COMPETÊNCIA
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
CONEXÃO DE PROCESSOS
SEPARAÇÃO DE PROCESSOS
PRORROGAÇÃO DA COMPETÊNCIA
PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL
IMPEDIMENTOS
Sumário

I – A determinação da competência dos tribunais criminais para o conhecimento e julgamento da causa é sempre feita por referência aos factos, relevando o crime concretamente imputado, a pena aplicável e o local da consumação.
II – Da regra de que a cada crime corresponde um processo, para o qual é competente determinado tribunal, em resultado da aplicação das regras de competência material, funcional e territorial, decorre a excepção da conexão de processos, para os casos em que se verifique uma qualquer das situações enumeradas no nº 1 do artigo 24.º do Código de Processo Penal, bem como no caso do artigo 25.º.
III – Em caso de conexão organiza-se um só processo e se já tiverem sido instaurados processos distintos serão todos apensados ao processo a que respeitar o crime que determinou a conexão, conforme determina o artigo 29.º do Código de Processo Penal, sendo a competência do tribunal para conhecer os processos conexos determinada em conformidade com o artigo 28.º.
IV – Quando a conexão cessar, nos termos do artigo 30.º do Código de Processo Penal, a competência determinada pela conexão mantém-se, como impõe a alínea b) do artigo 31.º.
V – A invocação de impedimento por participação em processo, ao abrigo do artigo 40.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, não gera a incompetência do juiz para participar em julgamento de processo resultante de separação de culpas

Texto Integral


No âmbito do processo nº 472/21...., o Ministério Público junto da Comarca ... deduziu acusação, em processo comum, para julgamento em tribunal colectivo, contra os arguidos AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ e KK, imputando:

- aos arguidos AA, BB, CC, FF, GG e HH os crimes de rapto agravado, na forma tentada, actos preparatórios (casamento forçado), na forma consumada, homicídio qualificado, na forma tentada, detenção de arma proibida, na forma consumada, violação de domicílio agravado, na forma consumada, ofensa à integridade física agravada, na forma consumada, e dois crimes de ameaça agravada, na forma consumada;

- aos arguidos AA, BB, CC, EE, FF e GG, em concurso efectivo com os crimes acima referidos, e II e JJ um crime de rapto agravado, na forma consumada, e um crime de actos preparatórios (de casamento forçado), na forma consumada;

- ao arguido EE, em concurso real com os crimes acima imputados, um crime de resistência e coacção sobre funcionário, na forma consumada;

- à arguida KK um crime de favorecimento pessoal, na forma tentada.

Este processo foi distribuído ao Juízo Central Criminal ... – Juiz 2, sendo o tribunal que realizou o respectivo julgamento constituído pela senhora juíza LL, como juíza presidente, e pelos senhores juízes MM e NN, como juízes adjuntos.

Na primeira sessão do julgamento do processo nº 472/21...., ocorrida em 20-9-2022, foi proferido o seguinte despacho:

«Da análise dos autos constata-se que em nenhum momento até ao presente a arguida JJ compareceu nos autos, designadamente para ser constituída arguida ou prestar Termo de Identidade e Residência (T.I.R.) válido, o que tudo determinou que, chegados ao início da audiência de discussão e julgamento, a mesma não tem T.I.R. válido e eficaz no processo e não se mostra regularmente notificada para

comparecer na presente audiência.

… deferindo o promovido pelo Ministério Público, nos termos do disposto nos artigos 30.º, n.º 1 a), b) e c) e 31.º, b) do Código de Processo Penal, com fundamento na falta de prestação de T.I.R. e de notificação da arguida JJ nos presentes autos, determina-se a separação de processo, relativamente à mesma, para ser julgada em separado …

Extraia certidão integral e remeta à distribuição, nos termos do artigo 31.º, b) do Código de Processo Penal, para prosseguimento desse processo contra a arguida JJ …».

Em 15-11-2022 foi proferido acórdão no referido processo nº 472/21.....

