PROCESSO TUTELAR CÍVEL
DECISÃO PROVISÓRIA
PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Sumário

I – Apenas determina o vício de nulidade da sentença por falta de fundamentação (al. b), do nº1, do art. 615º, do CPC) a absoluta falta desta, não a mera deficiência da mesma, seja de facto seja de direito (sendo esta, eventual, razão de revogação da sentença por ocorrência de um outro vício – o erro de julgamento, atacável em via de recurso);
II – O Regime Geral do Processo Tutelar Cível consagra a possibilidade de o juiz, no âmbito de um processo tutelar cível pendente, decidir, fundamentadamente, a título provisório, questões, a demandar uma regulação urgente, que devam ser apreciadas a final (bem como ordenar diligências essenciais para assegurar a execução efetiva da decisão), viabilizando, com estas providências cautelares em matéria tutelar cível, a proteção e defesa do superior interesse da criança.
III – No âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, a falta de acordo dos progenitores, na conferência, demanda decisão provisória, obrigatória.
IV – O critério orientador na decisão do tribunal é o interesse superior da criança (e não o interesse dos pais, que apenas deve ser considerado na justa medida em que se mostre conforme àquele). O superior interesse do menor é um conceito vago e indeterminado, uma orientação para o julgador perante o caso concreto, com a primazia da criança como sujeito de direitos, nomeadamente ao direito de manter relações gratificantes e estáveis com ambos os progenitores, obrigando estes a respeitar e fazerem respeitar esse interesse do menor.
V – Os alimentos a fixar têm de respeitar a proporcionalidade entre os meios daquele que houver de os prestar e as necessidades daquele que houver de os receber (art. 2004º, do Código Civil).
VI – Devendo a prestação de alimentos ser proporcional aos rendimentos dos progenitores e às necessidades do filho, em caso de desproporção dos rendimentos daqueles a quota-parte da prestação de alimentos por cada deles um deverá ser aferida, equitativamente, em concreto, segundo as circunstâncias do caso.
VII - Assim, a definição da medida dos alimentos, que será efetuada com base numa ideia de proporcionalidade entre as possibilidades do devedor e as necessidades do credor, tem de conter a equitativa ponderação das reais possibilidades, atuais, dos progenitores.
VIII – E postulando o princípio da igualdade tratamento igual de situações iguais e tratamento desigual de situações desiguais, sendo as situações dos progenitores equiparadas bem procedeu o Tribunal a quo ao igualá-los, como igualou, impondo contribuições iguais.
IX - É de primordial interesse para a criança poder manter-se na creche que frequenta, escolhida pelos pais, mantendo as rotinas até à definitiva decisão da questão.

Texto Integral

Apelação nº3139/22.8T8MTS.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo de Família e Menores de Matosinhos - Juiz 1

Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: Teresa Maria Sena Fonseca

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrente: AA
Recorrida: BB

AA, nos autos de Regulação do Poder Paternal em que é Requerente BB, apresentou-se a recorrer da decisão que fixou, provisoriamente, a contribuição da despesa da creche frequentada pelo seu filho CC em partes iguais.
Consta da ata da conferência de pais, para além do mais, o seguinte que para o caso releva:
“…Não estão de acordo quanto à comparticipação na despesa da creche, sendo que a mãe é de opinião que o pai deve pagar, porquanto se tratou de escolha de ambos, tendo o pai contribuído até abril de 2022 e o pai não pretende comparticipar em tal despesa defendendo inscrição em creche gratuita, porquanto não dispõe de meios económicos que lhe permitam suportar além da prestação de alimentos metade do valor da creche no valor mensal de 180 euros.
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Não havendo acordo quanto ao pagamento da mensalidade devida à frequência da creche onde o menor se encontra, foi dada a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público, que no seu uso disse promover o encaminhamento dos autos e nesta parte para Audição Técnica Especializada, fixando-se provisoriamente esta parte do regime de responsabilidades parentais.

De imediato, pela MMª Juiza foi proferido o seguinte:---

DESPACHO
Cumpre decidir.
Com efeito o Juiz pode a todo o tempo e em qualquer estado da causa proferir uma decisão cautelar ou provisória.
Dispõe o artigo 38º do RGPTC que “Se ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos,(…)”
Na verdade, torna-se necessário em determinadas situações obter uma composição provisória da situação controvertida antes da decisão definitiva, sendo certo que, nos termos gerais, tal composição justifica-se sempre que ela seja necessária para assegurar a utilidade da decisão ou a efectividade da tutela jurisdicional – art. 2º, nº 2, in fine, do C. P. Civil.
Neste contexto, obviamente que a tutela processual provisória decorrente das decisões provisórias e cautelares é instrumental perante as situações jurídicas decorrentes do direito substantivo.
Por outro lado, as decisões provisórias proferidas em processo tutelar cível são reguladas segundo critérios de conveniência, sendo que nos processos de jurisdição voluntária o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna.
A decisão provisória proferida pelo Juíz em face da ponderação dos elementos existentes nos autos, tem o seu fundamento no prejuízo que para a criança ou jovem a demora na definição dos seus direitos, pode acarretar e, bem assim na prevalência do seu superior interesse sobre quaisquer outras questões ou direitos em discussão.
O critério fundamental para tal decisão é o do interesse da criança.
No caso, de acordo com as declarações prestadas pelos pais na conferencia e alegações juntas aos autos, o pai aufere mensalmente 900 euros não tem despesas conhecidas com renda, água luz e electricidade, sendo desconhecido neste momentos se o mesmo nos períodos que está ausente do suporta despesas com o seu alojamento e alimentação.
