) a sua família tem uma boa condição financeira, (...) você tem cidadania portuguesa, golpe de quê?`, não é? (...) Depois ele começou a falar para eles ficarem juntos e ter uma família (...); a AA relatou, depois, situações quando foram viver juntos que ela já estava grávida, de empurrar, de ofendê-la, não é? (...) uma coisa que por exemplo achava um pouco agressiva chamava-lhe de ´picha de aço`, como se ele tivesse uma pila de aço, pronto, (...) acho estranho, mas isso não quer dizer que ele não é bom pai. (...) estive presente alguns momentos que a gente estava ali na casa dos meus tios e ele trazia de volta, (...) mas senti/percebi que tinha uma tensão nesse processo de entrega; (...) Ele [requerido] sempre chega muito ansioso (...).

            f) Relativamente à documentação médica junta aos autos principais e aos relatórios da Segurança Social de abril e junho de 2022, bem como aos que foram juntos ao “apenso B” (de promoção e proteção), verifica-se, por um lado, que nenhuma objeção foi levantada ao teor destes relatórios e, por outro lado, que o Mm.º Juiz do Tribunal a quo atendeu ao conteúdo de tais documentos, pelo menos, no que concerne ao resultado da indagação levada a cabo pela Segurança Social.[15]

            Sem prejuízo do que se referirá adiante, destacamos os seguintes excertos dos “relatórios” juntos ao dito apenso:

            - «[A requerentente] Referiu também que o pai pretende a residência alternada, mas (...) considera que, tendo em conta os horários e as zonas de trabalho do mesmo, teme que, se concretizar, e sendo necessária a presença do pai no Jardim de Infância por qualquer razão, ele possa não responder em tempo útil por se encontrar longe. Mais disse que concordaria com esta pretensão, se o pai vivesse perto da residência atual da criança, pois caso o pai não pudesse comparecer quando necessário estaria a mãe para auxiliar [relatório de junho/2022].»

            - «[O requerido] referiu que, a ser implementado um regime de residência alternada, a semana em que tem de efetuar este serviço a ..., poderia ficar atribuída à figura materna. Seja como for, e atentas as manifestas preocupações que a requerente vem veiculando, mas consideradas perfeitamente infundadas pelo progenitor, quanto à possibilidade de este não conseguir assegurar a recolha do CC na creche em hora adequada, BB transmitiu-nos que o seu pai, avô paterno da criança, é uma pessoa totalmente disponível para, numa situação limite, deslocar-se à creche, seja a que horas for, no sentido de ir buscar o neto. Mais: também nos foi indicada a madrinha da criança como uma figura também ela disponível para, em qualquer ocasião, dar-lhe apoio, entre outras, na questão de ir buscar o CC.

            (...) No decurso da visita domiciliária, foi possível falarmos com o avô paterno e com a madrinha do CC. Assim, e da conversa estabelecida com EE, este não deixou de expressar a sua total disponibilidade para apoiar, em caso de necessidade e em qualquer situação, o filho BB e o neto CC, mais tendo acrescentado que dispõe de tempo, ao longo do dia, para suprir qualquer dificuldade que possa surgir, nomeadamente na recolha do neto na Creche que este venha a frequentar, e que, por qualquer imprevisto possa inviabilizar a recolha atempada do CC no equipamento escolar.

            Foi possível, também, falar com a madrinha do CC no contexto residencial, que nos comunicou a total disponibilidade de apoiar BB, em qualquer circunstância, nos períodos em que o afilhado esteja em casa do progenitor, ou na recolha do CC na creche (...).

            (...) este progenitor possui competências, e reúne uma estrutura familiar e/ou de suporte que lhe permite assegurar os cuidados do filho de forma segura e continuada, daí que a argumentação que tem sido veiculada pela progenitora não corresponde à realidade sócio-familiar do progenitor por nós constatada.

            Desta forma, e da avaliação efetuada ao contexto paterno, foi possível observar a existência de fatores de proteção porquanto são evidenciadas competências parentais, a transmissão de vínculos afetivos, apoio familiar, capacidade de monitorização parental e extrafamiliar.

            (...) A nível familiar, e decorrente das entrevistas estabelecidas com o avô paterno e com a madrinha (...), a nossa avaliação vai no sentido de termos observado a existência de coesão familiar e de um sentimento de compromisso.

            Por último, e a nível escolar, existe a possibilidade de o filho vir a integrar um ambiente escolar promotor do desenvolvimento cognitivo e motor para a criança, constituindo-se, assim, uma resposta útil para esta aprender, a descobrir sentimentos, a imaginar, a fantasiar e a criar.

            Em síntese, (...) reiteramos a conclusão/parecer plasmada no Relatório Social de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, datado de 28 de abril do corrente ano [relatório de julho/2022].

            4. Visto o objecto do litígio e da impugnação relativa à matéria de facto, perante a dita prova pessoal e os documentos e relatórios juntos aos autos, afigura-se correto o decidido e adequada a fundamentação apresentada pelo Mm.º Juiz do Tribunal a quo, exceto quanto à factualidade mencionada em II. 2. c), supra, que se considera provada em face das “Declarações Médicas” juntas aos autos [veja-se, sobretudo, 1ª e 3ª declarações referidas em II. 3. d), supra] conjugadas com o que a requerente transmitiu em audiência de julgamento e o teor dos seus diversos requerimentos.

            De resto, por despacho de 27.01.2022, o Mm.º Juiz do Tribunal a quo considerou: “(...) afigura-se-nos evidente que a progenitora apresentou e comprovou, por parecer médico qualificado, factualidade indiciária bastante que desaconselha a manutenção do período de pernoita – ´risco de aparecimento de mastites que prejudique a continuação da amamentação materna`, sem que o progenitor tenha infirmado tais indícios ou apresentado contra factual que imponha uma decisão de prevalecimento dos direitos parentais aos convívios sobre o interesse do menor de 12 meses em beneficiar da amamentação materna”; daí, a alteração ao regime provisório das responsabilidades parentais aludida em II. 1. 11), supra.

            Questionando-se, apenas, se terão existidos “sintomas de mastite”, com elevado grau de verosimilhança se admite a sua verificação aquando da efetiva implementação do regime de pernoita junto do pai, como na mesma alínea igualmente se concretiza.

            No tocante à restante matéria impugnada, conjugados todos os elementos de prova, não se vê razão para dar como não provado o incluído sob os pontos 40) e 41) [destacando-se, aqui, o teor do segundo relatório mencionado em II. 3. f), in fine, supra] ou para dar como provada a factualidade das demais (invocadas) alíneas.