A certidão extraída deste processo, referida acima, deu origem ao processo nº 4066/22.....

O processo nº 4066/22.... foi apresentado à senhora juíza LL que, em 2-11-2022, proferiu o seguinte despacho:

«… a Signatária integra como Juiz Presidente o Tribunal Colectivo que realiza o julgamento nos autos originários nº 472/21...., do qual foi extraída certidão … que deu origem aos presentes autos …

Sucede que, muito recentemente, o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra em douta decisão proferida em 11-7-2022 nos autos de processo comum colectivo 4242/18.... (mais concretamente, em conflito negativo de competência apenso apenso aos mesmos autos – apenso A), deste mesmo Juiz 2 do Juízo Central Criminal ... produziu jurisprudência na qual verteu novo entendimento jurídico, no sentido de que os juízes do tribunal colectivo que julgaram os autos originários de onde foi extraída certidão para separação de culpas e julgamento de um arguido em separado, que deu origem aos novos autos a julgar, se encontram impedidos de integrar o tribunal colectivo no novo processo resultante da certidão extraída em virtude de já terem formado e expressado a sua convicção, quer quanto à factualidade alegada, quer quanto à prova constante dos autos e da prova produzida em audiência.

… consta da referida douta decisão …:

«O Sr. Juiz do Juízo Central Criminal ..., Dr. OO declarou-se impedido de participar, nos termos do art. 40º, al. c) do CPP no julgamento do arguido PP, uma vez que integrou o Tribunal que procedeu a um outro julgamento “... em que apreciou a factualidade (e a respectiva prova) em que se suporta a imputação ao arguido QQ e demais arguidos entre os quais o arguido PP a prática em coautoria de fraude fiscal qualificada”, apesar daquele arguido não ter sido julgado nesse processo, por ter sido declarado contumaz.

Face ao referido, a Srª Juiz Presidente da Comarca ... nomeou o Sr. Juiz RR para compor o Tribunal Colectivo em substituição daquele outro Magistrado Judicial.

Magistrado que considerou não se verificar in casu o alegado impedimento, aliás sequer legalmente previsto, pois que, considerou, “... nunca o Sr. Juiz julgou o arguido PP. Não foi realizado um juízo qualquer (...) de culpabilidade em relação ao arguido PP. “... para o arguido e para o Sr. Juiz impedido trata-se de julgamento novo, quer porque o arguido não foi julgado quer porque a produção de prova é realizada de novo.”

II. Fundamentação.

A) Preliminarmente, contudo, importa verificar se estamos perante um conflito de competência, nos termos em que o incidente é definido no art. 34º do Código de Processo Penal.

A lei é clara sobre os pressupostos legais do conflito referido. Consiste na divergência entre dois ou mais tribunais em relação ao conhecimento de um feito jurídico-criminal, e surge quando mais do que um tribunal da mesma espécie (v.g. tribunal judicial) ou de espécie diversa (v.g. tribunal judicial e tribunal não judicial) se reconhecem ou não se reconhecem competentes para investigar e apurar a existência de um crime cuja prática é atribuída ao mesmo arguido.

… no vertente caso, é apodíctico não existir um conflito típico porquanto, desde logo, um dos Sr.os Juízes em conflito alicerçou a declarada incompetência no seu impedimento para a efectivação do julgamento já referenciado.

Porém, sendo irrecorrível o despacho em que o juiz se considere impedido (cfr. art. 42º, nº 1, do CPP), sem intervenção deste tribunal, a situação exposta redundaria, no domínio do acto em causa, numa paralisia da relação processual penal, impasse que me leva a considerar verificar-se um conflito de competência atípico, definidor de uma situação que urge solucionar.

B) O processo que nos ocupa teve a sua génese em certidão extraída do anterior processo no qual o aludido Sr. Juiz interveio no julgamento ali realizado, sendo o seu objecto em tudo idêntico.

