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INIMPUTÁVEL
MEDIDA DE SEGURANÇA DE INTERNAMENTO
DURAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA DE INTERNAMENTO
LIMITE MÍNIMO DA MEDIDA DE SEGURANÇA DE INTERNAMENTO
Sumário
I. O limite mínimo do internamento de inimputáveis que praticaram factos ilícitos típicos e que devam ser considerados perigosos encontra-se fixado apenas quando o(s) facto(s) praticado(s) pelo inimputável corresponda(m) a crime contra as pessoas ou crime de perigo comum puníveis com pena de prisão superior a cinco anos. II. Para todos os outros casos, a lei penal prevê unicamente a fixação do prazo máximo de internamento, findo o qual o internado tem de ser posto em liberdade, independentemente de ter ou não cessado o seu estado de perigosidade, por imposição constitucional. III. Não havendo limite mínimo e constituindo a medida de segurança de internamento de inimputáveis um verdadeiro tratamento, ela termina logo que cesse a perigosidade criminal que a determinou, se tal ocorrer antes de atingido o seu limite máximo.
Texto Integral
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.
(Secção Penal) I. RELATÓRIO
No processo comum com intervenção do tribunal coletivo n.º 17/21...., do Juízo Central Criminal ... - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., foram submetidos a julgamento os arguidos AA, BB e CC, com os demais sinais dos autos.
O acórdão, proferido e depositado a 13 de outubro de 2022, tem o seguinte dispositivo:
«Por todo o exposto, acordam as Juízes que compõem este Tribunal Colectivo em:
Quanto ao arguido AA:
1. absolver o arguido da prática dos dois crimes de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, al. f), que lhe vinham imputados;
2. julgar provada a prática por AA de factos típicos, ilícitos, integradores do crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, al. f);
3. declarar o mesmo arguido inimputável em razão de anomalia psíquica, ao abrigo do disposto no art. 20.º, n.º 1 do Código Penal;
4. julgá-lo perigoso, por haver razões para recear a prática de outros factos da mesma natureza e gravidade, nos termos do artigo 91.º, n.º 1 do Código Penal;
5. determinar-lhe, pelos fundamentos e pressupostos descritos em 3. a 4., a aplicação de medida de segurança de internamento em estabelecimento de tratamento adequado para o tratamento da sua patologia, pelo período mínimo de dois anos, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 2 do artigo 92.º e do preceituado no n.º 1 do art. 93.º, ambos do Código Penal;
6. não condenar o arguido ao pagamento de custas, por não serem devidas (cr. artigo 513.º, n.º1, a contrario, do CPP);
Quanto à arguida BB:
1. condenar a arguida pela prática, em coautoria, de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, al. f), ambos do Código Penal, na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros);
2. condenar a arguida pela prática, em co-autoria, de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, al. f), ambos do Código Penal, na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros);
3. condenar a arguida, nos termos das disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 2, do artigo 77.º do CP, na pena única de 200 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), no global de € 1000,00 (mil euros);
4. condenar a arguida ao pagamento de custas fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.
Quanto ao arguido CC:
1. condenar o arguido pela prática, em co-autoria, de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, al. f), ambos do Código Penal, na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros);
2. condenar o arguido pela prática, em co-autoria, de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, al. f), ambos do Código Penal, na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros);
3. condenar o arguido, nos termos das disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 2, do artigo 77.º do CP, na pena única de 200 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), no global de € 1000,00 (mil euros);
4. condenar o arguido ao pagamento de custas fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.
Mais se decide:
- determinar a notificação dos arguidos;
- após trânsito, remeter boletins ao registo criminal;
- comunicar, de imediato, esta decisão ao TEP e ao EP;
- após trânsito, extrair certidão e enviá-la aos Serviços do Ministério Público para eventual instauração de processo de maior acompanhado a AA;
- determinar o depósito do presente acórdão.»
*
Inconformado, o arguido AA interpôs recurso, apresentando a competente motivação que remata com as seguintes conclusões:
«1.º O presente recurso tem como objecto o ponto 5 da Parte III. Dispositivo, em que acordaram as Juízes do tribunal a quo.
2.º Com o devido respeito por opinião contrária, in casu, deveria ter sido aplicada medida de segurança por um período mínimo inferior a dois anos, por considerar que o critério de fixação e determinação da medida de segurança, não pode colidir com as finalidades das medidas de segurança.
3.º Por economia e brevidade processual dá-se por reproduzida e integrada toda a fundamentação, do douto acórdão, aonde consta a matéria de facto dada como provada e a matéria de facto dada como não provada.
4.º Dá-se aqui por reproduzida e integrada a Douta Motivação do tribunal a quo.
5. º O arguido confessou os factos de que vinha acusado, pelo que se aceita o ponto 2 da parte III - Dispositivo em que acordaram as Juízes do tribunal a quo.
6.º Aceita-se a declaração de inimputabilidade do arguido, por anomalia psíquica, ao abrigo do artigo 20.º do Código Penal, constante do ponto 3 do Dispositivo em que acordaram as Juízes do tribunal a quo.