            Assim:

            - Do conteúdo das alíneas a) e b), fica provado, apenas, o que já consta do ponto 30), acolhendo-se, pois, o consignado no despacho sobre a admissibilidade do recurso (de 05.12.2022), máxime, que, «nas suas alegações, a Requerente e progenitora não fez qualquer alegação sobre a pendência de processo crime ou sobre o seu estatuto de vítima de violência doméstica (...) – cf. articulado de 30-01-2022» [também nada se explicita/concretiza na p. i. e nos requerimentos alegatórios de 02.11.2021 e 20.01.2022] e, ainda, que «não conseguimos atingir de que modo a atribuição à Requerente de ´estatuto de vítima especialmente vulnerável` possa configurar um facto operante e com relevância para a decisão da causa, tanto mais que a relevância dessa atribuição seria manifestamente acessória ou instrumental dos factos que foram alegados pela Requerente»;[16]

            - Sobre a factualidade da alínea d), ficou demonstrado, apenas, o incluído na alínea c), a relevar, eventualmente, no(s) apenso(s) de incumprimento;    

            - Relativamente ao vertido na alínea f), existindo nos autos reproduções de publicações do progenitor em que a criança é visível, tal não significa que haja uma “exposição”, porquanto se desconhece, nomeadamente, se são ou não limitadas ao círculo restrito de utilizadores da rede social ligados ao perfil do progenitor e o (demais) contexto de tal partilha/divulgação;

            - O incluído na alínea g), de teor conclusivo, não obteve qualquer comprovação (por exemplo, nada se apurou a respeito das circunstâncias em que a criança, afetada por varicela, terá frequentado locais com exposição solar);

            - A matéria da alínea j) é de sentido contrário ao que se dá como provado em 40) e 41).

            Por conseguinte, não se justifica a realização de quaisquer diligências complementares - a prova produzida nos autos e em audiência de julgamento é clara no sentido (que fica) decidido!

            Procede, assim, parcialmente, a pretensão da apelante quanto à modificação da decisão da matéria de facto.

5. Os processos tutelares cíveis têm a natureza de jurisdição voluntária, pelo que há que atender à realidade pretérita e a todo o devir da vida do menor e seus progenitores, proferindo-se, sempre, a decisão mais conveniente e oportuna e dando o devido relevo às circunstâncias supervenientes[17] - cf. art.ºs 12º do RGPTC e 987º e 988º, n.º 1, do CPC.[18]

6. Na sentença, o exercício das responsabilidades parentais é regulado de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiada a ambos ou a um dos progenitores, a outro familiar, a terceira pessoa ou a instituição de acolhimento, aí se fixando a residência daquela (art.º 40º, n.º 1 do RGPTC).

            7. Segundo o art.º 1906°, n.º 5, do CC[19], o tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.

            Preceitua o n.º 6 do mesmo art.º[20] que quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos.

            E nos termos do n.º 8, do mesmo art.º[21], o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.[22] [23]

            8. A lei não define o que deva entender-se por interesse do menor, cabendo ao juiz em toda a amplitude que resulta daqueles preceitos legais identificar e definir, em cada caso, esse interesse superior da criança, por alguns já definido como “o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”[24] ou como tratando-se de uma “noção cultural intimamente ligada a um sistema de referências vigente em cada momento, em cada sociedade, sobre a pessoa do menor, sobre as suas necessidades, as condições adequadas ao seu bom desenvolvimento e ao seu bem estar material e moral”.[25]

            9. As “responsabilidades parentais” não são “um conjunto de faculdades de conteúdo egoísta e de exercício livre, ao arbítrio dos respetivos titulares, mas um conjunto de faculdades de conteúdo altruísta que tem de ser exercido de forma vinculada, de harmonia com a função do direito, consubstanciada no objetivo primacial de proteção e promoção dos interesses do filho, com vista ao seu desenvolvimento integral”.[26]

            Estão, pois, em causa o exercício de poderes-deveres visando a promoção do interesse da criança, a que se reportam diversos normativos da lei ordinária (cf. ainda, v. g., os art.ºs 1885º, n.º 1 e 1918º, n.º 1, do CC, que estabelecem o dever dos pais de promoverem o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos e de não colocarem em perigo a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação do menor), da Lei Fundamental (cf., v. g., os art.ºs 36º, n.º 5 e 69º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa/CRP, consagrando, o primeiro, o direito fundamental da criança à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral e, o segundo, o poder-dever dos pais de educação e manutenção dos filhos) e do Direito Internacional.

            10. Com a alteração introduzida pela Lei n.º 65/2020, de 04.11, ao art.º 1906º do CC, deixou de ter sentido a questão de saber se a residência alternada[27] podia ser decretada pelo tribunal fora das hipóteses em que os pais estão de acordo.

            A residência alternada tem vindo a ser projetada como realidade do futuro [tendência que se verificará no futuro[28] - pesem embora os benefícios e contraindicações apontados na doutrina e jurisprudência], pois será a preferida dos menores e dos progenitores se as circunstância factuais o permitirem/potenciarem, designadamente, quando os progenitores moram na mesma cidade ou a distâncias que possam ser percorridas sem alterar as rotinas e mostram capacidade para superarem divergências entre si.

            Contra esta medida argumenta-se, essencialmente, que ela destrói as rotinas das crianças, pode ser causa de cansaço e desgaste e gera focos de tensão entre os pais devido à diversidade de diretrizes que podem dar aos filhos em questões de educação e outras quando estão com cada um dos progenitores.

            Sem dúvida que isso pode acontecer e quando se revelar nocivo para os interesses dos filhos não deve implementar-se a alternância de residências, mas só nestes casos é que existirão razões para não enveredar pela alternância de residências.

            Concluindo, dir-se-á que a alternância de residências é uma solução adequada ao exercício conjunto das responsabilidades parentais desde que tal situação sirva os interesses dos filhos e possa ser implementada, mesmo que não exista acordo dos pais, salvo se o desacordo se fundamentar em razões factuais relevantes.[29]

            11. Na decisão sob censura, o Tribunal a quo começou por indicar, nomeadamente, alguma da doutrina nacional do direito da família e menores[30], a jurisprudência, os preceitos legais atinentes (v. g., art.ºs  1878º, n.º 1, 1885º e seguintes e 1918º, n.º 1, do CC; 36º, n.º 5 e 69º, n.º 1, da CRP e 42º, n.º 1 do RGPTC, 9º, n.ºs 1 e 2, 18º e 27º da Convenção Sobre os Direitos da Criança de 1989, assinada em Nova Iorque) e os princípios da jurisdição voluntária previstos nos art.ºs 897º e 988º do CPC.

