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EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
VENDA EM LEILÃO ELECTRÓNICO
DEPÓSITO DO PREÇO
APLICAÇÃO DO ARTIGO 825º DO CPC
Sumário
I – Na venda em leilão electrónico, uma vez introduzidas no sistema (a plataforma electrónica www.e-leiloes.pt, gerida pela Câmara dos Solicitadores), as propostas não podem ser retiradas, anuladas ou alteradas (artigo 23.º, n.º 3, da Portaria n.º 282/13, de 29 de Agosto, e artigo 7.º, n.º 14, do Despacho n.° 12624/15, de 09 de Novembro) e para isso os potenciais licitantes são advertidos (Anexo I ao referido Despacho); II - Encerrado o leilão, o agente de execução notifica o licitante que apresentou a proposta de maior valor para depositar o montante do preço oferecido, nos termos do disposto no artigo 824.º, n.º 2, do CPC; III – Em caso de não cumprimento dessa obrigação, a consequência é a aplicação do regime do artigo 825.º do CPC.
Texto Integral
Processo n.º 583/11.0TBMCN-E.P1 Comarca de Porto Este Juízo de Execução de Lousada (Juiz 1)
Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I – Relatório
Em 12 de Abril de 2011, “Banco 1..., S.A.” (à qual sucedeu[1], nos direitos e correspondentes obrigações, “Banco 2..., S.A.”) instaurou no então Tribunal Judicial da Comarca de Marco de Canavezes contra AA e BB, melhor identificados nos autos, execução comum para pagamento de quantia certa (agora a correr termos no Juízo de Execução de Lousada, Comarca do Porto Este), visando a cobrança coerciva de um crédito (titulado por livrança) e juros de mora, no valor global de € 9 054,71.
Na sequência de contrato de cessão de créditos celebrado em 07.06.2019, por sentença datada de 17.02.2020 (mas assinada em 14.02.2020), foi a sociedade “A..., S.A.” julgada habilitada para com ela e no lugar da exequente “Banco 2..., S.A.”, prosseguir a execução.
Em 07.07.2011, foi penhorado o imóvel assim descrito: «Prédio Urbano – Fracção “B”, destinado a habitação com cave, R/C e andar. A cave compõe-se de um espaço amplo destinado a garagem, o rés-do-chão compõe-se de sala comum, um hall, uma cozinha, um W.C e uma varanda, o andar compõe-se de três quartos, dois quartos de banho e uma varanda. Situado no Lugar ..., Freguesia ... e Concelho de Marco de Canaveses. Encontra-se inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e inscrito na Conservatória do Registo Predial de Marco de Canaveses sob o n.º ... – “B”.»
Já em 06.05.2021, a exequente requereu a venda do imóvel penhorado por negociação particular e a Sra. Agente de Execução (AE) determinou que a pretendida venda se realizaria em leilão electrónico, com início em 11.11.2021 e termo em 09.02.2022.
Em 14.02.2022, a Sra. Agente de Execução comunicou que, findo o leilão, havia sido aceita a proposta, apresentada pela exequente, no valor de € 171.572,83 (a proposta de maior valor) e, do mesmo passo, notificou a exequente/proponente para, no prazo de 15 dias, efectuar o pagamento desse valor.
Logo no dia imediato (15.02.2022), a exequente apresentou o seguinte requerimento:
«A..., S.A., Exequente e Credora Reclamante com garantia real nos autos à margem referenciados vem pela presente, e em resposta à notificação recebida informar V. Exa. que nos termos dos nos 1 e 2 do artigo 815º do Código Processo Civil, se encontra dispensada do depósito do preço.
Face ao exposto, requer a emissão do título de adjudicação e que no respectivo título de transmissão conste estar a Proponente isenta de pagamento do IMT nos termos dos artigos 7º e 10º do Código do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis, tendo em vista o ulterior registo de aquisição na competente Conservatória do Registo Predial.
Por último informa que com a referida adjudicação mostra-se liquidada a quantia exequenda.»
