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CONTRA-ORDENAÇÃO
CASSAÇÃO DE CARTA DE CONDUÇÃO
PRESCRIÇÃO
NOTIFICAÇÃO
Sumário
–O procedimento contra-ordenacional de cassação da licença de condução tem como objecto a inexistência de pontos numa licença de condução.
–No recurso de impugnação não é admissível ao arguido invocar a prescrição do procedimento contra-ordenacional dos processos de contra-ordenação que estiveram na origem na perda total dos pontos da licença de condução.
–A falta de notificação nos termos do artigo 9.º, do Decreto-Regulamentar n.º 1-A/2016, de 30 de Maio não tem consequências no procedimento de contra-ordenação para cassação de licença de condução.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1.–Relatório:
No recurso de contra-ordenação com n.º 543/22.5Y4LSB, foi proferida sentença a 18/10/2022 pelo Juiz 13 do juízo Local Criminal de Lisboa do Tribunal Judicial da comarca de Lisboa que decidiu manter integralmente a decisão administrativa de cassação do título de condução n.º L-7....0 pertencente à recorrente CC.
Inconformado a arguida apresentou as seguintes conclusões:
"A.–Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo tribunal a quo que julgou improcedente o recurso interposto pela ora Recorrente e, em consequência, manteve a decisão proferida pela autoridade administrativa nos seus precisos termos. B.–A sentença, ora recorrida, foi proferida na sequência do recurso de impugnação da decisão proferida pelo Presidente da ANSR, de cassação do título de condução da Recorrente, por considerar reunidos todos os pressupostos legais em consequência de apresentar um total de zero pontos em virtude da subtração automática de dois pontos por cada uma das infrações que lhe foram aplicadas em cada decisão administrativa condenatória. C.–No recurso de impugnação, à semelhança do que havia sido invocado em sede de defesa perante a entidade administrativa, a Recorrente invocou que das 8 contraordenações que lhe eram imputadas 7 já tinham prescrito à data em que foram proferidas as respetivas decisões. D.–Como invocado em sede de recurso de impugnação, dos autos resultava que as decisões condenatórias foram proferidas depois de decorrido mais de 2 anos desde a prática da contraordenação e não se verificou qualquer facto interruptivo da prescrição. E.–Conhecendo de tal fundamento, veio a decisão recorrida considerar que, entendendo a Recorrente que: "(…) se verificava uma situação de prescrição do procedimento contraordenacional, deveria ter impugnado judicialmente cada uma das decisões administrativas que decidiram subtrair-lhe pontos". F.–E que, "Não o tendo feito, as referidas decisões tornaram-se definitivas, valendo para o ora processo de cassação nos exatos termos em que foram proferidas, ficando precludida a possibilidade de reapreciação dos factos a elas inerentes – cfr. artigo 79.º, n.º 1, do RGCO –, porquanto tal definitividade só pode ser posta em causa nos casos estabelecidos no artigo 80.º, n.º 1, do RGCO em que é admissível o recurso de revisão e apenas no âmbito deste", indeferindo, em consequência a invocada prescrição. G.–Não pode a Recorrente conformar-se com tal entendimento. H.–A prescrição é de conhecimento oficioso e implica a extinção de um direito em virtude do decurso do tempo e põe fim, no caso em apreço, ao procedimento contraordenacional. I.–E, foram as decisões administrativas que originaram o direito à instauração do processo de cassação do título de condução da Recorrente. J.–Decisões essas já prescritas quando foram proferidas, como consta da própria decisão recorrida.
