RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
HOMICÍDIO QUALIFICADO
VÍCIOS DO ARTº 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
ESPECIAL PERVERSIDADE
ESPECIAL CENSURABILIDADE
PENA ÚNICA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Sumário


I – A partir do texto da decisão recorrida não se verifica a existência de qualquer um dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP.

II — O crime de homicídio qualificado constitui um tipo agravado do crime de homicídio simples dada a culpa agravada decorrente de uma especial censurabilidade ou perversidade do comportamento; da imagem global do facto deverá decorrer especial censurabilidade aqui se integrando “as condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refração, ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas” , ou uma especial perversidade integrando as condutas em que “o especial juízo de culpa se fundamenta diretamente na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas” .

III — Nos termos do art. 132.º, n.º 2, al. g), do CP, integra o tipo legal de crime o agente que pratica o homicídio tendo em vista preparar, facilitar, executar ou encobrir a prática de outro crime, não havendo necessidade de que este outro crime seja efetivamente praticado, bastando que, no plano do agente, o homicídio surja numa relação meio-fim com aquele outro.

IV — Nos termos do art. 132.º, n.º 2, al. i), do CP, a especial censurabilidade da conduta decorre da utilização de meio insidiosos para lesar o bem jurídico vida, isto é, a utilização de um meio que torne especialmente difícil a defesa da vítima, utilizando um meio “enganador, traiçoeiro sub-reptício, dissimulado ou oculto ”elegendo o agente as condições favoráveis para apanhar a vítima desprevenida (...), o aproveitamento consciente pelo agente da ingenuidade e da incapacidade de defesa da vítima no momento do início da execução”.

V — Os factos são reveladores da persistência da sua intenção no sentido de levar em frente os seus desígnios, indiciando a agravação decorrente do disposto no art. 132.º, n.º 2, al. j), do CP.

VI — Se no dolo direto a realização do tipo objetivo de homicídio “surge como verdadeiro fim da conduta” , também se deve considerar como integrando o dolo direto aqueles outros onde a realização do homicídio constitui um grau intermédio para conseguir a finalidade última — nas palavras de Figueiredo Dias “como casos de dolo direto intencional serão ainda de considerar aqueles em que a realização típica não constitui o fim último, o móbil de atuação do agente, mas surge como pressuposto ou estádio intermédio necessário do seu conseguimento” ; diferentemente dos casos de dolo necessário ou de segundo grau onde “a realização do facto surge não como pressuposto ou degrau intermédio para alcançar a finalidade da conduta, como sua consequência necessária, no preciso sentido de consequência inevitável, se bem que “lateral” relativamente ao fim da conduta”.

Texto Integral



Proc. n. º 1368/20.8JABRG.G1.S1

5.ª secção

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:


I


Relatório


1.1. Nestes autos, por acórdão, de 17.03.2022, do Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães (Juízo Central Criminal de ..., Juiz ...), a arguida AA foi condenada pela prática


- de um crime de homicídio qualificado, nos termos dos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. g), i) e j), do Código Penal (CP), e agravado, nos termos do art. 86.º, n.º 1, al. d) e n.ºs 3 e 41, do Regime Jurídico das Armas e Munições (Lei n.º 5/2006, de 23.02 e atualizações posteriores), numa pena de 20 anos de prisão;


- de um crime de furto qualificado, nos termos do artigo 204.º, n.º 1, als. a) e f), n.º 2, al. e) e n.º 3 [por referência ao artigo 202.º, al. e)], todos do CP, numa pena de 3 anos e 8 meses; e


- de um crime de detenção de arma proibida, nos termos do artigo 86.º, n.º 1, al. d) [por referência ao artigo 3.º, n.º 2, al. ab)], todos do Regime Jurídico de Armas e Munições (Lei n.º 50/2019, de 24.07), numa pena de 1 ano e 8 meses.


Em cúmulo jurídico, foi condenada na pena única conjunta de 21 anos e 10 meses de prisão.


1.2.1. A arguida recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão de 10.10.2022, decidiu reduzir a pena única aplicada à arguida, determinando o cumprimento de uma pena única de prisão de 21 anos, e reduzir o montante da quantia arbitrada oficiosamente nos termos do artigo 82.º-A, do Código de Processo Penal (CPP), que passou a ser de quinze mil euros.


2. A arguida interpõe agora recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):


«1. Os factos provados n.ºs 14 e 15 e o texto da decisão recorrida infra mencionada atinente a estes resultante da decisão prolatada pela 1.ª instância estão escancaradamente contrariados pelos meios de prova documental, mais concretamente com os autos de exame ao local do crime, juntamente com as declarações da arguida, o depoimento do médico BB e com os ditames da ciência e as máximas da experiência.


2. Na motivação do acórdão no tocante ao modo de execução do crime, o tribunal coletivo expôs que: O local da perpetração foi, seguramente, a sala da vítima, conforme denunciam as machas de sangue ali encontradas junto aos sofás (vide fotos 41 e ss. de fls. 126 e ss. do relatório de inspecção ao local de fls. 104 e ss.).


3. Já em sede de enquadramento jurídico: Aí chegada, entre as 23h35 e as 00h05m, a arguida introduziu-se na propriedade, dirigiu-se à porta-janela da sala, que se encontrava aberta devido ao calor que fazia sentir nessa altura, e, através da abertura, acedeu ao interior desse espaço, onde se deparou com CC a dormir. Executando o desígnio de eliminar qualquer resistência que aquele pudesse opor-lhe (ao propósito de se apoderar do seu património), a arguida abeirou-se dele, munida da faca que carregava, desferiu-lhe, pelo menos, 8 (oito) golpes.


4. O Tribunal da Relação de Guimarães considerou que a decisão recorrida não contém o erro-vício previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal, não vislumbrando assim qualquer erro notório na apreciação da prova. Salvo o devido respeito, que é muito, não podemos concordar com a decisão do Tribunal a quo e desse modo, reiteramos a impugnação desse vício que nos parece evidente.


5. No caso sub judice parece existir uma evidente desconformidade entre esses factos dados como provados juntamente com o texto da decisão recorrida e a prova produzida em audiência de julgamento, a prova documental e os ditames da ciência e as máximas da experiência.


6. A vítima dormia regularmente, no período do Verão, no chão da sua sala de estar, mais concretamente, junto à porta-janela (por onde a arguida entrou na habitação), aberta, para se sentir mais refrescado com o ar fresco da noite.


7. Pelo que tal factualidade está assente como resulta do texto da decisão recorrida. Na motivação da decisão do Tribunal da 1.ª Instância ficou plasmado que: Aí chegada, entre as 23h35 e as 00h05m, a arguida introduziu-se na propriedade, dirigiu-se à porta-janela da sala, que se encontrava aberta devido ao calor que fazia sentir nessa altura, e, através da abertura, acedeu ao interior desse espaço, onde se deparou com CC a dormir.


8. Portanto, a vítima estava a dormir no chão junto à porta-janela, que se encontrava aberta, da sala da sua habitação quando a recorrente entrou nesse local.


9. Pelo que segundo a decisão da 1.ª instância, a recorrente abeirou-se dele, munida da dita faca, desferiu-lhe, pelo menos, 8 (oito) golpes.


10.Sucede que, da análise visual do auto de exame ao local é notoriamente visível que a área do chão junto à porta-janela da sala – onde CC dormia - não tinha manchas de sangue.


11.Do auto exame ao local (fls. 126, fotografia 42) é perfeitamente visível que a principal mancha de sangue existente na sala situa-se numa outra zona, mais concretamente na zona do sofá que se encontra do lado direito de quem entra pelo exterior, e no chão adjacente a este.


12.E, mais, no auto de diligências iniciais elaborado pela Polícia Judiciária(fls. 50) encontra-se plasmado que “nos dois sofás e no chão, com especial incidência na zona correspondente ao canto formado pelos dois sofás, foram identificadas extensas manchas hemáticas”.


13.As lesões sofridas por CC, designadamente a lesão que atingiu o abdómen e o coração, provocaram uma hemorragia intensa e a consequente perda de uma enorme quantidade de sangue de forma repentina, conforme resulta dos esclarecimentos médicos de BB.


14.Tendo em consideração o depoimento do médico BB, médico que elaborou o relatório da autópsia médico-legal, a lesão do abdómen “termina a nível do fígado, (…) é uma lesão grave, considerada grave, causa uma hemorragia (impercetível…) e causa uma hemorragia relativamente importante” – gravação da sessão de 14/03/2022, 00:12:01 até 00:13:10; a lesão que atingiu o coração, “tendo em conta que atingiu mesmo a parede do ventrículo esquerdo, deixou uma ferida aberta onde se bombeia sangue em grandes quantidades por segundo, há uma grande perda de sangue”, (…) uma grande perda de sangue num curto espaço de tempo, e isso causa morte relativamente imediata. Não é imediata, mas é muito rápida” –gravação da sessão de 14/03/2022, minutos 00:14:04 até 00:14:54.


15.Ora, através desse depoimento extrai-se a conclusão de que os golpes desferidos pela arguida não podem ter ocorrido quando a vítima se encontrava a dormir, senão a zona junto à porta-janela tinha uma grande e densa mancha de sangue, o que não é o caso.


16.Por conseguinte, a consideração pelo Tribunal da 1.ª instância de que a recorrente ao entrar na habitação pela porta-janela aberta e deparando-se com a vítima a dormir no chão junto a esta, abeirou-se da vítima e, munida da dita faca, desferiu-lhe, pelo menos, 8 (oito) golpes é uma conclusão ilógica e arbitrária face a todo o material probatório.


17.Atendendo às valiosas declarações da arguida (reiteradas nas diversas fases processuais), aos meios de prova documental supra mencionados, ao supra referenciado depoimento do médico BB e aos ditames da ciência e as máximas da experiência resulta evidente que existiu um erro notório na apreciação da prova.


18.Resulta assim evidente, no nosso entendimento, que o Tribunal a quo cometeu um erro notório na apreciação da prova.


19.Um erro notório na apreciação da prova consiste num erro flagrante na apreciação/valoração de todo o material probatório, nos termos do art. 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal.


20.Para além disso, o texto da decisão recorrida atinente à dinâmica do homicídio, isto é, de que a Recorrente esfaqueou CC quando este se encontrava a dormir conduziu, injustamente, ao preenchimento da alínea i), do n.º 2, do art. 132.º do Código Penal, respeitante à utilização de um meio insidioso no cometimento do homicídio pela arguida.


21.Segundo o Tribunal a quo, no ponto §4 – “meio insidioso” - a arguida terá então entrado na residência da vítima, que dormia e, alegadamente, terá desferido, de imediato, os oito golpes com a faca de cozinha que vinha munida, utilizando, por essa via, um modo de execução enganoso ou sub-reptício.


22.Sucede que, esse alegado modo de execução do crime não encontra sustentação e, até, é incompatível com os meios de prova supra mencionados, conforme alegamos.


23.Nessa medida, foi cometido um erro flagrante na apreciação/valoração de todo o material probatório, o que teve sérias implicações na condenação da arguida, nomeadamente em sede de qualificação do homicídio.


24.Portanto, a decisão recorrida, relativamente à facticidade vertida nos pontos 14 e 15 da facticidade julgada provada e a atinente motivação da decisão respeitante a essa factualidade tocante à dinâmica do crime, juntamente com o enquadramento jurídico, enferma de erro notório na apreciação da prova.


25.Para além disso, no caso em concreto, afigura-se que não estão preenchidas nenhuma das circunstâncias exemplificativas da especial censurabilidade ou perversidade elencadas no n.º 2, do art. 132.º do Código Penal. Sem prescindir, não se encontra preenchida a cláusula geral da “especial censurabilidade ou perversidade” prevista no art. 132.º, n.º 1, do Código Penal.


