DIVISÃO DE COISA COMUM
PRÉDIO
DIVISIBILIDADE
AUTORIZAÇÃO ADMINISTRATIVA
Sumário

I - Constitui condição de divisibilidade de um prédio, no caso de nele serem necessárias operações urbanísticas, a intervenção/autorização das entidades administrativas competentes nos termos do disposto no D.L. nº 555/99 de 16.12.
II - É requisito fundamental da procedência da acção de divisão de coisa comum que a coisa seja divisível, nos termos que o art.º 209.º do CC estabelece.
III - Face a esta norma, a divisibilidade ou indivisibilidade da coisa afere-se em termos jurídicos, e não físicos
IV - Haverá indivisibilidade se a divisão implicar alteração da substância da coisa, diminuição do seu valor ou prejuízo para o uso a que se destina.
V - Só em concreto, será possível apreciar se a divisão da coisa implica alteração da sua substância, diminuição do seu valor ou prejuízo para o uso a que se destina.

Texto Integral

Apelação nº1098/19.3T8AMT.P1

Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este
Juízo Local Cível de Amarante

Relator: Carlos Portela
Adjuntos: António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço



Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto



I. Relatório:
Os autores AA e mulher BB intentaram acção comum contra CC e mulher DD pedindo que sejam fixadas as quotas do caminho de consortes em ½ para autores e réus e que o mesmo seja dividido em substância.
Para tanto, alegaram o seguinte conjunto de factos:
- Encontra-se registado a favor do autor AA casado com BB por sucessão hereditária e partilha, por óbito de EE e mulher FF, pela Ap. ... de 17/06/2014, o prédio urbano composto de edifício de rés-do-chão e andar com logradouro, destinado a habitação, com a área coberta de 44m2 e descoberta de 40 m2, sito em ..., freguesia ..., concelho de Amarante, a confrontar do norte e nascente com GG, do sul com HH e do poente com caminho público, inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito sob o n.º ...- ....
- Encontra-se registado a favor dos réus CC e mulher DD por compra, pela Ap. ... de 18/11/2005, o prédio urbano composto de casa de rés -do-chão com logradouro, com a área coberta de 48 m2 e descoberta de 72 m2, sito no lugar ..., freguesia ..., concelho de Amarante, a confrontar do norte e nascente com II, do sul com JJ e do poente com KK, inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito sob o n.º ...-....
- Os autores são donos do prédio referido em 1.º lugar e os réus são donos do prédio referido em 2.º lugar.
- O acesso aos prédios faz-se a pé, desde tempos imemoriáveis, há mais de 20, 30 e 50 anos, por um caminho de terra batida, sem saída, provindo da Rua ....
- Desde 1975 que o acesso aos prédios se faz pelo mesmo caminho, a pé e com veículo automóvel.
- Os réus começaram a estacionar um e dois carros, junto à entrada de acesso do seu prédio e às escadas de acesso do prédio dos autores.
- O caminho de terra batida sempre foi utilizado pelos autores e réu e antepossuidores, há mais de 20, 50 anos, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, com a convicção de serem os donos e de a ninguém prejudicar.
Citados os réus, os mesmos defenderam-se por excepção, ineptidão, caso julgado e impossibilidade legal do pedido e por impugnação alegando que os autores não concretizaram os factos em que assentam o pedido formulado, designadamente as características actuais, natureza, afectação, a extensão e a área da parcela de terreno que dizem ser comum.
Mais alegam que a divisão requerida tem um objecto que é física e legalmente impossível, contrário à lei e por isso nulo nos termos do art.º 280º do Código Civil.
Por fim, alegam que o seu prédio não possui qualquer comunicação directa com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la de outra forma que não seja através do prédio de terceiros.
Concluem pela procedência das excepções invocadas ou se assim se não entender pela improcedência da acção.