7.º Aceita-se a que o arguido integra os parâmetros de perigosidade, constante dos autos, nos termos do artigo 91.º, n.º 1 do Código Penal, constante do ponto 4 da parte III – Dispositivo em que acordaram as Juízes do tribunal a quo, devidamente fundamentado no Relatório Médico-Legal (que não foi colocado em crise, diga-se).
8.º A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente, conforme dispõe o artigo 40.º n.º 3 do Código Penal.
9. º Não colocamos em crise os pressupostos da medida de segurança, mas, a sua duração.
10.º Sabemos, pelo n.º 2 do artigo 92.º do Código Penal que o “internamento não pode exceder o limite máximo da pena correspondente ao tipo de crime cometido pelo inimputável.”, que, no caso concreto, o limite máximo será de 5 anos, cfr. artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, al. f) decorrentes do ponto 2 da parte III – Dispositivo do acórdão a quo.
11.º Urge, então, saber se há limite mínimo da medida de segurança, no caso concreto?
12.º O legislador penal no n.º 2 artigo 91.º do Código Penal, apenas se importou em estabelecer um limite mínimo de três anos para os casos mais graves, que, sem grandes considerações teóricas, sabemos que não se aplica ao caso concreto.
13.º Assim, para o caso concreto o legislador penal não estipulou um limite mínimo da medida de segurança.
14.º O tribunal a quo determinou a fixação de um limite mínimo de 2 anos, justificando nos seguintes termos: “Considerando tratar-se de factos a que corresponde crime contra o património, qualificado, considerando a concreta atuação do arguido e os seus antecedentes, reputa-se adequado fixar um limite mínimo de dois anos…”
15.ºO limite mínimo de dois anos da medida de segurança parece desproporcional à gravidade do facto e à perigosidade do agente, cfr. n.º 3 do artigo 40.º do Código Penal.
16.º O tribunal a quo, no ponto 2 do dispositivo, acordou em “2. julgar provada a prática por AA de factos típicos ilícitos, integradores do crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203.º, n.º1, e 204.º, n.º 1, al. f);”.
17.º Ainda que, pelas circunstâncias de se tratar duma medida de segurança, o Tribunal a quo não tenha determinado especificamente quais os factos que em concreto são imputados ao arguido, se os constantes do ponto 4 ou os constantes do ponto 8 da Fundamentação, facto é que em qualquer dos casos, os valores furtados ascendem a € 150,00 e a € 120,00, respetivamente.
18.º Ainda que se “escolha” o furto qualificado de maior valor, o de € 150,00, o do ponto 4 da Fundamentação, em abono da verdade, sempre se dirá que incluía bens alimentícios, dois eletrodomésticos e duas pingadeiras/assadeiras.
19.º Bem sabendo que, estando perante um furto com introdução ilegítima em habitação, as necessidades de prevenção geral e especial vão muito além do valor nominal dos produtos furtados, mas a verdade é que também devemos atender a esse valor.
20.º O valor nominal do furto é no máximo de € 150,00, e por isto, vai o arguido condenado a um limite mínimo de dois anos?
21.º Entende-se como proporcional o limite mínimo não superior a um ano da medida de segurança, senão vejamos…
22.º Salvo o devido respeito por opinião contrária, o limite mínimo de dois anos é exagerado, uma vez que, o arguido já encontra privado da sua liberdade para cumprimento das penas de 3 anos de prisão e de 2 anos de prisão a que foi condenado, por crimes da mesma natureza jurídica, conforme resulta do seu Certificado do Registo Criminal.
23.º Na prática, ao arguido será ordenado o seu internamento em estabelecimento destinado a inimputáveis pelo tempo correspondente à duração da pena, cfr. artigo 104.º e ss do Código Penal, sem prejuízo da revisão da situação do internado nos termos do artigo 93.º n.º 2 do Código Penal.
24.º Acrescer a tudo isto mais dois anos de limite mínimo da medida de segurança, é demasiado para o arguido, é desproporcional, é injusto.
25.º O arguido sofre de uma perturbação do desenvolvimento intelectual com alterações de comportamento (psicose/paranoide) além dos factos que resultaram provados do ponto 12 a 22 da Fundamentação.
26.º Conforme o exame médico-legal, realizado a 23/06/2022, constante do ponto 22 da Fundamentação, resulta expressamente o seguinte:
“Integra os parâmetros de perigosidade. Torna-se necessário que o examinado faça tratamento farmacológico regular para que se diminua a possibilidade de ocorrerem episódios semelhantes.”
27.º Ou seja, o arguido precisa de apoio para a sua doença, mas, infelizmente interná-lo não vai curá-lo da sua doença mental.
28.º Internar o arguido só se vai diminuir o perigo para a sociedade!
29.º Para o tribunal a quo pesou mais a perigosidade do arguido.
30.º Não houve proporcionalidade da gravidade do facto e da perigosidade do agente na aplicação da medida de segurança de internamento.
