PROCEDIMENTOS CAUTELARES
EMBARGO DE OBRA NOVA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
REVISTA EXCECIONAL
DECISÃO SURPRESA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
PRESSUPOSTOS
Sumário


1- Tendo os recorrentes no seu requerimento de recurso justificado/fundamentado previamente a razão de ser da admissibilidade (no caso) desse recurso, interposto de uma decisão proferida no âmbito de matéria que em regra não admite recurso, e tendo os recorridos nas sua contra-alegações emitido pronúncia sobre essa questão defendendo a sua inadmissibilidade, não terá, assim, o juiz relator ou o tribunal que dar cumprimento ao disposto no artº. 655º CPC, no caso de vir a entender não ser de conhecer do objeto desse recurso por este não ser admissível, pois que, tendo as partes já se pronunciado a esse respeito, essa decisão não constituirá para elas qualquer surpresa.
2- As decisões proferidas no âmbito de processos relativos a procedimentos cautelares apenas são suscetíveis de ser objeto de recurso de revista (normal) nos casos excecionais/específicos previstos no citado artº. 629º n.º 2, do CPC, estando neles excluída/vedada a possibilidade ao recurso de revista excecional, prevista no artº. 672º do mesmo diploma.
3- Sendo o recurso de revista interposto com fundamento na al. d) do nº. 2 do artº. 629º do CPC (contradição de julgados), para além dos requisitos gerais, a sua admissibilidade pressupõe (em temos substantivos):
i) Que o acesso ao STJ esteja vedado unicamente por motivos de ordem legal não ligados à alçada da Relação;
ii) Que se verifique identidade entre a questão de direito apreciada no acórdão recorrido e no acórdão fundamento;
iii) Que a subsunção jurídica feita nas decisões em confronto tenha operado dentro de um núcleo factual idêntico;
iv) Que a contradição entre as decisões ocorra, sobre a mesma questão de direito, seja frontal (e não meramente pressuposta ou implícita);
v) Que essa divergência se verifique num quadro normativo substancialmente idêntico;
vi) Que a resolução dessa questão de direito tenha assumido em ambos os processos caráter determinante para a decisão final;
vii) Que a solução do acórdão recorrido colida, quanto à referida questão de direito, com a solução adotada em sede de acórdão de uniformização de jurisprudência.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I- Relatório



1. AA, BB, CC, DD, EE, FF, EE, GG, HH, II, e JJ, deduziram (em 07/02/2022) contra KK e PARADISE PYRAMID, LDA., todos com os demais sinais de identificação dos autos, procedimento cautelar de embargo de obra nova, requerendo/pedindo o seguinte:

a) Que seja ordenada a suspensão de imediato das obras em curso no prédio, constituído em regime de propriedade horizontal, sito na ..., ... e Escadinhas ..., nºs. ..., ...-A e ...-B, freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha n.º ...19 da freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana da respetiva freguesia sob o art. ...38;

b) Que seja ordenado que os requeridos procedam à demolição das obras já realizadas, sem autorização da assembleia de condóminos, e que constituem inovações face ao projeto de arquitetura original.

Alegaram para o efeito, e em síntese, o seguinte:

- Os requerentes são condóminos do prédio supra identificado, constituído em regime de propriedade horizontal, o primeiro e segundo proprietários da fração autónoma designada pela letra ..., correspondente à cave, com entrada pelo n.º ...3 da ..., .... requerentes são proprietários em comum e sem determinação de parte ou direito da fração ... (rés-do-chão) e os ... e ... requerentes são comproprietários da fração ... (rés-do-chão), sendo o 1º. Requerido proprietário da Fração ..., correspondente ao rés-do-chão, com entrada pelo n.º ...3 da ...;

- A 2ª. requerida é titular do Alvará de Obras de Alteração n.º ...20, emitido no âmbito do Processo Municipal nº .../EDI/2018, que tem por objeto a fração ..., tendo iniciado no dia 10/1/2022 obras, pretendendo, de acordo com o alvará de obras de alteração, realizar “a reabilitação do logradouro da Rua ...”, com a criação de uma plataforma impermeável comunicante com algumas janelas da fração; numa das fachadas será criada uma pérgula sob a qual os vãos existentes serão alterados, pretendendo ainda construir uma piscina, abrangendo com tais obras, para além da Fração ..., o logradouro, a fachada poente e o terraço que constitui a cobertura da fração ...;

- A obra que a 2ª. Requerida pretende realizar implica a transformação de 4 vãos de janela em 2 portas, a construção de 2 novos corpos balanceados a partir da fachada poente, elevação do logradouro, cobrindo o saguão da Fração ... com novas “varandas/passadiços”;

- O logradouro do prédio tem um espaço lajeado com calçada portuguesa, com espaço de estacionamento para 2 viaturas, ladeado por canteiros e a níveis inferiores em socalcos, uma zona de terraço em tijoleira, que é cobertura de parte da fração ..., onde se prevê a construção de uma garagem e de piscina panorâmica e canteiro sobre a cobertura da fração ...;

- A subida das cotas do logradouro tem como consequência o ensombramento e redução de arejamento da Fração ...;

- A obra projetada, com a nova laje de cobertura, tapará a vista de janelas da Fração ... e impedirá a ventilação natural das divisões respetivas e prejudica não só a linha arquitetónica do prédio, como põe em causa o seu arranjo estético original;

- Os requeridos não pediram nem obtiveram autorização da assembleia de condóminos para realizar as obras descritas, que abrangem o logradouro, o terraço de cobertura da fração ... e as fachadas do prédio, partes comuns do edifício;

- A execução das obras em curso representará uma lesão do direito dos requerentes a não ver alterada a estrutura arquitetónica e o arranjo estético do edifício, além de que no caso da Fração ... fica sem luz natural e com deficiente ventilação.


2. Citados, os requeridos vieram deduzir oposição alegando, em estrita síntese, o seguinte:

- Parte dos trabalhos visados com o embargo já há muito estão concluídos e a intervenção remanescente não chegou sequer a avançar;

- O requerido KK adquiriu a fração autónoma ..., destinada a habitação, correspondente ao rés-do-chão - com entrada pelo n.º ...3, da ... e logradouro com acesso pelo n.º ...3... (com uma área de 266,52 m2) -, que faz parte integrante do prédio urbano descrito no artigo 1º. do requerimento inicial, e, desde 17 de março de 2017, a requerida Paradise Pyra é arrendatária dessa fração, que adjudicou à 2..., S.A., a empreitada de reabilitação/remodelação do interior e requalificação do logradouro da fracção ..., a executar por 4 fases distintas, sendo a 4ª. fase da empreitada a de intervenção na área do logradouro, com projeto aprovado pelo município;

- Pelo menos desde início de 2018 que os requerentes têm conhecimento da obra projectada para a Fração ..., incluindo o seu logradouro;

- O início das obras de obras de reabilitação/remodelação do interior da Fração ... remontam ao início de 2018, tendo todos os factos relativos à obra sido levados ao conhecimento de todos os proprietários;

- Em 25 de junho de 2020, foi emitido o Alvará n.º ...20, que titula a referida aprovação das obras, tendo os requeridos sido informados, em 27 de abril de 2020, da aprovação do projeto de arquitetura a efetuar no logradouro;

- Em 21 de outubro de 2020, foram iniciados trabalhos de escavações e movimentação de terras no pavimento do logradouro necessárias às sondagens de diagnóstico arqueológico;

- Foi intentada uma providência cautelar com o propósito de suspender a eficácia do ato administrativo - Alvará de Licença de Obras de Alteração nº ...20 (Proc. nº 1887/20...., que correu termos no Tribunal Administrativo ..., ...); foi intentada ação administrativa comum para anulação do ato administrativo, julgada improcedente, em novembro de 2021;

- Em 7 de janeiro de 2022, foi remetida comunicação dos requeridos aos requerentes, a informar que seria iniciada a obra projetada;

- Os trabalhos de montagem dos vãos de portas de acesso da Fração ... (pela empena poente) ao logradouro próprio foram executados entre início de janeiro de 2021 e 18 de fevereiro de 2022;

- Desde 18 de fevereiro de 2022, que não se encontra em curso qualquer obra, trabalho ou serviço novo, pelo que não há sequer obra a sujeitar a embargo;

- Os requerentes há muito têm conhecimento das obras executadas e concluídas no interior da Fração ... e a conclusão da execução dos vãos de porta da sala de jantar e sala de estar para acesso ao logradouro são do seu conhecimento desde meados de 2020;

- A providência de embargo é um meio processual inidóneo para obter a demolição das obras, pois que apenas visa regular a situação de forma a evitar a ocorrência de prejuízos e lesões que afetem gravemente o direito, enquanto a situação não é regulada definitivamente na ação principal;

- Os trabalhos de execução e montagem dos vãos de porta ao nível do rés-do-chão – fração ... – de acesso ao logradouro estão concluídos; os trabalhos de escavação, estrutura, fundações e construção civil previstos para o logradouro não se iniciaram e tais obras não configuram inovações em partes comuns do prédio, por integrar a fração ..., não tendo as obras potencial ofensivo de direito real ou pessoal de gozo ou da posse dos requerentes/partes comuns do prédio;

- A substituição dos vãos de janela da Fração ... constitui apenas a reposição da fachada do edifício de acordo com o seu desenho arquitetónico original e não afeta a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício;

- Há que ponderar os interesses em presença em função de um juízo de proporcionalidade, devendo aplicar-se o instituto do abuso de direito, impedindo a pretensão dos requerentes.

No final pugnaram:

a) Pela procedência da exceção perentória da caducidade do direito e sua absolvição do pedido;

b) Pelo indeferimento liminar, por falta de verificação dos pressupostos de que depende e por erro na forma do processo ou meio processual

c) E, caso assim não se entenda, pela sua improcedência dos embargos.


3. Os requerentes responderam às exceções deduzidas pelos requeridos, pugnando pela improcedência.


4. Realizada a audiência final (que incluiu, em termos probatórios, a inspeção ao local), foi proferida sentença que, no final, decidiu nos seguintes termos:

« a) Declarar improcedente, por falta de fundamento de facto, a requerida providência de demolição das obras concluídas;

b) Declarar improcedente, por idêntica falta de fundamento, o requerido embargo de obra;

c) Determinar que os requeridos prestem caução nos autos, cujo valor se estabelece provisoriamente em €50.000 (cinquenta mil euros), fixando-se o valor definitivo na sequência de contraditório das partes.

- Prazo para exercício de contraditório sobre a determinada caução: dez dias a ambas as partes, correndo em simultâneo.

- Prazo de prestação de caução: vinte dias. »


5. Inconformados com tal sentença/decisão, interpuseram os requerentes recurso de apelação e os requeridos recurso subordinado, sendo este restrito à parte da sentença que julgou improcedente a exceção de caducidade suscitada.