K.–Os factos considerados provados na sentença recorrida e que confirmou a decisão administrativa de cassação do título de condução da Recorrente, são os seguintes: 1.-Por decisão administrativa proferida a 17/02/2019, relativamente a factos praticados a 30/01/2017, foi a recorrente condenada pela prática de uma contraordenação grave, tendo perdido dois pontos; 2.-Por decisão administrativa proferida a 21/02/2019, relativamente a factos praticados a 21/12/2016, foi a recorrente condenada pela prática de uma contraordenação grave, tendo perdido dois pontos; 3.-Por decisão administrativa proferida a 02/03/2019, relativamente a factos praticados a 17/04/2018, foi a recorrente condenada pela prática de uma contraordenação grave, tendo perdido dois pontos; 4.-Por decisão administrativa proferida a 17/06/2019, relativamente a factos praticados a 25/10/2016, foi a recorrente condenada pela prática de uma contraordenação grave, tendo perdido dois pontos; 5.-Por decisão administrativa proferida a 24/06/2019, relativamente a factos praticados a 25/10/2016, foi a recorrente condenada pela prática de uma contraordenação grave, tendo perdido dois pontos; 6.-Por decisão administrativa proferida a 26/07/2019, relativamente a factos praticados a 31/03/2017, foi a recorrente condenada pela prática de uma contraordenação grave, tendo perdido dois pontos; 7.-Por decisão administrativa proferida a 20/08/2019, relativamente a factos praticados a 03/03/2017, foi a recorrente condenada pela prática de uma contraordenação grave, tendo perdido dois pontos; 8.-Por decisão administrativa proferida a 22/08/2019, relativamente a factos praticados a 03/04/2017, foi a recorrente condenada pela prática de uma contraordenação grave, tendo perdido dois pontos; (Sublinhados nossos).
L.–Verifica-se assim, que as 7 contraordenações em que a Recorrente foi condenada ocorreram entre 21-10-2016 e 03-04-2017 e as respetivas decisões administrativas foram proferidas entre 17-02-2019 e 22-08-2019 e notificadas à Recorrente em datas posteriores. M.–Ou seja, é patente que já tinham decorrido mais de 2 anos desde a alegada prática das contraordenações e as datas em que foram proferidas as decisões administrativas que fundamentam o processo autónomo de cassação do título de condução. N.–Assim, contrariamente ao entendimento preconizado na sentença recorrida, não obstante não terem sido impugnadas judicialmente as decisões administrativas relativas à prática das contraordenações, nada impede a Recorrente de invocar, em sede de procedimento autónomo de cassação do título de condução, a prescrição verificada naqueles procedimentos. O.–Com efeito, a prescrição é de conhecimento oficioso e pode ter lugar a todo o tempo, na medida em que é causa de extinção da responsabilidade contraordenacional, pelo que se impunha ao Tribunal ter dela conhecido não obstante o trânsito em julgado de cada uma das decisões proferidas no âmbito das contraordenações. P.–Isto porque, a prescrição dos procedimentos contraordenacionais verificada antes da prolação de cada decisão administrativa foi invocada pela Recorrente perante a autoridade administrativa antes de ser proferida a decisão final no processo de cassação, decisão essa que afeta direitos e interesses da mesma Recorrente e que padece de nulidade, uma vez que a verificação da prescrição do procedimento criminal antes de ser proferida a decisão importa a sua extinção, pelo que deixa de poder fundamentar a aplicação de qualquer coima ou medida de segurança. Q.–Assim, não obstante o trânsito em julgado das decisões administrativas relativas a cada uma das infrações, facto é que é o trânsito em julgado dessas mesmas decisões o pressuposto para a instauração do procedimento de cassação do título de condução, valendo o caso julgado apenas relativamente aos factos que das mesmas constam e no que à sua prática diz respeito e não quanto aos fundamentos em apreciação na impugnação judicial apresentada. R.–Ora, resultando provado que tendo em atenção as datas da prática das infrações determinantes da perda de pontos e os momentos em que foram proferidas as decisões administrativas – só posteriormente notificadas à Recorrente – já decorreram mais de 2 anos, S.–E a decisão relativa à cassação do título de condução, proferida pela mesma entidade, devia ter conhecido das invocadas prescrições e tendo considerado que as mesmas não tinham ocorrido, não podia o tribunal recorrido ter considerado que a definitividade de tais decisões, precludia a possibilidade de reapreciação dos factos a elas inerentes, T.–Pois, não são os factos relativos às contraordenações que estão em causa, mas sim os efeitos que o decurso do tempo, necessária e legalmente, gerou no procedimento que levou à prolação dessas mesmas decisões.
U.–Como referido no acórdão Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. n.º 4293/2006-3, in www.dgsi.pt: "(…) a prescrição do procedimento criminal constitui uma excepção, não se enquadrando no conceito de questões prévias ou incidentais. Conforme tem vindo a defender a melhor doutrina, o instituto da prescrição do procedimento criminal é de natureza substantiva, e traduz-se na renúncia do Estado a um direito, "ao jus puniendi" condicionado pelo decurso de certo lapso de tempo e que tem a razão determinante na não verificação actual dos fins das penas, tem o mesmo significado da extinção do crime, ou seja, se o procedimento criminal se extingue com a prescrição, no fundo a lei pretende dizer que o crime acaba com ela. E, mesmo que se entenda que o instituto da prescrição do procedimento tem natureza processual, no entanto dada a estreita conexão com a delimitação da infracção, esta necessariamente é afectada pela extinção do direito de acção penal."