Pese embora o labor argumentativo do Sr. Juiz “impugnante”, parece-nos fora de dúvida o acerto do afirmado. Com efeito, a imparcialidade na apreciação da responsabilidade criminal assacada ao arguido pode estar comprometida, sendo, por isso, aceitável e exigível que se proceda à sua substituição no julgamento que irá realizar-se no âmbito do processo “separado”.

III. Dispositivo

Posto o que precede, decidindo o presente conflito negativo, atribuo competência para o julgamento a realizar no âmbito dos autos acima individualizados ao Sr. Juiz RR».

Ora, este Juízo Central Criminal ... é parte integrante do Distrito Judicial de Coimbra e está sujeito à jurisprudência emanada pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra.

A novel jurisprudência vertida na douta decisão supra transcrita vincula e é de cumprimento obrigatório por parte dos juízes que integram este Juízo Central Criminal ... … a sua implementação e cabal cumprimento importa necessariamente importa a sua pronta e integral extensão a todos os processos deste Juízo Central Criminal, sob pena de violação do princípio da igualdade, da violação das regras de iguais condições de imparcialidade por parte do Tribunal e do direito de ser julgado por um Tribunal imparcial e, bem assim, de desigual tratamento e criação de iníqua distribuição do serviço entre os diversos Juízes em funções neste Juízo Central Criminal ....

Termos em que … pelos fundamentos expostos e nos termos do disposto no art. 40º al. c) do Cód. Proc. Penal, em virtude de presidir ao Tribunal Colectivo que procede ao julgamento do processo CC nº 472/21...., nos quais se apreciou a factualidade (e a respectiva prova) em que se suporta a imputação aos co-arguidos, entre os quais a aqui arguida JJ … declaro-me impedida de intervir no julgamento dos presentes autos CC 4066/22.... …

Após, concluam-se os autos ao Exmo. Colega Sr. Dr. MM, Juiz Titular do Juiz 3 deste JCC de ..., e que igualmente integra o Tribunal Colectivo dos autos CC 472/21.... como 1º Juiz Adjunto».

Em 4-11-2022 o senhor juiz MM proferiu o seguinte despacho: «Por sufragar inteiramente o doutamente explanado no despacho proferido pela minha Exma. Colega … tendo eu integrado como juiz adjunto o colectivo que julga o Proc. 472/21...., remeto para tal despacho, declarando-me também impedido para presidir/integrar o presente colectivo.

Conclua à Exma. (colocada no Juiz 4), que é minha substituta legal».

Em 10-11-2022 a senhora juíza NN proferiu o seguinte despacho: «Na senda do doutamente referido nos despachos proferidos pela minha Exma. Colega … e pelo meu Exmo. Colega …, tendo eu integrado como juíza adjunta o colectivo que julga o Proc. 472/21...., remeto para tal despacho, declarando-me também impedida para presidir/integrar o presente colectivo.

Conclua à Exma. Colega (colocada no Juiz 1), que é minha substituta legal».

Apresentado o processo à senhora juíza SS, colocada no J1 do Tribunal Central Criminal ..., em 11-11-2022 esta proferiu o seguinte despacho:

«Os presentes autos correspondem a certidão extraída do Processo 472/21...., do J2 deste Juízo Central Criminal, por força do desconhecimento do paradeiro da arguida JJ (não declarada contumaz e não obstante a prestação de TIR pela mesma no decurso da audiência do mencionado processo) …

Os Mmos. Juízes que se encontram a proceder ao Julgamento do Processo 472/21.... (J2, J3 e J4 deste JCC) declararam-se impedidos de proceder ao julgamento dos presentes autos, fundados na previsão da alínea c), do nº 1, do artigo 40º do CPP.

Nos termos do disposto no artigo 31º, alínea b), do CPP, a competência determinada por conexão mantém-se para conhecimento do processo separado.

O processo separado constitui novo processo, e não o mesmo processo, motivo pelo qual o julgamento do mesmo não integra o previsto na alínea c) do nº 1 do artigo 40º do CPP.