31. º O arguido entende que deve haver um maior equilíbrio entre as necessidades do arguido e o perigo para a sociedade, refutando como justo e adequado um limite mínimo de um período nunca superior a um ano para a medida de segurança de internamento.
32. º A melhor solução para o caso concreto passará certamente pelo processo de Acompanhamento de Maior, que diga-se, não se compreende como é que ainda não foi requerido.
33. º Mais, e é imperioso dizê-lo, não se compreende como é que até aqui, e com este Registo Criminal não houve um único operador judiciário que, tendo presenciado às declarações do arguido e não se tenha apercebido de que ele sofre de um atraso mental, que lhe determinou a inimputabilidade, nos presentes autos.
34.º Se tivessem olhado para o arguido, com olhos de ver, o arguido não teria sido condenado em pena de prisão efetiva com sentenças transitadas em julgado.
35.º Se tivessem olhado para o arguido, com olhos de ver, o juízo de prognose adivinha-se fácil: o arguido teria sido condenado por menos crimes, atendendo a que nas medidas de segurança não há concurso de crimes, o limite máximo seria o crime mais gravoso, e, com grande probabilidade o arguido estaria a cumprir uma medida de segurança, por menos tempo que as penas de prisão a que foi condenado.
36.º Se ninguém olhou antes, pois que, olhem agora!!!
37. º É preciso atender a todo o contexto do arguido, para se considerar exagerado o limite mínimo de dois anos da medida de segurança de internamento, tal como decidido pelo tribunal a quo, porque ele tem condenações anteriores.
38. º Considera-se justa e adequada a aplicação de uma medida de segurança de internamento pelo período mínimo nunca superior a um ano, razão pela qual se interpõe o presente recurso, no sentido de, requerer a Vossa Exas. a alteração da duração da medida de segurança de internamento, por desproporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente, cfr. artigo 40.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
39. º Se Vossas Exas. assim, não o entenderem pelo menos que permitam a redução do limite mínimo da medida de segurança de internamento para um ano e seis meses.»
*
O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação de Guimarães com o regime e efeito adequados.
A Senhora Procuradora da República que representou o Ministério Público na 1ª instância respondeu, pugnando pela improcedência do recurso, concluindo nos seguintes termos:
«1º-O Recorrente põe em causa o limite mínimo de duração da medida de segurança de internamento fixado (2 anos), alegando que o mesmo é desproporcional e injusto, devendo o mesmo ser fixado em 1 ano.
2º- Em primeiro lugar, tem-se por assente toda a factualidade dada como provada no acórdão, de onde resulta que o AA praticou factos subsumíveis ao crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts.º 203.º/1 e 204.º/1 al. f) do CP(subtração de bens pela introdução ilegítima em habitação), tem como moldura penal o limite mínimo 1 mês e como limite máximo 5 anos.
3º- Acresce que, mostram-se verificados os pressupostos exigidos pelo art.º 91.º/1 e 2 do CP, para a aplicação da medida de segurança de internamento, uma vez que foi dado como provada a prática pelo recorrente AA de um facto ilícito típico grave e demonstrada a sua perigosidade criminal.
4º-No caso concreto, as necessidades de prevenção geral dos crimes contra o património, na forma qualificada, são acentuadas, da a frequência com que são cometidos; do ponto de vista da comunidade e das elevadas exigências de exteriorização física da reprovação, se o Tribunal “a quo” tivesse adoptado por um limite mínimo mais baixo (1 ano), seria sentido como uma injustificada indulgência.
5º- No que concerne às necessidades de prevenção especial, resulta que as mesmas são prementes, uma vez que, o arguido possui antecedentes criminais pela prática de 18 crimes –[(10 de furto qualificado, 4 de furto simples, 1 de ofensa à integridade física, 1 de violência após substração, 1 de ameaça agravada e 1 de burla informática) - sendo 14 deles com a mesma natureza, praticadosentre o ano de 1996 e o dia 17/02/2020, pelo que urge efectuar a ressocialização de AA e a dissuasão da prática de futuros crimes.
6º- O Tribunal “a quo” entendeu que, em consequência da doença de que AA padece, cujo efeito não domina, as penas anteriormente aplicadas, não surtiram nele o efeito de advertência cominatória para a prática de novos factos como aqueles que lhe foram imputados nos autos.
7º- O Tribunal “a quo”, na ponderação do limite mínimo, teve em conta as necessidades de prevenção geral, o facto de que o inimputável praticou um crime qualificado e também considerou os antecedentes criminais de AA. (vide art.º 20.º/1 e 91.º/1 e 2 do CP).
8º- Assim, bem andou o Tribunal “a quo” ao concluir ser adequada e proporcional a aplicação ao Recorrente da medida de segurança de internamento, pela prática de factos subsumíveis a um crime de furto qualificado, com o limite mínimo de 2 anos e o limite máximo de 5 anos.