6. Por acórdão proferido a 25-10-2023, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu julgar improcedente o recurso subordinado (dos requeridos) e parcialmente procedente a apelação independente (dos requerentes), e em consequência:

« a. Revogar a decisão recorrida na parte em que julgou improcedente o embargo de obra nova e determinou que os requeridos prestassem caução, fixando o valor provisoriamente em 50 000,00 € (alíneas b) e c) do dispositivo);

b). Decretar o embargo de obra nova, com a suspensão imediata das obras em curso no prédio em regime de propriedade horizontal sito na ..., ... e Escadinhas ..., nºs. ..., ...-A e ...-B, freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha n.º ...19 da freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana da respetiva freguesia sob o artigo ...38, em concreto, na fachada correspondente à fração ... e logradouro. »


7. Inconformados com o decidido por esse acórdão da Relação, vieram os requeridos interpor o presente recurso de revista excecional (à luz da conjugação dos invocados artºs. 370º, n.º 2, e 672º, n.º 1 al. c), do CPC, invocando, para justificar a sua admissibilidade a existência de contradição de julgados entre o acórdão recorrido e os acórdãos da Relação aí identificados e sobre as questões de direito que discriminam, e a que adiante nos referimos), tendo concluído as respetivas alegações nos seguintes termos (que se transcrevem, com respeito da ortografia):

« 1) De acordo com o artigo 647.º/4 do Código de Processo Civil, o recorrente pode requerer, ao interpor o recurso, que a apelação tenha efeito suspensivo quando a execução da decisão lhe cause prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução.

2) Um dos requisitos é sim o “prejuízo considerável”, que in casu principia logo pela segurança e conservação do prédio em causa e das pessoas que ao mesmo se deslocam e residem na área envolvente versus os prejuízos que tais obras podem importar na esfera jurídica dos Recorridos.

3) Concretizando os prejuízos:

A) Desde 30 de agosto de 2022 (data do reinício dos trabalhos e até ao momento), os montantes já pagos, por conta da Empreitada, ascendem a €201.464,91 (Doc 2 a 4 juntos com Incidente).

B) A obra está atualmente numa fase de execução critica, tornando-se imperativa a conclusão de tarefas de contenção de terras, escoramento, redes de drenagem e escoamento de águas e impermeabilizações que impõem à razão das mais elementares regras de segurança a prossecução dos trabalhos em curso.

C) O logradouro está agora a céu aberto e à mercê do período mais intenso de chuvas, sem que se encontrem executadas as necessárias atividades de contenção, escoramento, drenagem e impermeabilização.

D) A suspensão dos trabalhos no estado em que se encontra a obra, fará inevitavelmente afluir ao logradouro da Fração ... grandes quantidades de águas pluviais, sem que as redes de escoamento, drenagem e ou sistemas de impermeabilização se encontrem executadas.

E) O acumular de águas da chuva no logradouro, pode provocar graves problemas ao nível das fundações e da estrutura em execução e a falta de drenagem, escoamento e impermeabilização do local pode provocar desabamento de terras pela força de água acumulada, que, por sua vez, fará perigar a segurança de pessoas e bens de toda a área envolvente ao local intervencionado.

F) A conclusão das fundações, execução dos muros de suporte laterais, da rampa de acesso, da laje de fundo e da rede de esgotos pluviais são tarefas essenciais, determinantes e críticas quer para evitar ulteriores deteriorações dos trabalhos já realizados (não reparáveis se suspensas as obras), quer para prevenir danos e prejuízos em toda a área envolvente ao logradouro da Fração ....

4) A não execução atempada destes trabalhos, conforme calendário da obra, pode causar vir a causar prejuízos patrimoniais nas frações dos Recorridos, considerando a afluência e permanência de águas de chuva paradas, sem qualquer contenção ou drenagem preventivas.

5) Por outro lado, a execução do embargo, acarretará prejuízos diretamente decorrentes, no valor orçamentado em €14.250,00/por cada mês de paragem, considerando os custos de estaleiro, encargos com materiais e equipamentos já adquiridos e ou alugados para a obra, tudo no valor estimado de €93.610,00, acrescido de IVA (Doc 5 junto com Incidente).

6) Com o efeito devolutivo ao presente Recurso, os Recorrentes serão forçados a novo adiamento da conclusão da Empreitada, o que além da deterioração do espaço do logradouro, acarreta um incalculável incremento do custo da requalificação em curso, potenciando, claramente, o risco da caducidade da licença de construção, atento o decurso do respetivo prazo de duração, com todas as inerentes despesas e taxas adicionais a cobrar pelo Município ....

7) A suspensão imediata e ainda que temporária dos trabalhos em curso, obriga, por razões de segurança e estabilidade do logradouro e das construções confinantes, a realização imediata de alguns trabalhos de contenção, escoramento e drenagem, orçamentados de acordo com o Contrato de Empreitada em €80.810,00 (oitenta mil oitocentos e dez euros) – Vd. doc5.

8) No caso de resolução   prazo, sempre cumpriria ainda à Sociedade Recorrente pagar à Empreiteira pela não conclusão da Empreitada, um valor correspondente a 25% a 30% do saldo da empreitada, o que a 31.10.2022 se estimou em €371.804,82 (trezentos e setenta e um mil oitocentos e quatro euros e oitenta e dois cêntimos) – Vd. Doc. 5.

9) Com a suspensão das obras, os Recorrentes ficarão impedidos de utilizar todo o logradouro e os acessos à Fração ... pelas fachadas poente e principal do prédio.

10) Uma dilação temporal da conclusão da Empreitada implicará a renegociação de prazos de obra, de preços com materiais, equipamentos e mão de obra, com flutuações paticamente diárias, que, em muitos casos desde a data da emissão do Alvará de Construção, já sofreram incrementos de preço em mais de 50%.

11) Já se encontra prestada nos autos, garantia idónea, sob a forma de garantia bancária autónoma automática, no valor de €50.000,00, que assegura o valor das obras de reposição do logradouro na situação em que se encontrava em momento anterior ao início da Empreitada e previne a eventual reparação da lesão – prejuízos que da obra em causa possam advir para os Recorridos, proprietários da Fração ....

12) A garantia de caução pode ser considerada adequada e suficiente para os efeitos visados pelo artigo 647º, nº 4 do CPC, pelo que nada obsta à atribuição do efeito suspensivo ao Recurso apresentado, que deverá ser deferido, por via de prestação de caução, conforme dispõe o artigo 647º, nº 4 do CPC.

13) Os requisitos indispensáveis para que a apelação tenha efeito suspensivo nos termos do disposto no artigo 647.º/4 do Código de Processo Civil estão verificados, devendo esta caução considerar-se já prestada, o que se requer.

14) O presente recurso de Revista é admissível nos termos do disposto no artigo 370º nº 2, e 672º, nº 1 al. c), ambos do CPC, e tem por objeto a oposição de julgados quanto à questão da exceção da caducidade do direito de requerer o embargo e a aferição da desproporcionalidade do decretamento do embargo;

15) Está em causa a oposição e contradição, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, entre o Acórdão aqui recorrido e o sentenciado nos Acórdãos -fundamento (Docs. 1 a 4 que se juntam):

(i) Acórdão da Relação de Lisboa, datado de 19.11.2020, proferido no âmbito do processo 12889/20.2T8LSB.L1, que teve como relatora a Senhora Dra. Gabriela Cunha Rodrigues (consultável em www.dgsi.pt),

(ii) Acórdão da Relação de Lisboa datado de 27.10.2016, proferido no âmbito do processo 3616/16.0T8LSB.L1-6, que teve como Relator Exmo. Dr. Eduardo Petersen Silva (consultável em www.dgsi.pt);

(iii) Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14.10.2008, no processo 0824494que teve como Relator Exmo. Senhor Dr. Carlos Moreira, (consultável em https://jurisprudencia.pt),

(iv) Acórdão da Relação de Coimbra de 20.04.2021, proferido no âmbito do processo 3383/20.2T8CBR.C1, que teve como Relator Exmo. Dr. Carlos Moreira (consultável em www.dgsi.pt);

16) O primeiro Ac. fundamento, proferido pela Relação de Lisboa de 19.11.2020 supra identificado, entendeu que em várias comunicações trocadas no processo resultou a invocação da violação do direito de propriedade pela Requerente, pelo que culminou com a decisão que dúvidas não restariam, de que o prazo de 30 dias começou a contar, pelo menos, com o envio de um e-mail de 4 de maio de 2020, pelo que no dia do auto de embargo extrajudicial datado de 16 de junho de 2020, já havia decorrido o prazo de 30 dias para a realização do embargo extrajudicial.

17) O segundo Ac. fundamento proferido pela Relação de Lisboa de 27.10.2016, melhor identificado supra, considerou que o prazo de trinta dias começa a contar-se a partir do momento em que o titular do direito tenha conhecimento do facto, isto é, a partir do conhecimento de que a obra é lesiva do seu direito ou de que o iria prejudicar (consubstanciado no conhecimento da verificação do dano ou do perigo da sua ocorrência).

18) Ou seja, ambos os Acórdãos fundamento consideram, para efeitos de contagem do prazo em causa, o conhecimento do facto que gera a potencialidade lesiva do direito do embargante, e não a execução de algumas obras em concreto, descurando do contexto em que se inserem e da relação de dependência dos trabalhos;

19) Ao contrário dos Acórdãos fundamento, o Acórdão recorrido, não teve presente o alcance da prova documental produzida, nem fez o devido enquadramento da mesma em face do direito aplicável, proferindo uma decisão manifestamente errada, sendo o sumário dado ao Acórdão o corolário do vício que se lhe aponta.

20) O Tribunal da Relação fez tábua rasa das próprias afirmações e confissões dos Recorridos expressamente registadas em diversos documentos juntos à oposição, como sejam - Doc. 20 -Providência Cautelar Administrativa de outubro de 2020 (artigo 16º e segs., em que resulta a admissão pelos Recorridos, do conhecimento efetivo do inicio das obras em 09.09.2020, assim como, os alegados prejuízos que comportariam na sequência da obra), e Doc. 21 -Ação administrativa do mesmo mês (artigo 18º, os Requerentes/Recorridos admitem ter tido conhecimento das obras (dimensão e objeto) e dos prejuízos das mesmas decorrentes em finais de agosto de 2020).

21) Quanto ao Juízo da Desproporcionalidade do Decretamento do Embargo, o Acórdão recorrido incorre ainda em contradição com o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14.10.2008, no processo 0824494, que teve como Relator Exmo. Senhor Dr. Carlos Moreira, (consultável em https://jurisprudencia.pt), e do qual resulta que o preceituado pelo atual 401º, e a não aplicação do nº 2 do art. 368º ambos do CPC, imposta pelo nº 2 do artº 374º artº 376º, nº 1 e 2, consubstancia, uma exceção a esta exceção, ou seja, no que ao embargo de obra nova concerne, figura como uma repristinação deste segmento normativo, impondo um juízo de ponderação e proporcionalidade, ainda que condicionado à prestação de caução.