            Depois, tendo presente a factualidade apurada[31], expendeu, designadamente, o seguinte:

            - Os progenitores dispõem de capacidade parental bastante e suficiente para cuidar do CC, como aliás o atestam os sucessivos relatórios sociais no apenso de promoção e proteção[32];

            - O CC tem dois pais presentes, disponíveis e capazes (e com eles duas famílias de origem presentes, disponíveis e capazes), mas que, por força das circunstâncias, vivem a 90 km de distância (via A...7); no regime atual já faz essa viagem, pelo menos, uma vez por semana;

            - Considerando que só frequentará o 1º ano do ensino primário em setembro de 2027, será de afirmar o seu superior interesse em manter e desenvolver relações próximas, constantes e afetivamente presentes com ambos os progenitores, associado à exequibilidade prática da (eventual) frequência em dois estabelecimentos de ensino pré-escolar (realidade frequente em regimes de guarda partilhada), num regime de guarda partilhada/alternada, e ainda que tal não seja possível a longo prazo;

            - A realidade do CC é indissociável das contingências inerentes à separação geográfica dos pais, sendo que o seu desenvolvimento afetivo com ambos os progenitores consubstancia um interesse marcadamente superior à instabilidade criada por ter duas creches, duas educadoras, dois grupos de amigos, ou dois centros de vida;

            - A circunstância de tal regime não se poder manter a partir de setembro de 2027 nada deve influir no presente teste da seleção negativa ao regime de guarda partilhada/alternada (semanal), pois que será sempre preferível, para o interesse superior do menor, viver com ambos os pais o máximo de tempo possível, do que viver com apenas um e somente porque daqui a alguns anos só poderá viver efetivamente com um;

            - O tempo das crianças é um tempo especial e que deve convidar os pais a experienciarem o melhor dessa relatividade tão fugaz e passageira, e na qual os juízos de definitividade e certeza raramente têm lugar;

            -  A circunstância da amamentação, que terá limitado, ab initio e antes do escalar do conflito, o acordo para o regime de guarda partilhada, já não se verifica nos seus pressupostos iniciais;

            - O CC é um menino feliz, que gosta de estar com a mãe e o pai e com as respetivas famílias (incluindo a irmã consanguínea), que nunca teve problemas de desenvolvimento físico e psíquico, e que, claramente, não teve qualquer problema de adaptação ao ambiente envolvente, incluindo nos contactos com o pai, demonstrando, talvez mais do que os adultos, que foi capaz de superar a instabilidade de ter duas casas e duas famílias, separadas por 90 km;

            - Atenta a rede de apoio familiar na ... e a mesma caracterização idiossincrática do menor (quase 2 anos de idade), nada sugere que venha a sofrer com os efeitos de uma eventual mudança de residência causados por uma rutura com a guarda única junto da progenitora;

            - Os incumprimentos alegados e/ou provados e incidentes, no último ano ou ano e meio, demandam que o regime da guarda sirva igualmente para uma pacificação dessas relações entre os progenitores, igualizando-os entre si e perante o menor, trazendo-os a um campo de entendimento, favorecendo-os como pais e cidadãos que partilham entre si algo de perene e imutável: a educação e criação de um filho comum;

            - Os progenitores apresentam qualidade e consistência nas relações afetivas estabelecidas com o CC e apesar da intermitência dos contactos com o progenitor, apresentam disponibilidade, saúde física e mental para cuidar do mesmo, bem como um estilo de vida e comportamento moral compatível com o exercício efetivo das responsabilidades parentais; apesar de tudo, conseguiram colaborar minimamente no difícil regime de contatos e convívios entre progenitor e menor após a definição do regime provisório em 24.6.2022;

            - Como tal, também aqui o regime de guarda partilhada/alternada (semanal) surge como o mais razoável para esse processo de desenvolvimento das capacidades parentais e de coparentalidade, sempre a benefício do CC;

            - Os progenitores dispõem de condições familiares, sociais, económicas e habitacionais conformes e, diríamos até, mais do que suficientes para os bons cuidados e desenvolvimento do menor;

            - O regime de guarda partilhada/alternada (semanal) é aquele que melhor se adequa ao superior interesse do CC, tanto pela sua viabilidade/exequibilidade como pelos ganhos no exercício da coparentalidade;  

            - Este regime, atenta a idade do menor e a distância geográfica dos centros de vida, terá, no prazo de 4-5 anos, uma alteração anunciada para um eventual regime de “guarda exclusiva”, sendo certo que as circunstâncias do CC e dos progenitores se podem alterar a todo o momento e de modo a influenciar a reanálise dos critérios;

            - Pelo menos nesse período, o CC poderá viver, conviver e crescer com duas famílias, junto de ambos os progenitores, poupando-o a um regime de guarda exclusiva sem garantias de boa coparentalidade, ao mesmo tempo que os progenitores têm a preciosa oportunidade de se desenvolverem como pais em coparentalidade, colocando a criança no centro das suas vidas.

            12. Todas as situações da vida têm as suas vicissitudes, mesmo quando envolvem as crianças, seres inocentes e generosos, quiçá, supremo e imerecido bem dos adultos.[33]

            O presente caso, com as suas vicissitudes e dificuldades, teve o seu percurso (suficientemente descrito nos autos), o seu devir, e deverá merecer adequado acompanhamento.

            Feitas estas simples afirmações, vejamos o que sucedeu e o que se pretende.

            13. A requerente/recorrente/progenitora afirma ser “por demais evidente que o superior interesse da criança manda que esta continue à sua guarda e cuidados (...), fixando-se a residência do bebé unicamente junto desta”.

            O M.º Público pugna pela manutenção do decidido.

            Na conferência dos pais realizada a 19.10.2021 (pouco mais de um mês após a instauração do processo), por acordo entre os progenitores, foi fixado regime provisório do exercício das responsabilidades parentais que previa, além do mais, que o pai poderia pernoitar com a criança a partir de 13.11.2021 (“de 15 em 15 dias”); o CC completava, então, a idade de 10 meses; previa-se um período à guarda exclusiva do pai de aproximadamente 31 horas consecutivas!

            Seguiram-se “incumprimentos” e o episódio de 22.01.2022 envolvendo, desnecessariamente, a entidade policial.

            Por despacho de 27.01.2022 foi determinada a suspensão do regime de pernoitas, mantendo-se, no mais, o regime em vigor.

            Sem quebra do respeito sempre devido por opinião em contrário, então, terá sido introduzida alguma razoabilidade ao “acordo inicial dos pais”.

            Na alteração seguinte, por despacho de 24.6.2022, previu-se, de novo, pernoitas da criança junto do pai, quando prestes a atingir a idade de 18 meses; marcou-se, ainda, semana de férias (e pernoita) na companhia do pai, no mês de agosto/22; ocorreu “incumprimento” aquando da primeira pernoita [cf., sobretudo, II. 1. 2), 4), 8), 10), 11), 12) e 15), supra].