Em requerimento dirigido à Sra. Agente de Execução em 18.02.2022, o executado BB pronunciou-se nos seguintes termos:
«Nos termos do artigo 815.º do CPCivil o exequente só está dispensado de “depositar a parte do preço que não seja necessária para pagar a credores graduados antes dele e não exceda a importância que tem direito a receber”.
Sucede que a proposta apresentada excede, em muito, o seu crédito, pelo que a mesma não pode ser dispensada do depósito do preço.»
Em 23.02.2022, a Sra. Agente de Execução notificou o ilustre mandatário dos executados nos seguintes termos:
«Fica V.ª Exa. desta forma notificado, na qualidade de mandatário dos executados, das comunicação da exequente a qual informa que o valor proposto para aquisição/adjudicação do bem imóvel penhorado à ordem presentes autos, na venda por negociação particular, liquida a presente execução, bem como, o crédito reclamado e graduado em 1.º lugar, nesse sentido nada obsta à dispensa depósito preço, assim como, adjudicação à exequente.
Mais fica notificado de que desta decisão da signatária poderão os executados no prazo 10 dias deduzir oposição para Juiz.»
Em 08.03.2022, o executado BB dirigiu ao Sr. Juiz a seguinte reclamação:
«BB, executado nos autos de execução comum à margem referenciados,
Notificado da decisão de dispensa de depósito do preço
vem reclamar da mesma,
com os seguintes fundamentos,
1.º
Nos termos do artigo 815.º do CPCivil o exequente só está dispensado de “depositar a parte do preço que não seja necessária para pagar a credores graduados antes dele e não exceda a importância que tem direito a receber”.
2.º
Sucede que a proposta apresentada excede, em muito, o seu crédito, pelo que a mesma não pode ser dispensada do depósito da totalidade do preço.
3.º
Ao longo dos anos foram feitos pagamentos e recuperados valores que não foram tidos em conta na eventual conta final.
4.º
A exequente no mês de Dezembro de 2021 enviou ao executado as contas finais ao executado que ascendiam a 101.831,59 €, conforme documentos que juntam sob o n.º 1 e 2.
5.º
Como tal a exequente não pode ser dispensada do depósito do valor que exceda esse montante.
FACE AO EXPOSTO REQUER:
1) A NOTIFICAÇÃO DAS EXEQUENTES (INICIAL E HABILITADA) PARA INDICAR AUTOS TODOS OS VALORES RECEBIDOS PO CONTA DA DÍVIDA, APÓS A INSTAURAÇÃO DA EXECUÇÃO E RECLAMAÇÂO DE CRÉDITOS
2) A NOTIFICAÇÃO DA SENHORA AGENTE DE EXECUÇÃO PARA APRESENTAR AS CONTAS DISCRIMINADAS DA EXECUÇÃO E DA RECLAMAÇÃO DE CRÈDITOS
3) EM FACE DO APURAMENTOS DOS ELEMENTOS ORA SOLICITADOS, SOMENTE DISPENSAR-SE DO DEPÓSITO ATÈ AO MONTANTE DOS VALORES EM DÍVIDA.»
Notificada a exequente para informar sobre o valor actualizado do crédito exequendo e dos créditos reclamados, veio fazê-lo nos seguintes termos:
«A... S.A., Exequente nos autos à margem referenciados vem pela presente em resposta ao despacho ref. 88317767 informar a divida discriminada: Requerimento Executivo (Livrança):
» Capital em dívida: € 8.998,00
» Vencimento: 25/03/2011
» Taxa Juro: 4%
TOTAL em dívida à data do Leilão: € 12.558,74. Reclamação de Créditos:
» Capital em dívida: € 86.952,25
» Vencimento: 25/01/2009
» Taxa de Juro: 6,878%
TOTAL em dívida à data do Leilão: € 159.014,09
Pelo que, o valor total resulta no montante de € 171.572,83, valor este correspondente à licitação efectuada e do qual estamos dispensados de depósito do preço.»