Encontra-se expressamente prevista na lei a competência dos Mmos. Juízes do J2, J3 e J4 para julgamento dos presentes autos.

Considera-se, por isso, ilegal e infundada a declaração de impedimento constante dos autos, e, em consequência, não se aceita a pretendida substituição.

Assim, não resta senão suscitar perante o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra o respetivo conflito de competência, para conhecimento e decisão da respetiva matéria, o que se passa a fazer de imediato, de modo a obviar a maiores delongas e constrangimentos ao normal andamento dos autos.

Em face do exposto, e face à ilegalidade da declaração de impedimento constante dos autos, entende-se que a Signatária não tem competência para intervir nos autos, o que se declara.

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CONFLITO NEGATIVO ATÍPICO DE COMPETÊNCIA

Exmo. Senhor Presidente da Seção Criminal Do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra,

SS, Juiz do J1 do Juízo Central Criminal ..., face à declaração de impedimento proferida pelos Juízes do J2, J3 e J4 do respetivo Juízo Central Criminal, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 12º, nº 5, 34º, nº 1 e 35º, nº 1 do CPP, suscitar perante V. Exas. o presente

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA

Nos termos e pelos fundamentos que seguem:

1º - Os presentes autos correspondem a certidão extraída do Processo 472/21...., do J2 deste Juízo Central Criminal, por força do desconhecimento do paradeiro da arguida JJ (não declarada contumaz e não obstante a prestação de TIR pela mesma no decurso da audiência), a quem se imputa a prática de um crime de rapto agravado (p. e p. pelo artigo 161º, nº 1, alíneas b) e d) e nº 2, alínea a), por referência ao artigo 158º, nº 2, alínea e) do Código Penal) e de um crime de atos preparatórios (de casamento forçado), p. e p. pelo artigo 154ºC, por referência ao artigo 154º-B, ambos do Código Penal).

2º - O mencionado processo corre seus termos no J2 do Juízo Central Criminal ..., encontrando-se a ser julgado pelos J2, J3 e J4 do respetivo Juízo.

3º - Fruto da mencionada separação processual, foram os autos presentes à Mma. Juíza do J2, que proferiu declaração de impedimento, juntamente com os Mmos. Juízes do J3 e J4 do JCC, fundados na alínea c) do nº 1 do artigo 40º do CPP – realização de julgamento anterior no mesmo processo.

4º - Os presentes autos não se confundem com o processo onde foi determinada a separação e a arguida dos presentes autos não foi ainda julgada, pelos factos imputados, pelos Mmos. Juízes que se declaram impedidos.

5º - Os Mmos. Juízes que se declararam impedidos não formularam qualquer juízo acerca da responsabilidade criminal da arguida JJ, nem apreciaram a prova que funda a responsabilidade da mesma.

6º - Nas declarações de impedimento constantes dos autos não é alegado qualquer facto que funde o impedimento previsto no artigo 40º, nº 1, alínea c) do CPP, ou qualquer outra circunstância que obste ao conhecimento dos autos.

7º - Nos termos do disposto no artigo 31º, alínea b), do CPP, a competência determinada pela conexão mantém-se para conhecimento do processo separado.

8º - Os Mmos. Juízes do J2, J3 e J4 não se encontram impedidos de intervir no julgamento dos presentes autos, pese embora assim o hajam declarado nos autos.

9º - Assim, não se aceita, porque ilegal, a referida declaração de impedimento, e, por tal facto, se requer a V. Exas. que dirimam o presente conflito atípico negativo de competência, para julgamento dos autos, decidindo-se que o julgamento dos mesmos será realizado pelos Mmos. Juízes que julgam o processo que determinou a separação, cfr. previsto no artigo 31º, alínea b), do CPP.

