PROCESSO DE INVENTÁRIO
NOMEAÇÃO DE CURADOR ESPECIAL
CRITÉRIOS DE NOMEAÇÃO
IRREGULARIDADE DA NOTIFICAÇÃO AO CABEÇA DE CASAL
PRAZO PARA A RESPECTIVA ARGUIÇÃO
Sumário

1 - A ter existido uma irregularidade na omissão da notificação da cabeça de casal, destinada a indicar pessoa para o exercício das funções de curador especial a um dos interessados, a arguição da respetiva nulidade devia ter sido suscitada quando a cabeça de casal tomou conhecimento do aludido despacho, sob pena da eventual nulidade ficar sanada decorrido o prazo para a sua arguição - artigo 195.º, n.º 1, 205.º, n.º 1 e 149.º, todos do CPC.
2  - Sendo necessário decidir entre duas pessoas, para efeitos de nomeação de uma delas como curador especial de um dos interessados, para receber a citação no processo de inventário, sendo uma delas familiar e a outra diretor do lar onde o interessado se encontra a residir, não havendo nada a desabonar a nomeação de qualquer uma delas, como, por exemplo, um qualquer conflito de interesses, o critério da proximidade familiar mostra-se relevante para decidir entre ambos, porquanto é o critério que a lei usa para nomear tutores aos menores carecidos de tutela (n.º 1, do artigo 1931.º do Código Civil).
3 - Os prazos previstos nos artigos 149.º e 638.º, ambos do CPC, não impedem que no mesmo despacho seja nomeado o curador e logo designado dia para a prestação do compromisso de honra e início de funções.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra,


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Juiz relator…………....Alberto Augusto Vicente Ruço

1.º Juiz adjunto………José Vítor dos Santos Amaral

2.º Juiz adjunto……….Luís Filipe Dias Cravo


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(…)

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Recorrente …………………..AA (cabeça de casal).

Recorridos…………………… BB;

…………………………………..CC, representado pela Curadora DD;

…………………………………..Ministério Público.


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I. Relatório

a) O presente recurso insere-se num processo de inventário e vem interposto pela cabeça-de-casal. Respeita à decisão de nomeação de curador especial ao interessado CC, proferida a 29/03/2022 e mantida por despacho de 28/09/2022.

Foi interposto recurso daquela primeira decisão de 29 de março e mantido o interesse no prosseguimento do recurso face ao teor da segunda decisão, de 28 de setembro, tendo a primeira sido anulada pelo facto do Ministério Público não ter sido ouvido antes de proferida aquela primeira decisão.

A recorrente restringiu, porém, o recurso às conclusões das alíneas c), d) e e).

O teor da segunda decisão, que manteve a primeira, é o seguinte:

«I. Nos presentes autos a requerente veio indicar como pessoa idónea para ser nomeada curadora especial ao interessado CC, DD, prima e cunhada da requerente, prima da cabeça-de-casal e sobrinha do interessado CC.

A cabeça-de-casal pronunciou-se pela nomeação do Director Técnico do Lar onde o interessado se encontra acolhido para ser nomeado na qualidade de seu curador especial, refutando a nomeação de DD nessa qualidade.

O Ministério Público pronunciou-se pela nomeação de DD como curadora especial do interessado.

Na esteira do doutamente promovido pela Digna Magistrada do Ministério Público, entendemos que sendo DD sobrinha do interessado CC e da sua falecida esposa EE, deverá, em primeira linha, ser atendida a proximidade familiar, caso inexistam conflitos de interesses.

Aliás, só seria de cogitar a nomeação do Director Técnico do Lar onde o interessado se encontra acolhido caso inexistisse outra pessoa idónea capaz de assumir as funções aludidas.

É que em causa está uma acção de inventário, não de uma acção de acompanhamento de maior.

Pela cabeça-de-casal não foi invocada nenhum motivo que afaste a nomeação de DD como curadora especial do interessado, alegando apenas que não obstante a relação de familiaridade, esta não passa de relações de mera cortesia.

Não se conhecendo nos autos, nem aos mesmos tendo sido dado noticia que a sobrinha do interessado DD seja pessoa inidónea para o exercício do cargo, nem se alcançando qualquer situação de conflito ou de comprometimento na defesa dos interesses do interessado CC, decide-se nomear DD como curadora especial do interessado CC – cfr. artigos 17.º e 20.º do Código de processo Civil. Notifique.»

b) É desta decisão, como se vem dizendo, que vem interposto recurso por parte da cabeça de casal, cujas conclusões são as seguintes:

«…C) É a cabeça de casal - e não a requerente do inventário – quem deveria ter sido notificada para, nos ternos do art. 20º CPC, indicar pessoa idónea;

D) o despacho recorrido é bastante parco na fundamentação de facto e de Direito;

E) A pessoa que, nos termos do art. 20º CPC deveria ser nomeado curador especial, seria o Diretor do Lar onde se encontra o interessado, por ser quem se encontra em situação de melhor representar o interessado

F) No despacho, dia 29.03.2022, a data designada pela Senhora Juiz a quo, para a tomada de compromisso de honra não respeitou o prazo previsto no art. 149º e do art. 638º CPC.