26.No tocante aos exemplos padrão do art. 132.º, n.º 2, do CP. Trata-se de um tipo de culpa agravada de homicídio por força dessa cláusula, sendo que o elenco de circunstâncias constantes no n.º 2, do art. 132.º, não é automático nem taxativo.


27.No tocante à alínea g), do n.º 2, do art. 132.º, esta implica que no plano do agente o homicídio surja (relação meio/fim) como determinado pela perpetração de um outro crime.


28.Na realidade, o plano da arguida consistia em executar um roubo. A arguida tinha em mente colocar a vítima na impossibilidade de resistir, por intermédio de uma toalha embebida em lixívia, e, seguidamente, furtar o dinheiro que CC tivesse em casa.


29.O plano delineado pela arguida não foi efetivado em virtude dos acontecimentos ocorridos na habitação na fatídica noite. Na realidade, CC acordou com a movimentação da arguida e entrou em luta física com esta, o que conduziu a que recorrente, temendo pela sua vida, tivesse que esfaqueá-lo (no sofá).


30.Deste modo, entendemos que não se deverá considerar preenchida a alínea g), do n.º 2, do art. 132.º do CP.


31.Para além disso, no tocante à alínea i), do n.º 2, do art. 132.º - “utilizar veneno ou qualquer outro meio insidioso”, O Tribunal a quo violou esse preceito ao considerar preenchida esse exemplo padrão.


32. A aplicação dessa alínea no caso em apreço mostra-se completamente infundada e desajustada.


33.Ora vejamos, segundo o Tribunal de 1.ª Instância, a arguida entrou na residência da vítima, que dormia e, alegadamente, terá desferido, de imediato, os oito golpes com a faca de cozinha que vinha munida, utilizando, por essa via, um modo de execução enganoso.


34.O Tribunal a quo considerou que “no caso em apreço, o agente atuou à traição, de surpresa” (…) “numa situação em que lhe era de todo impossível esboçar uma qualquer defesa” (…) “a utilização da faca de cozinha pela arguida, que com ela esfaqueia a vítima quando esta se encontrava a dormir, constitui sem dúvida uma surpresa para a vítima e colocou-a numa situação de impossibilidade de defesa” (…) “nessas circunstâncias constitui a utilização de um meio insidioso, enquadrado, pois, a circunstância agravante prevista no art. 132.º, n.º 2, al. i), do CP”.


35. Conforme supra alegamos (PONTO I – A do presente recurso), a vítima não podia ter sido esfaqueada enquanto dormia (junto à porta-janela da sala, conforme ficou assente), atendendo à ausência de manchas hemáticas nessa zona no auto de exame ao local do crime.


36. Atendendo à prova supra referenciada em I- A), resulta evidente que a vítima levantou-se e, posteriormente, já na zona dos sofás, foi esfaqueada pela arguida no decurso de uma pequena luta física com esta.


37.Portanto, deve-se considerar que a arguida não utilizou um meio insidioso na prática do homicídio.


38. Deste modo, requer-se que V. Exas, venerandos juízes conselheiros, alterem a decisão do Tribunal a quo e considerem que não está preenchida a alínea i), do n.º 2, do art. 132.º do CP


39. Por fim, no tocante à alínea j), do n.º 2, do art. 132.º, respeitante à frieza de ânimo, a reflexão sobre os meios empregados ou à persistência na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas, não deveria ter sido considerada preenchida.


40. O venerando Tribunal a quo prolatou que “a arguida agiu com calma, reflexão e sangue frio na preparação do ilícito, insensibilidade, indiferença e persistência na sua execução, a arguida agiu de forma calculada, revelando indiferença e desprezo pela vida humana”.


41. E, desde modo, considerou que se encontrava verificado o exemplo padrão previsto na alínea j), do n.º 2, do art. 132.º do CP. Salvo o devido respeito, não podemos concordar com a decisão do Tribunal a quo.


42.O STJ tem sempre reconduzido o conceito de frieza de ânimo à ideia de calma ou imperturbada reflexão no assumir da intenção de matar” (STJ, 23.02.2005, citado no acórdão condenatório). Uma reflexão nos meios empregados há de consistir num estudo aprofundado dos meios de execução.


43.A arguida tomou conhecimento, por intermédio de DD, e era do conhecimento das pessoas daquela região, que a vítima tinha avultadíssimas quantias monetárias escondidas na sua residência. Para além disso, a recorrente tomou conhecimento que o sujeito dormia na sala com a porta-janela aberta.


44. Ora, a recorrente viu naquele local a solução de todos os seus problemas e tormentos.


45. Então, a arguida encetou o plano de entrar à noite na residência a da vítima, apanhá-lo a dormir na sala e utilizar uma toalha embebida em lixívia para deixá-lo inconsciente e na impossibilidade de resistir à subtração do dinheiro existente na habitação.


46.O plano da arguida saiu frustrado. A vítima acordou com as movimentações da arguida na sala e, subsequentemente, levantou-se e entrou em luta física com a arguida. A recorrente, assustada e temendo pela sua vida, acabou por esfaquear, no sofá, a vítima.


47.Todavia, conforme a recorrente afirmou repetidamente nas diversas fases processuais, o plano do homicídio nunca pairou na mente desta. E, conforme o Juiz de instrução criminal considerou aquando do primeiro interrogatório judicial de arguido detido.


48.A arguida não refletiu, não ponderou em tirar a vida à vítima. Tal conduta foi praticada em virtude do decurso dos acontecimentos ocorridos na sala de estar da vítima.


49. Na verdade, o esfaqueamento da vítima foi um ato irrefletido pela arguida.


50. Ora, tal circunstância exemplificativa da especial censurabilidade do homicídio, prevista na alínea j), do n.º 2, do art. 132.º do CP, também não se deverá considerar preenchida, como certamente V. Exas considerarão.


51. Por conseguinte, o Tribunal ad quem deverá alterar a decisão do Tribunal a quo e considerar que não se encontram preenchidas todas ou alguma/algumas das alíneas g), i) e j), do n.º 2, do art. 132.º do CP, e, consequentemente, desconsiderá-la (s) na medida da pena parcelar do homicídio qualificado e, por via disso, deverá ser reduzida a medida concreta da pena aplicada à recorrente na devida medida.


52.Sem prescindir, independentemente do preenchimento de alguma das circunstâncias exemplificativas da especial censurabilidade ou perversidade previstas no art. 132.º, n.º 2, do CP, entendemos que a cláusula geral do art. 132.º, n.º 1 não se verifica preenchida no caso em concreto.


53.53 - O preenchimento das circunstâncias previstas em alguma das alíneas não determina de per si o tipo de culpa agravado. A especial censurabilidade tem, em qualquer circunstância qualificadora, de ser autonomamente comprovada. O que releva e está pressuposto na qualificação é sempre a manifestação de um especial e acentuado desvalor de atitude.


54. No caso em apreço, a arguida não atuou com dolo direto quanto ao homicídio.


55. A arguida decidiu entrar na residência da vítima, no propósito de, daí retirar e fazer suas, as quantias em dinheiro que encontrasse (facto provado n.º 7). O plano da arguida era, somente, introduzir-se na habitação do indivíduo, que vivia sozinho, para furtar as avultadas quantias monetárias que este possuía em casa.


56. Para além disso, a recorrente atravessava uma difícil situação financeira (encontrava-se desempregada há vários meses, tinha avultadas dívidas pessoais), corria termos o processo de divórcio e bebia diariamente grandes quantidades de bebidas alcoólicas.


57. Resulta dos autos que a vítima se gabava de ter muito dinheiro em casa e que a arguida tomou conhecimento dessa circunstância. A arguida sabendo que a vítima tinha avultadas quantias monetárias na sua habitação e deixava a porta-janela da sua residência aberta durante a noite encetou um plano de assalto para resolver (pensava ela) todos os seus problemas financeiros que a atormentavam incessantemente.


58.Foi sempre esta a versão apresentada pela arguida em todas as fases processuais e esta mostra-se totalmente verosímil com a sua situação pessoal e socio-económica e com os seus antecedentes criminais de conformidade com a Lei e com a vida das outras pessoas.


59. Deste modo, não devia o Tribunal a quo ter considerado que a recorrente praticou o crime de homicídio com uma especial censurabilidade (art. 132.º, n.º 1 do CP). Termos em que concluímos que os elementos do tipo legal de crime do homicídio qualificado não se encontram preenchidos, pelo que o Tribunal a quo fez uma subsunção errada dos factos ao crime previsto no art. 132.º do CP.


60. Portanto, deverá o Tribunal ad quem desqualificar o crime de homicídio qualificado para homicídio simples em virtude da recorrente não ter atuado com uma especial censurabilidade.


61.Sem prescindir, o Tribunal a quo julgou adequada a aplicação pelo Tribunal da 1.ª Instância de uma pena de 20 anos de prisão efetiva, respeitante à prática do homicídio qualificado.


62.Segundo o Tribunal a quo, essa medida da pena “não viola as regras de experiência nem a sua quantificação se revela de todo desproporcionada”.


Salvo o devido respeito, consideramos que a pena de prisão parcelar do homicídio qualificado mostra-se bastante desrazoável, exagerada e desproporcional.


63.De acordo com o artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal: “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” e na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente (n.º 2).


64. Na realidade, a pena parcelar do homicídio qualificado excedeu em muito a medida da culpa e as exigências de prevenção especial, e não teve em devida consideração as circunstâncias que depõem favoravelmente para a arguida.


65. Em primeiro lugar, a recorrente não atuou com dolo direto de homicídio.


Pelo contrário, esta decidiu entrar na residência da vítima, no propósito de, daí retirar e fazer suas, as quantias em dinheiro que encontrasse (facto provado n.º 7). Portanto, o plano da arguida era, somente, introduzir-se na habitação da vítima e apropriar-se do dinheiro lá existente - sabia que haveria bastante, atendendo ao que lhe transmitiu DD e aos boatos que corriam pela região.


66. Para além disso, as características pessoais da arguida demonstram uma reduzida exigência em termos de prevenção especial. Nomeadamente, a arguida atravessava uma fase financeiramente difícil (encontrava-se desempregada e tinha avultadas dívidas pessoais), atravessava um processo de divórcio, bebia elevadas quantidades de bebidas alcoólicas, aliado a uma pandemia que lhe atormentava o seu futuro profissional e a sua situação económica e mental.


67.Outrossim, a arguida não tem antecedentes criminais e o seu comportamento posterior à prática dos crimes demonstrou arrependimento, consciência do mal feito e colaboração com a Justiça.


68. A recorrente tem 2filhos com os quais tem (e sempre teve) uma excelente relação como mãe e amiga, constituindo, assim, um esteio na vida deles.


69. Mais, a recorrente sempre apresentou um temperamento calmo e um bom relacionamento com os demais.


70.Isto é, tendo em conta as condições pessoais do agente e o seu comportamento no seio onde está inserido, a pena concreta respeitante ao homicídio qualificado deveria se ter aproximado o máximo possível do mínimo necessário à proteção dos bens jurídicos.


71.Sendo que, no caso em concreto, atendendo a toda a matéria factual, pode-se concluir que existem sérias razões para crer que duma pena mais baixa resultariam vantagens para a reintegração/reinserção da arguida condenada.


72.Portanto, entendemos que o Tribunal a quo não teve em devida consideração o móbil do roubo da recorrente, a sua preclitante situação financeira, profissional e familiar aquando da prática dos factos, bem como a elevada dependência das bebidas alcoólicas e a afetação da pandemia no estado mental e na situação económica da recorrente.


73.Ora, como certamente V. Exas considerarão, a pena parcelar do homicídio qualificado afigura-se desajustada e desproporcional face à culpa do agente e às exigências de prevenção.


74.Parece nos que o Tribunal a quo não teve em devida consideração todos os factos dados como provados favoráveis à arguida, pelo que a sua correta interpretação conduziria à aplicação de uma pena de prisão inferior.