9º- O Tribunal “a quo” julgou corretamente e operou uma sensata subsunção jurídica e aplicação do direito, mormente quanto à determinação do limite mínimo da medida de segurança de internamento, por se manifestar justa, proporcional e adequada à conduta do Recorrente, não merecendo o acórdão recorrido qualquer reparo ou censura, não ocorrendo por isso qualquer violação do previsto nos arts.º 20.º/1, 40.º/1, 91.º, 92.º/1 e 2, 104.º, 203.º/1 e 204.º/1, al. f) do Código Penal.»
Nesta Relação, a Exma. Senhora Procuradora-Geral adjunta emitiu douto parecer, igualmente no sentido do não provimento do recurso, que sintetiza da seguinte forma: «Considerando a patologia do recorrente, a sua incapacidade crítica para a necessidade de tratamento e a evidente perigosidade da continuação da actividade delituosa (tanto assim que logo que foi restituído à liberdade ( condicional ) cometeu factos da mesma natureza ), a sua inactividade profissional ( aos 40 anos de idade ), a sua imaturidade, instabilidade e descontrolo emocional, assim como a falta de retaguarda familiar, em nosso entender mostra-se mais que fundamentada e justificada a medida de internamento pelo período de 2 anos que lhe foi aplicada.»
Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, sem resposta.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
Conforme é jurisprudência assente o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer[1].
1. Questão a decidir
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada a questão a decidir circunscreve-se à fixação do limite mínimo da duração do período de internamento do arguido.
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2. Factos Provados
Segue-se a enumeração dos factos provados, constantes do acórdão recorrido.
«Discutida a causa, resultaram os seguintes factos provados:
1. Em momento anterior ao abaixo referido, os arguidos, em execução de plano conjunto, deslocaram-se até à localidade de Guimarães, com o propósito de se apoderarem, e fazerem seus, de bens pertencentes a terceiros.
2. Durante a noite de 12 de Janeiro e/ou durante a madrugada de 13 de Janeiro, de 2021, os arguidos deslocaram-se no veículo automóvel, ligeiro de passageiros, marca ..., modelo ..., matrícula ..-..-VM (doravante VM), até às imediações da residência da ofendida DD, sita na Rua ..., ... – Guimarães.
3. Aí chegados, a hora não concretamente apurada, mas entre as 22h de 12 de Janeiro e cerca das 00h30 de 13 de Janeiro, em execução do dito plano conjunto, a arguida BB ficou ao volante do veículo ..., enquanto os arguidos AA e CC se dirigiram ao logradouro da dita residência pela entrada do portão exterior que se encontrava aberto.
4. Já no logradouro, dirigiram-se a um anexo da residência, que tinha a porta fechada e a chave na fechadura, que o arguido AA abriu, e daí retiraram, carregando-os para o veículo ...:
a. uma máquina de café solúvel da marca ...;
b. um grelhador eléctrico da marca ...;
c. duas pingadeiras em barro, sendo uma de forma redonda e outra rectangular; e
d. diversos produtos alimentícios, a saber: 2 latas de feijão preto da marca ..., 1 kg de arroz marca ..., 2 pacotes de massa na forma de “bagos” da marca ..., 1 pacote de aletria da marca ..., 1 kg de camarão congelado sem marca, 1 kg de açúcar amarelo marca ..., 1 pacote de 500 gramas açúcar mascavado marca ..., 500 gramas massa esparguete marca ...", 2 sacos com legumes congelados, 1 caixa de esfregões da marca ..., 1 pato congelado embalado, 1 litro de óleo da marca ...”, 1 pacote com dois rolos de papel absorvente marca ...” e 750 gramas de canela moída da marca ..., que valiam, no seu todo, mais de € 150,00.
5. Já com os sobreditos bens carregados na mala do VM, conduzido pela arguida BB, puseram-se em fuga, integrando aqueles bens no seu património.
6. No mesmo período temporal referido em 2., antes das 00h30m, os arguidos deslocaram-se no aludido veículo automóvel até às imediações da residência do ofendido EE, sita na Rua ..., ..., ... – Guimarães.
7. Aí chegados, a hora não concretamente apurada, actuando do mesmo modo descrito de 2. a 5., a arguida BB esperou ao volante do VM, enquanto os arguidos AA e CC se dirigiram ao logradouro da dita residência pela entrada do portão exterior que se encontrava aberto.
8. Já no logradouro, os arguidos AA e CC dirigiram-se a um telheiro situado nas traseiras da habitação, donde retiraram, carregando-os para o VM, uma botija de gás da marca ... e três redutores de gás, no valor global de € 120,00.
9. Com os sobreditos bens carregados na mala do VM, conduzido pela arguida BB, puseram-se em fuga, integrando aqueles bens no seu património.
10. Devido à intervenção da uma patrulha da Guarda Nacional Republicana das ..., pouco depois das 00h45m, foram os arguidos localizados quando seguiam pela Avenida ..., no sentido ... - ..., vindo a ser seguidos até à Rua ... (..., ...), onde foram interceptados. 11. Nessa altura, foram apreendidos aos arguidos os bens assinalados em 4. e 8., sendo os mesmos devolvidos aos respectivos proprietários.