V.–Ao assim não ter sido entendido, o Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 148.º e 188.º do Código da Estrada, ao considerar que não padecem de qualquer invalidade os processos de contraordenação cujo procedimento se encontrava prescrito à data em que foram proferidas as respetivas decisões. W.–Pois, nos termos do disposto no artigo 148.º do Código da Estrada é a perda total de pontos do título de condução da Recorrente, decorrentes das decisões proferidas pela Autoridade Administrativa que dá causa ao processo autónomo de cassação do título de condução, processo esse que, embora tenha uma natureza sancionatória, se trata de uma medida administrativa direcionada à prossecução dos valores da segurança rodoviária e da necessidade de prevenção da sinistralidade como se alcança da exposição de motivos exarada na Proposta de Lei n 336/XII (4.ª), publicada no Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 139, de 28 de Maio de 2015 (de que resultou a Lei n.º 116/2015 de 28/08 que introduziu este sistema no CE). X.–Tendo tal medida subjacente a presunção de uma ponderação acerca das competências do condutor para o exercício da condução e que devem ser efetuadas em cada um dos processos de contraordenação em que foi determinada a perda de pontos. Y.–E foi, precisamente, a inercia da Entidade Administrativa no exercício do seu direito sancionatório durante mais de 2 anos, que gerou a prescrição desse mesmo direito o que, como já referimos, é causa de extinção da responsabilidade contraordenacional, extinguindo o direito de ação contraordenacional, por traduzir uma renúncia da Entidade Administrativa de exercer o direito sancionatório em determinado tempo. Z.–Desta forma, o que está em causa é a aferição da legalidade do procedimento tendente à cassação do título de condução e não os factos que integram cada um dos processos de contraordenação, pelo que se impunha, salvo melhor opinião, ao tribunal conhecer da invocada prescrição. AA.–Invocou, ainda, a Recorrente a nulidade da notificação nos termos do disposto no art.º 9.º do Decreto-Regulamentar n.º 1-A/2016, de 30 de Maio. BB.–Efetivamente, nos termos da citada disposição legal, a Recorrente deveria ter sido notificada para os efeitos constantes dos n.ºs 4 e 8 do art.º 148.º do CE e não foi. CC.–Implicando, tal omissão, assim, nulidade no procedimento, não só por preterição de formalidade legalmente imposta, mas também por limitação de um direito da arguida, pois impediu-a de frequentar ação de formação e/ou realização de exame, por forma a evitar a instauração de procedimento mais grave de cassação. DD.–Ora, não obstante na decisão recorrida se ter reconhecido existir omissão da referida notificação, o Tribunal entendeu não ser tal omissão relevante para conhecimento do mérito.
EE.–Sustenta-se, na decisão recorrida, o seguinte: "(…) a cada condutor são atribuídos doze pontos, sendo somados mais três pontos no final de cada período de três anos desde que inexista registo de contraordenações graves ou muito graves ou crimes de natureza rodoviária no registo de infrações, não podendo ser ultrapassado o limite máximo de quinze pontos – cfr. artigos nos termos dos artigos 121.º-A, n.º 1 e 2 e 148.º, n.º 5, do Código da Estrada. Por cada infração rodoviária grave ou muito grave cometida pelo condutor são subtraídos determinados pontos, estabelece o artigo 148.º, n.º 4, do Código da Estrada como efeitos da referida subtração: (i)-a obrigação de frequentar uma ação de formação de segurança rodoviária quando tenha cinco ou menos pontos (al. a); (ii)-a obrigação de realizar a prova teórica do exame de condução quando tenha três ou menos pontos (al. b); e (iii)-a cassação do título de condução do infrator, sempre que se encontrem subtraídos todos os pontos ao condutor (al. c); devendo a ANRS notificar o condutor, até 5 dias úteis após a definitividade da decisão administrativa condenatória, para estes efeitos. É o que advém do artigo 9.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Regulamentar n.º 1-A/2016, de 30 de maio. Ora, como resulta dos factos provados, a recorrente perdeu sucessivamente dois pontos por cada infração cometida, tendo, por isso, em determinado momento anterior à perda total de pontos, obtido cinco e três pontos. Neste sentido, em determinado momento preencheu as previsões normativas das al. a) e c) do n.º 4 do artigo 148.º, do Código da Estrada, não resultando dos autos ter sido notificada para esses efeitos como determina o artigo 9.º, do referido Decreto-Regulamentar. Neste sentido, tem razão a recorrente quando invoca a omissão da referida notificação. Todavia, não se entende que a mesma seja relevante para efeitos dos presentes autos porquanto em nada obstam à decisão do mérito dos mesmos uma vez que estes têm apenas como pressuposto a inexistência de pontos na carta do condutor e a referida omissão em nada põe em causa tal facto que, como suprarreferido, se encontra definitivamente decidido."