75.Salvo o devido respeito, a pena aplicada à recorrente mostra-se excessiva e violadora do disposto no art. 71.º do Código Penal, ao não ter em consideração na determinação da medida da pena parcelar todos os factos que depuseram a favor da recorrente, pelo que deve ser reduzida equitativamente por V. Exas.


76. No tocante à medida concreta da pena aplicada à recorrente, os Mm.ºs Juízes desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães decidiram aplicar uma pena única de 21 anos de prisão à recorrente.


77.Nos termos do art. 77.º, n.º 1 do Código Penal: “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.


78.O assalto à residência da vítima tinha como propósito a apropriação de dinheiro com vista a resolver os graves problemas financeiros que atravessava (facto provado n.º 7 “ –Nesse contexto, e ciente do facto descrito em 2., a arguida decidiu entrar na residência de CC, no propósito de, daí retirar e fazer suas, as quantias em dinheiro que encontrasse”).


79.Ora, a prática dos crimes que lhe são imputados não foi motivada por motivos maquiavélicos, psicopatas ou fúteis.


80.Convém realçar que a arguida atravessava um momento pessoal muito complicado, com um divórcio a correr termos aliado a um excessivo consumo de bebidas alcoólicas, que conduziram a ameaças do ex-marido de que retirar-lhe-ia os filhos caso não parasse com o consumo avultado de álcool.


81.E, do ponto de vista económico, encontrava-se desempregada há vários meses e possuía enormes dívidas pessoais. Sendo que, um dos credores estava a efetuar uma enorme pressão nos meses que antecederam a prática dos factos.


82.Outrossim, a recorrente está bem inserida na sociedade; não tem antecedentes criminais; confessou a prática dos crimes perante a Polícia Judiciária, o Juiz de instrução criminal e perante o Tribunal Coletivo, em sede de audiência de julgamento, mostrando sempre uma atitude colaborante com a Justiça desde o momento em que foi detida – nomeadamente coma reconstituição dos factos e coma declaração do tipo de arma utilizado na fatídica noite; e, por fim, mostrou arrependimento e consciência do mal praticado, e um temperamento calmo e um bom relacionamento com os demais.


83.Deste modo, parece-nos evidente que o Tribunal a quo ao determinar uma pena única de 21 anos de prisão violou o art. 77.º, n.º 1, do Código Penal e o art. 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.


Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas mui doutamente suprirão, deverá ser julgado totalmente procedente, por provado, o presente recurso e, consequentemente, deverá o douto acórdão ser substituído por outro que contemple as conclusões supra aduzidas.»


3. Por despacho de 14.11.2022 foi admitido o recurso.


4. Subidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, no uso da faculdade concedida pelo art. 416.º, n.º 1, do CPP, o Senhor Procurador-Geral Adjunto no Supremo Tribunal de Justiça deu parecer considerando que o recurso deve ser julgado improcedente, porquanto:


«(...) I – O alegado erro notório na apreciação da prova:


(...) da simples formulação que a recorrente faz sobre a verificação de tal vício resulta notório o erro em que incorre: o vício em causa tem que resultar “do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” (art.º 410.º. n.º 2, al. c), do CPP), sem o recurso a quaisquer elementos externos à decisão, como são, desde logo, as referências que faz às gravações de depoimentos prestados em julgamento (depoimento do médico BB).


E, por outro lado, no acórdão recorrido, a fls. 26-27 e 28-30 do mesmo, começa por se fazer abundante citação de doutrina e jurisprudência sobre o conceito de “erro notório na apreciação da prova” e, de seguida, evidencia-se a inexistência de tal vício com uma clareza que nos dispensa de outras considerações, pelo que nos limitamos a remeter para o aí referido, que subscrevemos integralmente.


II – A alegação da não verificação de qualquer das qualificativas do crime de homicídio apontadas nas decisões recorridas:


(...), o que desde logo se constata é que, para afastar a verificação das apontadas qualificativas, a recorrente se socorre de “matéria de facto” não dada como provada, matéria essa que corresponde à sua versão dos factos mas que não foi acolhida no acórdão proferido na 1.ª instância nem no acórdão sob recurso do Tribunal da Relação.


Assim, logo por essa razão soçobraria a sua pretensão de, com os fundamentos que invoca, ver afastadas tais qualificativas.


E, por outro lado, também nesta parte o acórdão recorrido é exaustivo, não só na citação de doutrina e jurisprudência sobre o sentido e alcance das referidas qualificativas e da própria cláusula geral qualificativa, mas também na argumentação que demonstra a verificação dessas qualificativas no caso sub judice (com base nos factos dados como provados), que subscrevemos integralmente, pelo que também aqui nada mais se nos oferece acrescentar ao que consta do acórdão recorrido, designadamente no seu ponto 5, a fls. 48-66, para cujo teor se remete.


III – A medida das penas parcelar (crime de homicídio) e única aplicadas:


(...), analisados os fundamentos do recurso, aquilo que se constata é que as circunstâncias que a recorrente aponta deverem ser valoradas foram-no efectivamente, e de forma adequada, ainda que diversa da ponderação pretendida pela arguida.


O acórdão roferido em 1.ª instância e o acórdão recorrido referiram expressamente os fundamentos das medidas concretas das penas parcelar e única aplicadas, designadamente o grau de ilicitude, o dolo direto e intenso, a actuação a coberto da escuridão e sossego nocturnos com entrada em casa da vítima para cometer o crime, o número de circunstâncias qualificativas do crime de homicídio verificadas, a confissão apenas parcial dos factos, a ausência de antecedentes criminais, a situação pessoal da arguida, lembrando também as prementes necessidades de prevenção geral (positiva) e as acrescidas necessidades de prevenção especial.


Assim, também aqui forçoso é acompanhar a argumentação do acórdão recorrido no sentido da manutenção da decisão recorrida quanto à aludida pena parcelar e quanto à pena única fixada (fls. 66 a 82 do acórdão recorrido), argumentação para cujo teor se remete, evitando aqui repetições desnecessárias.


Significa isto que, adequadamente valoradas as circunstâncias apontadas no acórdão recorrido para determinação das medidas das penas aqui em causa, cremos que soçobra a pretensão da arguida em ver reduzidas tais penas (parcelar e única): a aludida pena parcelar está longe de ultrapassar a medida da sua culpa, corresponderá sensivelmente ao mínimo de pena imprescindível à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e só nas medida fixada poderá ser adequada a satisfazer a sua função de socialização; e a pena única fixada no acórdão recorrido é a adequada à gravidade dos factos praticados e à personalidade da arguida.


Consideramos, por isso, que, quer a pena parcelar aplicada ao crime de homicídio qualificado, quer a pena única feita corresponder ao concurso de crimes, porque fixadas em estrita observância dos critérios enunciados nos arts. 40.º, 70º, 71º e 77 do C.P., são justas e equilibradas, pelo que o acórdão recorrido procedeu de forma adequada e criteriosa ao manter a pena parcelar de vinte anos de prisão aplicada na 1.ª instância quanto ao crime de homicídio qualificado e ao fixar a pena única do concurso em vinte e um anos de prisão.»


5. Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, a recorrente apresentou resposta remetendo para a motivação do recurso interposto e reafirmando “a invocada existência de um erro notório na apreciação da prova” e a “não verificação de (alguma(s) ou todas) circunstâncias qualificativas do crime de homicídio”; também volta a alegar que a pena aplicada pela prática do crime de homicídio, assim como a pena única aplicada, constituem penas “bastante excessivas, desproporcionais e irrazoáveis”.


6. Colhidos os vistos em simultâneo, e não tendo sido requerida a audiência de discussão e julgamento, o processo foi presente à conferência para decisão.


II


Fundamentação


A. Matéria de facto


1. Matéria de facto dada como provada:


1. CC foi empresário do ramo têxtil, residindo numa moradia situada na Rua ... (...), em ....


2. Fruto da sobredita actividade profissional, CC lidava, diariamente, com quantias pecuniárias em espécie (numerário), facto este que era conhecido daqueles que com ele se relacionavam.


3. A arguida AA também se dedicou à confecção, do ramo têxtil, executando vários trabalhos (confecção a feitio) para CC.


4. No Verão de 2019, devido à crise no sector têxtil e ao acumular de dívidas, a arguida encerrou a sua confecção, passando a trabalhar em vários estabelecimentos comerciais de panificação.


5. No entanto, em Março de 2020, com o início da pandemia “Covid-19”, foi dispensada desses trabalhos.


6. Desde então, a arguida ainda executou alguns trabalhos na área da confecção (confeccionando máscaras e batas), mas não obtinha proventos suficientes para satisfazer os seus encargos.


7. Nesse contexto, e ciente do facto descrito em 2., a arguida decidiu entrar na residência de CC, no propósito de, daí retirar e fazer suas, as quantias em dinheiro que encontrasse.


8. Para tanto, ponderou a possibilidade de ter de eliminar qualquer resistência do visado, designadamente, pondo termo à sua vida.


9. Nesse âmbito e para tal fim, a arguida rondou a residência da vítima, estudando e delineando a melhor forma de concretizar os seus propósitos.


10. Dando execução ao seu plano, na noite de 22 para 23 de Julho de 2020, a arguida AA muniu-se de uma faca, que utilizava como utensílio de cozinha, com lâmina em inox de cerca de 15 cm e com comprimento total de cerca de 30 cm, idêntica às encontradas em sua casa, luvas descartáveis, e um recipiente com lixívia.


11. Munida de tais instrumentos e objectos, e conduzindo o seu veículo automóvel de marca Mercedes, modelo C 200 CDI, cor azul escura, do tipo station wagon, deslocou-se de sua casa até às imediações da residência da vítima.


12. Ali chegada, entre as 23h35 e as 00h05m, a arguida içou o seu corpo sobre o muro de vedação da moradia descrita em 1. e caminhou pela propriedade até se abeirar da porta-janela da sala, que se encontrava aberta devido ao calor que fazia sentir nessa altura, e, através da abertura, acedeu ao interior daquela residência.


13. Aí, deparou-se com CC a dormir nessa mesma sala.


14. Executando o desígnio de eliminar qualquer resistência que aquele pudesse opor-lhe, a arguida abeirou-se dele, munida da dita faca, desferiu-lhe, pelo menos, 8 (oito) golpes, na zona do tórax e abdómen, do lado esquerdo.


15. CC ainda reagiu, erguendo os braços em sua protecção, e conseguiu levantar-se, para se opor à agressão de que estava a ser alvo, mas, devido ao número de golpes que recebeu e ao local onde foi atingido, acabou por tombar e desfalecer.


16. Vendo que a vítima já não tinha qualquer reacção, a arguida percorreu as diversas divisões da moradia à procura de dinheiro, vindo a encontrar, nessa sala, um cofre, que abriu de modo não concretamente apurado, daí retirando, pelo menos, o montante de € 8.000,00 (oito mil euros), em notas do BCE, que fez seu.


17. Antes de abandonar o local, ensopou uma toalha em lixívia e cobriu parcialmente o corpo da vítima com essa toalha, convicta que ao agir desse modo eliminava qualquer vestígio seu que pudesse ter ficado no corpo da vítima na sequência da sobredita actuação.