Com data de 01.04.2022, foi proferido o seguinte despacho:
«A exequente foi notificada para exercer o contraditório quanto ao alegado pelos executados (incorreção do valor em dívida, por não terem sido contabilizados os valores entretanto pagos, tendo por base documento alegadamente emitido por ordem da exequente, onde se refere um valor em dívida, em dezembro de 2021, substancialmente inferior ao ora alegado pela exequente, e se alude à existência de pagamentos ocorridos após a cessão de créditos) e para esclarecer o valor atualizado em dívida, identificando os pagamentos entretanto ocorridos.
Sucede que a exequente limitou-se a apresentar um cálculo da dívida, tendo por base o peticionado no requerimento executivo e os juros vencidos desde então, ignorando, por completo, o acima exposto entre parêntesis e sem sequer esclarecer se admite ou não a existência de pagamentos após o requerimento executivo/cessão de créditos.
Assim sendo, notifique-se novamente a exequente para, em 10 dias, esclarecer devidamente o valor atualizado em dívida, devendo, além do mais: esclarecer se admite a existência de pagamentos após o requerimento executivo (e a própria cessão de créditos), identificando-os, em caso afirmativo; esclarecer a aparente divergência entre o valor que alega como em dívida e aquele que, reportado à data de dezembro de 2021, consta da comunicação junta pelos executados (€101.831,59).»
Por requerimento de 11.04.2022, a exequente veio esclarecer e pedir o seguinte:
«A... S.A., Exequente nos autos à margem referenciados vem em resposta ao despacho ref. 88425308 expor e requerer a V. Exa. o seguinte:
- Em virtude da cessão de créditos ocorrida, existiu de facto um lapso nos cálculos, pelo que reconhecemos o email de dezembro de 2021;
- Contudo, actualmente o valor em divida cifra-se no montante de € 104.893,97 já com os abatimentos dos valores recebidos;
- Deste modo, requer-se a V. Exa. se digne a relevar o lapso, do qual desde já a exequente se penitencia, e que seja dado sem efeito a proposta apresentada no montante de € 171.572,83, requerendo a sua alteração por esta que agora se apresenta no valor de € 104.893,97.
- Mais se informa que a proposta agora apresentada em nada prejudica nenhuma das partes porquanto liquida a totalidade da divida, é acima do valor mínimo de venda e acarreta a extinção da extinção da execução que já se encontra em curso à mais de 10 anos.»
Os executados pronunciaram-se, alegando:
«Notificado do requerimento com a referência 41915147, expõe
1.º
Os executados opõem-se terminantemente ao pretendido pela exequente que, além do mais, carece de fundamento legal.
2.º
Atempadamente, os executados denunciaram que o leilão eletrónico foi desvirtuado pelo aparecimento de uma proposta de 171.572,83 € (cento e setenta e um mil, quinhentos e setenta e dois euros e oitenta e três cêntimos).
3.º
A apresentação de tal proposta inviabilizou o normal desenrolar do leilão.
4.º
As propostas apresentadas vinculam quem as apresenta e não estão dependentes da dispensa de depósito de preço, nem pode ser esse o critério para a sua apresentação.
5.º
Os exequentes desocuparam o imóvel e arrendaram já uma habitação.
6.º
O imóvel esteve já adjudicado à exequente Banco 2..., que depois desistiu da adjudicação.
7.º
Como tal, a proponente deve ser notificada para proceder ao depósito da parte do preço que exceda o valor do seu crédito.
8.º
E, caso a mesma não proceda ao depósito, deve liquidar-se a sua responsabilidade e promover-se ao arresto de bens suficientes para pagamento do valor em falta - cfr. Artigo 825.º n.º 1, alínea c) do CPCivil.
REQUER A V.ª EX.ª
- NOTIFICAÇÃO DA PROPONENTE PARA PROCEDER AO DEPÓSITO DO PREÇO QUE EXCEDA O VALOR DO SEU CRÉDITO;
- NA FALTA DE PAGAMENTO, ORDEM DE ARRESTO DOS BENS DA PROPONENTE PARA PAGAMENTO DO VALOR EM FALTA.»