Provou-se, ainda, que:
12. O arguido AA sofre de uma perturbação do desenvolvimento intelectual com alterações de comportamento (psicose/paranoide).
13. Por causa dela sofreu, pelo menos, três internamentos em instituição de cuidados psiquiátricos.
14. A patologia detectada ao arguido confere-lhe uma incapacidade permanente parcial superior a 65%.
15. O arguido sabe orientar-se no tempo e espaço, mas revela dificuldades de evocação e de organização temporal para factos recentes.
16. O comportamento é adequado mas revela, em alguns momentos, traços paranoides.
17. O discurso é pobre, com traços paranoides.
18. As dificuldades no pensamento abstracto e simbólico revelam deterioração cognitiva.
19. O arguido reconhece o dinheiro, mas não o valor das coisas.
20. Não realiza operações matemáticas simples.
21. Não tem capacidade crítica para a doença, nem para a necessidade de tratamento.
22. Sujeito, em 23 de Junho de 2022, a exame médico-legal, concluiu-se que “dada a natureza e o estado da sua doença … o examinado não tem capacidade para avaliar a ilicitude da sua conduta e de se determinar de acordo com essa avaliação pelo que se deverá considerar inimputável em relação a tais factos, quer nessa data, quer à data atual. Integra os parâmetros de perigosidade. Torna-se necessário que o examinado faça tratamento farmacológico regular para que se diminua a possibilidade de ocorrerem episódios semelhantes”.
Provou-se, mais, que:
23. Os arguidos, AA, BB e CC, agiram em comunhão de esforços e vontades, com o propósito, que concretizaram, de, em cada uma dessas ocasiões, se apoderarem dos objectos acima referidos e de os fazer seus, nos moldes supra descritos, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam, que a entrada naqueles espaços lhes estava vedada e de que actuavam contra a vontade dos legítimos donos e titulares.
24. Por força da doença de que padece, o arguido AA não tem discernimento para se determinar e conduzir de acordo com a avaliação dos factos descrita em 23.
25. Já os arguidos BB e CC, agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e criminalmente punidas.
Mais se provou que:
26. Os arguidos BB e CC não têm antecedentes criminais.
27. O arguido AA já foi condenado:
a. por decisão de 15 de Setembro de 1998, pela prática, em 1996, do crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203.º, n.º1, 204.º, n.º 2, als. e) e f), do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 meses;
b. por decisão de 3 de Julho de 2001, transitada em julgado em 13 de Junho de 2022, pela prática, em 1996, do crime de furto p. e p. pelo artigo 203.º do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, sob condição da entrega ao ofendido do bem furtado;
c. por decisão de 28 de Setembro de 2001, transitada em julgado em 15 de Outubro de 2021, pela prática, em 7 de Fevereiro de 2001, do crime de ofensa à integridade física p. e p. pelo artigo 143.º. n.º 1, do Código Penal, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de 500$00 (quinhentos escudos);
d. por decisão de 4 de Junho de 2002, transitada em julgado em 20 de Junho de 2022, pela prática do crime de furto p. e p. pelo artigo 203.º do Código Penal, na pena na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 1,5 (um euros, cinquenta cêntimos);
e. por decisão de 22 de Abril de 2003, transitada em julgado em 7 de Maio de 2003, pela prática, em 21 de Junho de 2001, de factos que se subsumem ao crime de violência depois da subtracção p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, 210.º e 211.º, do Código Penal, na medida de internamento pelo período máximo de 8 anos, cuja execução se suspendeu pelo mesmo período, sob condição de frequentar tratamento médico-psiquiátrico e de se submeter a regime de prova;
f. por decisão de 11 de Novembro de 2003, transitada em julgado em 26 de Novembro de 2003, pela prática, em 19 de Maio de 2001, de factos que se subsumem ao crime de furto p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, na medida de internamento pelo período máximo de 8 anos, cuja execução se suspendeu pelo mesmo período, sob condição de frequentar tratamento médico-psiquiátrico e de se submeter a regime de prova;
g. por decisão de 16 de Março de 2006, transitada em julgado em 31 de Março de 2006, pela prática, em 10 de Dezembro de 2003, de dois crimes de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, als. e) e f), do Código Penal, na pena única de 11 meses de prisão, substituída por 150 horas de trabalho;
h. por decisão de 24 de Outubro de 2006, transitada em julgado em 8 de Novembro de 2006, pela prática, em 5 de Janeiro de 2005, do crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, al. e), do Código Penal, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa por igual período de tempo, sob condição do arguido frequentar tratamento médico psiquiátrico e de se apresentar, quando convocado, perante o técnico responsável;
i. por decisão de 11 de Março de 2011, transitada em julgado em 11 de Abril de 2011, pela prática, em 16 de Junho de 2010, do crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, al. f), com referência ao disposto pelos artigos 22.º e 23.º do Código Penal, na pena de 12 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sob condição do arguido se apresentar, quando convocado, perante o técnico da DGRS responsável;