18. Após, na posse daquele dinheiro, que já fizera seu, abandonou a dita moradia, sem prestar qualquer auxílio à vítima.


19. Em consequência directa e necessária dos golpes sofridos, CC apresentou, na região torácica e abdominal, 8 (oito) soluções de continuidade, produzidas por instrumento de natureza cortante e/ou cortoperfurante, sendo:


a. lesão n.º 1: localizada na face anterior do hemitórax esquerdo, na linha mamilar, sobre os 6º-7º espaço intercostal; com trajecto penetrante no músculo serrado anterior e 6ª e 7ª cartilagens costais, continuando-se em profundidade em sentido ascendente, posterior e medial para a cavidade torácica, atingindo o pericárdio e a face anterior do ventrículo esquerdo, com 6,5 cm de comprimento e com cauda terminal lateral composta por escoriação com 2,4 cm de comprimento;


b. lesão n.º 2: localizada na face lateral do hemitórax esquerdo, na linha axilar anterior, a nível do 4º espaço intercostal; com trajecto penetrante nos músculos do 4º espaço intercostal, continuando-se em profundidade em sentido ascendente, posterior e medial para a cavidade torácica, atingindo o pulmão esquerdo, com 3,3 cm de comprimento e com cauda terminal medial composta por escoriação com 0,3 cm de comprimento;


c. lesão n.º 3: localizada na face lateral do hemitórax esquerdo, na linha axilar posterior, a nível do 6º espaço intercostal; que atinge o músculo serrado anterior e condiciona infiltração sanguínea dos músculos intercostais do 6º espaço intercostal esquerdo, terminando a esse nível, com 3,8 cm de comprimento;


d. lesão n.º 4: localizada na face posterolateral do hemitórax esquerdo, na prega axilar posterior; que atinge o plano muscular da face posterior do tórax, terminando a esse nível, com 5,1 cm de comprimento;


e. lesão n.º 5: localizada na face posterior do hemitórax esquerdo, sobre a omoplata ipsilateral; que atinge o plano muscular da face posterior do tórax, terminando a esse nível, com 3,4 cm de comprimento;


f. lesão n.º 6: localizada na face posterior do hemitórax esquerdo, a nível do 5º espaço intercostal; que atinge o plano muscular da face posterior do tórax, terminando a esse nível, com 4,9 cm de comprimento;


g. lesão n.º 7: localizada no quadrante superior direito do abdómen, imediatamente medial e inferior à 8.ª costela; com trajecto penetrante no músculo recto abdominal (à direita), continuando-se em profundidade em sentido descendente, posterior e medial, entrando na cavidade abdominal e terminando a nível do fígado, com 4,7 cm de comprimento;


h. lesão n.º 8: localizada no quadrante inferior esquerdo do abdómen; que atinge o tecido celular subcutâneo da parede abdominal e termina a esse nível, com 2,9 cm de comprimento, oblíqua, dirigida inferomedialmente e com cauda terminal lateral composta por escoriação com 0,3 cm de comprimento;as quais foram causa praticamente imediata da sua morte.


20. Apresentou ainda, para além do mais:


a. no membro superior direito; na face dorsal da mão, quatro soluções de continuidade, de bordos ligeiramente irregulares e infiltrados de sangue; duas no 2.º dedo, uma na falange proximal, parcialmente circunferencial, com 3,5 cm de comprimento, e a outra na falange distal, arciforme, de concavidade medial, com 1,5 cm de comprimento, outra no 3.º dedo, na falange distal, vertical, com 2,2cm de comprimento, e outra no 4.º dedo, na articulação metacarpofalângica, vertical, com 2 cm de comprimento;


b. no membro superior direito, na face palmar da mão, quatro soluções de continuidade e bordos ligeiramente irregulares e ténue infiltração sanguínea, horizontais, três sobre a região hipotenar, uma com 1,2 cm de comprimento, outra com 3 cm de comprimento e a outra com 1 cm de comprimento, uma sobre a região tenar com 2,5 cm de comprimento;


c. no membro superior esquerdo, na face dorsal da mão, sobre o 4.º raio, uma escoriação de fundo avermelhado, oval, com 0,8 cm por 0,2 cm, e duas soluções de continuidade de bordos ligeiramente irregulares e infiltração sanguínea; uma sobre a articulação metacarpofalângica do 2.º dedo, arciforme, de concavidade lateral, com 2,5 cm de comprimento, outra sobre a falange proximal do 3.º dedo, vertical, com 3,5 cm de comprimento, no dorso do 3.º dedo, sobre a articulação interfalângica proximal, uma escoriação, oblíqua, com 0,5 cm de comprimento;


d. no membro superior esquerdo, na face palmar da mão, três soluções de continuidade, ligeiramente irregulares e com infiltração sanguínea, uma na transição da região tenar para hipotenar, vertical, com 5cm de comprimento, outra na base do 1.º dedo, vertical, com 1 cm de comprimento e outra na falange proximal do 1.º dedo, parcialmente circunferencial, com 2,5 com de comprimento;


e. no membro inferior direito, na face medial do terço superior da coxa, uma equimose arroxeada, com 1,5 cm por 0.4 cm, com uma solução de continuidade puntiforme inclusa; na face anterior do terço médio da coxa, uma solução de continuidade, superficial, de bordos regulares e infiltração sanguínea ténue, com 1 cm de comprimento;


f. no membro inferior esquerdo, na face medial do terço superior da coxa, uma equimose arroxeada, com 4 cm por 3 cm, com uma solução de continuidade puntiforme inclusa, na face anterior do terço médio da coxa, uma solução de continuidade, superficial, de bordos regulares e infiltração sanguínea ténue, com 3 cm de comprimento.


21. Na manhã do dia 23 de Julho, CC foi encontrado sem vida por terceiras pessoas.


22. A faca que a arguida usou para atingir a vítima é instrumento com afectação ao exercício de práticas domésticas.


23. No dia 14.04.2021, foi efectuada busca à residência da arguida, sita na Rua ..., em ....


24. No seu interior, foi encontrada uma agenda com dizeres relativos a apontamentos de dívidas que totalizavam quase € 50.000,00.


25. A arguida AA quis entrar, como entrou, na residência de CC, no propósito de, daí retirar e fazer suas, como fez, as quantias em dinheiro que encontrasse, ponderando, para tanto, a possibilidade de ter de eliminar qualquer resistência do visado, designadamente, pondo termo à sua vida; possibilidade essa quis concretizar, como concretizou, actuando conforme descrito nos pontos 12. a 14., 17., 19. e 20.


26. A arguida AA actuou do modo supra descrito para criar as condições necessárias e para facilitar o seu concretizado propósito de se apoderar do dinheiro pertencente a CC, que encontrasse, como encontrou, no interior da residência deste, guardado no interior de cofre, bem sabendo que, no contexto descrito, lhe estava vedada a sua entrada naquele espaço e que aquele montante não lhe pertencia.


27. A arguida AA conhece as características e finalidades da faca de cozinha e, não obstante, quis utilizá-la, como utilizou, como instrumento corto-perfurante para tirar a vida de CC.


28. Actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e criminalmente punida.


Provou-se, ainda, que:


29. A arguida não tem antecedentes criminais.


30. Confessou, em parte, os factos.


31. No final da audiência, formulou um pedido de desculpas que se dirige à filha da vítima.


Mais se provou que:


32. A arguida, AA, nasceu no agregado familiar dos pais, com uma fratria de sete), e de modesta condição sócio-económica.


33. O pai faleceu contava a arguida 16 anos.


34. Frequentou o ensino regular até ao 12.º ano de escolaridade.


35. Optou por deixar os estudos e adoptar uma actividade profissional remunerada.


36. Com 18 anos, iniciou a sua actividade profissional como empregada de escritório no sector têxtil, que manteve durante cerca de trinta anos em diferentes empresas do ramo, sempre em busca de melhores condições salariais.


37. AA casou aos 21 anos de idade.


38. Desse casamento nasceram dois filhos.


39. O cônjuge é proprietário de uma carpintaria.


40. O casal adquiriu uma habitação com recurso a empréstimo bancário, sita na morada constante dos autos, onde a arguida residiu até ao momento da sua reclusão.


41. Em 2015, AA criou a sua própria empresa, denominada “u...”, dedicada à distribuição das encomendas de clientes, do ramo têxtil, por outras pequenas confecções.


42. Cessou actividade em 2019, com dívidas ao ISS e AT.


43. Desde então, AA dedicou-se à confecção de vestuário em casa.


44. Em finais de 2019 e até Fevereiro de 2020, trabalhou em duas padarias/confeitarias.


45. O relacionamento do casal deteriorou-se e o casal separou-se em Abril de 2020, embora partilhando a mesma habitação, e divorciou-se em Outubro de 2021.


46. No período de maior instabilidade a arguida desenvolveu comportamentos alcoólicos.


47. Entre Maio e Julho de 2020, AA auxiliou uma irmã no trabalho de confecção, obtendo rendimentos de cerca de 500€/mês.


48. Em Agosto de 2020, a arguida passou a trabalhar como embaladora numa empresa do ramo alimentar, sita em ..., onde permaneceu até Abril de 2021, data em que foi sujeita a medida de coacção de prisão preventiva.


49. Auferia, a título de retribuição, a quantia de € 800/850,00, rendimento complementado pela retribuição do filho mais velho, dispondo, ainda, da prestação de alimentos do filho mais novo e da prestação do abono.


50. Com a saída do cônjuge da casa de morada de família, a arguida satisfez prestação de amortização do crédito bancário e uma prestação de amortização de um crédito pessoal, no valor global de € 380,00 (trezentos e oitenta euros).


51. No meio de reclusão, a arguida assume um comportamento normativo, investindo numa actividade laboral.


52. Dispõe do apoio familiar.


53. Recebe a visita dos filhos, estendo o mais novo a cargo do pai.


54. Tem capacidade crítica para a natureza dos factos em discussão.»


B. Matéria de direito


1. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente aquando da interposição deste, nos termos do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo do conhecimento oficioso de nulidades (nos termos do art. 379.º, n.º 2, do CPP, quando seja admissível o recurso; caso este não seja admissível, devem ser arguidas no tribunal que proferiu a sentença nos termos gerais do art. 120.º, n.º 1, do CPP, e no prazo geral do art. 105.º, n.º 1, do CPP) e dos erros-vício previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP (também aqui apenas no caso de o recurso da decisão ser admissível).


Sendo admissível o recurso da parte da decisão do Tribunal da Relação de Guimarães relativa ao crime de homicídio — pelo qual a arguida vem condenada numa pena de 20 anos de prisão — e daqueloutra relativa à aplicação da pena única de prisão de 21 anos resultante do concurso de crimes, o conhecimento deste Supremo Tribunal está delimitado pelo objeto de recurso apresentado pela arguida.


Tendo em conta as conclusões apresentadas, verificamos que a arguida formula diversas questões:


- erro notório na apreciação da prova por considerar que os factos provados 14 e 152estão escancaradamente contrariados pelos meios de prova documental, mais concretamente com os autos de exame ao local do crime, juntamente com as declarações da arguida, o depoimento do médico BB e com os ditames da ciência e as máximas da experiência.” (cf. motivação da matéria de facto e conclusão 1);


- alega errada subsunção dos factos ao tipo legal de crime de homicídio qualificado, por considerar não estarem preenchidas nenhumas das circunstâncias qualificativas; entende que o plano da arguida era a realização de um roubo e não o homicídio da vítima [e por isso não está preenchida a qualificativa prevista no artigo 132.º, n.º 2, al. g), do CP], que a arguida não usou de um meio insidioso, porque a vítima não pode, segundo o seu entendimento, ter sido esfaqueada enquanto dormia [e por isso não está preenchida a qualificativa prevista no artigo 132.º, n.º 2, al. i), do CP], e nunca tendo planeado o homicídio, não se pode considerar que a arguida refletiu ou ponderou a sua prática, constituindo o esfaqueamento um ato irrefletido [e por isso não está preenchida a qualificativa prevista no artigo 132.º, n.º 2, al. j), do CP]; entende ainda que não atuou com dolo direto (cf. conclusão 54) e que deveria ter sido punida apenas pelo crime de homicídio “simples”, por não ter atuado com especial censurabilidade;


- a manter-se a qualificação jurídica, entende que a pena aplicada ao crime de homicídio qualificado é “desrazoável, exagerada e desproporcional” (conclusão 62), não tendo o Tribunal a quo tido em consideração que a arguida não atuou com dolo direto, pois o seu plano era apenas o de cometer o crime de roubo; entende também são reduzidas as exigências de prevenção especial, dado que a arguida não tem antecedentes criminais e os factos (destes autos) constituíram um ato isolado na sua vida, pelo que a pena aplicada dever-se-ia ter aproximado do limite mínimo;


- impugna ainda a medida da pena única aplicada, considerando que dever-se‑ia ter dado relevo ao facto de a arguida não ter antecedentes criminais, ter confessado os factos, ter tido uma “atitude colaborante”, tendo mostrado “arrependimento e consciência do mal praticado” (cf. conclusão 82); para além disto, no momento da prática dos factos atravessava um momento difícil: decorria um processo de divórcio (cf. conclusão 80), e encontrava-se desempregada, estando a sofrer a pressão de alguns credores (cf. conclusão 81).