            14. Hoje em dia, sabemos que as crianças que não beneficiaram desde o início de interações afetivas com os pais revelam depois dificuldades (até no estabelecimento de amizades) e como é importante e tem benefícios a longo prazo a relação próxima de um pai na vida de uma criança; contudo, questionando-se a idade a partir da qual será recomendável deixar um bebé ir dormir a casa do outro progenitor, propende-se para o entendimento de que não pernoite em casa do outro genitor antes dos dois/três anos de idade, dependendo, ainda, naturalmente, do bebé em causa e do facto de ele estar ou não preparado e se sentir ou não bem nessa situação (adaptação).

            Nesta matéria já se formulou o princípio de que as crianças não devem ser separadas do elemento parental a quem sempre estiveram mais ligadas, e antes dos três anos de idade não devem ir dormir a casa do outro elemento, a não ser que estejam habitualmente em contacto com ele várias vezes por semana e se sintam seguras com qualquer um dos pais.[34]

            15. Assim, com o devido respeito por entendimento contrário, pensamos poder concluir que aquele acordo inicial dos pais continha, de algum modo, o gérmen do incumprimento - o Mm.º Juiz do tribunal a quo, posteriormente, também o terá admitido -, e bem assim que a atuação da mãe quando estava em causa a amamentação e a sua especial ligação ao filho tornavam/tornaram compreensível e razoável o seu pretenso incumprimento do regime provisório fixado.

            16. A requerente/recorrente discorda, principalmente, que a residência do CC seja atribuída semanal e alternadamente com a mãe e com o pai, pugnando pela substituição do mesmo por regime de residência única junto de si (apelante), sendo que à data da sentença a criança tinha 20 meses de idade e previa-se que continuasse a ser amamentada até por volta dos 24 meses.

            Considera que o regime fixado pelo Tribunal a quo não é a solução conjuntural que melhor satisfaz o interesse do CC, atenta a elevada conflitualidade entre os progenitores (ausência de relacionamento e capacidade de diálogo) e a distância que medeia entre a residência dos progenitores (cerca de 90 km), pelo que, naquele regime (guarda partilhada com residência alternada), terá de viver em duas cidades diferentes e distantes, com a inerente necessidade de ter de frequentar diferentes estabelecimentos de ensino, o que não se concebe, e terá efeitos absolutamente nefastos na vida do menor, prejudicando a formação da sua personalidade e equilíbrio mental.

            O Exmo. Magistrado do M.º Público, em representação da criança, concluiu, como o Tribunal a quo, que, nos termos previstos no art.º 1906º, n.º 6 do CC, a guarda alternada corresponde ao superior interesse da criança.

            Invoca-se, designadamente:

            - Afastadas as suspeitas de negligência parental e assumindo que as condições sociais, habitacionais, económicas e laborais dos progenitores não diferem significativamente, evidencia-se que o progenitor tem vindo a revelar uma postura de tentativa de aproximação à criança, enquanto que a progenitora não manifesta disponibilidade para promover relações habituais do filho com o pai e contribui para o clima de conflituosidade parental (mas o requerido tem aqui e ali assumido uma postura de inflexibilidade no que concerne a concordar em alterar a execução do regime provisório que vigorava até à prolação da sentença: a progenitora propunha alterações, o progenitor recusava...);

            - Inexiste qualquer perigo para a criança em ficar aos cuidados do pai, que beneficia de “rede de apoio”, tem vindo a demonstrar interesse em participar na vida do filho e tem condições sociais, económicas e habitacionais que lhe permitem ter a criança à sua guarda;

            - O progenitor tem uma outra filha, menor de idade, que consigo convive quinzenalmente;

            - Tem sido a execução do regime de visitas e, em especial, da possibilidade de pernoitas, que tem surgido como a fonte principal (talvez a única) de conflito parental, desde que se consumou a separação dos progenitores;

            - A guarda alternada apresenta um potencial de pacificação parental, na medida em que coloca os progenitores em situação de igualdade, equiparando-os no tempo de convívio com o filho e responsabilizando-os pelo sustento da criança;

            - Aos dois anos de idade, não tem propriamente um centro de vida geograficamente localizado, pois o que releva é o sentimento de segurança e de pertença que lhe advém do convívio com o(s) adulto(s) cuidador(es), independentemente do local onde tal ocorra;

            - Ao estabelecer o regime de guarda alternada, o Tribunal abriu a possibilidade de a criança frequentar a creche (está inscrita em creche na ...);

            - A frequência de uma creche durante a semana em que o CC está com o pai propiciará outras experiências, outros estímulos com o potencial de enriquecer o desenvolvimento da criança, na atual fase de início de exploração do mundo exterior; e poderá constituir para a progenitora uma extraordinária oportunidade para poder vigiar a qualidade dos cuidados que o pai prestar, a qual não existiria se fosse estabelecida a guarda exclusiva com visitas quinzenais ao pai, aos fins-de-semana.

            - A creche surge como uma linha de proteção da criança, na medida em que as educadoras vão vigiando o estado em que se apresenta na semana em que é entregue pelo pai, se vem adequadamente vestida e higienizada, se existe manifestação de vínculo afetivo, se existe interesse do progenitor nas questões do filho, etc.

            - Quanto à distância entre as residências dos progenitores – ... e ..., cerca de 90 km – em si mesmo não constitui qualquer obstáculo: para uma criança que ainda não iniciou a escolaridade obrigatória, a verdadeira questão não é a distância, mas o tempo de viagem de uma casa para a outra (cerca de cinquenta e cinco minutos/consulta ao Google Maps); a criança viaja tranquilamente, na presença da irmã uterina, e adormece durante a viagem;

            - Importa regular o exercício das responsabilidades parentais de acordo com as necessidades atuais da criança, pois circunstâncias supervenientes (tal como a escolaridade obrigatória, daqui a 4 anos) permitirão a alteração e atualização do regime;

            - No início da presente fase de exploração do mundo exterior, uma das necessidades mais prementes do CC é a de desenvolver com o pai, com o avô paterno e com a irmã consanguínea uma relação securizante, reconfortante, gratificante e emocionalmente profunda;

            - É este o momento adequado para se iniciar o regime da guarda alternada – e não mais tarde, quando se consumar e cristalizar o papel secundário do progenitor na vida da criança e esta iniciar a escolaridade obrigatória.

            17. A coabitação dos progenitores verificou-se a partir de setembro de 2020 até por volta de maio/junho de 2021 [cf. II. 1. 26) e 27), supra].

            O requerido procurou/procura conciliar os períodos de convívios dos seus dois filhos para que possam estar juntos (a filha FF desenvolveu com o menor uma relação afetiva) [cf. II. 1. 36) e 37), supra].

               Apesar das pretéritas condutas menos adequadas dos progenitores [cf., sobretudo, II. 1. 10), 20), 23) e 29), supra], afigura-se que, ultrapassada a idade de 18 meses, a requerente passou a aceitar que o menor pernoitasse junto do requerido.