22) Ainda, o Ac. fundamento proferido pela Relação de Coimbra de 20.04.2021, no âmbito do processo 3383/20.2T8CBR.C1, que teve como Relator Exmo. Dr. Carlos Moreira (consultável em www.dgsi.pt), veio entender que não obstante os termos do artº 376º, nº 1 do CPC, o afastamento dos princípios atinentes ao procedimento cautelar comum, quanto à providência nominada de embargo de obra nova não se verificam, em face dos elementos lógico e teleológico da hermenêutica jurídica, e na perspetivação e enquadramento da natureza e finalidades da globalidade dos procedimentos cautelares.

23) Entendeu o Acórdão fundamento supra citado, que o artº 397º CPC, ao continuar a exigir que a ofensa do direito resulte de uma obra, trabalho ou serviço que lhe cause ou possa causar prejuízo, não releva uma qualquer ofensa, mas antes a ofensa de que resulte prejuízo, e por isso esse prejuízo, no âmbito de uma qualquer providência cautelar, não pode ser um qualquer e minudente prejuízo, quer na vertente qualitativa, quer na quantitativa.

24) O Acórdão Recorrido está inequivocamente em contradição com os Acórdãos fundamento invocados, encontrando-se preenchidos os requisitos do disposto no artigo 672º CPC, pois é notória (i) a identidade das questões de direito sobre que incidiram os acórdãos em confronto - caducidade do direito de requerer o embargo de obra nova e desproporcionalidade do decretamento do embargo -, e que tem pressuposto a identidade dos respetivos pressupostos de facto; (ii) a oposição emergente de decisões expressas e não apenas implícitas; e, (iii) a oposição com reflexos no sentido da decisão tomada.

25) Existe contradição de julgados entre o acórdão recorrido – que entendeu não se verificar a exceção da caducidade do direito por considerar para efeitos do prazo estatuído pelo artigo 397º do CPC, apenas e somente a execução efetiva de alguns dos trabalhos – e, os acórdãos fundamento – que entenderam que tal prazo tem como pressuposto o enquadramento da realidade, nomeadamente o facto do conhecimento de que a obra a executar ter a potencialidade lesiva do direito, na medida em que for evidente que será concretizada.

26) Os Acórdãos-fundamento, retratam as obras, considerando complexas e correlacionadas, e por isso o facto relevante cujo conhecimento marca a contagem inicial do prazo, será aquele que faça concluir com grande probabilidade que a obra potencialmente lesiva será concretizada.

27) Nessa ótica, o prazo para a apresentação tempestiva da providência cautelar de embargo de obra nova há muito que se encontrava ultrapassado na data da petição inicial (07.02.2022).

28) Na questão da desproporcionalidade do decretamento do embargo, ainda que o art.º 397.º n.º 1 do CPC não refira expressamente este juízo, não deixa o legislador de, expressamente prever, no art.º 401.º, a possibilidade de ser determinada imediata continuação da obra quando se apure que o prejuízo resultante da paralisação é consideravelmente superior ao que pode advir da sua continuação.

29) O Acórdão da Relação recorrido, não obstante considerar a cumulação de providências, não entendeu que devesse concretizar qualquer avaliação dos direitos, à luz de critérios de proporcionalidade, contrariando assim, o Ac. fundamento do Tribunal da Relação do Porto, em Acórdão de 14.10.2008, no processo 0824494, do Senhor Relator Carlos Moreira, consultável em https://jurisprudencia.pt,

30) Este Ac. fundamento, perfilhou o entendimento de que o preceituado pelo atual 401º, e a não aplicação do nº 2 do artigo 368º, ambos do CPC, aos procedimentos especificados imposta pelo nº 2 do artº 374º, nº 1 e 2 do art. 376º, consubstancia, uma exceção a esta exceção, ou seja no que ao embargo de obra nova concerne, figura como uma repristinação deste segmento normativo, posto que condicionado à prestação de caução.

31) A aferição da magnitude do prejuízo dos litigantes se se releva no processo, mal se compreenderia que ela não tivesse qualquer relevância logo no seu início, quanto mais não seja para se fazer uma triagem relativamente aos casos em que são alegados danos cuja irrelevância ou minudência não justifique este procedimento excecional e urgente que é o embargo de obra nova.

32) A decisão recorrida é igualmente contrária ao Ac. fundamento proferido pela Relação de Coimbra de 20.04.2021, proferido no âmbito do processo 3383/20.2T8CBR.C1, que teve como Relator Exmo. Dr. Carlos Moreira (consultável em www.dgsi.pt), que defendeu que do embargo de obra emerge um conflito de interesses traduzido no interesse do dono da obra na sua continuação e no interesse do embargante na sua suspensão, devendo no confronto desses dois prejuízos - o resultante da suspensão da obra e o resultante da continuação -, isto é, entre as vantagens emergentes da providência e os prejuízos que dela podem advir para o embargado, prevalecer o interesse mais valioso.

33) Em qualquer das teses, sendo as regras de direito as mesmas e os factos alegado se provados até similares, verificamos oposição de julgados entre os Acórdãos fundamento e com o Acórdão recorrido.

34) O presente recurso, em face das matérias acima referidas, comporta uma discussão que poderá vir a ter um efeito preventivo e clarificador relevante, em que o Supremo Tribunal de Justiça deverá assegurar uma solução no que respeita a eventuais e futuras situações semelhantes.

35) São questões, que suscitam uma divergência quer ao nível da Doutrina, quer da Jurisprudência, sendo por isso conveniente a intervenção do Supremo para orientar os tribunais inferiores.

36) As questões, pela sensibilidade jurídica que apresentam quer pela complexidade, são suscetíveis de provocar divergências, por força da sua originalidade, que obrigam a operações exegéticas de elevado grau de dificuldade.

37) A tomada de posição do Supremo Tribunal de Justiça assume aqui particular relevância social, no sentido da repercussão e larga controvérsia que as questões em causa suscitam, que torna indispensável um profundo e mais pormenorizado estudo e reflexão por se tratar de questão de decisão duvidosa, considerando os interesses em causa, por conexão com valores socioculturais, ou, enfim, por se correlacionarem com situações que põem em causa a eficácia do direito e põem em dúvida a sua credibilidade, quer na formulação legal, quer na aplicação casuística, estando, pois, neste enquadramento incluído o caso concreto, na medida em que há um invulgar impacto na situação da vida das partes envolvidas que a norma ou normas jurídicas em apreço visam regular.

38) Nos autos, discute-se uma questão de evidente e de notória complexidade, que convoca a interpretação a aplicação de vários preceitos legais, como também as pertinentes regras do Código Civil, como sejam as referentes à caducidade, exigindo –se por isso mesmo, uma incursão séria e ponderada das normas e direitos em conflito.

39) Assim, está cumprido o dever plasmado no artigo 672ºdo CPC, sendo admissível, o recurso de revista excecional interposto do Acórdão da Relação que revogou parcialmente a decisão de 1ª Instância.

40) Em 10 de novembro de 2022, ao abrigo do disposto nos artigos 615º, nº 1 al. c) e 616º nº 2, aplicáveis ex vi do artigo 666º nº 2, todos do Código de Processo Civil, os Recorrentes apresentaram Reclamação para a Conferência, cuja apresentação se justificou por razões de cautela e dever de patrocínio, requerendo-se a sua admissão, sem prejuízo da respetiva apreciação poder ficar dependente da admissão do presente Recurso de Revista Excecional.

41) Os Recorrentes não se conformam com a circunstância do Acórdão proferido em 25 de outubro, fazer uma errada aplicação e qualificação jurídica dos factos, com uma manifesta oposição entre os fundamentos e a decisão.

42) O segmento decisório do Acórdão quanto à improcedência da exceção perentória invocada – caducidade – não relevou para o cômputo do prazo, o conhecimento dos atos preparatórios, todos há anos do perfeito e total conhecimento dos Requerentes, como (i) a aprovação do projeto de Arquitetura (16 de Abril de 2019); (ii) licenciamento da obra por parte da Câmara Municipal ... (27 de Abril de 2020);(iii) a comunicação prévia do início dos trabalhos ou a colocação de materiais no local (09 de Setembro de 2020),(iv) a decisão proferida nos autos de providência cautelar e ação principal que correu termos sob o nº 1887/20...., no Tribunal Administrativo ..., ... (26 de Novembro de 2021);(v)nova comunicação prévia de inicio dos trabalhos (07 de Janeiro de 2022).

43) O Tribunal considerou como momento relevante para o início da contagem do prazo de 30 dias previsto no artigo 397º do CPC, não o do conhecimento do facto da realização das obras, e a execução de alguns dos trabalhos, mas o início da realização de apenas alguns trabalhos específicos dessas obras.

44) A caducidade é uma forma de extinção de direitos, sendo que o legislador em concreto manda atender ao evento que constitui o direito, ou seja, o momento em que dele tome conhecimento e que pode o direito ser legalmente ser exercido.

45) A prova efetuada (Doc. 3, 5, 6, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 19, 20, 21 e 25 da oposição e ainda o documento junto com requerimento de 17.06.2022 com ref. ...62, e os factos provados e assentes sob o ponto 9, 10 e 12, 14 a 16 da sentença), foi totalmente negligenciada pelo Tribunal da Relação, o que culminou com a errada qualificação jurídica.

46) O conhecimento efetivo pelos Recorridos de que se pretendia realizar uma operação urbanística previamente licenciada, que envolvia a execução de obras no logradouro da Fração ..., com a reposição dos vãos de porta de acesso àquele logradouro (a executar na empena poente do edifício), a escavação de parte da área do logradouro e a construção de uma piscina, há muito anos que verificou.

47) As obras no seu conjunto foram iniciadas pelos Recorrentes em 2020, ainda que divididas por etapas ou fases de obra.

48) O Acórdão recorrido ignorou a principal conclusão abordada na jurisprudência que o próprio cita: (…) início em termos que façam concluir com grande probabilidade que a obra potencialmente lesiva será concretizada (…), (exemplo desse facto - doc. 19 da Oposição), efetuando por isso uma interpretação errada do que resulta estatuído no artigo 397º do CPC e do 328º do C. Civil.

49) O Ac. recorrido viola de forma flagrante, as referidas normas, incorrendo em erro na qualificação jurídica dos factos (cfr. artigo 616º, nº 2 al. a) do CPC), isto sem desconsiderar o vício da nulidade por se encontrar em oposição com os factos provados (artigo 615º do CPC).

50) O Acórdão padece ainda do vício de erro na qualificação jurídica dos factos (artigo 616º, nº 2 al. a) do CPC), quanto à decisão da falta de consentimento dos Recorrentes para realização de obras em causa.