FF.–Não pode, por razões de elementar justiça, concordar-se com tal entendimento. GG.–A omissão da referida notificação denegou à Recorrente, no mínimo, o direito de adequar o seu comportamento à lei, ou, pelo menos, tomar consciência e providências tendentes a evitar que o seu título de condução fosse cassado. HH.–Acresce que, tal pressuposto legal não é facultativo, mas antes uma imposição e exigência legal nos termos definidos no n.º 4 do art.º 148.º do Código da Estrada. II.–Cabe à Entidade Administrativa, no âmbito das suas competências, o cumprimento da lei e a organização e gestão de todos os procedimentos tendentes ao seu cumprimento por forma a não ofender, limitar ou negar os direitos dos particulares. JJ.–E, implicando, no caso concreto, cada contraordenação a perda sucessiva de dois pontos, não se pode dizer que não teve a Entidade Administrativa oportunidade de o fazer antes de a Recorrente ter perdido todos os pontos. KK.–Muito menos se pode considerar, como se fez na decisão recorrida, que resultando dos factos provados, que a recorrente perdeu sucessivamente dois pontos por cada infração, tendo, por isso, em determinado momento anterior à perda total de pontos, obtido cinco ou três pontos, preenchendo as previsões normativas das alíneas a) e b) do n.º 4 do art.º 148 do Código da Estrada, isso não seja relevante para efeitos dos autos e não obste à decisão de mérito dos mesmos. LL.–Resulta dos autos que a Recorrente perdeu todos os pontos atribuídos em consequência da prática de oito processos de contraordenação que implicaram a perda de 2 pontos cada um. MM.–Resulta, igualmente, dos autos que a Recorrente nunca impugnou tais processos, pelo que os mesmos puderam seguir o seu curso normal sem qualquer impedimento ou entrave. NN.–Resulta, do mesmo modo, dos autos que os factos que originaram os processos de contraordenação foram praticados entre 25-10-2016 e 17-04-2018, ou seja, no espaço temporal de 16 meses. OO.–E as decisões administrativas relativas a tais contraordenações foram proferidas entre 14-03-2019 e 29-08-2019, ou seja, no espaço temporal de 5 meses e decorridos, relativamente a 7 desses processos, mais de 2 anos após a sua prática. PP.–Daqui se pode concluir, na ausência de quaisquer outros elementos e perante as regras da experiência comum, que não estava a Entidade Administrativa impedida de proferir as decisões de modo a permitir à Recorrente beneficiar do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 4 do art.º 148.º do Código da Estrada e esta não o fez incorrendo, por isso, em nulidade. QQ.–Tal nulidade influenciou e foi determinante para a instauração do processo de cassação do título de condução e impediu a Recorrente da possibilidade de frequência de ação de formação que lhe permitiria obter novos pontos. RR.–Assim, contrariamente ao entendimento preconizado na sentença recorrida, a nulidade resultante da omissão de notificação é relevante no procedimento tendente à decisão de cassação do título de condução e, em consequência, torna inválido o mesmo procedimento, por preterição de notificação legalmente imposta e, cuja omissão, foi determinante na decisão impugnada, o que deve ser conhecido e declarado".