10º - No mesmo sentido já se pronunciou inclusive esse Venerando Tribunal da Relação de Coimbra (assim como os demais Venerandos Tribunais Superiores), no âmbito, entre outros, do Acórdão de 25.02.2022 (publicado in www.dgsi.pt), no qual se estabelece, a tal propósito, que: ‘A prorrogação da competência prevista no artigo 31º, alínea b) do CPP, não determina, de algum modo, a verificação de qualquer situação de impedimento legal prevista no artigo 40º do mesmo diploma’.

11º - Os motivos de impedimento previstos no artigo 40º, nº 1 do CPP são taxativos e neles não se mostra incluído o impedimento por julgamento anterior de outros arguidos em outro processo, como se pretende com o impedimento declarado nos autos.

12º - A violação das regras de competência do Tribunal (nas quais se incluem as regras da competência por conexão) constitui ainda nulidade insanável, de conhecimento oficioso, em qualquer fase do procedimento, cfr. artigo 119º, alínea e) do CPP.

13º - Por outro lado, conforme se estabeleceu no Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de Março de 1997, CJ XXII, Tomo II, p. 141: A circunstância de um juiz ter presidido ao tribunal coletivo que julgou e condenou vários arguidos pela prática dos mesmos factos de que são também acusados outros não constitui motivo de suspeição impeditivo de proceder também ao julgamento destes por tais factos.

14º - Tanto assim não é que expressamente prevê o artigo 31º, alínea b), do CPP que, em tais casos, se mantém a competência por conexão para julgamento do processo separado.

15º - Defender o contrário afronta o Princípio do Juiz Natural, constitucionalmente consagrado (artigo 32º, nº 9 da Constituição da República Portuguesa), segundo o qual intervém no processo o juiz que o deva segundo as regras de competência.

16º - Acresce que, atento o quadro de juízes deste Juízo Central Criminal [composto por quatro juízes], a consecutiva declaração de impedimento de três deles representará (além de sucessivos conflitos de competência) a consecutiva substituição por dois juízes de outra jurisdição, com vista à formação do Tribunal Coletivo …

17º - devendo, também por isso, as situações de impedimento ser criteriosamente apreciadas e assentes nos mais estritos critérios de legalidade – o que nos impede de comungar ou compactuar com o novel entendimento dos Mmos. Juízes declarados impedidos nos autos.

19º - O Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que funda o despacho de impedimento proferido nos presentes autos não constitui caso julgado formal nem material, sendo diferentes os sujeitos processuais e a matéria em apreciação nos mesmos.

20º - Note-se que a questão em apreciação no referido Acórdão respeitava à mera intervenção de Juiz Adjunto do Tribunal Coletivo, não se questionando a competência do Juiz Presidente do Coletivo, já que a declaração de impedimento foi aceite pelo Juiz substituto, titular dos autos à data do conflito.

Nos termos e pelos fundamentos supra expostos, face ao impedimento declarado pelos J2, J3 e J4 deste Juízo Central Criminal e à não aceitação de tal declaração de impedimento por banda da Signatária, porque infundada e ilegal, requer-se a V. Exas. que dirimam o presente conflito atípico negativo de competência e, em consequência, decidam pela ilegalidade das declarações de impedimento proferidas nos presentes autos e, ainda, que o julgamento dos mesmos incumbe aos Mmos. Juízes declarados impedidos, em conformidade com o previsto no artigo 31º, alínea b) do CPP.

…».

O sr. P.G.A. pronunciou-se no sentido de não assistir razão aos juízes que se declararam impedidos, invocando para tanto o disposto na al. c) do nº 1 do art. 40º do C.P.P., por esta norma se dever considerar aplicável apenas a quem tenha participado em julgamento anterior no mesmo processo, ou seja, quanto aos mesmos factos e ao mesmo arguido. Entendimento diferente tornaria sem sentido o disposto na al. b) do art. 31º, quando a separação de processos conexos fosse determinada no decurso da fase de julgamento, ao abrigo do disposto no art. 30º do mesmo diploma.