51) Foram ainda totalmente desconsiderados no Acórdão em causa, a geometria do prédio, o facto de se ter tratado de uma construção desde 1890 efetuada em fases e datas distintas, a real localização da área do logradouro (que não tem qualquer ligação funcional ou conexa ao prédio salvo no que respeita à/e pela Fração ...), o facto de sob o logradouro não se encontrar edificada qualquer construção e o facto do subsolo dessa área tampouco poder ser acedida ou utlizada, seja de que forma for pelas demais frações por total falta de acesso/acessibilidade e por isso tampouco com qualquer conexão funcional ao prédio, o facto da pretensão dos Recorrentes ter sido apreciada, sindicada e avaliada pelo Município ... em sede de controlo prévio da operação urbanística.

52) O logradouro, constitui parte integrante e privativa da Fração ... – propriedade do Recorrente KK, verificando-se, quanto a este facto uma dupla conforme.

53) A obra em curso e a executar versa exatamente sobre espaço propriedade do dit Recorrente veja-se ainda doc. 6 do requerimento inicial, e doc. 27 e 28 juntos à Oposição).

54) O erro do segmento decisório surge precisamente na parte em que qualificado o logradouro como parte própria e integrante da fração ..., ainda assim implicará necessariamente intervenção em partes comuns do edifício, como sejam o solo e subsolo desse logradouro, e por isso dependem de consentimento prévio dos demais Condóminos.

55) A superfície do logradouro, sempre foi destinada ao parqueamento de veículos automóveis, sendo munida de portão próprio e adequado para esse fim, e a pretensão dos Recorrentes apenas visa cobrir essa área de parqueamento de um veículo automóvel.

56) E o subsolo, que corresponderá ao que está por baixo do solo, no caso em concreto inexiste qualquer construção, nem esse subsolo pode ser acedido ou utilizado por outrem, já que não é possível, seja de que forma for, o seu acesso ou a sua utilização (vd. Estudo Geológico - Geotécnico – Doc. 3 da Oposição.

57) A decisão peca por erro na determinação do direito, por total e errada interpretação dos preceitos legais aplicáveis, nomeadamente por não atender ao critério definido pelo artigo 1344º do C. Civil para a delimitação dos prédios.

58) O artigo 1344.º do Código Civil constitui a primeira disposição geral em matéria de propriedade sobre imóveis, e sob a epígrafe “limites materiais” determina no seu n.º 1, que a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que ele contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico.

59) Quanto ao subsolo, os seus limites podiam ser representados por linhas perpendiculares levantadas das extremas dos prédios até à profundidade suscetível de utilização, tendo o proprietário direito ao subsolo assim delimitado (Cfr. Pires de Lima, Lições de Direito Civil (Direitos Reais), cit., pp. 100-101.).

60) A aferição correta de tal delimitação, é precisamente feita pela existência de uma ligação exclusiva ou dominante, em que o logradouro a que nos reportamos nos presentes autos, assume a ligação material e funcional inequívoca, para se concluir com segurança, que existe aquela ligação, e que por isso o solo e subsolo são parte integrante daquele e como tal propriedade do Recorrido.

61) O artigo 1344º do Código Civil consagra a manifestação do princípio da especialidade ou da individualização que rege os direitos reais, na vertente segundo a qual, incidindo o direito de propriedade sobre a totalidade das coisas que constituem o seu objeto, não podem as suas partes integrantes ou componentes serem objeto de direito de propriedade de titular diferente, sendo o destino jurídico da coisa unitário.

O regime excecional consagrado pela propriedade horizontal, apenas teria cabimento legal, se o logradouro tivesse sido considerado parte comum de uso exclusivo, o que não se verificou nem sucedeu (veja-se a este propósito Carvalho Fernandes em Lições de Direitos Reais).

63) Impõe-se o recurso às normas que no domínio da propriedade de imóveis dispõem sobre a extensão do direito de propriedade, mostrando-se ilidida a presunção a que se refere o artigo 1421º, nº 1 e 2 do Código Civil, quanto à sua comunhão, que é assim da propriedade exclusiva do Recorrente, que se expande ao espaço aéreo, solo e subsolo, correspondente até onde um interesse prático, objetivamente entendido o justifique (Vide Ac. R.L. de 19.06.2008, disponível in www.dgsi.pt).

64) A conclusão decisória constante do Acórdão reclamado esbarra precisamente na previsão legal referente ao direito de propriedade, devendo por isso ser objeto de reforma, conforme se impõe pelo 616º, n º2 a) do CPC.

65) O segmento decisório do Acórdão do qual resulta o afastamento da opção assente no princípio da proporcionalidade, por compreender ser assumida no âmbito do procedimento cautelar comum (cf. art.º 368º, n.º 2 do CPC), peca também por se verificar uma falta de especificação do direito aplicável em face dos factos apurados e provados, com um manifesto lapso, quer na determinação da norma, quer na subsunção dos factos.

66) O Acórdão em causa descurou do Princípio da Imediação em Processo Civil, decretando uma providência cautelar substancialmente injusta ou desproporcionada.

67) In casu, o preenchimento cumulativo dos requisitos objetivos constantes do artigo 397º do CPC, não invalida a ponderação dos interesses de todos os intervenientes, não devendo ser decretado quando os prejuízos do embargante e do embargado sejam sensivelmente iguais ou quando a superioridade resultante da paralisação seja acentuada.

68) Esta ponderação e proporcionalidade também se aplica às providencias nominadas, pois que, nos termos do artº 376º, nº 1 do CPC, com exceção do preceituado no n.º 2 do artigo 368.º, as disposições constantes desta secção são aplicáveis aos procedimentos cautelares regulados na secção subsequente, em tudo quanto nela não se encontre especialmente prevenido.

69) O presente recurso tem por objeto o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 25.10.2022, na parte em que decidiu revogar a decisão recorrida que julgou improcedente o embargo de obra nova e determinou que os requeridos prestassem caução, ficando o valor em €50.000,00 (alíneas b) e c) do dispositivo) bem como, na parte que decretou o embargo de obra nova com suspensão das obras em curso, em concreto na fachada correspondente à Fração ... e logradouro.

70) No que concerne à exceção da caducidade invocada, oTribunal da Relação entendeu como tal o início da execução de trabalhos específicos da obra, ignorando os factos provados 9 a 17 e os docs. 3, 5, 6, 10, 11, 12, 13, 15, 16, 17, 19, 20, 21, 25 e ainda Doc. junto com requerimento de 17.076.2022 com a ref. ...62.

71) Um facto inequivocamente relevante e não instrumental ou despiciendo, é precisamente o conhecimento efetivo pelos Recorridos de que se pretendia realizar uma operação urbanística previamente licenciada.

72) A obtenção de um licenciamento de uma obra com o a visada, pela sua complexidade e dimensão junto dos serviços administrativos competentes, não poderia envolver outra ratio senão a da sua execução efetiva, daí a providência cautelar e a ação administrativa comum apresentada (Doc 20. da oposição), em que alegam e sustentam precisamente todos os pressupostos de que depende o decretamento de um a providência cautelar (ex: Fumus bonis Iuris, Periculum in Mora e Ponderação de Interesses).

73) Tal facto, reconhecido pelos próprios não pode ser desconsiderado para efeitos de qualificação do cômputo do prazo de 30 dias, previsto no artigo 397º do CPC.

74) As obras foram sendo cronologicamente executadas por fases, mas todas elas fazem parte um conjunto de tarefas que se encontram correlacionadas e que são dependentes umas das outras, nomeadamente a reposição dos vãos de porta na fachada poente, sempre seriam prévios à execução de nova fase de obras, que seriam precisamente os acessos para o logradouro.

75) Em termos práticos, e com o devido respeito, nunca poderia ser aquela a decisão a ser proferida, considerando que não fez uma correta interpretação, nem uma aplicação do direito, e contraria o entendimento perfilhado pelos Acórdãos da Relação de Lisboa de 19.11.2020, proferido no âmbito do processo 12889/20.2T8LSB.L1, subscrito pela Relatora Dra. Gabriela Cunha Rodrigues, disponível in www.dgsi.pt,); e de 27.10.2016 proferido no âmbito do processo 3616/16.0T8LSB.L1-6, subscrito pelo Relator Dr. Eduardo Petersen Silva, disponível in www.dgsi.pt, cuja cópia foi junta como Doc. 2). 76) É manifesta a contradição existente, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, entre o Acórdão aqui recorrido e o sentenciado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.11.2020, proferido no âmbito do processo 12889/20.2T8LSB.L1 (Relatora Dra. Gabriela Cunha Rodrigues) e no Acórdão da Relação de Lisboa de 27.10.2016, proferido no âmbito do processo 3616/16.0T8LSB.L1-6 (Relator Dr. Eduardo Petersen Silva).

77) Existe inequivocamente uma manifesta contradição de julgados, uma vez que estamos perante uma identidade da questão de direito sobre que incidiram os acórdãos sem confronto - caducidade do direito de requerer o embargo de obra nova -, e que tem pressuposto a identidade dos respetivos pressupostos de facto; a oposição emergente de decisões expressas e não apenas implícitas; e a oposição com reflexos no sentido da decisão tomada.

78) Neste quadro, existe contradição de julgados entre o acórdão recorrido – que entendeu não se verificar a exceção da caducidade do direito por considerar para efeitos do prazo estatuído pelo artigo 397º do CPC, apenas e somente a execução efetiva de alguns dos trabalhos – e, os acórdãos fundamento – que entenderam que tal prazo tem como pressuposto o enquadramento da realidade, nomeadamente o facto do conhecimento de que a obra a executar ter a potencialidade lesiva do direito, na medida em que for evidente que será concretizada.

79) Por outro lado, quanto ao juízo de proporcionalidade, o legislador tornou expressa, a necessidade de avaliação dos direitos em confronto, à luz de critérios de proporcionalidade, o que, sendo possível, deve ser feito na própria sede de decisão.

80) Dito isto, em 1ª Instância, em face dos elementos apurados, foi entendido que o projetado pelos Recorrentes, tem uma potencialidade oposta ao que poderia ser um prejuízo estético para o conjunto do condomínio, uma vez que as obras até poderão consubstanciar uma valorização estética do conjunto.

81) Por sua vez, o Acórdão fundamento, da Relação do Porto de 14.08.2008 (melhor identificado supra), deixou escrito que deverá pois apelar-se ao fim visado pelas providências cautelares, as quais têm na sua génese o propósito de alcançar uma decisão provisória do litígio, quando ela se mostre necessária para assegurar a utilidade da decisão, o efeito útil da ação definitiva ou seja, prevenir as eventuais alterações da situação de facto que tornem ineficaz a sentença a proferir na ação principal, que essa sentença (sendo favorável) não se torne numa decisão meramente platónica - A. Varela, Manual de Processo Civil, pág. 23.