A mãe por seu turno aufere em média entre os 700 e os 820 euros mensais líquidos, suporta despesa com renda, água, luz e alimentação e creche do filho no valor mensal de 360.
Mais foi dito e aceite pelo pai na conferencia, que a creche frequentado pela CC desde janeiro de 2022 foi escolhida por ambos, sendo que ambos partilharam esta despesas até abril de 2022.
É pois no interesse do CC manter as rotinas e por isso mesmo continuar a frequentar a creche que sempre frequentou e única que frequentou, e que foi escolhida por ambos e até dado momento, paga por ambos.
Não vislumbramos razão para que assim não o seja o seja doravante, sendo que o investimento na educação dos filhos, corresponde na maioria dos casos a uma pesada fatia do orçamento dos pais, não nos parecendo desmesurado o peso de tal investimento nos vencimentos auferidos por cada um dos progenitores (ainda que nesta fase apenas o da mãe esteja documentado).
Fixo pois provisoriamente a contribuição da despesa da creche em partes iguais” (negrito nosso).
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Pugna o progenitor por que seja revogada a decisão provisória tomada, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
1- Vem o presente recurso interposto da douta decisão proferida pela Mma. Juíza a quo, que fixou provisoriamente a contribuição da despesa da creche frequentada pelo CC em partes iguais, com a qual o ora Recorrente não pode conformar-se, atenta, por um lado, a sua manifesta e objetiva desadequação, quer à condição económica do Pai - e até à condição económica descrita pela Mãe nos presentes autos,
2- Quer às necessidades do CC e nível do meio em que se insere, ou seja, nível de vida que os Pais com esta categoria de rendimentos podem proporcionar ao filho e, por isso, à condição de vida que corresponda a um patamar normal dentro das condicionantes sócio económicas de que disponham, face às objetivas necessidades do CC, de um ano de idade.
3- E também não pode conformar-se com tal decisão, perante a patente ausência da devida ponderação de todos os elementos carreados pelo Recorrente, para a Conferência de Pais, por um lado (e que determinou um pedido de retificação da Ata da conferencia de progenitores,)
4- E, ainda, à evidência da falta de ponderação pelo Tribunal dos elementos da vida real, que levam à suposição de ausência de despesas por parte do Pai, que esteve na base da decisão do Tribunal,
5- Tendo em conta o disposto nos nºs 1 e 3 do artigo 28º do RGPTC, podia/devia o Tribunal ter mandado averiguar a efetiva situação económica de cada um dos Pais, ainda que fixando um curtíssimo prazo, antes da prolação da decisão provisória de que se recorre,
6- Face ao disposto no nº 1 do artigo 2004º CC e ao entendimento Jurisprudencial e Doutrinal sobre a matéria em questão,
7- Não o tendo feito, a decisão provisória tomada carece de fundamentação, pois sustenta-se em factos que não comprovou, carecem de demonstração nos autos e nem sequer têm qualquer adesão à realidade, mesmo à realidade do homem medio;
8- Pelo que tal decisão é nula.
9- Ainda que assim não se entenda, o que se concede por dever de patrocínio, a fundamentação é, no mínimo manifestamente insuficiente para justificar a decisão tomada, que é, no mínimo, precipitada e irrefletida,
10-Como comprovam os dados ora carreados para os autos pelo Recorrente relativamente à sua condição sócio económica, que é a que deve pautar a condição sócio económica do filho, sendo que a da Mãe não será, pelo menos, ao que aparenta nos autos, muito diferente.
11-Portanto, não considera o Recorrente curial, justo, equitativo e equilibrado fixar a um Pai que não tem um trabalho subordinado fixo, é prestador de serviços eventuais – e porque não tem conseguido melhor, não porque não queira trabalhar!- e que não chega sequer a ganhar mensalmente, em termos líquidos, 900 euros,
12-Relativamente a um filho com apenas um ano de idade,
13-Um valor fixo nunca inferior a 330 euros mensais (130 euros da pensão de alimentos - perfeitamente acordada pelo Pai - mais metade da comparticipação de 360 euros, ou seja, 180 euros, sendo certo que o valor real até é de quase 400 euros, como decorre da última fatura recebida).
14- Quando ao seu outro filho de 14 anos está a pagar uma pensão base de 160€, que haverá que a acrescer metade de todas as outras despesas, atento o regime de guarda partilhada estabelecida aquando do divórcio do ora recorrente, conforme decorre da ata da conferencia de divorcio do ora recorrente com a Mãe do DD,
15- Ou seja, só com pensões de alimentos o Recorrente, que nem sequer dispõe mensalmente de 900 € líquidos para viver, terá de desembolsar 470 € mensalmente, ao que terá que acrescer despesas de saúde de ambos os filhos,
16-Tendo em conta os encargos mensais fixos básicos que o Recorrente tem e que não só discriminou, como também documentou, e para os quais se permite remeter por questões de economia processual, é manifesto que o ónus que lhe está a ser imposto é desajustado e indevido.
17- Por outro lado, por muito que o Recorrente aprecie a creche do filho CC e até gostaria muito que ele lá estivesse, haverá certamente creches bem mais baratas e de qualidade,
18-E não é por estar numa creche publica que o CC deixará de ter as suas necessidades asseguradas.
19-Sendo que o Tribunal nem sequer averiguou se a Mãe recebe algum subsídio do Estado para ajudar a custear essa creche, uma vez que é mãe solteira, é monoparental e importará apurar todos os eventuais subsídios e ajudas que a Requerente está a receber, designadamente a título de comparticipação no infantário.