O Ministério Público apresentou resposta, tendo concluído pela improcedência do recurso e para tal formulou as seguintes conclusões:
"1–A recorrente/arguida discorda da sentença que confirmou integralmente a decisão administrativa proferida e em consequência, a condenou pela prática de uma contraordenação p. e p. pelos artigos 148.º, n.º 4, al. c) e 10, do Código da Estrada, na sanção da cassação do seu título de condução. 2–Invoca a Recorrente a prescrição dos procedimentos contraordenacionais que estiveram na base da decisão de cassação do seu título de condução e bem assim, na omissão de notificação nos termos do disposto no artigo 9.º, do Decreto-Regulamentar n.º 1-A/2016, de 30 de maio porquanto não foi notificada para os efeitos do artigo 148.º, n.º 4 e 8, do Código da Estrada. 3–A sentença ora em recurso pronunciou-se sobre estas mesmas questões, indeferindo a primeira (com base na definitividade das decisões administrativas, não impugnadas pela Recorrente) e ainda que aceitando a segunda - a omissão da notificação nos termos do disposto no artigo 9.º, do Decreto-Regulamentar n.º 1-A/2016, de 30 de maio – pronunciou-se no sentido de tal omissão não influir na decisão de mérito administrativa, que tem apenas como pressuposto a inexistência de pontos na carta de condução da Recorrente condutora. 4–Concordamos integralmente com o doutamente decidido pelo Tribunal a quo, pelo que se dirá não assistir razão à Recorrente".
Os autos subiram a este Tribunal e nos mesmos o Ministério Público elaborou parecer em que conclui pela improcedência do recurso.
Os autos foram a vistos e a conferência.
2.– Âmbito do recurso e identificação das questões a decidir
O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao Tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º n.º 2 do Código Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr., Acórdão do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/1995, Diário da República, Série I-A, de 28/12/1995 e artigos 403.º n.º 1 e 412.º n.º 1 e n.º 2, ambos do Código Processo Penal).
Inexistindo questões de conhecimento oficioso que importe decidir e face ao teor das conclusões da motivação apresentadas, nos presentes autos as questões a apreciar respeitam: à admissibilidade da invocação da prescrição do procedimento contra-ordenacional no processo de cassação da licença de condução por perda total de pontos e à consequência da falta de notificação nos termos do artigo 9.º, do Decreto-Regulamentar n.º 1-A/2016, de 30 de Maio.
3.–Fundamentação
A sentença recorrida no que respeita à factualidade provada tem o seguinte teor.
"II.–Dos Factos.
1.-Factos Provados. Resultaram provados, com relevância para a boa decisão da causa, os seguintes factos: 1)–A recorrente é titular do título de condução com o n.º L-7....0;
2)-Apresenta as seguintes infrações averbadas no seu Registo Individual do Condutor: i.-Por decisão administrativa proferida a 17/02/2019, relativamente a factos praticados a 30/01/2017, foi a recorrente condenada pela prática de uma contraordenação grave, tendo perdido dois pontos; ii.-Por decisão administrativa proferida a 21/02/2019, relativamente a factos praticados a 21/12/2016, foi a recorrente condenada pela prática de uma contraordenação grave, tendo perdido dois pontos; iii.-Por decisão administrativa proferida a 02/03/2019, relativamente a factos praticados a 17/04/2018, foi a recorrente condenada pela prática de uma contraordenação grave, tendo perdido dois pontos; iv.-Por decisão administrativa proferida a 17/06/2019, relativamente a factos praticados a 25/10/2016, foi a recorrente condenada pela prática de uma contraordenação grave, tendo perdido dois pontos; v.-Por decisão administrativa proferida a 24/06/2019, relativamente a factos praticados a 25/10/2016, foi a recorrente condenada pela prática de uma contraordenação grave, tendo perdido dois pontos; vi.-Por decisão administrativa proferida a 26/07/2019, relativamente a factos praticados a 31/03/2017, foi a recorrente condenada pela prática de uma contraordenação grave, tendo perdido dois pontos; vii.-Por decisão administrativa proferida a 20/08/2019, relativamente a factos praticados a 03/03/2017, foi a recorrente condenada pela prática de uma contraordenação grave, tendo perdido dois pontos; viii.-Por decisão administrativa proferida a 22/08/2019, relativamente a factos praticados a 03/04/2017, foi a recorrente condenada pela prática de uma contraordenação grave, tendo perdido dois pontos;
3)–Consequentemente, não tem quaisquer pontos na sua carta de condução".
3.1.–Do mérito do recurso.
Da admissibilidade da invocação da prescrição do procedimento contra-ordenacional no processo de cassação da licença de condução por perda total de pontos.