82) Para o que aqui importa, entendeu que estas considerações assentes na doutrina e jurisprudência, aplicam-se igualmente às providências nominadas (Ac. fundamento supra citado, por oposição ao Ac. recorrido).

83) Face aos elementos lógico e teleológico da hermenêutica jurídica, na perspetivação e enquadramento da natureza e finalidades da globalidade dos procedimentos cautelares, tal juízo e ponderação impõe-se no embargo de obra nova (Ac.-fundamento).

84) Os Acórdãos fundamento melhor identificados supra, são unânimes em considerar que o preceituado em 401º do CPC, não obstante a não aplicação do nº2 do art. 368º aos procedimentos especificados imposto pelo art. 376º, nº1, se consubstancia, numa uma exceção a esta exceção, ou seja – e no que ao embargo de obra nova concerne – como uma repristinação deste segmento normativo, posto que condicionado á prestação de caução.

85) Concluem os Acórdãos – Fundamento, que se esta aferição do prejuízo dos litigantes eleva numa fase já avançada do processo, então (…) mal se compreenderia que ela não tivesse qualquer relevância logo no seu início, quanto mais não seja para se fazer uma triagem relativamente aos casos em que são alegados danos cuja irrelevância ou minudência não justifique este procedimento excepcional e urgente, indeferindo-se os mesmos liminarmente e, assim, se ganhando em termos de racionalização dos meios e da sua adstrição ao julgamento daqueloutros que efetivamente clamam aquela urgência. (…)

86) Ainda, de enaltecer a intelectualidade acolhida pelo Ac. fundamento proferido pela Relação de Coimbra em 20.04.2021, no âmbito do processo 3383/20.2T8CBR-C.1, que em sentido oposto ao Acórdão recorrido, considerou que este tipo de providência cautelar em concreto, acarreta um cariz antecipatório, que excede a natureza simplesmente cautelar ou de garantia, aproximando-se de medidas de índole executiva, umas vez que o seu decretamento, garante desde logo e independentemente do resultado que se obtiver na ação principal, um determinado efeito (Cfr. Ac. da RL de 30-05-2006, p. 2562/2006-1, in www.dgsi.pt).

87) Da oposição de julgados resulta claro que os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (cfr. Ac. do STJ de 28-04-2014, P.º nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1, relator ABRANTES GERALDES).

88) Permitindo o artigo 401º do CPC, que se faça esse juízo à posteriori, nada obsta a que, por via da cumulação do disposto nos artigos 397º, 376º, nº 1, 2, e 374ºn. 2, todos do CPC, essa mesma ponderação, não possa ser antecipada desde logo na decisão.

89) Neste sentido, perante a manifesta oposição de julgados, existindo oposição decisória entre o Acórdão recorrido e os Acórdãos fundamento, por identidade no núcleo essencial da matéria em litígio, é justo concluir que o Acórdão-recorrido merece censura, na medida em que não fez uma correta interpretação, nem uma aplicação do direito, pelo que deverá ser integralmente substituído, por uma decisão que ordene a revogação do embargo decretado, ainda que mediante prestação de caução, conforme 374º, nº 2 do CPC. »

Terminam os recorrentes, peticionando que se decrete o efeito suspensivo da presente Revista Excecional, aceitando o valor da caução já prestada pelos recorrentes, ou caso assim não se entenda, que se fixe o valor da caução que deva vir a ser prestada e que se julgue procedente o recurso interposto, com a consequente revogação do acórdão recorrido.


8. Em sede de contra-alegações, os requerentes/embargantes/recorridos pugnaram pela inadmissibilidade do recurso de revista excecional interposto, por falta de verificação dos respetivos pressupostos (vg. por os recorrentes terem renunciado ao recurso e, de qualquer modo, por não se verificar a por si invocada contradição de julgados), e, para o caso de assim não se entender, subsidiariamente manifestaram-se pela atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso e pela improcedência do mesmo.


9. De forma tabelar, a exma. sra. juíza desembargadora relatora, por despacho de 15/12/2022, recebeu o recurso o como revista normal/geral, mas com o fundamento específico previsto na al. d) do nº. 2 do artº. 629º do CPC (contradição entre julgados), atribuindo-lhe, agora de forma fundamentada, o efeito devolutivo.


10. Corridos que foram os vistos legais, cumpre a apreciar e decidir.


***

II- Fundamentação



1. Questões prévias

1.1 Da renúncia do direito ao recurso pelos recorrentes.

Nas suas contra-alegações, invocam os recorridos, a título preliminar, que os recorrentes renunciaram à interposição de recurso de revista ao apresentarem, através do requerimento de 10/11/2022, pedido de reforma do acórdão recorrido ao tribunal a quo e ao suscitarem junto deste a apreciação das nulidades da decisão. E daí defenderem a inadmissibilidade do recurso.

Ora, analisado o teor da reclamação apresentada pelos recorrentes, apresentada através do aludido requerimento de 10/11/2022, constata-se que a mesma foi deduzida sa título cautelar, ficando a sua apreciação pendente somente para o caso da (não) admissão do recurso, deixando-se aí expressamente consignado “que não obstante a apresentação da presente reclamação, e sem prejuízo de tudo o quanto vem exposto infra, tal não obsta, nem fará precludir, o direito de os Recorridos apresentarem ulterior Recurso de Revista Excecional, direito que lhes assiste e do qual não prescindem.” (n.º 1). O que foi ainda reafirmado/reforçado, logo a seguir (no n.º 2 desse mesmo requerimento), ao dizer-se que “A presente Reclamação, é desde (já) apresentada por razões de cautela e de dever de patrocínio, devendo ser admitido, sem prejuízo da sua apreciação poder ficar pendente da admissão do recurso de revista que, e prazo será apresentado.” (sublinhado nosso)

É verdade que, em abstrato, a apresentação de reclamação do acórdão recorrido (com o pedido de reforma do mesmo com fundamento em errada aplicação e qualificação jurídica dos factos e ainda com a arguição de nulidades de que o mesmo alegadamente enferma), em lugar da interposição de recurso de revista, poderia ser considerada como renúncia tácita ao direito de recorrer com base nos fundamentos invocados, desencadeando a denominada preclusão lógica (cfr., a este respeito, o acórdão do STJ de 26/01/2021, proc. 103/06.8TBMNC.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

Todavia, no caso em apreço, a declaração dos recorrentes contida no aludido requerimento, interpretada segundo as regras enunciadas nos artºs. 236º e 238º do CC (por força do estatuído no artº. 295.º do mesmo diploma), não deixa margem para dúvidas de que os recorrentes não pretenderam abdicar da possibilidade legal de interporem recurso de revista da decisão prolatada. A dedução, a título subsidiário, dos dois meios sucessivos de reação ao acórdão proferido – em relação aos quais correm, aliás, prazos de apresentação não coincidentes, como se extrai do disposto nos artºs. 149º e 638º nº. 1 do CPC, com o prazo da reclamação e/ou de arguição de nulidades a ser mais curto de que aquele previsto para os recursos - compreende-se, do ponto de vista da estratégica processual, como um meio de acautelar um eventual não conhecimento do recurso.

Decorre, assim, do exposto que não se deverá ter por verificada a renúncia dos recorrentes ao direito a interpor o presente recurso de revista (artº. 632º n.º 1 do CPC), pelo que a pretensão dos recorridos a este respeito deverá improceder.

1.2 Da (in)admissibilidade do recurso.

1.2.1 Importa, desde já, deixar referido que nada impede que se conheça da referida questão, sem prévio cumprimento do disposto no artº. 655º do CPC, pois que, como decorre do que se deixou exarado no Relatório que antecede (cfr. pontos 7. e 8.), e melhor ressalta das alegações/conclusões do recurso e das contra-alegações ao mesmo, as partes já se pronunciaram a esse propósito (sobre alegada (in)existência da contradição de julgados em que se fundamenta o recurso). E daí que, e tal como constitui entendimento prevalecente neste tribunal, em tais situações não há que cumprir tal normativo legal, pois que a decisão que vier a ser proferida sobre a questão não constituirá decisão surpresa para as mesmas, uma vez que já emitiram pronúncia no que a ela concerne (cfr., nesse sentido, por todos, Acs. do STJ de 19/01/2023, proc. nº. 1906/19.5T8LSB.L1.S1, de 03/03/2020, proc. nº. 26622/18.5T8LSB.L1.S1, e de 03/10/2019 , proc. n.º 167/06.4TBMFR.L1.S2, disponíveis em www.dgsi.pt).

Como ressalta do que se deixou exarado no Relatório, os requeridos/embargados interpuseram recurso de revista excecional do acórdão da Relação, proferido no âmbito do procedimento cautelar de embargado de obra nova, que, a pedido do requerentes/embargantes, decretou o embargo da obra que está ser levada efeito por aqueles, invocando, para justificar a sua admissibilidade, a existência de contradição de julgados entre o acórdão recorrido e os acórdãos da Relação que aí identifica, no que concerne às questões a que adiante nos referiremos.

Os embargantes/recorridos defenderam a inadmissibilidade desse recurso por não se verificarem os respetivos pressupostos, e mais concretamente a contradição de julgados invocada como fundamento do mesmo.

De forma tabelar, a exma. sra. juíza desembargadora relatora, recebeu o recurso o como revista normal/geral, mas com o fundamento específico previsto na al. d) do n.º 2 do artº. 629º do CPC (contradição entre julgados).

Apreciando.

Como é sabido, a decisão que admita um recurso (bem como fixe a sua espécie e determine o seu efeito) não vincula o tribunal superior, neste caso este Supremo Tribunal (cfr. artº. 641º, n.º 5, ex vi artº. 679º do CPC, diploma ao qual nos referiremos sempre que doravante mencionarmos um normativo sem a indicação da sua fonte).

O acesso ao terceiro de grau de jurisdição não é uma exigência constitucional.

Na verdade, está hoje consolidada a ideia de que o acesso ao triplo grau de jurisdição, em matéria civil, não constituiu uma garantia generalizada, imposta pela nossa Magna Carta. Assim, e ainda que ao legislador ordinário esteja vedada a possibilidade de eliminar, em absoluto, a admissibilidade o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, não existem impedimento absolutos – como, aliás, vem reconhecendo o Tribunal Constitucional – à limitação ou condicionamento do acesso ao Supremo. (Vide, a propósito, Abrantes Geraldes, in “Recursos em Código Processo Civil, 6ª. Edição Atualizada, Almedina, págs. 394/395”, Ribeiro Mendes, in “Recursos em Processo Civil, págs. 99/102”, e Lopes do Rego, in “O direito fundamental do acesso aos tribunais e a reforma do processo civil”, Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, pág. 764”).