Vejamos.


2. A arguida alega a existência de erro notório na apreciação da prova, por considerar que os factos provados 14 e 15 são contrariados pelos meios de prova documental, em particular os autos de exame do local do crime, pelas declarações da arguida, e pelo “depoimento do médico”.


Tendo em conta os poderes de cognição deste Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do art. 434.º, do CPP, apenas nos cabe apreciar oficiosamente os vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, e não apreciar matéria de facto que ficou estabilizada com o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães e relativamente à qual já não é admissível recurso. Eventuais lacunas já não poderão ser colmatadas a não ser que haja alguma omissão de pronúncia sobre a qual aquele tribunal devesse ter sentenciado, ou quando tenha decidido com base em provas proibidas — o que de todo não é o caso.


Antes de prosseguirmos, há que distinguir uma avaliação em sede de recurso da decisão recorrida sobre um erro de julgamento (para o que o Supremo Tribunal de Justiça não tem poderes de cognição), e uma avaliação da decisão recorrida para verificação da existência (ou não) dos vícios consagrados no art. 410.º, n.º 2, do CPP — contrariamente à situação anterior em que o objeto de apreciação é a prova, aqui o objeto de apreciação é a decisão recorrida. Constitui jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal de Justiça o entendimento de que uma vez decididos os recursos pela Relação, ficam esgotados os poderes de apreciação da matéria de facto, tornando‑se esta definitivamente adquirida, salvo se ocorrer algum dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, de que este Supremo Tribunal de Justiça apenas deva conhecer oficiosamente, como referimos.


Tem sido entendido que os vícios previstos nos n.ºs 2 e 3 do art. 410.º do CPP não podem constituir objeto do recurso de revista a interpor para o Supremo Tribunal de Justiça, e que este tribunal deles somente conhece ex officio, quando constatar que a decisão recorrida, devido aos vícios que denota ao nível da matéria de facto, inviabiliza a correta aplicação do direito ao caso sub judice3.


Na linha deste entendimento, não é admissível um recurso interposto de um acórdão proferido pelo Tribunal da Relação para este tribunal, na parte em que convoca a reapreciação da decisão proferida sobre matéria de facto, quer em termos amplos, quer por erro de julgamento (erro na apreciação da prova), ainda que decorra do disposto no art. 434.º, do CPP, uma salvaguarda relativamente aos vícios elencados no art. 410.º, n.º 2, do CPP.


Seguindo este entendimento, impõe-se apenas conhecer oficiosamente dos vícios do art. 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, caso em que o conhecimento destes vícios não constitui mais do que uma válvula de segurança a utilizar naquelas situações em que não seja possível tomar uma decisão (ou uma decisão correta e rigorosa) sobre a questão de direito, por a matéria de facto se revelar ostensivamente insuficiente, por se fundar em manifesto erro de apreciação ou, ainda, por assentar em premissas que se mostram contraditórias, e por fim quando se verifiquem nulidades que não se devam considerar sanadas.


Quanto ao vício previsto pela al. c) do n.º 2 do art. 410.º, do CPP, o mesmo verifica-se quando, partindo do texto da decisão recorrida, a matéria de facto considerada provada e não provada pelo tribunal a quo atenta, de forma notória, evidente ou manifesta, contra as regras da experiência comum, avaliadas segundo “o julgador com a especial formação e experiência de um juiz do Supremo Tribunal de Justiça”.4


O erro notório na apreciação da prova é um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão, nomeadamente, através da leitura da matéria de facto e da fundamentação da matéria de facto, mas nem sempre detetável por um simples homem médio sem conhecimentos jurídicos. Na verdade, o erro pode não ser evidente aos olhos do leitor médio e, todavia, constituir um erro evidente para um jurista de modo que a manutenção da decisão com base naquele erro constitui uma decisão que fere o elementar sentido de justiça.


Este vício é verificado no processo a partir da análise interna da decisão, a partir do texto da decisão recorrida, nomeadamente da fundamentação da matéria de facto, recorrendo ao confronto dos termos da decisão com as regras da experiência comum. O objeto da apreciação é apenas a peça processual recorrida, não sendo lícito afirmar‑se a sua existência recorrendo a elementos que lhe sejam exteriores (designadamente depoimentos e declarações prestados, que não tenham no texto da decisão o mínimo de reflexo, quer durante o decurso do processo, em particular na fase de inquérito, quer na audiência de julgamento).


O erro notório na apreciação da prova não reside na desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido a da recorrente.


Se a discordância do recorrente for apenas quanto à forma, isto é, como o tribunal valorou a prova e decidiu a matéria de facto, tal traduz-se em impugnação de matéria de facto apurada — que se integra em objeto de recurso sobre a matéria de facto — e que os recorrentes exercem no recurso interposto para a Relação, e por isso não podem vir repristinar, ainda que em crítica ao acórdão recorrido (o da Relação) por extravasar os poderes de cognição do STJ (art. 434.º, do CPP).


Vejamos, pois, se do texto da decisão recorrida, e apenas deste, em conjugação com as regras da experiência comum, se extrai algum erro notório da apreciação da prova.


A arguida entende existir erro notório na apreciação da prova relativamente aos factos provados 14 e 15, pois entende que estes factos ““estão escancaradamente contrariados pelos meios de prova documental, mais concretamente com os autos de exame ao local do crime, juntamente com as declarações da arguida, o depoimento do médico BB e com os ditames da ciência e as máximas da experiência.”


Comecemos por salientar que o alegado pela recorrente não constitui uma alegação nos termos do art. 410.º, n.º 2, do CPP, isto porque não invoca o suposto erro notório na apreciação da prova a partir do texto da decisão recorrida, mas sim a partir da prova que alega como contrariando o que foi dado como provado. E assim improcede a alegação.


Mas, ainda que assim seja, verifiquemos se a partir do texto da decisão recorrida ocorre algum dos vícios previstos no art.410.º, n.º 2, do CPP.


Tal como nem sequer foi alegado pela recorrente, não ocorre qualquer insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, nem existe qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre a fundação e a decisão.


No que respeita ao alegado erro quanto aos factos provados 14 e 15, a recorrente entende que a vítima estava a dormir no chão da sala junto à porta-janela, local onde não existiam manchas de sangue, todavia encontrou-se uma mancha de sangue junto ao sofá, pelo que os golpes perpetrados pela arguida não teriam ocorrido quando a vítima se encontrava a dormir. Também aquando do recurso para o Tribunal da Relação a arguida impugnou os mesmos factos provados (embora com fundamentação distinta). A análise destes factos, pelo Tribunal da Relação, é esclarecedora para nos permitir ver que do texto da decisão recorrida — que neste ponto é a decisão do Tribunal da Relação e não o acórdão prolatado em 1.ª instância — não resulta qualquer erro notório na apreciação da prova. Assim, consta da decisão recorrida que:


«Está em causa a dinâmica do homicídio.


Nem a prova documental nem as declarações do perito por si ou conjugadas com as declarações da arguida impõem decisão diversa.


No local foram detectadas diversas manchas hemáticas com especial incidência no canto formado pelos dois sofás, mais concretamente no sofá do lado direito de quem entra na casa pela porta da janela e o chão adjacente e também algumas manchas de sangue no outro sofá e chão adjacente (vide fotos 41 e ss. de fls. 126 e ss. do relatório de inspecção ao local de fls. 104 e ss.).


Tais manchas apenas revelam que a agressão ocorreu naquela zona da sala.


Por outro lado, contrariamente o que parece decorrer da argumentação da recorrente, o perito médico apenas admitiu como possível, a título de hipótese um cenário de luta e em que a arguida estivesse subjugada no sofá, por baixo da vítima, e para se libertar, tivesse desferido golpes que viessem a assumir tal trajetória.


Mas como tribunal demonstrou na motivação da decisão de facto essa possibilidade revela-se totalmente incompatível e inverosímil.


Segundo o relatório da autópsia, CC pesava (já cadáver) 81 kg, ao passo que a arguida pesa, aparentemente, cerca de 50 kg.


Ora, uma vez que a vítima pesava, pelo menos, mais 30 kg do que a arguida, não tinha capacidade física para se sobrepor a CC, por se tratar de um homem fisicamente muito mais robusto.


Depois, é preciso tomar em consideração que segundo a vesrão da arguida esta deparou-se com a vítima deitada no chão da sala, paralelamente à porta-janela, aberta, e voltado para o exterior, a arguida alçou as pernas e passando sobre os pés da vítima, contornando a mesa de centro, onde colocou o borrifador de lixívia e a faca, e só após regressando junto do corpo dormindo e se acocorando junto dele para lhe cobrir o rosto com a toalha.


É pouco provável que o referido CC não tivesse despertado com a passagem de um corpo sobre o seu próprio e com a circulação pela sala, em torno da mesa de centro e de regresso à janela para junto dele,


Mais inverosímil se revela a versão da arguida quando encontrando-se encurralada com o corpo da vítima sobre o dela, conseguiu esticar a mão, logrando alcançar a faca que segundo ela teria primeiramente depositado em cima da mesa


Como se refere na motivação “é, ainda, mais improvável que, atenta a distância do dito sofá (lateral à janela) à mesa de centro (vide, registo fotográfico do local n.º 42, do auto de inspecção de fls. 104 e ss.), conseguisse esticar a mão, logrando alcançar a faca aí depositada” e com ela esfaqueou a vítima debaixo do braço, para se libertar dele.


“Ainda que, com enorme flexibilidade (também de raciocínio) tal manobra fosse possível, ao receber o primeiro golpe, a vítima faria o que qualquer ser humano faz, por dor e instinto. Desceria os braços sobre o tronco, protegendo-se dos outros golpes. Mas tal não sucedeu. CC, ao que, manifestamente, sugerem as lesões registadas, recebeu 6 golpes, de lado, no tórax, junto à zona do coração, antes de levantar as mãos e de expor o ventre e pernas aos golpes, como expôs”


Para além do mais, o tribunal apreciou pormenorizadamente as declarações do perito esclarecendo que “os demais contributos que prestou, somados ao que já se adiantou, diluem, por completo, a versão da defesa. Veja-se, nesse sentido, que os golpes não revelam qualquer hesitação; eram como disse, limpos; não havia lesões satélite. Os golpes também entraram nos espaços inter-costais; ou seja, “acertaram”, precisamente, no espaço entre as costelas que, como se sabe, servem de barreira; caixa de protecção da cavidade torácica; tudo muito pouco provável de acontecer com a dinâmica dos corpos num cenário de luta como o descrito. Acrescentou ainda que, no seu parecer de perito, toda a acção - considerado o número, localização e extensão dos golpes, bem como, consideradas as lesões produzidas - não pode ter durado mais de um minuto; ou seja, foi muito rápida para ser compatível com o descrito cenário de luta. A acrescer, os golpes no coração; que foi fatal, e o golpe no pulmão, com perfuração da pleura, que resulta ser altamente incapacitante são capazes de produzir uma dor de 8 ou 9 numa escala de 10. O Sr. perito ilustrou a sensação de dor resultante da perfuração do pulmão como “um rebentamento de um balão dentro dos pulmões”, fazendo o corpo, naturalmente, dobrar para o lado atingido. O que eliminou; conclui-se, toda e qualquer possibilidade de verdadeira oposição, além do instintivo gesto de se levantar -, que o Sr. perito admite, expressamente, como medicamente possível (sobretudo se a vítima estivesse deitada ao ser atingida, por não estar pressionada pelo efeito da gravidade sobre as lesões, aumentando o tempo de reacção) -, de impor as mãos, rodando o corpo, como auto-protecção, e, sucumbindo ao peso das lesões, desfalecer e perecer, conforme apurado”.