            Ao contrário do que poderá suceder em situações similares, concorda-se com a posição do M.º Público, quando diz que “a guarda alternada apresenta um potencial de pacificação parental”, sendo que, nas atuais circunstâncias, tendo o CC ultrapassado a idade de dois anos, o tempo das necessárias deslocações[35] não será fator preponderante e é largamente compensado pela manutenção de uma relação de grande proximidade com os seus progenitores (art.º 1906º, n.º 8, do CC).

            E, cremos, passou a existir alguma colaboração, sensatez e prudência na prossecução da estabilidade afetiva e emocional da criança, sendo que estamos com aqueles que não exigem uma quase plena concordância dos pais para a implementação de um regime de residência alternada com cada um (dos pais), vendo-se antes como normal e compreensível que possa haver algum dissídio que aos tribunais caberá minorar ou dissipar/resolver, mas que não poderá ser fator primordial na tomada da decisão quanto à guarda e residência do menor, sendo que o decurso do tempo tende a diluir os ressentimentos e a promover a tolerância e a compreensão das atitudes alheias, mormente quando anteriormente não se dispunha de informação suficiente que só o tempo trouxe.[36]

            Assim, afigura-se acertada a decisão de estabelecer um regime de “residência alternada”, sendo que não se questiona o decidido quanto ao regime de visitas/contactos e aos alimentos.

            18. No que concerne à determinação da residência das crianças, os princípios basilares a ter em consideração são o superior interesse da criança, a igualdade entre os progenitores, assim como a disponibilidade manifestada por cada um para promover relações habituais do filho com o outro progenitor, prevalecendo, no entanto, sempre o superior interesse da criança.

            Também no presente caso a residência alternada é a que melhor serve os interesses da criança porquanto passa a ter muito maior contacto com os progenitores; é o regime que melhor acautela os interesses do menor, levando em conta o bem-estar da criança, ainda que, nesta matéria, não se possa ter uma posição definitiva por ou contra a residência alternada, porque tudo é uma questão de circunstâncias.[37]

            Por outro lado, não se deve exagerar o facto de a mudança de residência criar instabilidade e, por    isso, representar inconveniente para a criança, pois que a instabilidade é uma realidade na vida de uma criança com pais separados, que, sempre, terão de se integrar em duas residências, sendo essa mais uma adaptação a fazer nas suas vidas; as crianças são dotadas de grande aptidão para se integrarem em situações novas e, quando são mais novas, têm tendência a adaptar-se melhor às circunstâncias - será mais fácil a uma criança de tenra idade que não tem grande memória de ver os pais juntos adaptar-se à realidade das duas residências do que propriamente uma criança com mais idade.[38]

            E podemos acrescentar que esta medida só não produzirá bons resultados se os pais não forem compreensivos e colaborantes um com o outro e se não colocarem o interesse do menor à frente dos seus interesses particulares (dando prioridade aos interesses do filho em detrimento dos seus problemas e conflitos entre ambos).[39]

            Importa, pois, dar a necessária relevância e concretização ao interesse superior do menor poder privar e manter contactos com ambos os progenitores - quando estes tenham capacidade para assegurar o desenvolvimento psicoafectivo da criança -, de modo a assegurar o seu bem-estar e desenvolvimento integral (art.º 1906º, n.º 8, do CC)[40], sabendo-se que o presente (e qualquer) regime poderá/deverá ser ajustado se e quando as circunstâncias o ditarem.[41]

             19. Convictos de que a decisão recorrida respeitará o indeclinável objetivo de alcançar “o melhor para a criança” e que, como tal, não merece censura, caberá aos pais, requerente e requerido, no interesse daquela e do seu próprio interesse, manter a colaboração e a entreajuda necessárias visando aquele objetivo fundamental.[42]

            20. Soçobram, desta forma, as (demais) “conclusões” da alegação de recurso, não se mostrando violadas quaisquer disposições legais.          


*

            III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida (com a modificação na decisão da matéria de facto indicada em II. 4., supra).

            Custas pela requerente/recorrente.                


*

28.02.2023


           

  


[1] Os progenitores, atendendo à idade do menor e à circunstância de continuar a ser amamentado pela progenitora, pretenderam fixar um regime provisório pelo menos até janeiro/22 e manifestaram a sua disponibilidade para rever aquele regime.

   Considerando as declarações dos progenitores e a identificação do projeto de vida do menor e da guarda partilhada do mesmo, foi proferido despacho a fixar o regime provisório proposto por ambos os progenitores, diligenciando-se pela sua revisão em janeiro de 2022.  
[2] Escreveu-se: «Considerando a prova documental relevada no âmbito do despacho proferido a 27.01.2022 e que não foi infirmada no seu valor probatório, por tal não se revelar útil ou pertinente para a decisão da causa neste momento, indefiro a requerida perícia médica relativa à mastite da progenitora.»
[3] Com a seguinte fundamentação: «Considerando as alegações da progenitora quanto à perícia de avaliação psicológica ao progenitor, considerando que foi inicialmente fixado regime provisório por acordo de ambos os progenitores com regime de visitas e contactos do progenitor; considerando que notificada a progenitora para concretizar o objeto, utilidade e pertinência da perícia de avaliação psicológica ao progenitor, a mesma nada disse, por tal se revelar inútil, impertinente, vazio de indiciação ou utilidade e de mera consequência dilatória, indefiro a requerida avaliação psicológica.»

[4] Porém, por requerimento de 10.7.2022, a progenitora veio deduzir oposição à alteração do regime provisório, concluindo: «(...) seja imediatamente revogada a decisão de 24.6.2022, devendo não haver pernoitas do menor com o progenitor até (...) completar dois anos de idade.»

   Em 13.7.2022, o Mm.º Juiz indeferiu o requerido, por legalmente inadmissível e manifestamente improcedente.

[5] Em sede julgamento, atento «o objeto da litigância nomeadamente quanto à revisão e vigência dos sucessivos regimes provisórios (...) (e que a revisão do regime provisório foi determinada e motivada em função da alegação de incumprimento)», foram as partes advertidas que «a presente atividade instrutória e probatória poderá, caso se entenda necessário, versar sobre o incumprimento do regime provisório», sem prejuízo da oportuna apreciação em processo próprio desses incumprimentos e no que respeita à imputação de culpa e eventual sancionamento.

[6] Foi ainda determinada a notificação aos pais «de que podem requerer no imediato a realização de conferência de pais para melhor concretização do regime de entregas, convívios e contatos da guarda partilhada».

[7] Recurso admitido «a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo».
[8] Retificou-se lapso manifesto.
[9] Idem.
[10] A factualidade em causa deverá ser conjugada com a indicada no ponto de facto anterior.
   Sempre se dirá que as declarações dos progenitores apontam no sentido de que a coabitação terá cessado em abril/maio de 2021 - cf. II. 3. e), infra - e que o relatório da Segurança Social de abril/2022 informa que “em junho (de 2021), a relação termina em definitivo”.