20- Pois é dificilmente entendível que alguém que diz, como a requerente diz na sua p.i., que ganha próximo do salário mínimo nacional, e até foi contemplada com o benefício do apoio judiciário,
21- Pague uma creche de 360 €, que, na realidade, até é de 385 euros, no mínimo, podendo ir aos 400 euros, tendo em conta os seguros e os extras.
22-Por outro lado, é entendimento pacifico da Doutrina e da Jurisprudência que, em se tratando da Escola, tanto a opção pelo ensino público, como pelo ensino privado são questões de particular importância,
23-São questões que não se enquadram nas decisões quotidianas e sem relevo fundamental para a vida futura do menor, pelo que deverá haver acordo de ambos os Pais relativamente a esta matéria.
24-Não havendo esse acordo, como entretanto não houve, tal como foi comunicado à Mãe, não pode ser imposto ao Pai o pagamento da frequência de uma instituição privada por parte do CC,
25-Quando existem outras creches públicas certamente com o mesmo tipo de valências e que proporcionarão igualmente ao CC o desenvolvimento das suas normais capacidades.
26-Assim sendo, a decisão provisória tomada quanto à comparticipação na creche deverá ser revogada, porque tomada, desde logo, sem a devida sustentação básica e partindo de forma subjetiva de pressupostos inexistentes e não ponderando elementos existentes no processo, que deviam ter sido ponderados,
27-Para além de que, para um homem médio, que não chega a auferir 900 euros mensalmente e suporta as despesas básicas comuns a qualquer pessoa, como é o caso do Recorrente, é excessivo impor-lhe a comparticipação por quase 200 euros numa creche privada, para além das pensões que já paga colocando o filho numa plataforma sócio económica não condizente com a do Recorrente, mas sim muito acima, o que vai contra o disposto legal e doutrinalmente e consensualizado jurisprudencialmente.
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Apresentou a progenitora contra alegações a pugnar pela improcedência do recurso, apresentando as seguintes
CONCLUSÕES:
I – Na conferência de Pais do dia 09/09/2022, os progenitores alcançaram acordo sobre a quase totalidade das questões inerentes ao exercício das responsabilidades parentais do menor CC, com exceção do pagamento de metade do valor devido pela creche do menor e forma de atualização anual da pensão de alimentos.
II – O Tribunal “a quo” decidiu provisoriamente que a creche seria paga em partes iguais pelos progenitores.
III – O Recorrente veio recorrer desta douta decisão arguindo a nulidade da mesma por “não se encontrar cabalmente fundamentada”.
IV – Considerando que o Tribunal “a quo” “limitou-se a estribar em juízos precipitados e carecidos de objetividade sobre a condição económica de Requerente e Requerido, sem nada que ateste tais conclusões”, não atendendo às diversas despesas que o Recorrido possui mensalmente, sendo as mesmas incompatíveis com o seu rendimento.
V – Não assiste qualquer razão ao Recorrente.
VI – Desde logo porque das faturas e comprovativos de pagamento apresentados pelo Recorrente não se logra apurar quem os pagou, quando, de que forma e se eventualmente se verificou compartição nas respetivas despesas por terceiros, mormente, por parte dos seus pais.
VII – Documentos que se impugnam e que não podem, a nível de prova, produzir os efeitos desejados pelo Recorrente.
VIII - O alegado pelo Recorrente no que concerne às suas ditas despesas face ao rendimento que diz dispor (cerca de Euros 800,00) carece de credibilidade.
IX – Não é plausível que quem aufere os rendimentos que o Recorrente afirma receber tenha de pagar aos seus pais – pessoas com rendimentos e bens de fortuna - uma comparticipação mensal de Euros 100,00 (quando está no país) a título de ajuda nos consumos domésticos.
X – Quem refere, tal como o Recorrente, não dispor de rendimento líquido para pagar metade da creche do seu filho, certamente também não poderia suportar as despesas de 16 (dezasseis) dias de férias (22/07/2022 a 30/07/2022 no “BOOM” (Festival de Música Eletrónica que decorre em ...) para o qual alugou uma espécie de caravana e no Algarve entre 31/07/2022 a 08/08/2022).
XI – Portanto: ou é ajudado pelos pais, ou dá preferência dos seus rendimentos para gastos supérfluos em atividades lúdicas e férias próprias, em clara preterição das despesas essenciais do menor seu filho, ou então, e por último, não diz a verdade.
XII – O Recorrente sempre foi ajudado pelos seus pais, não se acreditando que tal realidade tivesse sido alterada após a sua separação com a Recorrida, a qual de igual modo – algo perfeitamente corrente nos dias de hoje – é ajudada economicamente pelos seus pais para fazer face a despesas mensais que não logra suportar com o seu rendimento.
XIII - A escolha da creche do menor foi feita de comum acordo entre os progenitores e o motivo fundamental subjacente radicou no local da mesma - próxima da habitação da Recorrida e dos avós maternos que, desse modo, podem auxiliar nas conduções e recolhas do menor e em tudo o mais necessário para o bem-estar quotidiano do menor.
XIV – Mantendo os seus rendimentos inalterados, não se compreende por que razão o Recorrente pagou metade da creche até abril do presente ano e depois deixou de o fazer e, nomeadamente, num momento em que até se encontrava no estrangeiro a trabalhar e a auferir rendimentos.
XV – A tese do Recorrente é contraditória em si, não possuindo qualquer credibilidade.
XVI - O interesse do progenitor Recorrente é sempre um interesse secundário e subsidiário que apenas poderá relevar na estrita medida em que o mesmo não colida com o interesse superior do menor.