Os autos prosseguiram os seus termos com a prolação de despacho onde se dispensou a realização de audiência prévia, onde se identificou o objecto do litígio, onde se julgaram improcedentes as excepções invocadas e se identificaram do seguinte modo os temas de prova:
1. A partir da Rua ..., a atribuição da metade direita do caminho aos autores e da metade esquerda aos réus, constitui desmembramento de terreno passível de ser consentida pela Câmara Municipal de Amarante;
2. Essa autorização merece parecer favorável /licença;
3. A distribuição referida em 1 priva os réus de acesso à via pública, fazendo com que tenham de transitar sobre terreno de terceiros.
Posteriormente, realizou-se a audiência de discussão e julgamento no culminar da qual se proferiu sentença na qual se julgou a acção parcialmente procedente e se fixou as quotas de autores e réus, como consortes do caminho, em metade, absolvendo os réus do restante pedido.
Os Autores vieram interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo as suas conclusões.
Os Réus responderam.
Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho onde se teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº41/2013 de 26 de Junho.
É sabido que o objecto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelos autores/apelantes nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o conteúdo dessas mesmas conclusões:
1- A primeira questão a apreciar neste recurso tem a ver com a necessidade de autorização/intervenção camarária.
2- As operações urbanísticas são definidas pelo artigo 2.º, al. f), Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, como operações materiais de urbanização, de edificação, utilização dos edifícios ou do solo, desde que, neste último caso, para fins não exclusivamente agrícolas, pecuários, florestais, mineiros ou de abastecimento público de água.
3- Por seu turno, as operações de loteamento são descritas pelo artigo 2.º, al. i), do referido diploma legal como acções que têm por objecto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados, imediata ou subsequentemente, à edificação urbana e que resulte da divisão de um ou vários prédios ou do seu reparcelamento.
4- Ora, conforme resulta da prova documental, do relatório pericial e dos esclarecimentos prestados em audiência pelo seu subscritor, na parcela de terreno cuja divisão se suscita não é possível fixar-se qualquer urbanização ou edificação, pelo que ao caso nem sequer se mostra aplicável a figura do destaque.
5- De facto, e como referido em “Regime Jurídico da Urbanização e Edificação – Comentado”, 4.ª Edição, da Insigne Sra. Professora Fernanda Paula Oliveira e outros: “… se o interessado apenas pretender destacar uma parcela da outra sem criar lotes (isto é, criando parcelas não destinadas imediata ou sucessivamente a construção urbana), então não estamos perante uma operação urbanística, logo a mesma não se enquadra, também, na noção de destaque para efeitos do artigo 6.º” – pág. 41.
6- Desse modo, a divisão peticionada nos autos não carece de qualquer autorização ou intervenção por parte do Município de Amarante.
7- A segunda questão a apreciar neste recurso prende-se com a indivisão jurídica, por alegada ocorrência de prejuízo para o uso a que a coisa se destina.
8- Sobre isso, diz-se que se é verdade que o acesso aos prédios por esse caminho se faz desde 1975 a pé e com veículo automóvel (Alínea E) dos Factos Provados), não é menos verdade que os Réus começaram a estacionar um e dois carros, junto à entrada de acesso do seu prédio e às escadas de acesso do prédio dos Autores (Alínea F) dos Factos Provados), e que tal uso que os Réus fazem do caminho impede os Autores de poderem também estacionar livre e descansadamente o seu veículo automóvel (pois a largura do caminho impede que um e outro se cruzem).
9- Um caminho de consortes destina-se a dar acesso a prédios, e isso está garantido no presente caso (a pé).
10- O acesso a carro não integra o núcleo essencial do conceito jurídico previsto na lei.
11- De facto, a distância da casa dos Réus para a Rua ... é de cerca de 15 metros, ou seja 15 passadas maiores.
12- Por outro lado, a decisão do Tribunal a quo conduz à legitimação do exercício abusivo de um direito por parte dos Réus – artigo 334.º do Código Civil.
13- Efectivamente, não é possível o Tribunal recorrido concluir pela indivisibilidade jurídica do caminho com o argumento supra quando os Réus são os únicos que se apoderaram do direito de nele estacionarem veículos automóveis, privando os Autores de o fazerem.
14- Tal conduta excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social do direito.
15- Assim, os temas de prova 1 e 2 devem ser dados por provados e, em consequência, ser a acção julgada totalmente procedente, concluindo-se pela divisibilidade jurídica e em substância do caminho.