Com data de 21.04.2022, foi então proferido o seguinte despacho (reprodução integral):
«Reclamação de 08.03.2022:
Os executados vieram reclamar da dispensa do depósito do preço da venda do imóvel penhorado, na parte em que tal exceda o valor atualmente em dívida à exequente/credora, requerendo ainda clarificação quanto ao que seja tal valor atualizado.
Na sequência da reclamação e sem oposição dos executados, a exequente/credora veio reconhecer a redução da quantia atualmente em dívida ao montante de € 104.893,97.
Ora, tendo presente o valor atualizado da quantia exequenda/reclamada em dívida, a que o agente de execução deve atender, naturalmente que a dispensa do depósito do preço prevista no art. 815.º do NCPC não abrange a parte que exceda o crédito do proponente e, além disso, também não abrange o valor das custas (incluindo despesas e honorários do agente de execução), as quais saem precípuas do produto do bem penhorado, nos termos do art. 541.º do NCPC.
Assim sendo, deverá o agente de execução observar as regras acima expostas.
Nestes termos, defere-se a reclamação e, em conformidade, deverá o agente de execução dispensar o pagamento do preço apenas na parte que não exceda o valor do crédito do exequente/credor proponente e não seja necessário ao pagamento das custas.
Notifique.
*
Requerimento de 11.04.2022:
A exequente/credora veio requerer a redução da sua proposta de compra do imóvel penhorado ao montante de € 104.893,97, uma vez que a proposta anterior (€ 171.572,83) se deveu ao lapso na indicação do valor ainda em dívida, visando extinguir a execução.
Os executados opuseram-se, sustentando que, ao caso, deve aplicar-se o regime do art. 825.º do NCPC, não podendo a exequente retirar a sua proposta anterior, sendo que a proposta anterior inviabilizou o surgimento de outras propostas.
Decidindo:
Estando os autos na fase de venda por negociação particular, não se aplica o regime do art. 825.º do NCPC, como resulta, a contrario, do previsto no art. 811.º, n.º 2, do NCPC.
Assim sendo, enquanto não for efetivamente realizada a venda, nada obsta que o proponente altere ou retire a sua proposta, no quadro de uma normal negociação particular.
O que poderá suceder é, porventura, a não aceitação de uma proposta de valor inferior à inicial, pelo menos antes de se apurar da existência de outros interessados em oferecer valor superior, seja anteriores proponentes (podendo sempre anteriores propostas ser apreciadas e aceites), seja novos. No entanto, tal matéria cabe ao agente de execução tramitar e decidir, concedendo o competente contraditório às partes.
Nestes termos, defere-se a requerida alteração/redução do valor da proposta de aquisição do imóvel penhorado, julgando-se improcedente a pretensão de aplicação do regime previsto no art. 825.º do NCPC, sem prejuízo de caber ao agente de execução proferir decisão quanto à aceitação ou não de tal proposta agora reduzida.
Notifique.»
É contra este despacho (segunda parte) que os executados reagem, interpondo, em 09.05.2022, recurso de apelação com os fundamentos explanados na respectiva alegação, que concluíram assim:
I- Vem o presente recurso interposto do despacho que defere a requerida alteração/redução do valor da proposta de aquisição do imóvel penhorado, julgando improcedente a pretensão de aplicação do regime previsto no art. 825.º do NCPC no caso de venda por negociação promovida por leilão electrónico.
II - Tendo a exequente apresentado proposta em leilão electrónico deverá liquidar o preço proposto, deduzido do valor do seu crédito.
III - o artigo 825.º do CP Civil é aplicável às propostas apresentadas em leilão electrónico
IV - O despacho recorrido violou, entre outros, os artigos 837.º, n.º 3, 834.º, n.º 4º e 825.º do código de processo civil e artigo 25.º da portaria 282/2013 de 29 de agosto.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido como apelação (com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo) por despacho de 09.06.2022.