XVII – O Tribunal não está obrigatoriamente adstrito à realização de outras diligências de prova, mas tão só quanto aquelas que se mostrem estritamente necessárias e indispensáveis para a prolação da decisão cautelar – o que no caso em concreto não se verificou por imprescindível face aos elementos e fatos até então carreados para os autos.
XVIII - Tendo em conta a fase inicial e precoce do processo de regulação, o interesse superior do menor reclamou que a regulação provisória do exercício das responsabilidades parentais fosse no sentido de causar a menor perturbação possível na vida e modus vivendis do mesmo, preservando assim a relação deste com os progenitores e, bem assim os eventuais entendimentos (“pontes”) que existem entre os pais quanto ao exercício das responsabilidades parentais, não contribuindo a decisão provisória e cautelar para um eventual agravamento do conflito parental ou entre estes e o menor.
XIX – O Recorrente terá de prescindir dos seus interesses egoísticos e dar preferência aos interesses e necessidades essenciais do seu filho.
XX – Em momento algum o pagamento de metade da creche do menor CC fará perigar a subsistência do Recorrente e do seu outro filho, cuja mãe é abastada, e muito menos (caricatamente dito) causando “prejuízos irreparáveis”.
XXI – A douta decisão do Tribunal “a quo”, devidamente fundamentada, não merece qualquer censura.
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O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu concluindo pela improcedência do recurso e por que se confirme a decisão recorrida dado que efetuou uma correta interpretação da lei e não nos merece o mais pequeno reparo, não tendo o recorrente razão. A decisão proferida, que teve em conta a matéria de facto alegada, as declarações prestadas e os documentos juntos aos autos, mostra-se equilibrada, adequada e defende os superiores interesses da menor CC.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1. Da nulidade da sentença, por padecer do vício de falta de fundamentação, previsto na al. b), do nº1, do art.º 615º, do Código de Processo Civil.
2. Do erro de julgamento quanto à repartição das despesas da creche e da modificabilidade do regime provisório decretado quanto a tal.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. FACTOS PROVADOS
A matéria de facto provada com relevância para a decisão consta já do relatório que antecede.
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1º - Da nulidade da sentença por falta de fundamentação
Argui o Apelante a nulidade da decisão por falta de fundamentação, vício previsto na alínea b), do nº1, do art.º 615.º, do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência, que dispõe ser nula a sentença quando “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
As nulidades da sentença são vícios formais de tal peça processual, taxativamente consagrados no referido nº1, sendo tipificados vícios do silogismo judiciário, inerentes à sua formação e à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas, como faz o apelante, com hipotéticos erros de julgamento (error in judicando), seja de facto seja de direito[1]. São vícios intrínsecos de tal peça processual (tratando-se de error in procedendo), nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in iudicando) seja de facto seja de direito, que são apreciados em função do discurso lógico desenvolvido em tal peça processual, não se confundindo com errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento, estes, a sindicar noutro âmbito.
As causas de nulidade da decisão, conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/10/2017, visam tão só o “erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável, nada tendo a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada: não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei”.
Sendo frequente a confusão entre a nulidade da decisão e a discordância do resultado obtido, cumpre reforçar que os vícios da sentença não são erros de julgamento (error in judicando), estes erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris). Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto. Esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, mas o mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando atacáveis em via de recurso[2].
Sustenta o apelante que a decisão recorrida é nula, pois que nela o tribunal a quo não especifica os fundamentos que justificam a decisão.
Sendo o dever de fundamentação das decisões judiciais uma decorrência da lei fundamental (v. art. 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa) e da lei ordinária, que se apresenta a densificá-lo (cfr. arts. 154º, n.º 1 e 615º, n.º 1, al. b)), impondo-se ao juiz o dever de especificar os fundamentos de facto e de direito em que alicerça a sua decisão[3], tendo por fim o convencimento da bondade da mesma, tal só se conseguirá se aquele, através da fundamentação, esclarecer o que a ela presidiu[4].
Por isso, é que em termos de matéria de facto, se impõe ao juiz a obrigação de na sentença discriminar os factos que considera provados e não provados, devendo, de forma clara e especificada, analisar criticamente as provas e expor os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção em relação a cada facto (art. 607º, n.ºs 3, 4 e 5), explicitando desse modo, não só a respetiva decisão como, também, quais os motivos que a determinaram. E em sede de fundamentação da matéria de direito, a lei faz impender sobre o juiz iguais obrigações, impondo-lhe o ónus de, na decisão, identificar as normas e os institutos jurídicos de que se socorreu e a interpretação que deles fez em sede de subsunção jurídica ao caso concreto (n.º 3 daquele art. 607º).
Assim, “ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão (art. 607-3). Há nulidade (no sentido de invalidade, usado pela lei) quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão (ac. do STJ de 17.10.90, Roberto Valente, AJ, 12, p. 20: constitui nulidade a falta de discriminação dos factos provados). Não a constitui a mera deficiência de fundamentação (ac. do TRP de 6.1.94, CJ, 1994, I. p 197: a simples indicação do preceito legal aplicável constitui fundamentação suficiente da decisão[5].
Relativamente à falta de fundamentação de facto, diga-se que, integrando a sentença tanto a decisão sobre a matéria de facto como a fundamentação dessa decisão (art. 607º, nº3 e 4), “deve considerar-se que a nulidade consagrada na alínea b), do nº1 (falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão) apenas se reporta à primeira, sendo à segunda, diversamente, aplicável o regime do art. 662, nºs 2-d e 3, alíneas b) e d) (ac. do TRP de 5.3.15, Aristides Rodrigues de Almeida, www.dgsi.pt.proc.1644/11, e ac. do TRP de 29.6.15, Paula Leal de Carvalho, www.dgsi.pt, proc 839/13)”[6].