Também nesta parte improcede a impugnação.» (p. 42-44 do ac. recorrido).


Não resultando, pois, evidente desta apreciação qualquer erro notório na apreciação da prova, improcede a alegação da recorrente. Mas, a dinâmica dos acontecimentos ainda melhor se percebe da fundamentação da matéria de facto (igualmente transcrita no acórdão recorrido). Desta consta que:


«Assim preparada, a arguida confessa, além do supra descrito, o modo de actuação que se descreve nos pontos 11. a 13., de modo essencialmente consentâneo com o que resultou da reconstituição do facto registada em auto junto a fls. 820 e ss.; ou seja, deslocando-se ao local no seu veículo automóvel, sobrepondo-se ao muro de vedação do prédio e por caminhando até se deparar com CC que, como confessou, dormia.


Aí; necessariamente já se entrando na dinâmica do evento - na parte da actuação descrita e na parte do propósito que dela transparece (pontos 14. e 15.) -, o Tribunal relevou, mais uma vez, os dados que se retiram do auto de inspecção ao local (fls. 104 e ss.), do auto de exame ao cadáver (fls. 159 e 160), complementado com os registos fotográficos de fls. 162 e ss., e do relatório de autópsia (fls. 415 e ss.) que revelam, objectivamente, que CC recebeu seis golpes, na face anterior/lateral do hemi-torax esquerdo, dois golpes no abdómen e ainda os cortes nas mãos e pernas; lesões que se descrevem no relatório de autópsia, permitindo a demonstração dos factos descritos sob os pontos 19. e 20. Dois dos golpes, identificados pelo perito médico como lesão n.ºs 1 e 2, perfuraram o coração (ventrículo esquerdo) e o pulmão, do lado esquerdo (para melhor concretização, vide fotos 5 e 9 do auto de fls. 159 e ss., apreciadas à luz do registo de fls. 417 vº e 418 do relatório da autópsia). Salientam-se, ainda, os cortes nas faces dorsal e palmar das mãos (vide, para melhor ilustração, as fotos 11 a 14 do mesmo auto, relevadas à luz do registo de fls. 416 vº e 417 do relatório de autópsia) e os cortes nas pernas (fls. 416 e 417 do relatório de autópsia de fls. 415 e ss.), uma vez que também são determinantes na reconstituição da dinâmica do evento. Veja-se que, ante o instrumento corto-perfurante empregue, a localização, número e extensão dos golpes infligidos no tórax e no abdómen, e ante a presença de lesões nas mãos, claramente, compatíveis com lesões de defesa activa, o Sr. perito afirmou, não só o nexo causal com o evento (morte), mas, indubitavelmente, em termos médico-legais, a existência de propósito homicida. Por isso, e também pela natureza do plano e pelos actos preparatórios, conforme supra exposto, conclui o Tribunal que AA quis matar, como matou, CC, no propósito de, descansadamente, se apropriar dos seus haveres. O local da perpetração foi, seguramente, a sala da vítima, conforme denunciam as machas de sangue ali encontradas junto aos sofás (vide fotos 41 e ss. de fls. 126 e ss. do relatório de inspecção ao local de fls. 104 e ss.). E, mais uma vez, a localização e repetição dos (oito) golpes, no tórax e abdómen, e a existência de cortes nas mãos e nas pernas, permitem ter por certo e seguro; desde logo, que CC foi, sucessiva e selvaticamente, golpeado no hemi-flanco esquerdo do tórax, o que revela que teria essa parte do corpo exposta e que foi apanhado desprevenido (assim se explicando a repetição dos golpes na mesma região). Segundo a própria arguida, a vítima dormia quando entrou em sua casa. Os golpes dos membros superiores sugerem, com toda a probabilidade, que, despertado pela dor, se soergueu e levantou instintivamente, as mãos para se proteger. Ao mesmo tempo, os golpes no abdómen e pernas sugerem que rodou o corpo na tentativa de se opor, expondo essas partes do corpo que também foram atingidas, conforme se retira do relatório pericial. O que tudo ponderado leva à convicção segura de que AA, ao contrário do que afirma, executou o desígnio de tirar a vida a CC quando o encontrou a dormir na sala, e não na sequência de uma luta entre ambos, ocorrida depois de frustrada a tentativa de lhe cobrir o rosto com a toalha envolvida em lixívia. A versão da luta é; aliás, não só infirmada pela normalidade do acontecer, como também pelos dados periciais complementados pelos esclarecimentos prestados pelos Srs. peritos. E, por isso, se afastou como versão comprovada dos factos. Desde logo, teve-se por inverosímil que, encontrando CC deitado no chão da sala, paralelamente à porta-janela, aberta, e voltado para o exterior (conforme descreveu em sede de reconstituição do facto; vide fotos de fls. 825 e ss.), a arguida tenha, como declarou, entrado naquela divisão, alçando as pernas e passando sobre os pés da vítima, contornando a mesa de centro, onde colocou o borrifador de lixívia e a faca, e só após regressando junto do corpo dormindo e se acocorando junto dele para lhe cobrir o rosto com a toalha. Antevê-se, com muita probabilidade, que, não tendo a arguida, que se saiba, especiais qualidades de infiltração, CC teria despertado com a passagem de um corpo sobre o seu próprio e com a circulação pela sala, em torno da mesa de centro e de regresso à janela para junto dele. E; acordado, teria condições de gritar, de escapar, até pela janela, ou mesmo de tentar opor-se, atirando à arguida objectos de que lançasse mão ou, sendo temerário, fazer valer a sua superioridade física; sinais que as diligências de investigação; designadamente, o auto de inspecção ao local não revelam. Posto o que, e por tudo o que já se expôs, se tem ainda por inverosímil que a arguida, como disse, tenha tido tempo de se agachar junto à cabeça daquele, que só acordou quando tentou tapar-lhe nariz e boca com a toalha. Outrossim se dirá quanto ao restante da sua versão; no sentido de que, em síntese; acordada, a vítima levantou-se, deu-lhe um encontrão que a fez cair no sofá, encurralando-a com o seu corpo sobre o dela. Face a tal, debateu-se, tentando e conseguindo alcançar a faca que estava colocada na mesa e, empunhando-a com a face palmar da mão direita, esfaqueou-o, debaixo do braço, para se libertar dele. Se é improvável que, encurralada, no sofá, pela vítima, a arguida conseguisse libertar-se do seu peso de, pelo menos, mais trinta kg, (e ainda que admitindo, por hipótese, que estivesse atordoado ou mal acordado), é, ainda, mais improvável que, atenta a distância do dito sofá (lateral à janela) à mesa de centro (vide, registo fotográfico do local n.º 42, do auto de inspecção de fls. 104 e ss.), conseguisse esticar a mão, logrando alcançar a faca aí depositada. E, nessa posição (de subjugação), vingasse no propósito de golpear, sucessivamente, o opositor no flanco, segurando a faca com a palma da mão sobre o punho. Ainda que, com enorme flexibilidade (também de raciocínio) tal manobra fosse possível, ao receber o primeiro golpe, a vítima faria o que qualquer ser humano faz, por dor e instinto. Desceria os braços sobre o tronco, protegendo-se dos outros golpes. Mas tal não sucedeu. CC, ao que, manifestamente, sugerem as lesões registadas, recebeu 6 golpes, de lado, no tórax, junto à zona do coração, antes de levantar as mãos e de expor o ventre e pernas aos golpes, como expôs. É certo que, em esclarecimentos prestados, o Sr. perito médico não enjeita, em termos médico-legais, que os golpes no flanco pudessem ter sido infligidos na posição que a arguida descreve. Mas também não enjeita que o pudessem ser com os intervenientes noutras posições; de pé ou deitados. Por se tratar de um instrumento móvel, bastaria que a faca pudesse ser empunhada de forma diferente para poderem ser equacionados, como possíveis, vários cenários de actuação. Todavia, os demais contributos que prestou, somados ao que já se adiantou, diluem, por completo, a versão da defesa. Veja-se, nesse sentido, que os golpes não revelam qualquer hesitação; eram como disse, limpos; não havia lesões satélite. Os golpes também entraram nos espaços inter-costais; ou seja, “acertaram”, precisamente, no espaço entre as costelas que, como se sabe, servem de barreira; caixa de protecção da cavidade torácica; tudo muito pouco provável de acontecer com a dinâmica dos corpos num cenário de luta como o descrito. Acrescentou ainda que, no seu parecer de perito, toda a acção - considerado o número, localização e extensão dos golpes, bem como, consideradas as lesões produzidas - não pode ter durado mais de um minuto; ou seja, foi muito rápida para ser compatível com o descrito cenário de luta. A acrescer, os golpes no coração; que foi fatal, e o golpe no pulmão, com perfuração da pleura, que resulta ser altamente incapacitante são capazes de produzir uma dor de 8 ou 9 numa escala de 10. O Sr. perito ilustrou a sensação de dor resultante da perfuração do pulmão como “um rebentamento de um balão dentro dos pulmões”, fazendo o corpo, naturalmente, dobrar para o lado atingido. O que eliminou; conclui-se, toda e qualquer possibilidade de verdadeira oposição, além do instintivo gesto de se levantar -, que o Sr. perito admite, expressamente, como medicamente possível (sobretudo se a vítima estivesse deitada ao ser atingida, por não estar pressionada pelo efeito da gravidade sobre as lesões, aumentando o tempo de reacção) -, de impor as mãos, rodando o corpo, como auto-protecção, e, sucumbindo ao peso das lesões, desfalecer e perecer, conforme apurado.


O que, concludentemente, revelou o apurado desígnio da arguida, concretizado logo que entrou em casa da vítima.


Tanto assim é que, a arguida até confessa que, tombada a vítima, não se abeirou do corpo jazente; desinteressando-se dela, pondo, então, em prática o outro desígnio de se apoderar das quantias que ali encontrasse. Para isso, percorreu, em vão, as divisões da casa (quartos, cozinha, anexo, sótão, conforme o revelam os vestígios palmares que deixou – vide relatório de fls. 584 a 589) até, finalmente, regressar à sala, onde diz que forçou a porta do armário, encontrou o cofre, aberto, donde retirou a quantia de € 8.000,00, de que se apoderou (ponto 16.).» (p. 20-22 do ac. recorrido).


Não se vislumbrando a partir do texto da decisão recorrida qualquer erro-vício, improcede, nesta parte, o recurso da arguida.


3. A recorrente entende ainda que os factos não deviam ter sido subsumidos ao tipo legal de crime de homicídio qualificado, não revelando as circunstâncias integradores do comportamento da arguida uma especial censurabilidade ou perversidade a justificar uma agravação da culpa da arguida. A arguida vem condenada pelo crime de homicídio qualificado nos termos do art. 132.º, n.ºs 1 e 2, al.s g), i) e j), do CP, isto é, o facto ilícito e típico foi praticado tendo em vista “preparar, facilitar, executar ou encobrir um outro crime, facilitar a fuga ou assegurar a impunidade do agente de um crime”, utilizando “veneno ou qualquer outro meio insidioso” e agindo “com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas”.