E daí que, por razões de política legislativa (por ex., de celeridade processual), o legislador em determinadas matérias vede o acesso ao Supremo (como acontece, por exemplo, nas expropriações – cfr. artº. – 66, nº. 5, C. Expr. -, nas insolvências – artº. 14º do CIRE – e nos processos de jurisdição voluntária – artº. 988º, nº. 2) ou estabeleça critérios que impedem ou limitem esse acesso (entre os quais destacamos, como critérios gerais, os relacionados com o valor da causa ou com o grau de sucumbência - artº. 629º nº. 1 -, com a legitimidade do recorrente - artº. 631º -, com a natureza ou conteúdo da decisão - artº. 671º nº. 1 - ou com a dupla conforme - artº. 671º, nº. 3).

Entre essas matérias que, em regra, é vedado/excluído o acesso ao Supremo encontram-se as relativas aos procedimentos cautelares, como acontece com os presentes autos que têm essa natureza, e cujo objeto do recurso se reporta a uma decisão neles proferida.

Na verdade, dispõe-se no n.º 2 do artº. 370º que “Das decisões proferidas em procedimentos cautelares, incluindo a que determine a inversão do contencioso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível.” (Sublinhado e negrito nossos)

Constituiu entendimento consolidado neste Supremo Tribunal que a ressalva feita no referido normativo, quanto ao acesso ao 3º. grau de jurisdição, se reporta apenas aos casos comtemplados no n.º 2 do artº. 629º.

Numa síntese daquilo que acabamos de dizer/concluir escreve-se no Ac. do STJ de 07/06/2018 (proc. n.º 2877/11.5TBPDL-D.L2.S1, disponível em www.dgsi.pt) que “De harmonia com o disposto no art. 370, nº 2 do CPC, não cabe, em regra, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação proferido no âmbito de procedimentos cautelares, a não ser que se verifique qualquer uma das situações elencadas nas  alíneas a) a d) do n.º 2 do art. 629º, do CPC, em que o recurso é sempre admissível, ou seja, quando estejam em causa violação das regras de competência absoluta, ofensa de caso julgado, decisão respeitante ao valor da causa, com o fundamento de que o mesmo excede a alçada do tribunal recorrido, decisão proferida contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça e contradição de julgados.” (sublinhado nosso)

Esta restrição de recorribilidade é determinada, como sublinhou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/01/2018 (proc. n.º 7831/16.8T8LSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt).pela natureza provisória das decisões que no seu âmbito são emitidas.

Ora, encontrando-se a revista excecional apenas prevista para situações de dupla conforme, tal como configurada pelo artº. 671º, n.º 3, no pressuposto de que se verifiquem também os pressupostos gerais do recurso de revista “normal”, e constituindo fator impeditivo de qualquer recurso de revista a existência de norma que vede o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça – como é o caso do preceituado no artº. 370º n.º 2 -, não causa, pois, estranheza de que constitua entendimento consolidado da jurisprudência do STJ que os acórdãos proferidos pela Relação em processos relativos a procedimentos cautelares apenas sejam suscetíveis de ser objeto de recurso de revista dita “normal” nos casos excecionais previstos no citado artº. 629º n.º 2, não sendo admissível, quanto aos mesmos, recurso de revista excecional, prevista no artº. 672º (cfr., neste sentido, e por todos, os Acs. do STJ de 13/07/2021 e de 25/05/2021, respetivamente, nos procs. nºs. 11269/20.4T8LSB.L1.S1, e 3513/19.7T8LRA-A.C1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt).

É, pois, seguro que o presente recurso – a ser admitido - nunca o poderá ser a título de revista excecional, mas tão-somente a título de revista nos termos gerais, ou seja, como revista normal, caso os respetivos pressupostos se encontrem preenchidos.

1.2.2. Os recorrentes invocam, como fundamento (específico), que o acórdão recorrido se encontra em contradição com outros acórdãos proferidos pelos tribunais da Relação quanto a duas questões fundamentais: (i) caducidade do direito de requerer o embargo de obra nova e (ii) aferição da desproporcionalidade do decretamento do embargo.

Como vimos, de entre os casos em que o recurso se mostra sempre admissível conta-se aquele em que é invocada a contradição do acórdão recorrido com outro “dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme” (alínea d) do n.º 2 do artº. 629º).

Constitui entendimento consolidado no seio da jurisprudência do STJ o de que a norma constante da alínea d) do n.º 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil visa possibilitar a interposição de recurso de revista nos casos em que o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça se encontra vedado por razões estranhas à alçada da Relação. Com efeito, deve entender-se que este preceito só se mostra aplicável às situações em que, sendo a revista admissível nos termos gerais, se verifica uma irrecorribilidade estabelecida pela lei (cfr., por todos, Acs. do STJ de 02/06/2015, 23/06/2016, de 28/03/2019 e de 17.11.2020, respetivamente, nos procs. nºs. 149/14.2YHLSB.L1.S1, 2023/13.0TJLSB.L1.S1, 99/16.8T8LLE-C.E1.S1 e 6471/17.9T8BRG.G1.S1, acessíveis em dgsi.pt).

É, precisamente, o que sucede no caso dos procedimentos cautelares (como o fazem notar Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil, 7.ª ed., Almedina, 2022, pág. 61” e Miguel Teixeira de Sousa, in “Blog do Instituto Português de Processo Civil, texto datado de 24/06/2015, acessível em https://blogippc.blogspot.com/2015/06/jurisprudencia-157.html.”).

Num entendimento que vem sendo seguido de forma prevalecente neste Supremo Tribunal, Abrantes Geraldes, (in “Ob. cit., págs. 74/77”) sintetiza da seguinte forma os requisitos de admissibilidade do recurso com fundamento na citada alínea d) do n.º 2 do artº. 629º: (i) é necessário que o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça esteja vedado unicamente por motivos de ordem legal não ligados à alçada da Relação, já que se o valor da ação for inferior a € 30.000,00 ou a sucumbência não alcançar os € 15.000,00 a revista não é admissível; (ii) é necessário que se verifique identidade entre a questão de direito apreciada no acórdão recorrido e no acórdão fundamento (da Relação ou do Supremo Tribunal de Justiça) “não bastando que neles se tenha abordado o mesmo instituto jurídico; tal pressupõe que os elementos de facto relevantes para a ratio da regra jurídica sejam coincidentes, isto é, que a subsunção jurídica feita em qualquer das decisões tenha operado sobre o mesmo núcleo factual, sem se atribuir relevo a elementos de natureza acessória”; (iii) mister é que a contradição seja frontal e não meramente pressuposta ou implícita, apenas relevando a contradição atinente a uma questão de direito que apresente natureza essencial para o resultado que foi alcançado em ambos os acórdãos e não uma divergência que tão-só respeite a alguns elementos sem valor decisivo ou se refira a meros “obiter dicta”; (iv) é necessário que a divergência se verifique num quadro normativo substancialmente idêntico; (v) exige-se, por fim, que o acórdão recorrido não tenha acatado a solução adotada em sede de acórdão de uniformização de jurisprudência. (Ao nível da jurisprudência, vide, entre outros, os Acs. do STJ de 07/10/2021, proc. n.º 1138/13.0TBSLV.E1.S1, de 14/07/07/2021, proc. n.º 12989/20.9T8PRT-A.P1.S1, de 14/09/2021, proc. n.º 338/20.0T8ESP.P1.S1, de 20/05/2021, proc. n.º 1584/20.2T8CSC-C.L1.S1, e de 03/03/2020, proc. n.º 26622/18.5T8LSB.L1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt).

Como requisitos de ordem formal concernentes ao requerimento de interposição do recurso, cumpre notar que cabe ao recorrente invocar a contradição jurisprudencial motivadora do recurso de revista, nos termos do artº. 637º nº. 2, juntando cópia do acórdão fundamento (da Relação ou do Supremo Tribunal de Justiça transitado em julgado).

No específico campo temático que constitui objeto da nossa análise, há que salientar que a jurisprudência do STJ tem defendido, adotando uma interpretação conjugada e teleológica dos artºs. 629º, n.º 2 al. d), e 370º, n.º 2, que a admissibilidade da revista em decisões no âmbito de procedimentos cautelares, com fundamento em oposição de julgados, se mostra circunscrita à apreciação dos casos em que a matéria objeto de contradição se reporte aos pressupostos das providências cautelares e não ao mérito da questão que é decidida cautelarmente. Neste sentido se pronunciaram, a título de exemplo, os acórdãos do STJ de 06/10/2016 (proc. n.º 89/13.2TBMAC-A.E1.S1), de 12/04/2018 (proc. n.º 331/16.8YHLSB.L1.S1), de 07/11/2020 (proc. n.º 3465/17.8T8VIS.C1.S1) e de 02/03/2021, todos disponíveis, com exceção do segundo, em www.dgsi.pt.

Do último aresto (relatado por Graça Amaral) se retira o seguinte segmento, de caráter explicativo do entendimento propugnado: “a excepcional recorribilidade que é conferida pelo preceito legal em análise cinge-se, no caso dos procedimento cautelares, a aspectos relacionados com os pressupostos próprios e específicos da tutela cautelar, não se estendendo, consequentemente, às questões atinentes à definição do direito substantivo aplicável ao caso, posto que estas encontram a sua sede própria na acção principal. Partilhamos pois do entendimento que considera resultar da interpretação conjugada e teleológica dos artigos 370.º, n.º 2, e 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, que a admissibilidade do recurso para o STJ de decisões proferidas nos procedimentos cautelares com fundamento em oposição de julgados reporta-se, apenas, à que se relacione com os pressupostos próprios e específicos da tutela cautelar, sob pena de se subverter a lógica inerente à relação de instrumentalidade que deve existir entre a acção principal e o procedimento já que, a ser de outra forma, seria a decisão tomada no âmbito deste último que ditaria a sorte daquela (cfr. entre outros, acórdãos do STJ de: 02-06-2015, Processo n.º 149/14.2YHLSB.L1.S1; de 24-09-2015, Processo n.º 332/14.0TVLSB.L1.S1; de 06-10-2016, Processo n.º 89/13.2TBMAC-A.E1.S1; de 12-04-2018, Processo n.º 331/16.8YHLSB.L1.S1, acessíveis através das Base Jurídico-Documentais do IGFEJ).

O que, por sua vez, está também em consonância jurisprudência consolidada neste mais alto tribunal, no sentido de que a admissão de um recurso (de revista) com base apenas num fundamento específico/especial (vg. daqueles elencados no nº. 2 do artº. 629º do CPC), tem como consequência que o objeto do mesmo fique tão somente circunscrito à apreciação da questão que está na base da sua admissão, sem que possa alargar-se a outras questões. Se assim não fosse – isto é, se pudesse alargar-se o conhecimento também a outras questões, que nada têm a ver com aquela que excecionalmente permitiu o acesso ao Supremo para dela conhecer – “iria entrar pela janela” aquilo que o legislador (ao introduzir fatores de restrição da revista) não quis que “entrasse pela porta.” (Neste sentido, vide, por todos, Acs. do STJ de 06/07/2021, proc. nº. 6537/18.8T8ALM.L1.S1, de 04/07/2019, proc. nº. 1332/07.2TBMTJ.L2.S1, de 04/12/2018, proc. nº. 190/16.0T8BCL.G1.S1, de 22/11/2018, proc. nº. 408/16.0T8CTB.C1.S1, de 18/10/2018, proc. nº. 3468/16.0T9CBR.C1.S1, e de 28/06/2018, proc. nº. 4175/12.8TBVFR.P1.S1, disponíveis em ww.dgsi.pt).