E o argumento de que este entendimento deve ser afastado porque o conhecimento dos factos e das provas por parte dos membros do tribunal põe em causa a imparcialidade exigível na administração da justiça não pode ser considerado porque essa não foi a opção do legislador quando estabeleceu a lista taxativa de impedimentos …

Além disso, concluiu, a mera tomada de conhecimento dos meios de prova eventualmente relevantes para efeitos de tomada de decisão quanto à objectiva prática de um crime não acarreta nem pode acarretar a formação de qualquer convicção quanto à culpabilidade dum arguido ainda não julgado.

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DECISÃO

A jurisdição, enquanto realização do direito, é uma função soberana do Estado e é exercida pelos tribunais.

A jurisdição é una, mas divide-se em função do direito substantivo a que respeita e relativamente aos tribunais aos quais compete. No que respeita às questões criminais, a função jurisdicional incumbe ao Tribunal Constitucional, aos tribunais judiciais e aos tribunais militares – art. 202º, 209º, 211º e 213º da Constituição da República Portuguesa.

Depois, quanto à efectividade desta função jurisdicional, a determinação da competência dos tribunais criminais para o conhecimento e julgamento da causa é sempre feita por referência aos factos, relevando o crime concretamente imputado, a pena aplicável e o local da consumação.

Não obstante não haver norma expressa nesse sentido, decorre do disposto no art. 262º do C.P.P., das normas de competência material, funcional e territorial, bem como do disposto no art. 29º, a contrario, a regra de que a cada crime corresponde um processo, para o qual é competente determinado tribunal, em resultado da aplicação das regras de competência material, funcional e territorial – despacho proferido em 21-6-2013, no processo 1244/12.8TBPRT-A.P1.

E é em função desta regra geral que a lei estabelece depois, como regra excepcional, a conexão de processos para os casos em que se verifique uma qualquer das situações enumeradas no nº 1 do art. 24º do C.P.P., bem como no caso do art. 25º.

Nestas situações organiza-se um só processo e se já tiverem sido instaurados processos distintos serão todos apensados ao processo a que respeitar o crime que determinou a conexão, conforme determina o art. 29º do C.P.P.  

Quanto ao tribunal competente para conhecer dos processos conexos, este é determinado em conformidade com o art. 28º do C.P.P.

Prevendo a lei o a possibilidade de conexão, a lei também contempla os casos em que a conexão pode cessar, conforme estabelece o art. 30º, dando lugar à separação de processos.

No entanto, apesar desta separação física de processos, a competência determinada pela conexão mantém-se, tal como impõe a al. b) do art. 31º quando diz que «a competência determinada por conexão, nos termos dos artigos anteriores, mantém-se:

b) Para o conhecimento dos processos separados nos termos do n.º 1 do artigo 30.º».

Todas estas regras da competência visam a defesa do princípio do juiz natural, constitucionalmente consagrado no art. 32º, nº 9, nos termos do qual na decisão da causa intervém o juiz determinado pelas regras gerais e abstractas constantes das leis processuais e de organização judiciária, com proibição da criação de uma competência excepcional de um concreto tribunal para uma concreta causa.

Assim, considerando os factos descritos na acusação deduzida pelo Ministério Público no processo nº 472/21.... e as regras de determinação da competência, a competência para proceder ao julgamento do processo nº 4066/22.... caberia ao J2 do Juízo Central Criminal ....

Nos termos do art. 34º, nº 1, do C.P.P. «há conflito, positivo ou negativo, de competência quando, em qualquer estado do processo, dois ou mais tribunais, de diferente ou da mesma espécie, se considerarem competentes ou incompetentes para conhecer do mesmo crime imputado ao mesmo arguido».

Os senhores juízes J2, J3 e J4 do Juízo Central Criminal ... recusaram realizar o julgamento dos presentes autos invocando, como fundamento, a decisão proferida no processo nº 4242/18...., bem como o teor do art. 40º, al. c), do C.P.P.

Ou seja, não fundamentaram a decisão com a violação de qualquer regra de determinação da competência.

De facto, não é de competência do tribunal que trata o presente litígio.