Relativamente à falta de fundamentação de direito, que é indispensável para se saber em que se fundou a sentença, não pode “ser feita por simples adesão genérica aos fundamentos invocados pelas partes (art. 154-2; mesmo ac. de 19.1.84); mas é admitida em recurso, quando a questão a decidir é simples e foi já objeto de decisão jurisdicional, a remissão para o precedente acórdão (art. 656 e 663-5 (…). Este vício da sentença tem a falta da causa de pedir como seu correspondente na petição inicial (art. 186-2-a)[7].
Não obstante a essencialidade reconhecida à fundamentação, entende a doutrina e a jurisprudência, só a absoluta falta de fundamentação, isto é, a omissão absoluta de motivação, determina a nulidade da decisão. Tal acontece, designadamente, nos casos de falta de discriminação dos factos provados, ou de genérica referência a toda a prova produzida na fundamentação da decisão de facto, ou de meros conclusivos juízos de direito, e não apenas em situações de mera deficiência da mesma[8], de fundamentação alegadamente insuficiente e, ainda menos, de putativo desacerto da decisão [9].
Deste modo, importa distinguir entre erros de atividade ou de construção da sentença (despacho – cfr. art. 613º, n.º 3), geradores de nulidade a que se reporta aquele art. 615º, n.º 1, dos erros de julgamento, que apenas afetam o valor doutrinal da decisão, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada[10] atacáveis em vias de recurso e não determinativos daquela invalidade. A deficiente fundamentação, em que apenas se verifica uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou uma deficiente enunciação e interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto, não constitui omissão de fundamentação, determinativa de nulidade da sentença mas tão só mero erro de julgamento, atacável e sindicável em via de recurso[11].
E nos casos em que o vício da deficiente fundamentação se coloque ao nível da decisão sobre a matéria de facto, esse vício tem de ser solucionado mediante as regras próprias enunciadas nos n.ºs 1 e 2 do art. 662º do CPC.
Revertendo para o caso, verifica-se que o apelante que sustenta que a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação. Nenhuma razão tem, estando a mesma devidamente fundamentada. Como resulta da leitura da sentença recorrida, o tribunal explicitou a formação da sua convicção, relativamente aos factos que considerou provados mediante indicação dos meios de prova produzidos sobre tal matéria e posição assumida pelas partes, até reafirmada nas próprias alegações.
Assim, e com efeito, da leitura da decisão recorrida verifica-se que dela transparecem os factos, as provas e as razões da decisão, bem como normas que se entenderam aplicáveis.
Contrariamente ao sustentado pelo apelante, a decisão recorrida encontra-se fundamentada, não padecendo do vício que aquele lhe atribui, podendo, eventualmente, padecer de erro, seja de facto seja de direito, a levar à revogação, caso a solução de mérito nela sufragada não colha fundamento legal, sendo tal error in iudicando, atacável e a ser apreciado em via de recurso, e sendo até, que, como vimos, de acordo com o entendimento doutrinal e jurisprudencial uniforme, apenas o vício da absoluta falta de fundamentação é suscetível de determinar a invalidade da decisão, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 615º do CPC, o que, evidentemente, não é o caso.
Improcede, pois, o invocado vício da nulidade da decisão, por alegada falta de fundamentação, concluindo-se não padecer a mesma da apontada nulidade, pois que nenhuma falta de fundamentação se verifica, antes fundamentada está de facto e de direito, como dela resulta (v. factos, motivação dos mesmos e subsunção legal).
Assim, fundamentada, mesmo que a fundamentação de deficiência padecesse, nunca estaria afetada pelo referido vício que só à absoluta falta de fundamentação se reporta, tendo de improceder, por isso, a arguida nulidade com este fundamento.
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2 - Da fixação, provisoria, da contribuição da despesa da creche frequentada pela criança em partes iguais pelos progenitores
Insurge-se o progenitor contra a decisão que fixou provisoriamente a contribuição (em partes iguais) da despesa da creche frequentada pelo seu filho CC, concluindo que, para um homem médio, que não chega a auferir 900 euros mensalmente e suporta as despesas básicas comuns a qualquer pessoa, como é o caso do Recorrente, é excessivo impor-lhe a comparticipação de quase 200 euros numa creche privada, para além das pensões que já paga, colocando o filho numa plataforma sócio económica não condizente com a do Recorrente, mas sim muito acima, o que vai contra o disposto legal e doutrinalmente e consensualizado jurisprudencialmente.
O Regime Geral do Processo Tutelar Cível, abreviadamente RGPTC, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência, consagra no nº1, do art. 28º, a possibilidade de o juiz, no âmbito de um processo tutelar cível pendente, oficiosamente ou a requerimento, decidir, fundamentadamente, a título provisório, caso o entenda conveniente, questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar diligências essenciais para assegurar a execução efetiva da decisão, viabilizando a proteção e defesa do superior interesse da criança, de modo a adequar a decisão à sua situação atual.
No âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, é obrigatória a decisão provisória, não havendo acordo, entre os progenitores, na conferência a que alude o art.º 35º, nos termos do art. 38º, decisão essa que é tomada sobre o pedido em função dos elementos já obtidos. Impõe o referido preceito que o juiz decida provisoriamente sobre o pedido, em função dos elementos já processualmente adquiridos, não tendo que aguardar por outras diligências de prova, nem pela audição de técnicos especializados, sem prejuízo de, posteriormente, ainda antes da decisão final, logo que ouvidos esses técnicos ou produzida mais prova, poder ser alterado o inicialmente decidido, como previsto no art.º 28º nº 2, a fortiori. Tratando-se de uma decisão provisória, fundada nos poucos elementos até essa data recolhidos, normalmente apenas nas declarações dos progenitores, o julgador deve nortear-se por princípios de razoabilidade, atuando com bom senso, prudência e moderação, protegendo os interesses dos menores e só depois os dos progenitores, evitando que a decisão agudize o conflito e assim impeça um acordo, que ainda poderá vir a ser obtido na segunda fase da conferência (cfr. art.º 39º nº 1 do RGPTC)[12].
No âmbito do processo de regulação do exercício do poder paternal a lei faculta ao tribunal a tomada de medidas provisórias que constituem autênticas providências cautelares específicas dos processos tutelares cíveis. Tem, pois, a decisão natureza provisória e caduca quando for revogada, alterada ou quando for proferida a decisão final[13].
Embora se trate de um regime provisório e sejam escassos os elementos constantes do processo, em função dos já existentes e dada a urgência de acautelar a situação deve, em função deles, tomar-se a decisão (provisória) mais conforme aos interesses do menor, que sempre estão subjacentes a estas decisões, sendo que nos processos de jurisdição voluntária relativos à regulação das responsabilidades parentais o interesse do menor, a regular, aparece no topo, acima do interesse de qualquer dos pais, sendo, aliás, até, aquele o único interesse a regular em tal processo de jurisdição voluntária.
Cumpre, analisar e decidir qual o melhor regime (provisório) para a criança, CC, de pouco mais de 1 ano de idade.
Sustenta o progenitor, apelante, que a decisão recorrida, ignora as reais possibilidades dos progenitores.
Cumpre, pois, apreciar.

Decorre de imposição constitucional, enunciada em vários preceitos, entre eles o art. 69º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, que consagra que “as crianças têm direito a proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições”, que o critério norteador que deve presidir a toda e qualquer decisão do tribunal em matéria de regulação de responsabilidades parentais é o interesse superior da criança, critério este que deve estar acima dos direitos e interesses dos pais quando estes sejam conflituantes com os daquela.
Também da lei ordinária, no seguimento do constitucionalmente consagrado - v. art. 1878º, n.º 1, do Código Civil, abreviadamente, - estabelece que o poder paternal é um poder-dever dos pais funcionalizado pelo interesse dos seus filhos, competindo aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros e administrar os seus bens, tendo de o exercer, altruisticamente, ao interesse da criança.
Nos diversos casos de rutura da relação entre os progenitores, a lei estabelece - cfr. art. 1906º, do CC - a regra do exercício conjunto das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância.
Somente em casos excecionais, e mediante decisão fundamentada, poderá esta regra ser afastada pelo tribunal, face à conclusão, não meramente de que a mesma não é adequada, mas que se revela contrária aos interesses do menor (juízo conclusivo que pode advir de fatores de diversa etiologia)[14] (negrito e sublinhado nosso).
O nº7, do artigo 1906º, determina que, no exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, o tribunal decidirá sempre de harmonia com os interesses do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreça, amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.
Este tipo de processo é de jurisdição voluntária, pelo que nele o julgador não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo, antes, adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, no exercício do poder-dever a que se encontra adstrito, (art. 12º, do RGPTC e 987º, do CPC) efetuando as diligências de averiguação e de instrução necessárias à prolação mais adequada ao caso concreto.
Dúvidas não existem de que o critério orientador e que terá necessariamente de presidir à decisão do tribunal é o interesse superior da criança e não os dos progenitores, o qual apenas terá e deverá ser considerado, até por imposição constitucional (arts. 36º, n.ºs 3 a 6, 67º, 68º e 69º da CRP), na medida em que se mostrem conformes ao interesse superior da criança, não colocando em crise esse interesse[15].
A Jurisprudência dos Tribunais, designadamente a do STJ, vai no sentido de, “por mais que aceitemos a existência de um “direito subjetivo” dos pais a terem os filhos consigo, é no entanto o denominado “interesse superior da criança”- conceito abstrato a preencher face a cada caso concreto – que deve estar acima de tudo. Se esse “interesse subjetivo” dos pais não coincide com o “interesse superior do menor” não há outro remédio senão seguir este último interesse”[16].
A lei não define o que deve entender-se por “interesse superior da criança”, estando-se na presença de um conceito aberto, a concretizar atentando nas necessidades físicas, intelectuais, religiosas e materiais da criança, na sua idade, sexo, grau de desenvolvimento físico e psíquico, na continuidade das relações daquela, a sua adaptação ao ambiente escolar e familiar, bem como as relações que vai estabelecendo com a comunidade em que se integra.
Assente que está qual o superior interesse que deve presidir à decisão do tribunal e que, em caso de incompatibilidade entre os direitos e os interesses dos progenitores e os da criança, é o interesse desta última que há-de impreterivelmente prevalecer, cumpre apreciar qual o melhor regime para a criança, que satisfaça, de modo mais eficaz, esse seu interesse.
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Em causa nos autos está, tão só, a fixação da prestação de alimentos e, mais concretamente, a repartição da despesa com a creche que o menor frequenta.

De acordo com o disposto no art. 2004º, do Código Civil, os alimentos são proporcionais aos meios daquele que houver de os prestar e às necessidades daquele que houver de os receber[17] e, resultando dos art. 36º, 5 e 69º da Constituição da República Portuguesa (CRP) não apenas um dever dos pais de sustentar os filhos, como o direito das crianças à proteção da sociedade e do Estado, bem como ao seu são e normal desenvolvimento, deve ser seguido “o entendimento jurisprudencial maioritário que este princípio constitucional do direito das crianças ao seu são e normal desenvolvimento assume primazia sobre qualquer dificuldade que os pais possam ter no cumprimento do dever de prestar alimentos, pelo que este só será afastado em casos extremos de absoluta incapacidade física de os prestar (v. Acórdão da Relação de Lisboa de 26.03.2015, proferido no âmbito do Processo nº 5542/13.5T2SNT.L1-6, disponível em www.dgsi.pt).
Efetivamente, não obstante o tribunal ter de atender à capacidade económica do devedor de alimentos na fixação do quantum da pensão, impõe-se-lhe que na ponderação dos dois fatores a considerar que dê preponderância às reais necessidades do credor de alimentos, necessidades essas que vão aumentando com o seu crescimento (v. Acórdão da Relação de Coimbra, de 10.06.2015, proferido no âmbito do processo nº 3079/12.9TBCSC, relator: Carlos Moreira, disponível em www.dgsi.pt).
Com efeito, “como decorre do disposto nos citados art. 36º, 5 e 69º da CRP, é inerente ao exercício das responsabilidades parentais o dever dos pais de proverem à manutenção dos seus filhos, devendo as pensões de alimentos espelhar primacialmente as necessidades dos menores, sendo o seu quantum fixado não tanto em função dos meios de que o progenitor devedor dos alimentos dispõe, mas daqueles que, por ter capacidade para o trabalho, tem possibilidade de dispor”, cabendo-lhe diligenciar por ele e pela obtenção dos proventos que dele advêm.
São “critérios avançados pelo art. 2004º do CC: os meios de quem haja de prover pelos alimentos e a necessidade de quem haja de recebê-los – um juízo de proporcionalidade, portanto, que poderá implicar que um dos progenitores seja obrigado a contribuir com montantes mais elevados do que o outro”[18].
Na verdade, a ideia de proporcionalidade a que alude o nº1, do art° 2004°, inculca a ideia:
- por um lado que o vinculado a alimentos não deve apenas entregar ao alimentando o indispensável, mas, mais do que isso, deve ver diminuído o seu nível de vida para assegurar a esse alimentando nível de vida idêntico ao seu, o que constitui o conceito de alimentos paritários, sendo que o “sustento” a que alude o art° 1878° n°1 ex vi art° 1880° C.Civ. se interpreta como abrangendo não só a alimentação, mas ainda as despesas com assistência médica e medicamentosa, deslocações, divertimentos e outras quaisquer (“dinheiro de bolso”), desde que inerentes à satisfação das necessidades da vida quotidiana, correspondentes à condição social do alimentado[19],
- por outro lado que a prestação de alimentos deve ser proporcional aos rendimentos dos progenitores e necessidades do filho e, em caso de desproporção dos rendimentos dos progenitores a quota - parte da prestação de alimentos por cada um deverá ser aferida em concreto de acordo com as reais possibilidades[20], e não de acordo com critérios padronizados [21] [22].
Assim desenhado o regime jurídico em causa, cumpre analisar da verificação do apontado erro na decisão de mérito.
Ora, sendo, efetivamente, pertinente o que o progenitor refere, relativamente ao elevado montante relativo à creche privada, face ao rendimento de cada progenitor e às despesas que cada um deles tem de suportar, sendo, na verdade, de ponderar a questão da escolha de creche, custos com a mesma e ofertas disponíveis em creche pública na decisão definitiva, não podemos deixar de concordar com a decisão provisória, por ser do superior interesse do CC, de tão tenra idade, permanecer na creche que foi escolhida pelos pais até que, em decisão definitiva, se regule a questão dado o grave inconveniente para a criança de passar de creche em creche.
Com efeito, é interesse do CC manter as rotinas e, por isso, continuar na creche que vem frequentando, única que frequentou e que escolhida foi por ambos os progenitores e que, até dado momento, veio, mesmo, paga por ambos, não se vislumbrando, efetivamente, razão para que assim o não seja, não nos parecendo o peso de tal investimento, na educação do filho, no vencimento do progenitor apelante desproporcional por forma a impor, mesmo provisoriamente, outra solução.
Por forma a salvaguardar o interesse do menor, como o progenitor compreenderá, justifica-se o sacrifício, provisório, sendo que a repartição de metade para cada um, dados os menores rendimentos da mãe em relação aos do progenitor, mas, também, as maiores despesas do progenitor, que tem de suportar, também, despesas com o outro filho, justa e equitativa, bem ponderando as possibilidades de cada progenitor.
Bem decidiu o Tribunal a quo, pois que, na verdade, o princípio da igualdade engloba: “(i)tratamento igual de situações iguais (ou tratamento semelhante de situações semelhantes); (ii) tratamento desigual de situações desiguais, mas substancial e objetivamente desiguais e não criadas ou mantidas artificialmente pelo legislador; (iii) tratamento em moldes de proporcionalidade das situações relativamente iguais ou desiguais e que, consoante os casos, se converte para o legislador ora em mera faculdade, ora em obrigação; (iv) tratamento das situações não apenas como existem mas também como devem existir (acrescentando-se, assim, uma componente ativa ao princípio e fazendo da igualdade perante a lei uma verdadeira igualdade através da lei); (v) consideração do princípio não como uma “ilha”, antes como princípio a situar no âmbito dos padrões materiais da Constituição”[23].
Ora, sendo as atuais situações de ambos os progenitores similares impõe-se, para ser observado o princípio da igualdade, o tratamento igual que, provisoriamente, foi conferido.
Assim, reunidos os pressupostos de que depende a afirmação da obrigação de alimentos, a definição da medida dos alimentos, que será feita com base numa ideia de proporcionalidade em relação as possibilidades do devedor e as necessidades do credor[24], bem se mostra efetuada, de modo equitativo, na ponderação da repartição, proporcional, entre os progenitores das reais possibilidades, atuais, de ambos e o superior interesse da criança.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pelo apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
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Custas pelo apelante, pois que ficou vencido – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.

Porto, 23 de janeiro de 2023
Assinado eletronicamente pelas Juízas Desembargadoras
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
Teresa Fonseca
______________
[1] Cfr. Ac. do STJ de 1/4/2014, Processo 360/09: Sumários, Abril /2014 e Ac. da RE de 3/11/2016, Processo 1070/13:dgsi.Net.
[2] Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI.
[3] Ac. RE, de 3/11/2016, Proc. 1774/13.4TBLLE.E1.dgsi.net, citado in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª ed., Março/2017, pág. 922
[4] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 348.
[5] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, pág 735
[6] Ibidem, pág 736
[7] Ibidem, pág 736
[8] Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, vol. II, Almedina, pág. 370; Lebre de Freitas, in ob. cit., pág. 332; Abílio Neto, in Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª ed., Março/2017; pág. 906, e Acs. STJ. de 14/11/2006, Proc.06A1986; de 17/04/2017, Proc. 07B418; R.C. de 16/10/2012, Proc. 127963/11.1YIPRT.C1; RG. de 14/05/2015, Proc. 853/13.2TBGMR.G1, todos in base de dados da DGSI.
[9] Ac. STJ de 2/6/2016, Proc. 781/11 e António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág. 737
[10] Ac. STJ de 5/4/2016, Proc. 128/13, Sumários Abril/2016, pág 8, Abílio Neto, in Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª ed., Março/2017; pág. 921
[11] Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI.
[12] Ac. da RG de 12/1/2017, processo 996/16.0T8BCL-D.G1, in dgsi.net
[13] Ac. da RP de 20/2/2017, processo, 1530/14.2TMPRT-A.P1, in dgsi.net
[14] Ana Prata e outros, Código Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2017, pag 817
[15] Ac. RG. de 04/12/2012, Proc. 72/04.1TBBNC-D.G1, in base de dados da DGSI.
[16] Ac. STJ., de 04/02/2010, Proc. 1110/05.3TBSCD.C2.P1, in base de dados da DGSI.
[17] Cfr. Ac. RG de 14/1/2021, proc. 802/17.9T8VCT.G1, in dgsi.pt, onde se sumaria “Os elementos constitutivos da obrigação de alimentos são, por um lado, a necessidade de alimentos do alimentando e, por outro, a possibilidade de prestação por parte do alimentante (art. 2004º do Código Civil)”.
[18] Beatriz de Macedo Vitorino, Providências relativas aos filhos e aos cônjuges, in Rui Pinto e Ana Alves Leal, coordenação, Processos Especiais, vol. II, 2021, AAFDL Editora, pág. 11
[19] Ac. RP de 26/5/2009, proc. 8114/07.0TBVNG.P1, in dgsi.pt
[20] Cfr. Ac. do STJ de 19/5/2021, proc. 648/08.5TBEPS.G1.S1, in dgsi.pt, onde se decidiu que a prestação a fixar deve ter em conta todos os custos inerentes a um crescimento saudável e harmónico, a uma educação adequada, sendo que na fixação dos alimentos e no que diz respeito às necessidades do menor, deve ser ponderado nomeadamente a sua idade, estado de saúde, aptidões, estrato social e o nível social dos progenitores e se ambos os progenitores devem participar nas despesas relativas ao sustento (em sentido amplo) e à educação do menor, de modo algum tal participação tem de ser, necessariamente, em montantes iguais, participando os mesmos igualmente quando participam de acordo com as suas reais possibilidades.
[21] Ac. da RL de 20/1/2011, proc. 7880/08.0TBALM.L1-2, in dgsi.pt
[22] Como se decidiu no Ac. da RC de 8/7/2021, proc. 661/17.8T8LMG-A.C1, in dgsi.net a “determinação da prestação de alimentos a filho menor a cargo do progenitor não guardião e a fixação da sua medida far-se-á por meio da ponderação cumulativa do binómio necessidade (de quem requer os alimentos) / possibilidade (de quem os deve prestar), em conformidade com o disposto no artigo 2004º do Código Civil. IV – O que não dispensa um momento de equidade no juízo final de ponderação, nomeadamente em função da objetiva desproporção dos rendimentos/encargos de cada um dos progenitores. V – Assim, a contribuição dos pais para alimentos dos filhos – artigo 1878º, nº 1, do Código Civil – deve estabelecer entre eles um patamar de igualdade, de proporcionalidade, o qual passa por fixar as despesas mensais dos filhos; verificar o que sobra a cada progenitor, depois de deduzidas as despesas fixas de cada um e estabelecer, de seguida, uma contribuição proporcional às disponibilidades de cada progenitor, sem abstrair do mínimo necessário à sobrevivência dos progenitores” (negrito nosso).
[23] Jorge Miranda, Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, volume I, Universidade Católica Editora, pág. 166 e seg
[24] Rute Teixeira Pedro, em anotação ao artigo 2004º, in Ana Prata (Coord.), Código Civil Anotado, 2º. Vol. Almedina, pág. 904 e segs