Ora, da matéria de facto provada (sedimentada com o acórdão do Tribunal da Relação) resulta que:


- “a arguida decidiu entrar na residência de CC, no propósito de, daí retirar e fazer suas, as quantias em dinheiro que encontrasse” (facto provado 7, sublinhado nosso) e “[p]ara tanto, ponderou a possibilidade de ter de eliminar qualquer resistência do visado, designadamente, pondo termo à sua vida” (facto provado 8, sublinhado nosso);


- “entre as 23h35 e as 00h05m, a arguida içou o seu corpo sobre o muro de vedação da moradia descrita em 1. e caminhou pela propriedade até se abeirar da porta-janela da sala, que se encontrava aberta devido ao calor que fazia sentir nessa altura, e, através da abertura, acedeu ao interior daquela residência” (facto provado 12), “[a]í, deparou-se com CC a dormir nessa mesma sala” (facto provado 13, sublinhado nosso) e “[e]xecutando o desígnio de eliminar qualquer resistência que aquele pudesse opor-lhe, a arguida abeirou-se dele, munida da dita faca, desferiu-lhe, pelo menos, 8 (oito) golpes, na zona do tórax e abdómen, do lado esquerdo” (facto provado 14, sublinhado nosso);


- “a arguida decidiu entrar na residência de CC, no propósito de, daí retirar e fazer suas, as quantias em dinheiro que encontrasse” (facto provado 7, sublinhado nosso), “[n]esse âmbito e para tal fim, a arguida rondou a residência da vítima, estudando e delineando a melhor forma de concretizar os seus propósitos” (facto provado 9, sublinhado nosso) e “[d]ando execução ao seu plano, na noite de 22 para 23 de Julho de 2020...” (facto provado 19, sublinhado nosso);


- “A arguida AA quis entrar, como entrou, na residência de CC, no propósito de, daí retirar e fazer suas, como fez, as quantias em dinheiro que encontrasse, ponderando, para tanto, a possibilidade de ter de eliminar qualquer resistência do visado, designadamente, pondo termo à sua vida; possibilidade essa quis concretizar, como concretizou, actuando conforme descrito nos pontos 12. a 14., 17., 19. e 20” (facto provado 25, sublinhado nosso) e “actuou do modo supra descrito para criar as condições necessárias e para facilitar o seu concretizado propósito de se apoderar do dinheiro pertencente a CC, que encontrasse, como encontrou, no interior da residência deste, guardado no interior de cofre, bem sabendo que, no contexto descrito, lhe estava vedada a sua entrada naquele espaço e que aquele montante não lhe pertencia” (facto provado 26).


O crime de homicídio qualificado constitui um tipo agravado do crime de homicídio simples dada a culpa agravada decorrente de uma especial censurabilidade ou perversidade do comportamento indiciada pela verificação, nomeadamente, de algumas das circunstâncias ou elementos relativos ao facto ou ao agente, constantes do art. 132.º, n.º 2, do CP5. Não sendo, todavia, necessária a ocorrência de alguma destas circunstâncias para que se possa afirmar a subsunção dos factos a este tipo legal de crime agravado, uma vez que esta agravação “resulta de uma imagem global do facto agravada correspondente ao especial conteúdo de culpa”6 “suportada por uma correspondente agravação (gradual-quantitativa) do conteúdo do ilícito”7. Assim, da imagem global do facto deverá decorrer especial censurabilidade aqui se integrando “as condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refração, ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas”8, ou uma especial perversidade integrando as condutas em que “o especial juízo de culpa se fundamenta diretamente na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas”9. Todavia, a “existência do tipo de culpa em que assenta a qualificação do homicídio deve supor uma avaliação conjunta dos factos integrantes do exemplo-padrão e das características relevantes do agente, só dessa avaliação conjunta — dessa “imagem global do facto” — podendo resultar fundamentada a conclusão sobre a verificação ou não da especial censurabilidade ou perversidade do homicídio cometido”10.


Nos termos do art. 132.º, n.º 2, al. g), do CP, integra o tipo legal de crime o agente que pratica o homicídio tendo em vista preparar, facilitar, executar ou encobrir a prática de outro crime, não havendo necessidade de que este outro crime seja efetivamente praticado, bastando que, no plano do agente, o homicídio surja numa relação meio-fim com aquele outro11 — no caso concreto verificamos que a arguida, ciente que o ofendido lidava, diariamente, com avultadas quantias de dinheiro, em numerário, devido à atividade que exercia (factos provados 2 e 7), pretendia apropriar‑se das quantias monetárias que a vítima tivesse, com alta probabilidade, na sua residência (facto provado 7), admitindo eliminar a resistência que a vítima viesse a oferecer, nomeadamente, pondo termo à sua vida (facto provado 8), tendo-se apropriado de elevada quantia monetária (factos provados 16 e 18), para além de ter coberto a vítima com uma toalha ensopada em lixívia, com vista a eliminar qualquer vestígio que tivesse ficado no corpo desta (facto provado 17). Atuou desta forma para facilitar o propósito que tinha de se apoderar do dinheiro da vítima (facto provado 26).


Nos termos do art. 132.º, n.º 2, al. i), do CP, a especial censurabilidade da conduta decorre da utilização de meio insidiosos para lesar o bem jurídico vida, isto é, a utilização de um meio que torne especialmente difícil a defesa da vítima, utilizando um meio “enganador, traiçoeiro sub-reptício, dissimulado ou oculto ”elegendo o agente as condições favoráveis para apanhar a vítima desprevenida (...), o aproveitamento consciente pelo agente da ingenuidade e da incapacidade de defesa da vítima no momento do início da execução”12. No caso concreto verifica-se que a arguida munida de uma faca, com lâmina de cerca de 15 cm, e com um comprimento total de 30 cm (facto provado 10) e quando a vítima dormia (facto provado 13), a arguida abeirou-se da vítima e desferiu-lhe, pelo menos, 8 golpes, na zona esquerda do tórax e abdómen (facto provado 14). Ainda que a vítima tenha reagido depois (facto provado 15), a partir da matéria de facto sedimentada, não resta dúvidas que a arguida apanhou a vítima desprevenida, sem capacidade de defesa no início da execução.


Acresce referir que a arguida atuou com premeditação, dado que decidiu entrar na residência da vítima e “ponderou a possibilidade de ter de eliminar qualquer resistência do visado, designadamente, pondo termo à sua vida” (facto provado 8), tendo para tanto rondado a sua casa “estudando e delineando a melhor forma de concretizar os sues propósitos” (facto provado 9), e assim deu execução ao plano (fato provado 10) nos moldes já referidos. Todos estes factos são reveladores da persistência da sua intenção no sentido de levar em frente os seus desígnios, indiciando a agravação decorrente do disposto no art. 132.º, n.º 2, al. j), do CP.


Assim sendo, e perante a imagem global dos factos, verificamos que através deles se revelam qualidades da arguida especialmente desvaliosas, sem qualquer contenção em prosseguir os seus intentos ainda que para tanto fosse necessário lesar o bem jurídico vida. Todo o modo de realização do facto, aproveitando estar a vítima a dormir sem que assim pudesse, logo aquando do início da agressão, ter qualquer possibilidade de defesa, revela uma especial perversidade da globalidade da conduta a impor uma agravação em função de uma atitude particularmente desvaliosa perante a violação dos bens jurídicos criminais. Não se pode, pois, concluir, como pretende a recorrente, da matéria de facto provada, que o homicídio não integrasse os planos da vítima, pois tal possibilidade foi ponderada (facto provado 8); nem se pode concluir que não atuou de modo sub-reptício, dado que a vítima foi esfaqueada quando dormia, tendo sido apanhada desprevenida e sem qualquer possibilidade de defesa no momento do início da execução (factos provados 13 e 14); nem se pode concluir que o esfaqueamento tenha sido um ato irrefletido (cf. factos provados 25 e 26). Na verdade, a recorrente pretende concluir que não praticou um homicídio qualificado, mas a partir de outros factos que não os provados. Estando a matéria de facto cristalizada com a decisão do Tribunal da Relação, outra não pode ser a conclusão a não ser aquela a que chegaram quer o Tribunal de 1.ª instância, quer o Tribunal da Relação de Guimarães.


Assim sendo, improcede, também nesta parte, o recurso apresentado.


4. Supletivamente a recorrente recorre da pena aplicada ao homicídio qualificado, considerando-a exagerada, pois a arguida não atuou com dolo direto, sendo o seu plano apenas o de cometer o crime de roubo; para além disso, as exigências de prevenção especial não seriam relevantes dado que a arguida não tem antecedentes criminais, constituindo os factos um ato isolado da sua vida, pelo que a pena aplicada deveria estar próxima do limite mínimo.


Nos termos do art. 132.º, do CP, a pena aplicada ao crime de homicídio qualificado é de prisão entre 12 e 25 anos. A arguida vem condenada numa pena de 20 anos.


Na verdade, e de acordo com o facto provado 25, verifica-se que a arguida ponderou a possibilidade de eliminar qualquer resistência da vítima, “pondo termo à sua vida; possibilidade essa quis concretizar, como concretizou”. O que está em causa no homicídio qualificado, como vimos, é uma culpa agravada, todavia, “tal como no homicídio simples [é] um tipo unicamente punível a título de dolo sob qualquer uma das suas formas inscritas no art. 14.º; direto, necessário ou eventual”13. Se no dolo direto a realização do tipo objetivo de homicídio “surge como verdadeiro fim da conduta”14, também se deve considerar como integrando o dolo direto aqueles outros onde a realização do homicídio constitui um grau intermédio para conseguir a finalidade última — nas palavras de Figueiredo Dias “como casos de dolo direto intencional serão ainda de considerar aqueles em que a realização típica não constitui o fim último, o móbil de atuação do agente, mas surge como pressuposto ou estádio intermédio necessário do seu conseguimento”15; um exemplo desta última a situação é, segundo o Autor, o caso em que o agente, pretendendo assaltar um banco, mata o vigilante como única forma de o conseguir, assim se considerando que o agente dirigiu a sua vontade diretamente à prática do facto dada a conexão existente entre o homicídio (facto prévio) e o fim último da conduta — roubar o banco. Diferentemente dos casos de dolo necessário ou de segundo grau onde “a realização do facto surge não como pressuposto ou degrau intermédio para alcançar a finalidade da conduta, como sua consequência necessária, no preciso sentido de consequência inevitável, se bem que “lateral” relativamente ao fim da conduta”16.


Da matéria de facto provada, resulta de forma explícita que o homicídio constituiu o facto prévio à realização da apropriação da quantia monetária da vítima, tendo a arguida dirigido diretamente a sua vontade para a sua realização (“quis concretizar” — facto provado 25).


A determinação da pena, realizada em função da culpa e das exigências da prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização (de harmonia com o disposto nos arts. 71.º, n.º 1 e 40.º, do CP), deve, no caso concreto, corresponder às necessidades de tutela dos bens jurídicos em causa e às exigências sociais decorrentes das lesões ocorridas, sem esquecer que deve ser preservada a dignidade humana do delinquente. Para que se possa determinar o substrato da medida concreta da pena, dever‑se-ão ter em conta todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o arguido, nomeadamente, os fatores de determinação da pena elencados no art. 71.º, n.º 2, do CP. Nesta valoração, o julgador não poderá utilizar as circunstâncias que já tenham sido utilizadas pelo legislador aquando da construção do tipo legal de crime, e que tenha tido em consideração na construção da moldura abstrata da pena (assegurando o cumprimento do princípio da proibição da dupla valoração).


A partir dos factos provados, podemos concluir estarmos perante um caso em que as exigências de prevenção geral e especial são elevadas.