O despacho recorrido, decidindo como decidiu, violou, nomeadamente, o disposto nos arts. 17, nº 5º, 20º , Art. 154.º n.º 1 e na al. b) do n.º 1 do Art. 615.º, “ex vi” Art. 613.º n.º 3, do C.P.C, art. 149º e art. 638º todos do CPC.

Pelo exposto,

Considera a recorrente que o recurso interposto deve ter inteiro merecimento, julgando-se o mesmo provado e procedente e, deste modo, revogando-se o despacho recorrido, e:

- (…);

- ser a cabeça de casal notificada para que indique pessoa idónea, que deverá ser o Diretor do Lar de idosos onde se encontra o interessado incapaz de receber a citação; Assim se fazendo Melhor Justiça!»

c) Não há contra-alegações.

Não há.

II. Objeto do recurso.

As questões que este recurso coloca são as seguintes:

1 -  A primeira questão colocada pelo recurso consiste em verificar qual a relevância do facto da cabeça de casal não ter sido notificada pelo tribunal para indicar a pessoa que deveria ser nomeada curadora especial e de ter sido notificada para esse efeito a interessada que requereu o inventário.

2 – Em segundo lugar coloca-se a questão da eventual falta de fundamentação do despacho e respetiva nulidade – artigos 154.º n.º 1, al. b) do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C.

A Recorrente argumenta que não se trata do exercício de um poder discricionário e por isso, o despacho recorrido devia conter e não contém, a indicação dos normativos que justificam o indeferimento da pretensão da recorrente, ao invés de se limitar ao indeferimento com o argumento de haver «falta de fundamento legal».

Devia ter explicitado, «… o motivo pelo qual os normativos legais invocados pelo requerente não tinham aplicação no caso concreto, tornando assim sindicável a decisão judicial proferida.»

3 -  Em terceiro lugar, cumpre verificar se devia ter sido nomeado como curador especial o Diretor do Lar onde se encontra o interessado, por ser quem se encontra em situação de melhor representar o interessado.

4 - Por fim, coloca-se a questão relativa à data para a tomada de compromisso de honra.

A recorrente sustenta que a marcação de data para prestação do compromisso de honra do curador só devia ter acontecido depois de terem decorrido os prazos dos artigos 149.º e 638.º CPC, e não no próprio dia do despacho, no caso, no dia 29.03.2022.

III. Fundamentação

a) Matéria de facto

É de natureza processual e é a que resulta do relatório que antecede.

b) Apreciação das questões colocadas pelo recurso

1.ª - Recapitulando, a primeira questão respeita à relevância do facto do tribunal não ter ordenado a notificação da cabeça de casal para indicar a pessoa que deveria ser nomeada curadora especial.

Cumpre referir que esta questão, independentemente da sua pertinência substantiva, está processualmente sanada.

Com efeito, em 21 de março de 2022 foi proferido o seguinte despacho:

«Notifique a requerente para indicar pessoa idónea que possa ser nomeada curador especial nos termos do art.º 20 do CPC ao interessado CC para o representar no processo de inventário que com ele não concorra à herança da inventariada, sua mulher.»

Este despacho foi notificado via «Citius» à cabeça de casal no dia seguinte e, após a requerente do inventário (BB) ter indicado para o cargo de curador especial a Sra. DD, a cabeça de casal deduziu oposição a esta nomeação, através de requerimento incorporado nos autos em 28 de março de 2022.

Por conseguinte, a ter existido uma irregularidade na omissão da notificação do cabeça de casal para indicar pessoa para o exercício das funções de curador especial, tratou-se de nulidade cuja arguição devia ter sido logo levantada, quando a cabeça de casal tomou conhecimento do aludido despacho de 21 de março de 2022.

Não o tendo feito, a eventual nulidade ficou sanada, como resulta do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC onde se dispõe que «Fora dos casos previstos nos artigos anteriores [ ou seja, falta ou nulidade da citação, erro na forma de processo ou no meio processual e falta de vista ou exame ao Ministério Público como parte acessória], a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.»

Em conjugação com o referido no n.º 1 do artigo 205.º do mesmo código onde se diz que «Quanto às outras nulidades, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.», a arguir no prazo geral de 10 dias previsto no artigo 149.º do mesmo código.

Por conseguinte, esta problemática ficou resolvida.

Por estas razões, a colocação desta questão em sede de recurso improcede, porque é uma questão sanada e não uma questão pendente de resolução.

2 – Vejamos agora se ocorre falta de fundamentação do despacho e respetiva nulidade – artigos 154.º n.º 1, al. b) do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C.

A Recorrente argumenta que não se trata do exercício de um poder discricionário e por isso, o despacho recorrido devia conter e não contém, a indicação dos normativos que justificam o indeferimento da pretensão da recorrente, ao invés de se limitar ao indeferimento com o argumento de haver «falta de fundamento legal».

Devia ter explicitado, «… o motivo pelo qual os normativos legais invocados pelo requerente não tinham aplicação no caso concreto, tornando assim sindicável a decisão judicial proferida.»

Vejamos.