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir. Objecto do recurso
São as conclusões que o recorrente extrai da sua alegação, onde sintetiza os fundamentos do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil - CPC) e, portanto, definem o âmbito objectivo do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso. Isto, naturalmente, sem prejuízo da apreciação de outras questões de conhecimento oficioso (uma vez cumprido o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do mesmo compêndio normativo).
Como flui do antecedente relatório, a questão que aqui se suscita consiste em saber se, numa venda em leilão electrónico, em que a proposta da exequente foi aceita por ser a de maior valor, pode o proponente vir depois reduzir o valor de compra proposto (ou mesmo desistir da compra) ou se, por não ter feito o depósito do preço oferecido, impõe-se a aplicação das consequências previstas no artigo 825.º, n.º 1, do CPC.
II – Fundamentação
1. Fundamentos de facto
Os factos e vicissitudes processuais relevantes para a decisão são os que constam do antecedente relatório (deliberadamente extenso) e decorrem do conteúdo dos próprios autos (a que se acedeu através da funcionalidade do citius de seguimento de processos), que têm força probatória plena.
2. Fundamentos de direito
As normas convocáveis para solucionar a questão equacionada são as contidas no artigo 837.º do CPC, nos artigos 20.º a 26.º da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, especialmente o artigo 25.º, e ainda no Despacho n.º 12624/15, de 09 de Novembro, do Ministério da Justiça.
É ao agente de execução que compete decidir a modalidade da venda de bens penhorados, de entre as previstas no artigo 811.º do CPC, mas há uma hierarquia a que este deve atender.
Quanto à venda de imóveis, não se verificando os pressupostos do artigo 831.º (venda directa), como aqui sucede, a venda faz-se, preferencialmente, em leilão electrónico (artigo 837.º, n.º 1, do CPC) e foi, justamente, isso que determinou a Sra. AE, tendo fixado para início do leilão o dia 11.11.2021 e o termo em 09.02.2022.
Em 14.02.2022, a Sra. AE comunicou que, findo o leilão, havia sido aceita a proposta, apresentada pela exequente, no valor de € 171 572,83 e, do mesmo passo, notificou a exequente/proponente para, no prazo de 15 dias, efectuar o pagamento desse valor, como estatui o n.º 2 do artigo 824.º do CPC.
Veio, então, a exequente/proponente comunicar que estava dispensada de proceder ao depósito do preço oferecido e requerer a emissão do título de adjudicação, esclarecendo posteriormente que, com a adjudicação, ficava pago, não só o crédito exequendo, mas também o crédito por si reclamado e graduado em primeiro lugar.
Nos termos do disposto no artigo 815.º, n.º 1, do CPC, sendo o exequente a adquirir o bem que é objecto de venda, será dispensado de depositar o preço, excepto:
- a parte do preço que seja necessária para pagar a credores graduados antes dele;
- a parte do preço que exceda o valor do seu crédito (a importância que tem direito a receber);
- o valor das custas prováveis da execução (incluindo os honorários e despesas do AE).
Ora, em 18.02.2022, o executado BB veio dizer que o montante do crédito da exequente era muito inferior ao valor da sua licitação (€ 171 572,83), pelo que, de harmonia com a citada disposição legal, tinha de depositar o excedente. E, em 11.04.2022, a exequente/proponente veio reconhecer que assim era, pois o montante total em dívida ficava-se por € 104 893,97. Pediu, então, que fosse dada «sem efeito» a proposta apresentada de € 171 572,83 e apresentou nova proposta, agora no montante de € 104 893,97, com o que - estava bem de ver – não concordam os executados.
Como já se viu, no despacho recorrido, o Sr. Juiz acolheu a pretensão da exequente/proponente (o que não significava aceitação da nova proposta de compra, pois essa é uma competência da AE), com o fundamento de que os autos estão na fase de venda por negociação particular e, «enquanto não for efetivamente realizada a venda, nada obsta que o proponente altere ou retire a sua proposta, no quadro de uma normal negociação particular», não se aplicando o regime do artigo 825.º do NCPC.