No caso, crê-se que os dois fundamentos recursórios invocados sobre os quais os recorrentes afirmam verificar-se a oposição jurisprudencial se reportam, precisamente, aos pressupostos próprios e específicos da tutela cautelar e não ao mérito da questão decidida, pelo que não se verifica, nesta sede prévia, qualquer obstáculo à admissibilidade da revista com fundamento em contradição de julgados.

1.2.2.1 Posto isto, ou seja, tendo presentes as considerações de cariz teórico-técnico que se deixaram expendidas, passemos, então, à análise da existência de uma oposição de julgados relevante para efeitos de admissibilidade da revista, ao abrigo do artº. 629º n.º 2 al. d), no que concerne às duas questões já enunciadas.

No caso, estão reunidos os pressupostos de recorribilidade de índole geral, sendo o valor da causa superior a € 30.000,00 (alçada da Relação em matéria cível - cfr. artº. 44º, n.º 1, da LOSJ) e ultrapassando a sucumbência o montante de € 15.000,00 (artº. 629º, nº .1).

Ainda que os recorrentes tenham indicado mais do que um acórdão fundamento (quando só o deveriam ter feito com a indicação de um – neste sentido, e em consonância a jurisprudência prevalecente deste tribunal, e sobre a razão se ser de tal, vide Abrantes Geraldes, in” Ob. cit., 6ª. Ed. pág. 157”) quanto a cada uma das questões suscitadas, e ainda que seja de presumir o trânsito em julgado dos tais arestos (pois que nada foi dito ou feito prova a esse respeito), desde já se antecipa que, em nossa perspetiva, não se verifica uma oposição jurisprudencial entre os acórdãos em análise suscetível de fundar a admissibilidade da revista. Daí que, a nosso ver, avulte como inútil (e até por uma questão de economia processual em processo de natureza urgente) endereçar um convite aos recorrentes no sentido de cumprirem cabalmente os ónus formais que lhes competem quanto à indicação dos acórdãos fundamento (número apenas de um, sobre cada uma das questões referidas) alegadamente em dissídio com o acórdão recorrido.

Senão vejamos.

1.2.2.1.1 No que concerne à suscitada questão da exceção da caducidade do direito de requerer o embargo de obra nova, alegam os recorrentes existir contradição entre o acórdão recorrido e o proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa a 19.11.2020, no âmbito do processo n.º 12889/20.2T8LSB.L1, e, por outro lado, entre o acórdão recorrido e o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa a 27.10.2016, no âmbito do processo n.º 3616/16.0T8LSB.L1-6 (cuja cópia juntaram, extraída do portal da dgsi.pt, tal como os demais a que adiante nos referiremos).

No caso presente, os requerentes peticionam que seja ordenada a suspensão de imediato das obras em curso no prédio em regime de propriedade horizontal sito na ..., ... e Escadinhas ..., nºs. ..., ...-A e ...-B, freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha n.º ...19 da freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana da respetiva freguesia sob o artº. ...38, bem como que seja ordenado que os requeridos procedam à demolição das obras já realizadas, sem autorização da assembleia de condóminos, e que constituem inovações face ao projeto de arquitetura original. As obras em causa reconduzem-se, essencialmente, a obras de substituição dos vãos da fachada da fração ... (substituição de quatro janelas por duas portadas), assim como a trabalhos projetados que deveriam ter lugar na 4.ª fase do projeto de requalificação.

A este respeito, confirmou o acórdão recorrido o decidido em primeiro grau, julgando improcedente a exceção de caducidade deduzida, tendo considerado que “o conhecimento de algum algo preparatório, como sejam a aprovação do projecto, o licenciamento da obra ou a colocação de materiais no local, não releva para o cômputo do prazo, que só tem início com o começo da obra em si. Com efeito, tem sido entendido pela maioria da jurisprudência que, estando em causa uma obra de construção nova que o embargante alega violar o seu direito, o facto relevante cujo conhecimento marca a contagem inicial do prazo será o início de construção em termos que façam concluir com grande probabilidade que a obra potencialmente lesiva será concretizada.” (sublinhado nosso).

Num contexto em que resultou provado que os requeridos iniciaram obras de substituição dos vãos da fachada da fração ... (substituição de quatro janelas por duas portadas) em 7 de janeiro de 2022 e que tal substituição foi concluída em dia não concretamente apurado do mês de fevereiro do corrente ano (pontos 15 e 16 da materialidade assente) e em que o presente procedimento foi interposto em 7 de fevereiro de 2022, o tribunal recorrido considerou que “os requeridos não lograram demonstrar que a substituição dos vãos da fachada terminou antes da referida data, pelo que claudicaram quanto ao ónus da prova que sobre si recaía”, sublinhado que “não obstante a troca de correspondência existente entre as partes, antes do momento referido em 15., a providência não poderia ter sido instaurada, porque não pode ser requerida se a obra, o trabalho ou o serviço ainda não se iniciaram, como sucedia relativamente à requalificação do logradouro, em relação à qual existia apenas um projecto de construção e o respectivo licenciamento.”

O acórdão recorrido considerou, pois, inidóneo a determinar o início de contagem do prazo de caducidade indicado no artº. 397º nº. 1 do CPC a existência de correspondência entre a partes - correspondência essa cujo teor não resulta da materialidade indiciariamente assente -, fixando o termo inicial de tal prazo para o momento do conhecimento do começo da construção (material) da obra em si.

Por seu lado, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa a 19.11.2020 (processo n.º 12889/20.2T8LSB.L1), confirmou a decisão de primeira instância que julgou procedente a exceção de caducidade da providência de ratificação judicial de embargo de obra nova. Este acórdão fundamento, observando que “o conhecimento do lesado, a partir do qual se conta o prazo de 30 dias, não tem apenas por objeto a obra, que inicialmente até pode não constituir ameaça alguma, mas também o facto de ela lhe causar ou ameaçar causar prejuízo, isto é, ofender o seu direito”, considerou que apresentava a virtualidade de iniciar a contagem do prazo de caducidade a que se reporta o citado artº. 397º nº. 1 o facto de, em momento prévio aos 30 dias anteriores ao embargo extrajudicial datado de 16 de junho de 2020, a requerente ter enviado, no dia 04-05-2020, uma comunicação à Polícia Municipal ... em que se referenciava a colocação pela requerida de equipamentos ML-2/ - de grande porte no terraço, sem que tenham sido autorizados (ponto 2 dos factos provados). Da interpretação deste aresto não se retira, pois, que o mesmo defenda que o prazo em análise deva começar a ser contado em momento anterior ao (conhecimento do) começo da execução material da obra, mas, eventualmente, que tal prazo só comece a correr a partir do conhecimento de que uma obra, ainda que já iniciada, cause ou ameace causar prejuízo ao direito do requerente.

Avulta, pois, com meridiana clareza, serem dissemelhantes os núcleos factuais sobre os quais se operou a subsunção jurídica nos dois arestos em confronto: enquanto que no acórdão recorrido não ficou provada qualquer factualidade da qual se possa extrair que os requerentes tivessem tido conhecimento da obra visada pela providência de embargo em momento anterior aos 30 dias que antecederam o recurso ao juízo cautelar, no acórdão fundamento ficou provado que a requerente já invocava, por escrito, perante uma entidade terceira, a violação do seu direito de propriedade através da realização pela requerida de obras de grande porte não autorizadas – obras essas cuja execução já havia sido iniciada e que a requerente não poderia, assim, desconhecer.

A esta luz mostra-se compreensível que as decisões em cotejo, ainda que em parte prolatadas por referência ao mesmo quadro normativo, sejam díspares. Tais decisões, por não partirem de idênticos pressupostos fácticos, não avultam como contraditórias.

Idêntica conclusão vale, de resto, quanto à análise comparativa a fazer entre o acórdão recorrido e o acórdão Tribunal da Relação de Lisboa a 27.10.2016, no âmbito do processo n.º 3616/16.0T8LSB.L1-6 – que foi, aliás, expressamente citado pela decisão recorrida no sentido de confortar o seu entendimento de que “para se ter por iniciada a obra é necessário que haja começo da sua execução material, não significando início de trabalhos os preparativos feitos para os executar ou a feitura dos projetos técnicos de que depende tal realização.”

Efetivamente, esse acórdão fundamento, visando responder à questão de “saber se o facto que ofende o direito do embargante, cujo conhecimento é termo inicial da contagem do prazo previsto no artigo 397º nº 1 do CPC, é, no caso dos autos, o anúncio da obra ou o seu início” foi expresso em considerar que tal termo deverá coincidir com o “início de construção em termos que façam concluir com grande probabilidade que a obra potencialmente lesiva será concretizada”, concluindo nos seguintes termos: “mesmo que se aceitasse que o facto relevante para contagem do prazo é o início de construção da obra concretamente com potencialidade lesiva, sempre os factos demonstram que o prazo de trinta dias sobre o conhecimento de execução de trabalhos da obra concreta, e execução de trabalhos em termos tais que levem à conclusão de que a obra se vai concretizar, havia sido ultrapassado, pelo menos desde Agosto de 2015 em vista do embargo extra judicial feito em 5.2.2016 e da interposição do presente procedimento em 10.3.2016.”

Flui, assim, do exposto que, ao contrário do que fazem crer os recorrentes, o acórdão fundamento em nenhum momento antecipa o termo inicial do prazo de 30 dias a que alude o artº. 397º n.º 1 do CPC para um momento anterior ao do início da execução das obras, antes adota o entendimento – inteiramente em linha com o perfilhado pelo acórdão recorrido - de que a contagem de tal prazo se deverá iniciar com o conhecimento da execução material da obra em termos que façam concluir, com grande probabilidade, que a mesma será concretizada em termos lesivos.

1.2.2.1.2 Passemos agora à análise da segunda questão relativamente à qual os recorrentes afirmam existir dissídio jurisprudencial entre o acórdão recorrido e os arestos proferidos pelo Tribunal da Relação do Porto a 14.10.2008, no processo n.º 0824494, e pelo proferido Tribunal da Relação de Coimbra a 04.2021, no âmbito do processo n.º 3383/20.2T8CBR.C1: a aferição da desproporcionalidade do decretamento do embargo.