Na apreciação da pena a aplicar, já não se poderá ter em conta a forma de execução do facto, sob pena de violação do princípio da proibição da dupla valoração, uma vez que foram elementos determinantes para a qualificação do homicídio. Porém, é relevante o comportamento posterior aos factos, em particular, o facto de a arguida ter abandonado a vítima, sem prestar qualquer auxílio (facto provado 18). Mas é igualmente relevante o facto de a arguida não possuir antecedentes criminais (ainda que se possa considerar que é isto mesmo que se espera de um cidadão, certo é que a ausência de antecedentes criminais indicia uma pessoa integrada e respeitadora das normas em vigor, até ao momento da prática do crime por que está a ser julgada) e de ter confessado, em parte, os factos (facto provado 30; compulsada a fundamentação da matéria de facto, verifica-se que a confissão foi relativa “à subtracção da dita quantia”, p. 22 do ac. recorrido), e de ter formulado um pedido de desculpas à filha da vítima (facto provado 31). Por outro lado, é ainda de salientar o contexto em que os factos foram praticados: a arguida encerrou a sua confeção têxtil depois de um “acumular de dívidas” (facto provado 4), e apesar de ir executando alguns trabalhos “não obtinha proventos suficientes para satisfazer os seus encargos” (facto provado 6) e é neste contexto (facto provado 7) que decidiu praticar os factos por que vem condenada. Os factos foram praticados “na noite de 22 para 23 de Julho de 2020” (facto provado 10), altura em que já tinha ocorrido uma separação, embora o casal ainda partilhasse a mesma habitação (facto provado 45); na altura de mais instabilidade desenvolveu comportamentos alcoólicos (facto provado 46). A arguida dispõe de apoio familiar (facto provado 52) e em meio prisional “assume comportamento normativo, investindo numa actividade laboral” (facto provado 51), e mantém “capacidade crítica” relativamente aos factos (facto provado 54).


Ora, se as exigências de prevenção geral são relevantes atento o facto praticado, e o bem jurídico lesado, a exigir uma demonstração assertiva de que a norma apesar de violada continua a ordenar a comunidade, as exigências de prevenção especial, impõem que se determine uma pena que, dentro dos limites da culpa, e satisfazendo aquelas exigências de prevenção geral, constitua uma pena que permita a integração do agente na sociedade. Na avaliação das exigências de prevenção especial não se pode olvidar que a arguida atuou com dolo intenso, nem escamotear as exigências decorrentes da forma como praticou os factos, sem que, todavia, se possam duplamente valorar atenta a qualificação do homicídio. Na determinação da pena deve ter-se em consideração a moldura penal que oscila entre os 12 e os 25 anos de prisão, sabendo que numa análise global dos factos a pena adequada à culpa deve situar-se junto da metade da moldura penal — que é de 18 anos e 6 meses. Isto porque a arguida mostra um percurso de vida integrado, tendo orientado a sua vida na busca de rendimentos através do trabalho, porém aquando da prática dos factos encontrava-se numa fase difícil da vida, com um divórcio a decorrer, várias dificuldades económicas, contexto que não terá sido alheio à prática dos factos. Entende-se, pois, que a pena de 18 anos e 6 meses, ainda satisfazendo as exigências mínimas de prevenção geral, é a mais adequada a preencher as exigências de prevenção especial.


5. A arguida recorre ainda da medida da pena única que lhe foi aplicada, de 21 anos de prisão.


Nos casos de concurso de crimes (e em obediência ao princípio constitucional da legalidade criminal, a pena única apenas pode ser aplicada caso estejam verificados os seus pressupostos de aplicação, isto é, caso estejamos perante uma situação de concurso efetivo de crimes), a determinação da pena única conjunta tem que obedecer (para além daqueles critérios gerais) aos critérios específicos determinados no art. 77.º, do CP. A partir dos critérios especificados é determinada a pena única conjunta, com base no princípio do cúmulo jurídico. Assim, após a determinação das penas parcelares que cabem a cada um dos crimes que integram o concurso, é construída a moldura do concurso, tendo como limite mínimo a pena parcelar mais alta atribuída aos crimes que integram o concurso, e o limite máximo a soma das penas, sem, todavia, exceder os 25 anos de pena de prisão (de harmonia com o disposto no art. 77.º, n.º 2, do CP).


A partir desta moldura, é determinada a pena conjunta, tendo por base os critérios gerais da culpa e da prevenção (de acordo com o disposto nos arts. 71.º e 40.º, ambos do CP), ao que acresce um critério específico — na determinação da pena conjunta, e segundo o estabelecido no art. 77.º, n.º 1, do CP, "são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente". Assim, a partir dos factos praticados, deve proceder se a uma análise da "gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique”. Na avaliação da personalidade, ter-se-á que verificar se dos factos praticados pelo agente decorre uma certa tendência para o crime ou se estamos apenas perante uma pluriocasionalidade, sem possibilidade de recondução a uma personalidade fundamentadora de uma "carreira" criminosa. Apenas quando se possa concluir que se revela uma tendência para o crime, quando analisados globalmente os factos, é que estamos perante um caso onde se suscita a necessidade de aplicação de um efeito agravante dentro da moldura do concurso. Para além disto, e sabendo que também influem na determinação da pena conjunta as exigências de prevenção especial, dever-se-á atender ao efeito que a pena terá sobre o delinquente e em que medida irá ou não facilitar a necessária reintegração do agente na sociedade; exigências, porém, limitadas pelas imposições derivadas de finalidades de prevenção geral de integração (ou positiva).


São estes os critérios legais estabelecidos para a determinação da pena e, em particular, para a determinação da pena única conjunta.


Nos termos do art. 77.º, n.º 2, do CP, a pena única conjunta, a aplicar a um caso de concurso crimes, é determinada a partir de uma moldura que tem como limite mínimo “a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”, e como limite máximo “a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”. Pelo que as penas concretas aplicadas a cada crime constituem os elementos a partir das quais se determina aquela moldura.


Nestes termos, a moldura do concurso de crimes a partir da qual deve ser determinada a pena concreta a aplicar tem como limite mínimo a pena concreta aplicada mais elevada — isto é, a pena de 18 anos e 6 meses —, e como limite máximo a soma das penas concretas aplicáveis, ou seja, 23 anos e 8 meses correspondente à soma das diversas penas aplicadas anos de prisão, de acordo com o disposto no art. 77.º, n.º 2, do CP.


Tendo em conta esta moldura, a pena de 19 anos e 6 meses de prisão, mostra‑se adequada à globalidade dos factos e à personalidade neles revelada, sem que se possa concluir, atenta a inexistência de quaisquer outros crimes, por uma personalidade com uma tendência criminosa. Todavia, sabendo que as exigências de prevenção geral e especial não se mostram particularmente acrescidas quando analisados os factos em conjunto, entendemos, atendendo à idade da arguida (a arguida nasceu a ........1973, segundo o acórdão de 1.ª instância), que o acréscimo de 1 ano à pena do homicídio, o mínimo da pena que poderia ser aplicada à arguida, constitui a pena necessária e adequada tendo em conta a globalidade dos factos e a personalidade neles refletida, assegurando as exigências de prevenção geral e facilitando uma futura integração futura da arguida na sociedade.


III


Conclusão


Nos termos expostos acordam, em conferência na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em julgar procedente o recurso interposto pela arguida AA, condenando a arguida


- pela prática de um homicídio qualificado (nos termos do artigo 132., n.ºs 1 e 2, als. g), i) e j), do Código Penal, na pena de prisão de 18 (dezoito) anos e 6 (seis) meses, e


- na pena única conjunta de 19 (dezanove) anos e 6 (seis) meses resultante do concurso de crimes [do crime de homicídio qualificado, com o crime de furto qualificado, nos termos do artigo 204.º, n.º 1, als. a) e f), n.º 2, al. e) e n.º 3, por referência ao artigo 202.º, al. e), todos do Código Penal, por que vem condenada na pena de prisão de 3 anos e 8 meses, e com o crime de detenção de arma proibida, nos termos do artigo 86.º, n.º 1, al. d), por referência ao artigo 3.º, n.º 2, al. ab), da Lei n.º 50/2019, de 24.07, por que vem condenada numa pena de prisão de 1 no e 8 meses].


Sem custas.

Supremo Tribunal de Justiça, 9 de março de 2023

Os Juízes Conselheiros,

Helena Moniz (Relatora)

António Gama

Orlando Gonçalves

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1. “Artigo 86.º (Detenção de arma proibida e crime cometido com arma)

2. 1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, exportar, importar, transferir, guardar, reparar, desativar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou transferência, usar ou trouxer consigo: (...) d) Arma branca dissimulada sob a forma de outro objeto, faca de abertura automática ou ponta e mola, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, cardsharp ou cartão com lâmina dissimulada, estrela de lançar ou equiparada, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, as armas brancas constantes na alínea ab) do n.º 2 do artigo 3.º, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 do artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão elétrico, armas elétricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, artigos de pirotecnia, exceto os fogos-de-artifício das categorias F1, F2, F3, T1 ou P1 previstas nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de julho, e bem assim as munições de armas de fogo constantes nas alíneas q) e r) do n.º 2 do artigo 3.º, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias; (...)

3. 3 - As penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, exceto se o porte ou uso de arma for elemento do respetivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma.

4. 4 - Para os efeitos previstos no número anterior, considera-se que o crime é cometido com arma quando qualquer comparticipante traga, no momento do crime, arma aparente ou oculta prevista nas alíneas a) a d) do n.º 1, mesmo que se encontre autorizado ou dentro das condições legais ou prescrições da autoridade competente.”↩︎

5. “14. Executando o desígnio de eliminar qualquer resistência que aquele pudesse opor-lhe, a arguida abeirou-se dele, munida da dita faca, desferiu-lhe, pelo menos, 8 (oito) golpes, na zona do tórax e abdómen, do lado esquerdo.

6. 15. CC ainda reagiu, erguendo os braços em sua protecção, e conseguiu levantar-se, para se opor à agressão de que estava a ser alvo, mas, devido ao número de golpes que recebeu e ao local onde foi atingido, acabou por tombar e desfalecer.”↩︎

7. Neste sentido, vide, entre muitos outros, o Acs. do STJ de 13-11-2014, Proc. n.º 249/11.0PECBR.C1.S1; de 07-05-2014, Proc. n.º 250/12.7JABRG.G1.S1; de 18-06-2014, Proc. n.º 659/06.5GACSC.L1.S1; de 02-10-2014, Proc. n.º 87/12.3SGLSB.L1.S1, todos acessíveis in www.dgsi.pt; bem como Acs. de 13-02-2014, Proc. n.º 160/13.0TCLSB.L1.S1; de 27-02-2014, Proc. n.º 1572/11.0JAPRT.P1.S2; de 10-04-2014, Proc. n.º 431/10.8GAPRD.P1.S1; de 14-05-2014, Proc. n.º 42/11.0JALRA.C1.S1; de 18-09-2014, Proc. n.º 1299/09.2PBLRA.C1.S1; de 25-09-2014, Proc. n.º 384/12.8TATVD.L1.S1, todos acessíveis in www.stj./jurisprudencia/sumários de acórdãos/Criminal - Ano de 2014.↩︎

8. Sousa Brito, voto de vencido no ac. n.º 322/93, do Tribunal Constitucional, in www.tribunalconstitucional.pt.↩︎

9. Também assim, Figueiredo Dias/Nuno Brandão, Comentário Conimbricense do Código Penal, 2.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2012, art. 132.º, p. 48 e ss.↩︎

10. Idem, art. 132.º/ § 2 (p. 49).↩︎

11. Idem, art. 132.º/ § 5 (p. 51).↩︎

12. Idem, art. 132.º/ § 12 (p. 55).↩︎

13. Idem.↩︎

14. Idem, art. 132.º/ § 13 (p. 55).↩︎

15. Assim, Figueiredo Dias/Nuno Brandão, ob. cit. supra, art. 132.º/ § 31 (p. 65).↩︎

16. Idem, art. 132.º/§ 43 (p. 70), e 132/ 44, onde expressamente se dá o exemplo de integração desta alínia o caso de a morte se dar enquanto a vítima dorme.↩︎

17. Assim, Figueiredo Dias/Nuno Brandão, ob. cit. supra, art. 132.º/§ 51 (p. 74).↩︎

18. Figueiredo Dias, Direito Penal Parte Geral, tomo I, 3.ª ed., Coimbra: Gestlegal, 2019, 13/ § 35 (p. 427).↩︎

19. Idem, 13/ § 35 (p. 428).↩︎

20. Idem, 13/ § 36 (p. 428).↩︎