Vejamos, pois, se é essa a solução que decorre das disposições normativas pertinentes.
A venda por negociação particular em leilão electrónico que é realizada no âmbito de um processo de execução e os efeitos dela decorrentes não são substancialmente diversos de um normal negócio jurídico de compra e venda realizado no âmbito das relações privadas. A diferença está no momento em que se dá a transferência do direito de propriedade sobre a coisa, que aqui ocorre com a emissão, pelo AE, do título de transmissão (uma vez depositada a totalidade ou parte do preço oferecido e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão)[2].
Importa aqui assinalar que, uma vez introduzidas no sistema (a plataforma electrónica www.e-leiloes.pt, gerida pela Câmara dos Solicitadores), as propostas não podem ser retiradas (artigo 23.º, n.º 3, da Portaria n.º 282/13, de 29 de Agosto, e artigo 7.º, n.º 14, do Despacho n.° 12624/15, de 09 de Novembro).
Por isso os potenciais licitantes são advertidos (Anexo I ao Despacho n.° 12624/15):
«Aviso para a primeira licitação»
«Vai licitar pela primeira vez no portal www.e-leiloes.pt
Fica alertado de que não é possível anular uma licitação depois de esta ser concretizada. A licitação é definitiva e não pode ser revogada, anulada ou por qualquer forma alterada.
Caso a sua licitação seja superior ao valor mínimo e, com o encerramento do leilão, se verifique que é a licitação mais elevada, fica obrigado ao depósito do preço, com as consequências previstas no artigo 825.º do Código de Processo Civil, nomeadamente, por decisão do Juiz, «o arresto em bens suficientes para garantir o valor em falta, acrescido das custas e despesas, sem prejuízo de procedimento criminal e sendo aquele, simultaneamente, executado no próprio processo para pagamento daquele valor e acréscimos».
Encerrado o leilão, o agente de execução notifica o licitante que apresentou a proposta de maior valor (desde que superior ao mínimo fixado para a venda) para depositar o montante do preço oferecido, nos termos do disposto no artigo 824.º, n.º 2, do CPC, e já vimos que foi o que fez a Sra. AE.
Porém, como já se assinalou, a exequente/proponente não cumpriu essa obrigação.
Ora, o artigo 25.º da Portaria n.º 282/13, de 29 de Agosto, é taxativo: «À falta de pagamento do preço no prazo legal é aplicável o disposto no artigo 825.º do Código de Processo Civil, (…).»
Perante determinação legal tão clara, a doutrina é perfeitamente assertiva quanto às consequências desse incumprimento:
«À falta de pagamento do preço pelo maior licitante ou pelo preferente é aplicável o art. 825 (art. 25 da Portaria)…» (J. Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3.º, Almedina, pág. 819).
«O incumprimento da obrigação de pagamento do preço dá azo à aplicação do regime do art. 825.°, do CPC (arts. 837.°, n.º 3 e 834.°, n.° 4, ambos do CPC, e art. 25.° da Portaria n.º 282/13, de 29 de Agosto)» (A.S. Abrantes Geraldes, L.F. Pires de Sousa e P. Pimenta, Código de Processo Anotado, vol. II, Almedina, pág. 257).
Só assim se garante a transparência do procedimento de leilão, que culmina com o acto de adjudicação do bem à melhor proposta, mediante o pagamento do preço.
Não pode, assim, manter-se o despacho recorrido.
III - Dispositivo Pelo exposto, acordam os juízes desta 5.ª Secção Judicial (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida (despacho de 21.04.2022, 2.ª parte).
Sem tributação.
(Processado e revisto pelo primeiro signatário).
Porto, 23.01.2023
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
_________________ [1] Em consequência de resolução deliberada em 03.08.2014 pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal. [2] Cfr. Ac. TRG, de 17.02.2022 (processo n.º 2549/11.0TJVNF-J.G1) e demais jurisprudência nele mencionada.