A este respeito considerou o acórdão recorrido: “reunidos os pressupostos para que seja ordenado o embargo da obra nova e porque, tal como decorre do atrás explanado, a lei prescindiu da quantificação e da qualificação dos prejuízos, demonstrado que está que a actuação dos requeridos ofende direitos de natureza patrimonial inscritos na previsão normativa, sendo indiferente a gravidade dos danos, porquanto foi afastada a opção baseada no princípio da proporcionalidade assumida no âmbito do procedimento cautelar comum (cf. art.º 368º, n.º 2 do CPC), não há que enveredar pelo caminho trilhado pelo Tribunal recorrido num exercício de ponderação entre os prejuízos previsíveis para os requeridos decorrentes do decretamento da providência e aqueles outros que com este se pretende evitar na esfera dos requerentes.

Ora, o acórdão fundamento proferido pelo Tribunal da Relação do Porto de 14.10.2008, no âmbito do processo no processo n.º 0824494, não defendeu, como afirmam os recorrentes, a aplicação ao procedimento cautelar de embargo de obra nova da possibilidade, prevista no n.º 2 do artº. 368.º do CPC, de o tribunal recusar a providência quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela se pretenda evitar - disposição que se mostra expressamente excluída do âmbito de aplicação dos procedimentos cautelares especificados pelo n.º 1 do artº. 376.º do mesmo diploma. A sua análise foi, ao invés, direcionada para o preenchimento em sede de providência cautelar de embargo de obra nova do requisito inerente ao periculum in mora, consubstanciado na necessidade, ou não, de o requerente alegar e provar indiciariamente o fundado receio de que o seu direito sofrerá lesão grave e de difícil reparação. Considerando que o concreto ponto não se mostra arredado do regime das providências especificadas pelo atual artº. 376º n.º 1 do CPC, “uma vez que o art. 412º [atual art. 397.º do CPC] continua a exigir que a ofensa do direito resulte de uma obra, trabalho ou serviço que lhe cause ou possa causar prejuízo”, realçou o Tribunal da Relação do Porto que “não releva uma qualquer ofensa, mas antes a ofensa de que resulte prejuízo.” Neste conspecto, o acórdão fundamento considerou que a requerente não alegou “factos bastantes para que tal lhe seja antecipadamente concedido nesta providência”, tendo-se limitado “a invocar que a colocação do portão obstruiu parcialmente a montra lateral da loja de que alega ser proprietária, o que reduz de forma significativa o aproveitamento comercial da fracção.”

Não se surpreende, pois, quanto ao aduzido qualquer pronunciamento contraditório com a análise do acórdão recorrido quanto à verificação dos pressupostos da providência requerida, não tendo o tribunal a quo deixado de afirmar que “para que providência possa ser decretada é ainda necessário que a obra nova ofenda o direito do requerente e que dessa ofensa resulte ou possa vir a resultar prejuízo, não bastando para o efeito o mero incómodo provocado ou uma ofensa meramente formal.”

Do mesmo modo, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido a 20-04-2021, no âmbito do processo n.º 3383/20.2T8CBR.C1, apenas se referiu ao facto de o artº. 401.º do CPC consubstanciar uma “exceção à exceção” da não aplicação aos procedimentos nominados da regra prevista no artº. 368º nº. 2 do CPC, a título de reforço argumentativo quanto ao seu entendimento de que para a providência em causa “não releva uma qualquer ofensa, mas antes a ofensa de que resulte prejuízo”, não podendo este “ser um qualquer  e minudente prejuízo, quer na vertente qualitativa, quer na quantitativa”, tendo-se também entendido nesta sede não terem sido alegado em termos concretamente quantificados, no requerimento inicial, factos dos quais se pudesse extrair “a irreparabilidade do prejuízo, ou, ao menos, a sua magna gravidade.”

Ora, como se deixou antever, este entendimento em nada, a nosso ver, conflitua com o raciocínio expendido pelo acórdão recorrido a respeito da verificação dos pressupostos do embargo de obra nova.

Acrescente-se, de resto, que do acórdão fundamento proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra – e esta argumentação vale igualmente para o acórdão do Tribunal da Relação do Porto referido anteriormente e relatado pelo mesmo juiz desembargador - não se extrai qualquer decisão expressa no sentido da possibilidade de o tribunal recusar o decretamento da providência de embargo de obra nova com fundamento no n.º 2 do artº. 368º do CPC, mas tão-somente a mobilização do regime contido no artº. 401º do CPC como auxiliar hermenêutico para aferir da gravidade do dano alegado num momento liminar de apreciação da viabilidade de decretamento da providência, de modo a realizar “uma triagem relativamente aos casos em que são alegados danos cuja irrelevância ou minudência não justifique este procedimento excecional e urgente, indeferindo-se os mesmos liminarmente e, assim, se ganhando em termos de racionalização dos meios e da sua adstrição ao julgamento daqueloutros que efetivamente clamam aquela urgência.”

De todo o modo, ainda que se entendesse que os dois acórdãos fundamento indicados perfilharam o entendimento de que a opção baseada no princípio da proporcionalidade, assumida no âmbito do procedimento cautelar comum e contida no artº. 368 n.º 2 do CPC, se mostra aplicável ao procedimento cautelar de embargo de obra nova, sempre seria concluir que tal entendimento não se afigurou determinante para o desfecho dos dois pleitos. Com efeito, considerou-se, em ambos os casos, que a requerente omitiu a alegação de factos suscetíveis de fundar a gravidade do prejuízo invocado, não tendo sido empreendido qualquer juízo de ponderação de bens em conflito ao abrigo do disposto no artº. 368º n.º 2 do CPC.

Em suma, não se surpreende/deteta, entre o acórdão recorrido e os quatro acórdãos fundamento, qualquer contradição subjacente à decisão das mesmas questões fundamentais de direito – atinentes ao termo inicial do prazo de 30 dias a que alude o artº. 397º nº. 1 do CPC e à aplicação da regra preceituada no artº. 368º n.º 2 do CPC à providência cautelar de embargo de obra nova - proferidas no domínio da mesma legislação, restando concluir que não se encontra verificada a contradição jurisprudencial pressuposta pela norma constante da alínea d) do n.º 2 do artº 629º do CPC, necessária a formular um juízo positivo acerca da admissibilidade da revista.

Termos, pois, em que, perante o que se deixou exposto, se decide não conhecer do objeto do recurso, por este não ser admissível.


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Nesse recurso de revista os recorrentes invocam ainda a nulidade do acórdão recorrido, por padecer do vício previsto na al. c) do n.º 1 do artº. 615º do CPC, e ainda por incorrer em manifesto erro na determinação/aplicação da norma jurídica aplicavel e qualificação jurídica dos factos (artº. 616º, n.º 2 al. a), do CPC), com base nos fundamentos aí aduzidos, e que constam das conclusões das alegações do recurso acima transcritas.

E daí que, face à não admissão do recurso, os autos deveriam, em princípio, ser remetidos à Relação para conhecer daqueles apontados vícios (cfr. artºs. 615º, n.º 4 - a contrario –, 616º, n.º 2 al. a), e 617º, nºs. 1 e 6, do CPC), pois que não sendo admissível recurso não poderá, como é logicamente claro, este tribunal deles conhecer, na senda, aliás, do que vem constituindo entendimento consolidado neste Supremo Tribunal (cfr., a propósito, e por todos, Acs. do STJ de 24/11/2016 (proc. n.º 470/15.2T8MNC.G1-A.S1), de 20/12/2017 (proc. n.º 22388/13.3T2SNT-B.L1-A.S1) e de 07/09/2020 (proc. n.º 12651/15.4T8PRT.P1.S1, disponíveis em dgsi.pt).

Porém, na decorrência do requerimento de reclamação para conferência de 10/11/2022, e que se deixou aludido no ponto 1.1, apontando ao acórdão recorrido/reclamado aqueles mesmos vícios, suportados nos mesmos fundamentos (como decorre da sua leitura), o Tribunal da Relação, deles conhecendo num juízo antecipatório, por acórdão de 20/12/2022 (proferido em conferência), concluiu não padecer o referido acórdão dos aludidos vícios, julgando, em consequência, improcedente o pedido de reforma do referido acórdão e a arguição de nulidade do mesmo ( por dela não padecer).

Sendo assim, não se justifica, no caso, a baixa dos autos à Relação para tal efeito, pois que o tribunal a quo já emitiu pronúncia decisória a tal propósito.

Diga-se ainda, por fim, que não sendo admitido o recurso, não terá, numa decorrência lógica, este tribunal que emitir pronúncia sob o efeito do mesmo (questão essa que assim fica prejudicada).


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III- Decisão



Assim, em face do que se deixou exposto, acorda-se em não conhecer do objeto do recurso, por este não ser admissível.

Custas pelos recorrentes, cuja taxa de justiça se fixa em 3 UCs.


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Sumário

1- Tendo os recorrentes no seu requerimento de recurso justificado/fundamentado previamente a razão de ser da admissibilidade (no caso) desse recurso, interposto de uma decisão proferida no âmbito de matéria que em regra não admite recurso, e tendo os recorridos nas sua contra-alegações emitido pronúncia sobre essa questão defendendo a sua inadmissibilidade, não terá, assim, o juiz relator ou o tribunal que dar cumprimento ao disposto no artº. 655º CPC, no caso de vir a entender não ser de conhecer do objeto desse recurso por este não ser admissível, pois que, tendo as partes já se pronunciado a esse respeito, essa decisão não constituirá para elas qualquer surpresa.

2- As decisões proferidas no âmbito de processos relativos a procedimentos cautelares apenas são suscetíveis de ser objeto de recurso de revista (normal) nos casos excecionais/específicos previstos no citado artº. 629º n.º 2, do CPC, estando neles excluída/vedada a possibilidade ao recurso de revista excecional, prevista no artº. 672º do mesmo diploma.

3- Sendo o recurso de revista interposto com fundamento na al. d) do nº. 2 do artº. 629º do CPC (contradição de julgados), para além dos requisitos gerais, a sua admissibilidade pressupõe (em temos substantivos):

i) Que o acesso ao STJ esteja vedado unicamente por motivos de ordem legal não ligados à alçada da Relação;

ii) Que se verifique identidade entre a questão de direito apreciada no acórdão recorrido e no acórdão fundamento;

iii) Que a subsunção jurídica feita nas decisões em confronto tenha operado dentro de um núcleo factual idêntico;

iv) Que a contradição entre as decisões ocorra, sobre a mesma questão de direito, seja frontal (e não meramente pressuposta ou implícita);

v) Que essa divergência se verifique num quadro normativo substancialmente idêntico;

vi) Que a resolução dessa questão de direito tenha assumido em ambos os processos caráter determinante para a decisão final;

vii) Que a solução do acórdão recorrido colida, quanto à referida questão de direito, com a solução adotada em sede de acórdão de uniformização de jurisprudência.


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Lisboa, 2023/02/14


Relator: cons. Isaías Pádua

Adjuntos:

Cons. Aguiar Pereira

Cons. Maria Clara Sottomayor