j. por decisão de 1 de Outubro de 2013, transitada em julgado em 1 de Novembro de 2013, pela prática, em 17 de Agosto de 2012, do crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, na pena de 12 meses de prisão, a cumprir em 72 períodos aos fins de semana;
k. por decisão de 22 de Outubro de 2013, transitada em julgado em 21 de Novembro de 2013, pela prática, em 18 de Fevereiro de 2011, do crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sob condição de se sujeitar a tratamento médico psiquiátrico, sob a proibição de adoptar actividades e frequentar determinados lugares e de cumprir 300 horas de trabalho a favor da comunidade;
l. por decisão de 17 de Fevereiro de 2017, transitada em julgado em 17 de Março de 2017, foi revogada a suspensão da execução da pena id. em k. e determinado o cumprimento da pena de 2 anos e 6 meses de prisão;
m. por decisão de 11 de Julho de 2014, transitada em julgado em 9 de Abril de 2015, pela prática, em 21 de Outubro de 2013, do crime de ameaça agravada p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.ºn.º 1, al. a), do Código Penal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros);
n. por decisão de 22 de Outubro de 2014, transitada em julgado em 30 de Novembro de 2014, pela prática, em 8 de Setembro de 2014, do crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, al. b), com referência ao disposto pelos artigos 22.º e 23.º do Código Penal, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão;
o. por decisão de 2 de Fevereiro de 2016, transitada em julgado em 2 de Março de 2016, pela prática, em 1 de Dezembro de 2014, do crime de burla informática p. e p. pelo artigo 221,º, n.º 1, Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão e, em cúmulo jurídico, desta pena e da pena id. em n., na pena única de 2 anos e 7 meses de prisão;
p. por decisão de 27 de Maio de 2019, transitada em julgado em 26 de Junho de 2019, foi concedida ao arguido liberdade condicional durante o tempo de prisão que lhe faltava cumprir; até 21 de Janeiro de 2021;
q. por decisão de 11 de Março de 2022, transitada em julgado em 19 de Abril de 2022, pela prática, em 13 de Fevereiro de 2020 e em 17 de Fevereiro de 2020, dos crimes de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, als. b) e f), do Código Penal, como reincidente, nas penas parcelares de 2 anos e 6 meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos de prisão;
r. por decisão de 27 de Abril de 2022, transitada em julgado em 27 de Maio de 2022, pela prática, em 6 de Setembro de 2019, do crime de furto p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão.
s. actualmente, AA cumpre a pena id. em q. no EP ....
28. Em consequência da doença de que padece AA, e cujos efeitos não domina, as penas aplicadas, supra, referidas, não surtiram nele o efeito de advertência cominatória para a prática de novos factos como aqueles que lhe foram imputados nos autos.
Mais se provou que:
29 .AA cresceu no agregado familiar de uma tia materna desde os dois meses de idade, na sequência da morte da mãe que faleceu devido a problemas de saúde relacionados com o parto.
30. O pai que não dispunha de condições para assumir sozinho a educação dos filhos, vindo a falecer dez anos mais tarde, vítima de acidente de viação.
31. A filha mais velha do casal ficou a cargo de outro familiar, não se tendo estabelecido uma relação afetiva relevante entre os dois irmãos.
32. No início do percurso escolar, foi detetada a AA uma deficiência mental ligeira, que dificultou a sua progressão escolar adequada.
33. O arguido frequentou a Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Diminuído Mental (APPACDM), Colégio ..., até aos 17 anos de idade, concluindo o 4º ano de escolaridade.
34. Iniciou na mesma instituição um curso de formação profissional de serralharia que não concluiu e, após, desenvolveu curtas experiências profissionais no setor da construção civil, restauração e numa oficina de lavagem de automóveis.
35. Face à imposição de regras e rotinas educativas no meio familiar, AA assumiu uma atitude defensiva/agressiva de rejeição do cumprimento de regras e orientações familiares, adoptando um comportamento instável e revelando-se muito influenciável.
36. Está em acompanhamento médico psiquiátrico no Hospital ... onde se desloca mensalmente para tomar a medicação psiquiátrica regular (injetável), essencial ao seu equilíbrio e compensação psíquica.
37. Quando saiu em liberdade condicional em 27 de Maio de 2019, o arguido fixou residência junto dos tios, na Rua ..., ..., ....
38. Entretanto, incompatibilizou-se com os seus familiares e foi viver para um quarto, na casa de um conhecido/amigo, na Rua ..., ..., ..., incompatibilizando-se com este pouco após.
39. Foi, então, viver para um quarto numa rua próxima, alterando, sucessivamente, a sua residência até ficar a residir na Rua ..., ..., ....
40. AA é beneficiário de uma pensão de invalidez/pensão social de cerca de 300€ mensais.
41. À data dos factos, geria o quotidiano em função do seu interesse pessoal, não apresentando qualquer atividade estruturada.
42. Revela-se permeável e influenciável nas relações sociais e de amizade que estabelece, bem como, consome álcool, o que interfere com os efeitos da medicação prescrita, aumentando a sua instabilidade e descontrolo emocional.