16- A sentença sob censura viola o disposto nos artigos 2.º, 4.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 555/99, e o artigo 209.º do CC, devendo, por isso, ser revogada.
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Perante o antes exposto, resulta claro serem as seguintes as questões suscitadas neste recurso:
1ª) Saber se divisão peticionada carece ou não de autorização e intervenção por parte do Município de Amarante;
2ª) Saber se a divisão peticionada não pode ser deferida por ocorrência de prejuízo para o uso a que a coisa se destina.
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Ficou visto que no recurso dos autos se questiona a decisão de facto proferida, propondo que sejam dados como provados os factos contidos nos temas de prova identificados sob os nºs 1 e 2.
No entanto, resulta evidente o não cumprimento pelos autores/apelantes dos ónus previstos no art.º 640º, nºs 1, alínea b) e 2, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil.
A ser deste modo, impõe-se rejeitar sem mais este segmento do recurso.
A ser assim importa agora transcrever aqui qual o conteúdo dessa mesma decisão.
Factos provados:
A
Encontra-se registado a favor do autor AA casado com BB por sucessão hereditária e partilha, por óbito de EE e mulher FF, pela Ap. ... de 17/06/2014, o prédio urbano composto de edifício de rés-do-chão e andar com logradouro, destinado a habitação, com a área coberta de 44m2 e descoberta de 40 m2, sito em ..., freguesia ..., concelho de Amarante, a confrontar do norte e nascente com GG, do sul com HH e do poente com caminho público, inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito sob o n.º ...- ....
B
Encontra-se registado a favor dos réus CC e mulher DD por compra, pela Ap. ... de 18/11/2005, o prédio urbano composto de casa de rés -do-chão com logradouro, com a área coberta de 48 m2 e descoberta de 72 m2, sito no lugar ..., freguesia ..., concelho de Amarante, a confrontar do norte e nascente com II, do sul com JJ e do poente com KK, inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito sob o n.º ...-....
C
Os autores são donos do prédio referido em A e os réus são donos do prédio referido em B.
D
O acesso aos prédios referidos em A e B faz-se a pé, desde tempos imemoriáveis, há mais de 20, 30 e 50 anos, por um caminho de terra batida, sem saída, provindo da Rua ....
E
Desde 1975 que o acesso aos prédios se faz pelo mesmo caminho, a pé e com veículo automóvel.
F
Os réus começaram a estacionar um e dois carros, junto à entrada de acesso do seu prédio e às escadas de acesso do prédio dos autores.
G
O caminho de terra batida sempre foi utilizado pelos autores e réu e antepossuidores, há mais de 20, 50 anos, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, com a convicção de serem os donos e de a ninguém prejudicar.
H
A distribuição do caminho priva os réus de acesso carral à via pública, fazendo com que tenham de transitar sobre terreno de terceiros;
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Factos Não Provados:
Temas de Prova 1 e 2 e tema 3 em parte.
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E é a seguinte a fundamentação desta decisão de facto:
“Particularizando e revendo a nossa convicção, foram de decisivos os seguintes contributos:
- O relatório pericial, que consignou de forma temerária e injustificada que a divisão física ou fraccionamento é passível de ser autorizado pela Câmara Municipal, mas, contudo, tal não se nos afigura possível, a não ser em tese, pois para além de tudo o mais, viola de um só passo a lei dos loteamentos e dos destaques (cfr. 49 n.º 1 do DL. 555/99 de 16 de Dezembro, a saber:
Artigo 49.º
Negócios jurídicos
1 - Nos títulos de arrematação ou outros documentos judiciais, bem como nos instrumentos relativos a actos ou negócios jurídicos de que resulte, directa ou indirectamente, a constituição de lotes nos termos da alínea i) do artigo 2.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 6.º e 7.º, ou a transmissão de lotes legalmente constituídos, devem constar o número do alvará ou da comunicação prévia, a data de emissão do título, a data de caducidade e a certidão do registo predial.