A recorrente alegou que "no recurso de impugnação, à semelhança do que havia sido invocado em sede de defesa perante a entidade administrativa, a Recorrente invocou que das 8 contraordenações que lhe eram imputadas 7 já tinham prescrito à data em que foram proferidas as respetivas decisões (…). Foram as decisões administrativas que originaram o direito à instauração do processo de cassação do título de condução da Recorrente (…). nada impede a Recorrente de invocar, em sede de procedimento autónomo de cassação do título de condução, a prescrição verificada naqueles procedimentos".
O procedimento de contra-ordenação instaurado para cassação da licença de condução à recorrente baseou-se em decisões contra-ordenacionais autónomas insusceptíveis de impugnação judicial.
O processo contra-ordenacional agora em questão distinto e autónomo em relação aos aludidos processos contra-ordenacionais. Assim sendo, não se vislumbra como se possa invocar neste processo a eventual prescrição do procedimento contra-ordenacional ocorrido em cada um daqueles processos contra-ordenacionais.
A apreciação da prescrição do procedimento contra-ordenacional não depende exclusivamente do decurso do tempo entre a prática da contra-ordenação e a decisão de aplicação da sanção.
Existem causas de suspensão da prescrição e causas de interrupção da prescrição que só podem ser apreciadas no processo em que se verifiquem.
Por outro lado, é dificilmente sustentável que num processo contra-ordenacional de cassação de licença de condução se possam pôr em causas as decisões insusceptíveis de impugnação que lhe estão subjacentes.
Deste modo, é correcta a decisão recorrida ao não admitir a invocação da prescrição do procedimento contra-ordenacional nos termos pretendidos pela recorrente.
Da consequência da falta de notificação nos termos do artigo 9.º, do Decreto-Regulamentar n.º 1-A/2016, de 30 de Maio.
Dispõe o artigo 9.º do Decreto-Regulamentar n.º 1-A/2016, de 30/05, sob a epígrafe "notificação" que:
"1–A ANSR notifica o condutor para os efeitos constantes dos n.ºs 4 e 8 do artigo 148.º do Código da Estrada. 2–As notificações para os efeitos constantes no n.º 4 do artigo 148.º do Código da Estrada são efetuadas até 5 dias úteis após a definitividade da decisão administrativa condenatória ou do trânsito em julgado da sentença. 3–As notificações do número anterior seguem o regime das notificações previstas no artigo 176.º do Código da Estrada".
O n.º 4 e n.º 8 do artigo 148.º do Código da Estrada sob a epígrafe "sistema de pontos e cassação do título de condução" dispõem que:
"4–A subtracção de pontos ao condutor tem os seguintes efeitos: a)-Obrigação de o infractor frequentar uma acção de formação de segurança rodoviária, de acordo com as regras fixadas em regulamento, quando o condutor tenha cinco ou menos pontos, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes; b)-Obrigação de o infractor realizar a prova teórica do exame de condução, de acordo com as regras fixadas em regulamento, quando o condutor tenha três ou menos pontos; c)- A cassação do título de condução do infractor, sempre que se encontrem subtraídos todos os pontos ao condutor. (…). 8–A falta não justificada à acção de formação de segurança rodoviária ou à prova teórica do exame de condução, bem como a sua reprovação, de acordo com as regras fixadas em regulamento, tem como efeito necessário a cassação do título de condução do condutor".
Em face deste normativo é líquido que a notificação em causa não deveria ter sido efectuada no âmbito do processo contra-ordenacional para cassação da licença de condução.
Trata-se de uma formalidade a ocorrer no âmbito dos processos de contra-ordenação que aplicam sanções por infracções pela prática de contra-ordenações.
O processo contra-ordenacional para cassação de licença de condução tem por objecto a apreciação da inexistência de pontos numa licença de condução.
Desta forma, a eventual ausência da notificação em causa não tem consequências processuais para o presente processo.
Razão pela qual o tribunal a quo decidiu correctamente a questão.
4.–Dispositivo
Por todo o exposto, acordam os juízes que compõem a 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar não provido o recurso e, consequentemente, manter a sentença proferida.
Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UC – artigo 513.º do Código Processo Penal.
Notifique.
Lisboa, 22 de Fevereiro de 2023
Francisco Henriques
Maria da Conceição Miranda
Isabel Cristina Gaio Ferreira de Castro