43. Revela-se imaturo, apresentando uma estrutura de pensamento rudimentar e ineficaz no que se refere à avaliação e antecipação das consequências seus comportamentos delitivos.
44. Revela capacidade para avaliar a ilicitude dos comportamentos imputados, mas não é capaz de se determinar de acordo com essa avaliação.
45. BB nasceu e cresceu no agregado familiar de origem, composto pelos pais e oito irmãos, e de condição socioeconómica humilde.
46. Os pais desempenharam atividade na área fabril e na venda de frutícolas, tendo falecido há muitos anos.
47. A arguida frequentou o ensino regular e completou o 3º ano de escolaridade, tendo abandonado a escola para trabalhar e cuidar dos irmãos.
48. Mais tarde, habilitou-se com o 4º ano de escolaridade.
49. Com 13 anos iniciou-se, profissionalmente, na área têxtil, em unidade fabril que fechou.
50. Com 15 anos, passou a trabalhar uma fábrica de cabos elétricos que, passados três anos, fechou.
51. Mais tarde, trabalhou na área da restauração, mas sem vínculo laboral regularizado.
52. Com 25 anos casou e teve quatro filhos, tendo vivido no ... e em ..., Guimarães, até emigrar com a família para ....
53. Há cinco anos regressou definitivamente a Portugal, divorciando-se depois.
54. Em 2019, voltou a casar em 2019 com o co-arguido CC.
55. O casal reside num espaço arrendado que anteriormente servira de loja comercial, sito no ... na morada dos autos.
56. Satisfazem uma renda 150€ mensais.
57. O casal sobrevive com o subsídio de desemprego de CC, no montante mensal de € 430,00.
58. Satisfazem despesas com água e luz, num montante mensal de € 85,00.
59. O seu quotidiano é passado com o cônjuge e com a filha.
60. No meio de residência, a arguida e marido mantém uma presença discreta.
61. A arguida revela juízo crítico para os factos imputados e reconhece a existência de danos/lesados.
62. CC nasceu em ..., no agregado familiar de origem, composto pelos pais e uma irmã mais velha.
63. Com três anos, regressou, com a mãe e a irmã, a Portugal.
64. O agregado familiar fixou residência em ..., na casa dos avós maternos.
65. O pai manteve-se em ..., por mais algum tempo, trabalhando como motorista para uma empresa de distribuição de produtos alimentares.
66. Com o regresso do cônjuge a Portugal, o casal assumiu a atividade de caseiro, numa quinta agrícola em ..., local onde o agregado então se instalou.
67. O arguido frequentou o ensino regular até aos 14 anos, tendo completado o 4º ano de escolaridade.
68. Após, iniciou-se, laboralmente, na construção civil, onde se manteve por dois anos.
69. Após, passou a trabalhar em fábrica (tinturaria), onde permaneceu até aos 18/19 anos de idade, quando iniciou o Serviço Militar Obrigatório que cumpriu durante sete meses.
70. Cumprido o SMO, CC retomou atividade laboral na área da construção civil e depois na área industrial.
71. Permaneceu em situação de desemprego entre 2012 e 2015, recebendo o subsídio de desemprego e, mais tarde, o Rendimento Social de Inserção.
72. Com 16/17 anos, o arguido desenvolveu um consumo excessivo de bebidas alcoólicas.
73. Em Setembro de 2015, ingressou na Comunidade Terapêutica do “...” em ..., tendo alta clínica, em Setembro de 2016.
74. Após, fixou residência em ... e retomou atividade profissional, inicialmente, como comercial de produtos da ... e, mais tarde, numa churrascaria.
75. Durante um ano, esteve de baixa médica e foi, entretanto, dispensado, por razões que se terão devido ao contexto de pandemia de Covid-19.
76. Em 2019 casou com a co-arguida BB, vivendo nas condições supra descritas.
77. O arguido revela juízo crítico para os factos imputados e reconhece a existência de danos/lesados.»
***
3. APRECIAÇÃO DO RECURSO
O acórdão recorrido considerou que o arguido AA é inimputável; que praticou factos típicos, ilícitos, integradores do crime de furto qualificado previsto e punível pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, al. f), ambos do Código Penal; e que por virtude da anomalia psíquica de que padece e da gravidade dos factos praticados há fundado receio de que venha a praticar outros factos da mesma espécie; aplicando-lhe uma medida de segurança de internamento em estabelecimento de tratamento adequado para o tratamento da sua patologia. O que não foi impugnado e se encontra devidamente fundamentado por referência à factualidade considerada apurada e ao disposto nos artigos 20.º, n.º 1 e 91.º, n.º 1 do Código Penal.
O ponto controvertido é unicamente a fixação do período de internamento no mínimo de 2 (anos) anos, contra o que se insurge o recorrente, por achar excessivo, pugnando pela sua redução.
Vejamos.