2 - Não podem ser realizados actos de primeira transmissão de imóveis construídos nos lotes ou de fracções autónomas desses imóveis sem que seja exibida, perante a entidade que celebre a escritura pública ou autentique o documento particular, certidão emitida pela câmara municipal, comprovativa da recepção provisória das obras de urbanização ou certidão, emitida pela câmara municipal, comprovativa de que a caução a que se refere o artigo 54.º é suficiente para garantir a boa execução das obras de urbanização. 3 - Caso as obras de urbanização sejam realizadas nos termos dos artigos 84.º e 85.º, os actos referidos no número anterior podem ser efectuados mediante a exibição de certidão, emitida pela câmara municipal, comprovativa da conclusão de tais obras, devidamente executadas em conformidade com os projectos aprovados.
4 - A exibição das certidões referidas nos n.os 2 e 3 é dispensada sempre que o alvará de loteamento tenha sido emitido ao abrigo dos Decretos-Leis n.os 289/73, de 6 de junho, e 400/84, de 31 de dezembro.)
E assim, nos termos do art.163 do CPP o tribunal desconsiderou em absoluto, para não dizer arrasou as respostas do Sr. Perito aos temas de prova 1, 2 e 3 (parcialmente), facultade que nos assiste e que não nos coibimos de accionar, quando como é o caso, é gritantemente fundado por não podermos caucionar ou validar um juízo pericial em contravenção manifesta da Lei dos Loteamentos.
No mais, o Sr. Perito afirmou que o desmembramento do caminho não priva os réus de acederem à via pública e, de forma paradoxal diz que continuam a aceder pedonalmente, mas não de carro, quando a conclusão então é que ficam privados sim e a todas as luzes de acesso carral, não lhe ocorrendo sequer a falta de préstimo e racionalidade que consiste em retalhar um caminho que só tem 52 m2, para não falar da impossibilidade legal de o fazer de acordo com os diplomas citados, sendo manifesto e gritante que o prédio dos réus não tem outro acesso a pé e de carro que não seja aquele caminho. Caso para excogitar em que suporte legal (que o Sr. Perito não pode escamotear) se ancorou o relatório pericial para considerar que é possível dividir em substância tão estreita passagem …
- Tomada de esclarecimentos ao Sr. Perito que se revelaram sumamente contraditórios com o teor do relatório: paradoxalmente na audiência de julgamento o Sr. Perito afirmou de forma peremptória que não é possível a emissão de autorização de loteamento, que a área, toda intacta, já é muito exígua para edificabilidade, quanto mais para se dividir. O caminho já é muito exíguo e, ao dividir, o que é escasso, torna as 2 construções encravadas (o que mais nos reveste de razão, na medida em que então as respostas aos temas de prova 1 e 2 deveriam ser rotundamente negativas) o que se torna mais alarmante se pensarmos que essa pretensão colide com o trânsito de uma ambulância ou com a inserção de um ramal de saneamento. Em total divergência e implosão do relatório, o Sr. Perito asseverou que o destaque é para prédios onde é possível a edificação o que, manifestamente, não é o caso, o destaque só é possível com área e finalidade de construção e tinha que garantir que a parte sobrante também era passível de comportar outra construção. Então aqui o Sr. Perito, de forma lapidar e incontornável emitiu a asserção decisiva e com a qual não podemos estar mais de acordo (continuando sem alcançar como foi possível não formular as respostas aos temas de prova que se impunham e de sinal contrário), o caminho não é passível de divisão em substância, não é possível destacar um prédio (rectius, nem sequer é um prédio…) que não tem descrição na Conservatória, tem que existir um título para registar um ónus de não fraccionamento e só temos uma porção de terreno (é mesmo isso…). E não há outra forma legal de dividir este terreno (com o que não podemos estar mais de acordo).
- Depoimento de parte da autora BB que confessou parcialmente o tema de prova n.º 3, ou seja, que a divisão do leito do caminho, priva os réus de acesso carral à via pública.
TESTEMUNHAS:
- LL, sobrinha e afilhada do autor. A casa velha era da sua avó e a casa nova onde nasceu é a dos réus agora. O caminho era da sua avó, como aliás, todo o terreno à volta. O seu pai não tinha nada no “largo”, a parte da direita era só da sua avó. O seu pai não tinha lá nada, na casa que hoje é dos réus. No lado direito havia uma ramada, mas não se metem lá carros.