Nos termos da al. b), do n.º 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil a sentença é nula quando «Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão...»

Não ocorre esta nulidade.

A falta de fundamentação da sentença é um vício de natureza processual que tem a ver com a forma do ato «sentença» prescrita na lei processual, mas não com a matéria substantiva de que trata o processo.

Como referiram os autores Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio Nora, «A segunda causa de nulidade contemplada na disposição é a falta de fundamentação da sentença. Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito» - Manual de Processo Civil, 2.ª edição revista e actualizada. Coimbra Editora, 1985, pág. 687.

Na jurisprudência o entendimento é o mesmo como se vê pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-12-2005 (Araújo Barros), em www.dgsi.pt, com referência ao n.º 05B2711:

«Para que uma decisão careça de fundamentação (incorrendo na nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 668º do C.Proc.Civil) não basta que a sua justificação seja deficiente, incompleta ou não convincente: é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito» (sumário).

No mesmo sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-1-2014 (Gabriel Catarino), no processo n.º 1032/08.6TBMTA, em www.dgsi.pt:

«III - Só a total falta de fundamentação – e não a fundamentação deficiente, acrática e errática – induz a nulidade da decisão por falta de fundamentação (al. b) do n.º 1 do art. 615.º ex vi dos arts. 666.º e 679.º, todos do CPC)».

Não há qualquer dúvida que a sentença se encontra fundamentada de facto e de direito, sendo certo que a questão colocada pela Recorrente como fundamento de nulidade constitui matéria atinente ao aspecto substantivo do recuso.

Ora, como se vê do despacho que acima se deixou transcrito, o despacho encontra-se fundamentado, pois indica que nomeia a pessoa que nomeou por ser familiar e «inexistam conflitos de interesses» entre ambos e que «…só seria de cogitar a nomeação do Director Técnico do Lar onde o interessado se encontra acolhido caso inexistisse outra pessoa idónea capaz de assumir as funções aludidas» e indicou como normas aplicadas os artigos 17.º e 20.º do CPC.

E ao apresentar esta justificação arredou as razões indicadas pela requerente.

Aliás, como referiu o Prof. Alberto dos Reis, «Uma coisa deve ter-se como certa: O tribunal não está obrigado a analisar e apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas produzidas pelas partes (…) Desde que a sentença invoque algum fundamento de direito, está afastada a nulidade do n.º 2 no tocante à justificação jurídica da decisão» - Código de Processo Civil Anotado, Vol. V (Reimpressão). Coimbra Editora, 1984, pág. 141.

Improcede, pelo exposto a invocada nulidade da sentença.

3 -  Vejamos agora se devia ter sido nomeado como curador especial o Diretor do Lar onde se encontrava o interessado, por ser quem se encontra em situação de melhor representar o interessado.

A resposta é negativa pelas seguintes razões:

Quer a Sra. DD, quer o Diretor do Lar podiam ser nomeados para o cago de curador especial do interessado CC.

Havendo que decidir entre ambos, não havendo nada a desabonar a nomeação de qualquer um deles, como, por exemplo, um qualquer conflito de interesses, o critério da proximidade familiar mostra-se relevante para decidir entre ambos.

Com efeito, é o critério que a lei usa para nomear tutores aos menores carecidos de tutela.

Como se dispõe no n.º 1, do artigo 1931.º do Código Civil, «Quando os pais não tenham designado tutor ou este não haja sido confirmado, compete ao tribunal de menores, ouvido o conselho de família, nomear o tutor de entre os parentes ou afins do menor ou de entre as pessoas que de facto tenham cuidado ou estejam a cuidar do menor ou tenham por ele demonstrado afeição.»

Ora, por igualdade de razões, deve ser também este o critério a adotar no presente caso.

Improcede, pelo exposto, a pretensão recursiva da Recorrente.

4 – Vejamos, por fim, se a marcação de data para prestação do compromisso de honra por parte do curador nomeado só devia ter acontecido depois de terem decorrido os prazos dos artigos 149.º e 638.º, ambos do CPC, e não no próprio dia do despacho.

A resposta é negativa

Com efeito, nada impede que seja nomeado um curador e que seja logo designado dia para a prestação do compromisso de honra e início de funções.

Por um lado, a celeridade processual recomenda que se concentrem o máximo de decisões num só despacho e, por outro lado, a tomada de decisões ou a prática de atos processuais decorrentes dessas decisões não determina que ocorra qualquer lapso de tempo predefinido entre eles.

Nem que decorra o prazo de 10 dias previsto para as partes praticarem atos, pois é um prazo dirigido às partes, nem o prazo do n.º 1 do artigo 638.º do CPC, que é o prazo para interpor recurso.

Aliás, neste último caso, o recurso tem efeito devolutivo – artigo 647.º, n.º 1, do CPC –, o que mostra que o efeito do recurso não tem qualquer influência sobre o andamento do processo, nada impedindo, por isso, que no próprio despacho de nomeação do curador se indicasse logo a data para o respetivo compromisso.

Improcede, pelo exposto, este argumento recursivo.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente (sem prejuízo do apoio judiciário).


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Coimbra, 28 de fevereiro de 2023