O internamento de inimputáveis que praticaram um ou mais factos ilícitos típicos e que devam ser considerados perigosos, encontra-se regulado nos artigos 91.º e segs. do Código Penal[2].
O limite mínimo do internamento encontra-se fixado na lei, no n.º 2 do artigo 91.º, mas apenas nos casos em que estejamos perante crime contra as pessoas ou crime de perigo comum puníveis com pena de prisão superior a 5 anos.
Para todos os outros casos, nos quais se inclui o dos autos – em que temos dois crimes contra a propriedade – o limite mínimo do internamento não está fixado na lei penal.
Cessando o internamento quando o Tribunal de Execução das Penas verificar que findou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 92.º.
A revisão da situação do internado pode ser apreciada a todo o tempo se for invocada a existência de causa justificativa da cessação do internamento, sendo-o obrigatoriamente decorridos dois anos sobre o início do internamento ou sobre a decisão que o tiver mantido, conforme prevê o artigo 93.º.
Tudo sempre com ressalva do prazo mínimo de internamento, quando o houver.
Quanto ao prazo máximo do internamento, a lei, no n.º 2 do artigo 92.º, fá-lo corresponder ao limite máximo da pena aplicável ao tipo de crime cometido pelo inimputável[3].
Em casos de concurso de crimes, como acontece nos autos, e embora a lei não preveja expressamente essa hipótese, cremos que tal limite terá de coincidir com o da pena correspondente ao crime mais grave, nos termos do citado n.º 2 do artigo 92. °, a não ser que se verifique a situação descrita no n.º 3 da mesma disposição legal.
Na verdade e como a propósito se pode ler no acórdão do STJ, de 16.10.2013, relatado por Maia Costa[4], «a lei não prevê outro limite para além do estabelecido nesse preceito [n.º 2 do art. 92.º]. Por outro lado, o art. 77.º do CP não admite o cúmulo jurídico de penas abstratas. Por fim, a acumulação material dos limites máximos das molduras penais redundaria numa medida completamente desproporcionada, violando-se assim o disposto no n.º 3 do art. 40.º do CP. A única solução que se mostra compatível com o sistema é, pois, a aplicação do n.º 2 do art. 92.º: o limite máximo da medida de internamento, em caso de concurso de crimes, é o da pena correspondente ao crime mais grave.»
Esta é também a solução que, citando Paulo Pinto de Albuquerque[5], se defende no acórdão recorrido.
O limite máximo do internamento no caso em apreço é pois de 5 (cinco) anos oito anos de prisão, por corresponder ao limite máximo da pena aplicável a ambos os ilícitos típicos praticados pelo arguido, previstos e puníveis pelo artigo 204.º, n.º 1, al. f) do Código Penal.
Ora, nestes casos, é unicamente o prazo máximo de internamento que o Tribunal que o decreta tem e pode fixar.
É que a medida de segurança de internamento de inimputáveis é um verdadeiro tratamento a que o internado vai ser submetido, que termina quando a perigosidade criminal que o determinou tiver cessado. Estando apenas legalmente definido, e em regra, o seu prazo máximo, findo o qual o internado tem de ser posto em liberdade, independentemente de ter ou não cessado aquele seu estado de perigosidade, por imposição constitucional, já que o artigo 30.º, n.º 1 da Constituição afasta definitivamente as medidas de segurança sem duração definida, ainda que, no n.º 3 do mesmo preceito, admita a sua prorrogação sucessiva, mas sempre mediante decisão judicial.
Não obstante, o Tribunal a quo, no acórdão recorrido, depois de estabelecer (e bem, como já vimos) que o limite máximo do internamento era de 5 (cinco) anos, encetou em seguida um procedimento à revelia da lei, de determinação de um concreto período de internamento, que fixou num quantum de 2 (dois) anos, o que lhe está manifestamente vedado, não podendo por isso subsistir.
Impondo-se a revogação desse ponto do acórdão e fixando-se, em sua substituição, apenas a duração máxima da medida de segurança de internamento, pelo tempo correspondente a 5 (cinco) anos.
***
III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção do Tribunal da Relação de Guimarães, em conceder provimento ao recurso, em consequência do que se revoga o acórdão recorrido na parte que fixa em 2 (dois) anos o período mínimo da medida de segurança e, em sua substituição, fixa-se unicamente o prazo máximo de duração dessa medida de segurança em 5 (cinco) anos, não havendo limite mínimo.
Sem tributação.
*
Guimarães, 22 de fevereiro de 2023
(Revisto pela relatora)
[1] Cfr. artigo 412.º, nº 1 do Código de Processo Penal e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V. [2] Diploma a que pertencem todas as disposições legais doravante referenciadas sem menção da respetiva origem. [3] Apenas excecionalmente, nos casos do n.º 3 do artigo 92.º, e sempre em casos de crimes puníveis com pena de prisão superior a oito anos, podendo funcionar a prorrogação do internamento por períodos sucessivos de dois anos, até se verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem. [4] Proc. n.º 300/10.1GAMFR.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt. [5] Comentário do Código Penal, 2.ª ed. p. 332 e 333.