- FF, sobrinha do autor. O pai fez a casa quando ela era pequena. O terreno era todo da sua avó que se limitou a autorizar o seu pai a edificar a casa dele. A avó era senhora de todo o terreno em volta. O caminho de acesso era da sua avó, que só deixou a sua mãe fazer a casa, mas claro, a sua mãe para aceder à casa tinha de passar no caminho.
- MM, primo por afinidade do autor. Vendeu a casa aos réus. Só há um caminho que serve as 2 casas e se for dividido a meio só dá para passar a pé e mais ninguém passa lá de carro pois só tem 2 metros de largura. Quando era dono da casa passava pelo caminho de carro, a mãe do autor até deixava estacionar na leira. Na casa do autor havia uma ramada e estacionavam lá à sombra, embora ele o fizesse esporadicamente pois estava emigrado.
- NN, prima do autor. Percutiu que, se o caminho for dividido a meio, os réus só podem aceder a sua casa a pé.
Por fim, militaram os seguintes documentos, sentença e acórdão da acção prévia, relatório “particular” junto pelos autores na acção anterior, fotografias, com particular relevo para a imagem Google Earth junta nestes autos.
Cremos já ter destacado que salvo a melhor convicção, a resposta negativa aos temas de prova 1 e 2 e parcial ao 3 é a única decisão possível aliás completamente incensada pelo Sr. perito em audiência e em total contradição com as lacónicas respostas positivas que exarou no relatório.”
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Como já vimos, os autores/apelantes concluem as suas alegações de recurso defendendo que a sentença recorrida viola o disposto nos artigos 2º, 4º e 6º do D.L. nº 555/99 de 16.12 e o art.º 209º do Código Civil.
Vajamos, pois, passando desde logo a transcrever o teor dos artigos do primeiro dos referidos diplomas legais.
Assim:
Artigo 2.º
Definições
Para efeitos do presente diploma, entende-se por:
a) Edificação: a actividade ou o resultado da construção, reconstrução, ampliação, alteração ou conservação de um imóvel destinado a utilização humana, bem como de qualquer outra construção que se incorpore no solo com carácter de permanência;
b) Obras de construção: as obras de criação de novas edificações;
c) Obras de reconstrução: as obras de construção subsequentes à demolição total ou parcial de uma edificação existente, das quais resulte a manutenção ou a reconstituição da estrutura das fachadas, da cércea e do número de pisos;
d) Obras de ampliação: as obras de que resulte o aumento da área de pavimento ou de implantação, da cércea ou do volume de uma edificação existente;
e) Obras de alteração: as obras de que resulte a modificação das características físicas de uma edificação existente ou sua fracção, designadamente a respectiva estrutura resistente, o número de fogos ou divisões interiores, ou a natureza e cor dos materiais de revestimento exterior, sem aumento da área de pavimento ou de implantação ou da cércea;
f) Obras de conservação: as obras destinadas a manter uma edificação nas condições existentes à data da sua construção, reconstrução, ampliação ou alteração, designadamente as obras de restauro, reparação ou limpeza;
g) Obras de demolição: as obras de destruição, total ou parcial, de uma edificação existente;
h) Obras de urbanização: as obras de criação e remodelação de infra-estruturas destinadas a servir directamente os espaços urbanos ou as edificações, designadamente arruamentos viários e pedonais, redes de esgotos e de abastecimento de água, electricidade, gás e telecomunicações, e ainda espaços verdes e outros espaços de utilização colectiva;
i) Operações de loteamento: as acções que tenham por objecto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados imediata ou subsequentemente à edificação urbana, e que resulte da divisão de um ou vários prédios, ou do seu emparcelamento ou reparcelamento;
j) Operações urbanísticas: os actos jurídicos ou as operações materiais de urbanização, de edificação ou de utilização do solo e das edificações nele implantadas para fins não exclusivamente agrícolas, pecuários, florestais, mineiros ou de abastecimento público de água;
l) Trabalhos de remodelação dos terrenos: as operações urbanísticas não compreendidas nas alíneas anteriores que impliquem a destruição do revestimento vegetal, a alteração do relevo natural e das camadas de solo arável ou o derrube de árvores de alto porte ou em maciço para fins não exclusivamente agrícolas, pecuários, florestais ou mineiros.