Não obstante não o ser – e retomando o argumento invocado nos despachos proferidos nos processos nº 4242/18.... e 4242/18.... -, se este tribunal da relação recusasse intervir na decisão da questão a tramitação dos presentes autos correria o risco de cair numa situação de paralisação sem fim à vista, dada a irrecorribilidade do despacho em que o juiz se considera impedido.

Quando as normas de determinação da competência ponham em causa outros princípios fundamentais, a lei criou válvulas de segurança obviando à efectivação desses perigos, através da figura dos impedimentos, recusas e escusas.

Os impedimentos de participação em processo, enumerados nos art. 39º e 40º do C.P.P., têm que ver com razões objectivas e não com qualquer juízo de desconfiança dirigido ao juiz visado.

Como é unanimemente entendido, a norma do art. 40º do C.P.P. visa tutelar a confiança dos cidadãos na administração da justiça garantindo a imparcialidade do juiz, mesmo nos casos em a situação radica numa circunstância objectiva, não gerada, portanto, pelo juiz impedido.

Um desses impedimentos, constantes do art. 40º, nº 1, al. c), respeita à proibição de participação do juiz em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a processo em que tiver participado em julgamento anterior.

Como resulta expressamente da norma, o impedimento obsta o juiz de participar em processo no qual tiver participado em julgamento anterior, ou seja, impede participações sucessivas do mesmo juiz em julgamentos do mesmo processo.

No caso dos autos não está em causa o mesmo processo e o facto de este segundo processo resultar de certidão do processo em que os juízes que suscitaram o conflito intervieram é irrelevante, porque desse facto não resulta que o processo seja o mesmo processo.

Como refere o acórdão do S.T.J. proferido no processo 36/09.6GAGMR.G1-A.S1, as causas de impedimento são as taxativamente previstas nas al. a) a e) do art. 40º, nº 1, do C.P.P., constituindo elemento comum de todas elas a intervenção do juiz em fase anterior do processo.

Se o juiz que interviesse em julgamento de um processo ficasse impedido de julgar factos de um outro processo resultante de separação de culpas, era incompreensível que o mesmo legislador tivesse consignado, na al. b), do art. 31º do C.P.P., que a competência determinada pela conexão se mantém para o conhecimento dos processos separados ao abrigo do nº 1 do art. 30º.

A lei tem que ser interpretada em respeito pela sua letra e pelo espírito do legislador e de forma harmoniosa.

Assim, e não obstante o muito respeito pelo decidido no processo nº 4242/18...., defendo que a interpretação mais consentânea com as normas legais em análise é entender que a intervenção de juiz em processo que resultou de certidão de processo no qual teve intervenção em julgamento não gera a sua incompetência para intervir na tramitação e julgamento deste segundo processo.

Concluo, do exposto, que compete à senhora juíza que tramitou e julgou os factos constantes do processo nº 472/21.... tramitar e julgar os factos constantes do processo nº 4066/22...., em obediência ao princípio da prorrogação da competência, estabelecido no art. 31º do C.P.P. 

Na decorrência desta competência, os juízes adjuntos serão determinados de acordo com a leis de processo e organização judiciária aplicáveis, sendo que os concretos juízes que intervieram como juízes adjuntos no julgamento do processo nº 472/21.... não estão, por esse facto, impedidos de intervirem no julgamento do processo nº 4066/22.....

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DISPOSITIVO

Pelo exposto, decidindo o presente conflito negativo, atribuo a competência para a tramitação e julgamento do processo nº 4066/22.... ao J2 do Juízo Central Criminal ... e aos juízes adjuntos determinados segundo as regras de competência em vigor.

Sem tributação.

Cumpra o nº 3 do art. 36º do C.P.P.

Dê conhecimento ao senhor juiz presidente da Comarca ....

Despacho processado em computador, revisto e assinado electronicamente – art. 94º, nº 2 e 3, do C.P.P.

                                                                       Coimbra, 6-3-2023