[11] Vide, entre outros, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 284 e 386 e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, 4ª edição, 2004, págs. 266 e seguinte.
[12]Refere-se no acórdão da RP de 20.3.2001-processo 0120037 (publicado no “site” da dgsi): A prova, por força das exigências da vida jurisdicional e da natureza da maior parte dos factos que interessam à administração da justiça, visa apenas a certeza subjetiva, a convicção positiva do julgador. Se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação da justiça.   
[13] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto (à exceção da operada transmutação do negrito da sentença em mero sublinhado).
   Os progenitores foram devidamente advertidos e esclarecidos pelo Mm.º Juiz do Tribunal a quo.
[14] Este [3)] o teor da “Declaração Médica” reproduzida a fls. 33 verso e seguinte, datada de 12.11.2021, sobre a qual recaiu a “Declaração Médica” de teor explicativo, e complementar, datada de 27.5.2022, reproduzida a fls. 72 verso e seguinte.
[15] Cf. II. 3. d) e “notas 13 e 14”, supra.

[16] Afigura-se correto o que escreve na resposta à alegação de recurso, mormente nos seguintes excertos: «(...) Pretende a recorrente que se deveria ter oficiado ao inquérito n.º 137/22.... do DIAP ..., onde lhe foi atribuído o estatuto de vítima especialmente vulnerável. / Mas ficou claro em julgamento que tal inquérito mantém-se na fase de investigação, inexistindo juízo algum acerca da factualidade denunciada – e que, aliás, a recorrente também não alega qual seja. / Mas o certo é que tal inquérito não se encontra autuado como incidindo sobre um crime de violência doméstica – que é a insinuação da progenitora com a invocação do estatuto de vítima especialmente vulnerável –, como é do conhecimento oficioso do Tribunal, mediante simples pesquisa no CITIUS, que ´infra` se reproduz: [cf. doc. de fls. 160 verso]. / E em sede de julgamento também ficou claro que não existe qualquer medida de coação aplicada ao progenitor, que aliás ainda nem sequer foi constituído arguido nesse inquérito. / Portanto, qualquer que seja a denúncia que originou a instauração de um inquérito que se encontra pendente, sem arguido constituído, nem medida de coação aplicada, a pretendida solicitação àquele processo de informações nunca permitiria julgar como provados os factos que a recorrente pretende que o ´Tribunal ad quem` julgue provados: enquanto não existir uma decisão judiciária acerca da factualidade denunciada, nenhum juízo existe acerca da denúncia da progenitora, que se tivesse de compatibilizar de algum modo com o juízo vertido na sentença recorrida. / Ou seja, nada no inquérito criminal pendente existia, à data do julgamento (nem na presente data), que pudesse trazer alguma luz sobre a matéria de facto controvertida objecto do julgamento nos presentes autos, pois nenhum dos progenitores tinha qualquer informação sobre aquele inquérito – o que implicava que nenhuma decisão havia sido tomada, até à data do julgamento, que pudesse ter interesse e influência no julgamento da matéria de facto ora posta em crise. / E isso era também conhecimento oficioso do Tribunal, mediante simples pesquisa no CITIUS: [cf. doc. de fls. 161].

[17] Isto é, no dizer da lei, tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso (art.º 988º, n.º 1, 2ª parte, do CPC).

[18] Nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, tendo a liberdade de se subtrair a esse enquadramento rígido e de proferir a decisão que lhe pareça mais equitativa (mais conveniente e oportuna), a que melhor serve os interesses em causa; salvaguardados os efeitos já produzidos, será sempre possível a alteração de tais resoluções com fundamento em circunstâncias supervenientes.
[19] Na redação conferida pela Lei n.° 61/2008, de 31.10.
[20] Redação conferida pela Lei n.º 65/2020, de 4 de novembro, que veio definir as condições em que o tribunal pode determinar a residência alternada do filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento dos progenitores, alterando o Código Civil.
[21] Na renumeração da Lei n.º 65/2020, de 04.11.

[22] Estatuição que faz lembrar os Princípios 2 e 8 da Recomendação n.º R (84) sobre as responsabilidades parentais, adotada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa em 28.02.1984, na 367ª reunião dos Delegados Ministeriais, e que havia sido preparada pelo Comité de Peritos sobre o Direito da Família instituído sob os auspícios do Comité Europeu de Cooperação Jurídica - Qualquer decisão da autoridade competente relativa à atribuição das responsabilidades parentais ou ao modo como essas são exercidas, deve basear-se, antes de mais, nos interesses dos filhos. O progenitor com quem a criança não reside deve, pelo menos, ter a possibilidade de manter relações pessoais com o filho, exceto quando essas relações prejudiquem seriamente os interesses deste.
[23] Regime aplicável a progenitores que, tendo vivido em condições análogas às dos cônjuges, cessem a sua convivência, assim como a progenitores que não vivam (nem viveram) em condições análogas às dos cônjuges - art.ºs 1911º e 1912º do CC (redação introduzida pela Lei n.º 5/2017, de 02.3).

[24] Vide Almiro Rodrigues, Interesse do Menor – Contributo para uma Definição, Revista de Infância e Juventude, n.º 1, 1985, págs. 18 e seguinte.
[25] Vide Rui Epifânio e António Farinha, Organização Tutelar de Menores – Contributo para uma visão interdisciplinar do direito de menores e de família, Almedina, 1987, pág. 326.
[26] Vide Armando Leandro, Poder Paternal: natureza, conteúdo, exercício e limitações. Algumas reflexões de prática judiciária, Temas do Direito da Família – Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Almedina, pág. 119.

[27] Abandonando o conceito de “guarda” da criança, adota-se o conceito de “residência” do filho [segundo Guilherme de Oliveira, a evolução foi no sentido de um abandono progressivo do uso das palavras “guarda”, direitos de “visita”, ao mesmo tempo que as leis passaram a recomendar ou a exigir “planos de parentalidade” que cumpram o objetivo de regular a convivência dos dois progenitores com o filho, sendo que a ideia de um dos progenitores com um papel principal foi desaparecendo nos Estados Unidos e na Europa – «Ascensão e queda da doutrina do “cuidador principal”, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Coimbra Editora 2011, Ano 8, nº16, p.16], que deverá ser determinada “de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro” (art.º 1906º, n.º 5 do CC) - cf., por exemplo, acórdão da RC de 27.4.2017-processo 4147/16.3T8PBL, publicado no “site” da dgsi.
   De qualquer modo cumpre igualmente distinguir os conceitos, que continuam a ser usados na doutrina e na jurisprudência, de “guarda exclusiva” – exercício exclusivo das responsabilidades parentais com residência exclusiva –, “guarda conjunta” – exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência exclusiva a um dos progenitores e um regime de visitas a outro –, “guarda alternada” – residência alternada com exercício exclusivo nos respetivos períodos de residência de cada um dos pais –, e “guarda compartilhada” como exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência alternada [assim sintetizado por Joaquim Manuel da Silva, A Família das Crianças na Separação dos Pais, a Guarda Compartilhada, Petrony Editora, 2016, pág. 45] - cf., nomeadamente, acórdão da RL de 07.8.2017-processo 835/17.5T8SXL-A-2, publicado no “site” da dgsi.
[28] A este propósito Katharina Boele-Woelki refere que «Normalmente, a residência habitual da criança é com um dos progenitores, mas os progenitores, num número cada vez maior de casos, acordam em fixar um modelo de residência alternada para o filho numa base de, por exemplo, 50:50 ou 60:40» - ´A harmonização do direito da família na Europa: uma comparação entre a nova lei portuguesa do divórcio com os princípios da CEFL sobre direito da família europeu`. In: Nova lei do divórcio (Grupo parlamentar do Partido Socialista), 2008, pág. 41.