(…)
Artigo 4.º
Licenças e autorizações administrativas
1 - A realização de operações urbanísticas depende de prévia licença ou autorização administrativas, nos termos e com as excepções constantes da presente secção.
2 - Estão sujeitas a licença administrativa:
a) As operações de loteamento em área não abrangida por plano de pormenor;
b) As obras de urbanização e os trabalhos de remodelação de terrenos em área não abrangida por uma operação de loteamento;
c) As obras de construção, de ampliação ou de alteração em área não abrangida por operação de loteamento ou plano de pormenor, sem prejuízo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º;
d) As obras de reconstrução, ampliação, alteração ou demolição de edifícios classificados ou em vias de classificação e as obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração ou demolição de edifícios situados em zona de protecção de imóvel classificado ou em vias de classificação ou em áreas sujeitas a servidão administrativa ou restrição de utilidade pública;
e) A alteração da utilização de edifícios ou suas fracções em área não abrangida por operação de loteamento ou plano municipal de ordenamento do território, quando a mesma não tenha sido precedida da realização de obras sujeitas a licença ou autorização administrativas.
3 - Estão sujeitas a autorização administrativa:
a) As operações de loteamento em área abrangida por plano de pormenor;
b) As obras de urbanização e os trabalhos de remodelação de terrenos em área abrangida por operação de loteamento;
c) As obras de construção, de ampliação ou de alteração em área abrangida por operação de loteamento, plano de pormenor ou em área urbana consolidada como tal identificada em plano municipal de ordenamento do território para a qual não seja necessária a fixação de novos parâmetros urbanísticos, sem prejuízo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º;
d) As obras de reconstrução salvo as previstas na alínea d) do número anterior;
e) As obras de demolição de edificações existentes que não se encontrem previstas em licença ou autorização de obras de reconstrução, salvo as previstas na alínea d) do número anterior;
f) A utilização de edifícios ou suas fracções, bem como as alterações à mesma que não se encontrem previstas na alínea e) do número anterior;
g) As demais operações urbanísticas que não estejam isentas ou dispensadas de licença ou autorização, nos termos do presente diploma.
(…)
Artigo 6.º
Isenção e dispensa de licença ou autorização
1 - Estão isentas de licença ou autorização:
a) As obras de conservação;
b) As obras de alteração no interior de edifícios não classificados ou suas fracções que não impliquem modificações da estrutura resistente dos edifícios, das cérceas, das fachadas e da forma dos telhados.
2 - Podem ser dispensadas de licença ou autorização, mediante previsão em regulamento municipal, as obras de edificação ou demolição que, pela sua natureza, dimensão ou localização, tenham escassa relevância urbanística.
3 - As obras referidas na alínea b) do n.º 1, bem como aquelas que sejam dispensadas de licença ou autorização nos termos do número anterior, ficam sujeitas ao regime de comunicação prévia previsto nos artigos 34.º a 36.º
4 - Estão ainda isentos de licença ou autorização os actos que tenham por efeito o destaque de uma única parcela de prédio com descrição predial que se situe em perímetro urbano, desde que cumpram, cumulativamente, as seguintes condições:
a) As parcelas resultantes do destaque confrontem com arruamentos públicos;
b) A construção erigida ou a erigir na parcela a destacar disponha de projecto aprovado quando exigível no momento da construção.
5 - Nas áreas situadas fora dos perímetros urbanos, os actos a que se refere o número anterior estão isentos de licença ou autorização quando, cumulativamente, se mostrem cumpridas as seguintes condições:
a) Na parcela destacada só seja construído edifício que se destine exclusivamente a fins habitacionais e que não tenha mais de dois fogos;
b) Na parcela restante se respeite a área mínima fixada no projecto de intervenção em espaço rural em vigor ou, quando aquele não exista, a área de unidade de cultura fixada nos termos da lei geral para a região respectiva.
6 - Nos casos referidos nos n.os 4 e 5, não é permitido efectuar, na área correspondente ao prédio originário, novo destaque nos termos aí referidos por um prazo de 10 anos contados da data do destaque anterior.
7 - O condicionamento da construção bem como o ónus do não fraccionamento, previstos nos n.os 5 e 6 devem ser inscritos no registo predial sobre as parcelas resultantes do destaque, sem o que não pode ser licenciada ou autorizada qualquer obra de construção nessas parcelas.
8 - O disposto neste artigo não isenta a realização das operações urbanísticas nele previstas da observância das normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente as constantes de plano municipal e plano especial de ordenamento do território e as normas técnicas de construção.
9 - A certidão emitida pela câmara municipal constitui documento bastante para efeitos de registo predial da parcela destacada.”
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Sabemos todos que com a presente acção os autores/apelantes querem que se proceda à divisão em substância de uma porção de terreno que constitui, desde tempos imemoráveis, ou seja há mais de 20, 30 e 50 anos, o caminho de acesso a pé e com veículo automóvel, aos prédios identificados em A) e B) dos Factos provados.
Pedem ainda que a metade direita dessa divisão lhes seja atribuída e a metade esquerda aos réus/apelados.
Está pois em causa a divisão entre ambos de uma parcela de terreno destinada a acesso comum a ambos os prédios urbanos, que se apurou não possuir autonomia predial ou inscrição matricial.
Já vimos que na tese dos autores/apelantes o pedido que formulam não carece de qualquer autorização ou intervenção camarária, por não se tratar de qualquer operação urbanística, seja ela destaque ou loteamento.
Não têm no entanto razão neste seu entendimento.
Assim tem razão o Tribunal “a quo” quando a dado passo da sentença recorrida defende o seguinte:
“A divisão pretendida pelos autores não é possível sem que, previamente tenham sido respeitados os requisitos de natureza administrativa legalmente exigidos, ou seja, se a prévia concessão de alvará de loteamento ou licença de destaque, não poderá haver divisão,…”.
E mais adiante quando refere o seguinte:
“Quer o loteamento, quer o destaque estão dependentes da verificação dos requisitos previstos nas leis aplicáveis a este tipo de intervenções urbanísticas. Assim, e nomeadamente, o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro (alterado pelo Decreto-Lei nº 177/2001, de 4 de Junho, pela Lei nº 15/2002, de 22 de Fevereiro, pela Lei nº 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, pela Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro, pelo Decreto-Lei nº 157/2006, de 8 de Agosto, pela Lei nº 60/2007, de 4 de Setembro, pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro e pelo Decreto-Lei nº 116/2008, de 4 de Julho) impõe a necessidade de licenciamento, de autorização ou de comunicação à Câmara Municipal competente, consoante as situações e os requisitos exigidos em relação a cada uma, de operações de loteamento ou de destaque de parcelas de terrenos.
No caso, seria condição da divisão do prédio das partes a demonstração de que a ou as entidades administrativas competentes para o efeito tinham tido a intervenção imposta por lei, quanto mais não fosse no procedimento correspondente ao pedido de informação prévia previsto nos artigos 15º e segs. do citado Decreto-Lei nº 555/99, o que não foi feito. Nunca seria, assim, admissível proceder à divisão do prédio nesta acção. Ainda que lhes coubesse em sorte alguma nesga sucesso no iter administrativo – e não cabe –, não poderiam os tribunais substituir-se àquelas entidades para verificar os requisitos da divisão pretendida, impondo-lhes uma decisão com esse mesmo efeito.”
No sentido desta argumentação e para além do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.09.2008, proferido no processo nº 08B2121, citado na sentença dos autos, vão também os acórdãos desta Relação do Porto de 10.11.2015, no processo nº90/13.6T2VGS.P1, da Relação de Évora de 09.03.2017, no processo nº 37/16.8RMZ.E.1 e da Relação de Coimbra de 13.11.2018, no processo nº 5336/16.6T8VIS.C1, todos em www.dgsi.pt.
Em suma, bem andou pois a 1ª instância quando no caso julgou necessária a autorização da Câmara Municipal de Amarante, acabando a concluir que não existindo previa concessão de alvará de loteamento ou licença de destaque, não pode ser deferida a divisão requerida.