[29] Neste sentido, cf., nomeadamente, os acórdãos da RG de 02.11.2017-processo 996/16.0T8BCL-C.G  [“(...) “só a residência alternada conclama os progenitores para a participação mútua na vida dos filhos, porque permite que os pais continuem a dividir atribuições, responsabilidades e tomadas de decisões em iguais condições, ou seja, tal regime permite concretizar o princípio da igualdade de ambos os progenitores, no exercício das responsabilidades parentais”. “(...) é o regime que melhor evita conflitos de lealdade e sentimentos de abandono ou de rutura afetiva (...).”], RP de 29.9.2022-processo 1777/21.5T8GDM.P1, RC de 27.4.2017-processo 4147/16.3T8PBL-A.C1, 24.10.2017-processo 273/13.9TBCTB-A.C1, 12.6.2018-processo 261/17.6T8VIS-A.C1, 11.12.2018-processo 1032/17.5T8CBR.C1, RC de 23.02.2021-processo 1671/18.7T8VIS-D.C1 [salientando que será, normalmente, a solução “mais adequada ao interesse da criança de manter uma relação o mais próxima possível com ambos os progenitores, de molde a que possa usufruir em pleno, e em termos paritários, do afeto, apoio e segurança que cada um deles lhe pode proporcionar. (...) é a solução que melhor permite a manutenção de uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades, sempre tendo em vista um ´tempo de qualidade` no convívio entre aquele com ambos os progenitores.”] e 12.7.2022-processo 264/22.9T8CNT-A.C1 [expendeu-se, nomeadamente, que «na residência alternada o menor continuará a estar com ambos os pais por períodos prolongados e equivalentes e poderá continuar a estabelecer com eles relações de salutar intimidade, pois quanto mais elevada for a frequência dos contactos, melhor conhecimento recíproco existirá» e que «a alternância de residências é uma solução adequada ao exercício conjunto das responsabilidades parentais desde que tal situação sirva os interesses dos filhos e possa ser implementada, mesmo que não exista acordo dos pais, salvo se o desacordo se fundamentar em razões factuais relevantes»; sumariou-se: «Tendo a criança 11 meses de idade; não tendo existido coabitação entre os progenitores, nem contatos frequentes entre a criança e o pai, a separação entre a criança e a mãe, para que possa conviver com o pai, deve fazer-se de modo gradual, dilatando-se progressivamente no tempo, sendo desaconselhável, nestas circunstâncias, a fixação do regime de residência alternada.»], RL de 28.6.2012-processo 33/12.4TBBRR.L1-8, 17.12.2015-processo 6001/11.6TBCSC, 24.01.2017-processo 954-15.2T8AMD-A.L1-7 [consta do sumário: «(...) o objetivo final do legislador é o de cimentar o contacto, tão próximo quanto possível, do filho com ambos os progenitores, de modo a que possa usufruir em pleno, e em termos paritários, do afeto, apoio e segurança que cada um deles lhe proporcionará. V - Havendo disponibilidade e condições de ordem prática e psicológica de ambos os pais, e não havendo circunstâncias concretas que o desaconselhem, a guarda/residência conjunta é o instituto com melhor aptidão para preservar as relações de afeto, proximidade e confiança que ligam o filho a ambos os pais, sem dar preferência à sua relação com um deles, em detrimento do outro, o que necessariamente concorrerá para o desenvolvimento são e equilibrado do menor e melhor viabilizará o cumprimento, por estes últimos, das responsabilidades parentais.»], 07.8.2017-processo 835/17.5T8SXL-A-2, 06.02.2020-processo 6334/16.5T8LRS-A.L1-2, 18.6-2020-processo 2973/18.8T8BRR.L1-2 e 12.01.2023-processo 7918/20.2T8SNT-E.L1-6 [constando do sumário: «Mesmo não existindo acordo entre os pais, a alternância de residências é uma solução adequada ao exercício conjunto das responsabilidades parentais – artigo 1906º do Cód. Civil –, salvo se o desacordo se fundamentar em razões factuais relevantes ou se mostrar que a medida não promove os interesses do filho, porquanto, em abstrato, é a situação que se encontra mais próxima da vivência em comum entre pais e filhos e melhor promove as vantagens daí resultantes para a criação, desenvolvimento e solidificação dos vínculos afetivos próprios da filiação.»] e da RE de 14.7.2020-processo 546/19.7T8PTM.E1 [sumariando-se: «(...) 2. A lei não exige o acordo de ambos os pais na fixação da residência alternada do filho, devendo a solução ser encontrada de acordo com o seu interesse e ponderando todas as circunstâncias relevantes. 3. A tal não obsta a circunstância da criança ter dois anos de idade, não apenas porque a partir desta idade é importante iniciar o processo de desmame, como estímulo à sua independência e promoção da sua inteligência e estruturação emocional, como os estudos realizados sobre esta matéria indicam que crianças que, desde cedo, vivem em regime de residência alternada possuem melhores indicadores de bem-estar emocional do que as que crescem em modelo de residência única.»] e 25.02.2021-processo 1583/19.7T8FAR.E1 [concluindo-se: «O critério orientador para a escolha do regime da residência alternada assenta no superior interesse da criança em manter com ambos os progenitores uma relação em moldes igualitários de grande proximidade com cada um deles e revela-se no acervo de circunstâncias factuais concretas e relevantes provadas nos autos, não sendo de afastar tal aplicabilidade mesmo em crianças de tenra idade.»], publicados no “site” da dgsi.  

   Numa perspetiva crítica e salientando os seus possíveis “malefícios”, cf., de entre vários, o acórdão da RP de 10.01.2012-processo 336/09.5TBVPA-B.P1, publicado no “site” da dgsi.

[30] Aludindo, nomeadamente, aos “subcritérios” enumerados por Helena Bolieiro e Paulo Guerra, em A Criança e a Família – uma questão de Direito(s), Coimbra Editora, 2009, pág. 185 e seguintes): «I) Fatores relativos à criança: - as suas necessidades físicas, religiosas, intelectuais e materiais; o seu sexo; a sua idade; o seu grau de desenvolvimento físico e psíquico; a continuidade das relações afetivas da criança; a adaptação da criança ao ambiente extrafamiliar de origem (escola, amigos, comunidade, atividades não escolares); os efeitos de uma eventual mudança de residência causados por uma rutura com este ambiente; o seu comportamento social; a sua preferência (verbalizada ou intuída). / II - Fatores relativos aos pais: - capacidade dos pais para satisfazer as necessidades do filho (qualidade e consistência das relações afetivas da criança a com os pais); o tempo disponível para cuidar deste; - a sua saúde física e mental; - o seu sexo (o princípio da atribuição da guarda ao progenitor que tem o mesmo sexo da criança); a continuidade das relações afetivas da criança; o afeto que cada um dos pais sente pelo filho; o seu estilo de vida e comportamento moral; (...) - a estabilidade do ambiente que cada um deles pode facultar ao filho; (...) / III) Outros fatores: - Condições geográficas: proximidade da casa de um dos pais da escola do filho; Condições materiais: características físicas de cada casa; possibilidade de criação de um espaço próprio para a criança; número de ocupantes da casa; Condições familiares: companhia dos outros irmãos (o princípio da não separação dos irmãos); a assistência prestada a um dos pais por outros membros da família (avós, por exemplo); a relação da criança com os novos cônjuges/companheiros dos progenitores.»
[31] E os “subcritérios” referidos na nota anterior.
[32] Vide, v. g., excertos dos relatórios reproduzidos em II. 3. f), supra.
[33] E podemos, porventura, lembrar as palavras de um filósofo-poeta da segunda metade do Séc. XIX, que dizia que “a criança é inocência e olvido, novo começar, jogo, roda que se move por si própria, primeiro móvel, afirmação santa.
[34] Vide, nomeadamente, T. Berry Brazelton e Syanley I. Greenspan, A Criança e o Seu Mundo – Requisitos Essenciais para o Crescimento e Aprendizagem, Editorial Presença, 5ª edição, 2006, págs. 22, 25, 50 e seguintes e 83 e seguinte.

[35] Será de admitir o tempo de viagem de aproximadamente 55/60 minutos com recurso a veículo automóvel.

[36] Veja-se, a propósito da situação em análise, o seguinte excerto do relatório da Segurança Social de junho/2022: “No que respeita às transições da criança para os convívios com o pai, AA refere que não existem dificuldades de relevo, ´ele vai bem ao pai` (sic), e que a própria procura agir no sentido de facilitar a transição, quer para a criança, quer a si própria, ´deixa-o com o pai e vira  costas, para ser mais fácil para todos` (sic). Considera que ´Quando a irmã (consanguínea) está junto, ele vai melhor`(sic).”

   Em determinadas situações, a jurisprudência mais recente vê a residência alternada como “a que mais potencial tem para diminuir a conflitualidade parental” - cf., por exemplo, os citados acórdãos da RL de 12.01.2023-processo 7918/20.2T8SNT-E.L1-6, 18.6-2020-processo 2973/18.8T8BRR.L1-2 [depois de aludir às posições da doutrina e da jurisprudência, considera existir «uma perspetiva mais otimista, que tende a considerar que a residência alternada terá a virtualidade de pacificar a situação de conflitualidade existente entre os progenitores, que alegadamente decorreria da guarda exclusiva atribuída à mãe, atenuando esse antagonismo, ou pelo menos não o agravando»; indica diversos arestos que perfilham esse entendimento, alguns dos quais referidos na “nota 29”, supra] e 24.01.2017-processo 954-15.2T8AMD-A.L1-7Cremos ainda não poder dizer-se, sem mais, que a guarda/residência alternada fomenta o conflito entre os progenitores; ao invés, cremos que pode até concorrer para desvanecer os conflitos eventualmente existentes, pois que, com ela, nenhum deles se sentirá excluído ou preterido no seu direito de se relacionar com o filho e de participar ativamente, em termos práticos e psicológicos, no seu desenvolvimento como ser humano, sendo sabido que o progenitor “preterido”, movido pelo sentimento de exclusão que a maioria das vezes o assola, é levado a deixar de cumprir as suas obrigações parentais.»].
[37] Cf. o citado acórdão da RL de 07.8.2017-processo 835/17.5T8SXL-A-2, designadamente, a respeito da discussão sobre a problemática a nível nacional e internacional, aresto que também nos dá conta das atuais tendências do direito da família e menores nalguns dos países europeus e do seu tratamento a nível das Organizações Internacionais.

[38] Cf. o cit. acórdão da RG de 02.11.2017-processo 996/16.0T8BCL-C.G.

   Versando sobre casos de crianças de tenra idade e/ou ponderando a aplicabilidade, nessas situações, do regime de residência alternada, cf., de entre vários, os citados acórdãos da RC de 12.7.2022-processo 264/22.9T8CNT-A.C1 e da RE de 14.7.2020-processo 546/19.7T8PTM.E1 e 25.02.2021-processo 1583/19.7T8FAR.E1.
[39] Cf., por exemplo, os citados acórdãos da RC de 24.10.2017-processo 273/13.9TBCTB-A.C1 e da RG de 02.11.2017-processo 996/16.0T8BCL-C.G.  
[40] A Segurança Social em resultado do acompanhamento à situação da criança no âmbito instrutório destes autos, nos relatórios de abril e junho de 2022, pronunciou-se favoravelmente à fixação da residência alternada, considerando, naquele primeiro relatório, que o requerido “reunirá os requisitos pessoais e parentais necessários para assumir uma parentalidade ativa e presente na vida do filho”; “a residência alternada será um regime que permitirá que a criança possa estabelecer uma equilibrada e continuada vivência em casa de cada um dos progenitores, e de conservar um relacionamento significativo e consistente com estas figuras parentais”.

[41] Dada a aventada pré-inscrição da criança em creche/jardim de infância por parte de ambos os progenitores [cf. relatório da Segurança Social de junho/2022 e II. 1. 38), supra], oportunamente, serão certamente conhecidas e avaliadas as circunstâncias dessa frequência, ponderando-se, por exemplo, “as vantagens/desvantagens da (eventual) frequência de dois equipamentos educativos distintos” (cf. parte final do relatório de junho/2022).
[42] Os pais devem saber pôr os filhos em primeiro lugar, mostrar civismo em prol dos filhos, pela simples razão de que “os filhos precisam de ambos”, cabendo ao tribunal “ajudar os pais a trabalhar em conjunto tendo em vista o bem-estar dos seus filhos” - vide, a propósito, T. Berry Brazelton e Syanley I. Greenspan, ob. cit., págs. 52 e seguintes.