Nestes termos, improcede pois a primeira das pretensões recursivas dos autores/apelantes.
Para além do exposto, os autores/apelantes também defendem que o deferimento do seu pedido não acarretaria qualquer prejuízo para o uso a que se destina o caminho melhor identificado em D) dos factos provados.
Vejamos, pois se tal entendimento deve ou não ser acolhido.
Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, o art.º 209º do Código Civil atende, para fixar a indivisibilidade, a três circunstâncias: não se alterar a substância, não se diminuir o valor e não se prejudicar o uso da coisa. Assim, faltando qualquer delas, a coisa é indivisível, (cf. Código Civil Anotado, Volume I, 2ª edição, pág.188).
A propósito desta questão e agora na jurisprudência, refere o seguinte o Acórdão do STJ de 14.06.2011, no processo nº1147/06.5TBVD.G1.S2, em www.dgsi.pt:
“É requisito fundamental da procedência desta acção que a coisa seja divisível, nos termos que o art.º 209º do CC estabelece. Este preceito diz que “são divisíveis as coisas que podem ser fraccionadas sem alteração da sua substância, diminuição de valor, ou prejuízo para o uso a que se destinam”. O entendimento comum da doutrina e da jurisprudência é o de que face a esta norma a divisibilidade ou indivisibilidade da coisa afere-se em termos jurídicos, e não físicos […]; por isso, quando se verifique qualquer uma das situações nela previstas a coisa será juridicamente indivisível, mesmo que fisicamente o não seja. Dito de outro modo: haverá indivisibilidade se a divisão implicar alteração da substância da coisa, diminuição do seu valor ou prejuízo para o uso a que se destina.
(…)
Na verdade, como resulta do que acima se evidenciou a respeito do art.º 209º do CC, só em concreto, caso a caso, é possível apreciar se a divisão da coisa implica alteração da sua substância, diminuição do seu valor ou prejuízo para o uso a que se destina.”
Aplicando tais regras ao caso o que se verifica é que na sentença proferida se entendeu que a divisão estava vedada pelas regras do supra citado art.º 209º do Código Civil, mais concretamente pelo que consta do seu segmento final.
E com inteira razão, como já de seguida veremos.
São os próprios autores ora apelantes que aceitam que após a divisão requerida o caminho apenas poderá ser utilizado a pé, por ambos os comproprietários.
Afirma, no entanto, que o facto de nele deixarem de poder circular de carro, não causa nenhum prejuízo, obrigando apenas autores e réus a dar “ 15 passos maiores” para percorrer o caminho.
Não colhe tal argumentação por ser óbvio que o conceito de prejuízo legalmente fixado no art.º 209 do Código civil, se deve ter por preenchido desde que uma das utilidades que a coisa proporciona desapareça.
Ora se no caso o indicado caminho de acesso comum sempre foi utilizado por autores e réus de carro e a pé, e se com tal divisão perde pelo menos uma destas características, tal alteração é suficiente para se considerar que há prejuízo para o uso a que aquele destina.
Em reforço deste entendimento vale ainda a argumentação trazida ao processo pelos réus/apelados nas suas contra alegações e que é a seguinte:
É certo que a referida tal utilidade desaparece, tal com existe actualmente, para ambas as partes.
No entanto, o que se constata é que tal prejuízo poderia ser ultrapassado pelos autores, aos quais sendo proprietários do terreno existente para lá do indicado caminho de acesso, seria possível contornar tal impedimento.
A verdade é que o mesmo não sucede no caso dos réus que passariam a ser proprietários de um prédio urbano encravado e sem acesso à via pública.
Em suma também com base no que dispõe o art.º 209º do Código Civil não pode ser julgado procedente o pedido de divisão aqui formulado pelos autores AA e BB.
Por isso e sem mais só resta confirmar a decisão proferida.
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Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso de apelação e, em consequência, confirma-se a decisão proferida.
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Custas a cargos dos autores/apelantes (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.


Porto, 9 de Fevereiro de 2023
Carlos Portela
António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço