ARRENDAMENTO
NÃO PAGAMENTO DA RENDA
DESPEJO IMEDIATO
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
NÃO REALIZAÇÃO DE OBRAS
Sumário

- Ao arrendatário, para evitar o despejo imediato, incumbe provar o pagamento ou depósito de rendas vencidas ou alegar e provar que as rendas não são exigíveis, pelo que não tem que as pagar ou depositar. A inexigibilidade das rendas pode decorrer de diversas circunstâncias – estar em causa título de ocupação diverso do arrendamento, acordo de não pagamento de rendas, etc. - A exceção de não cumprimento invocada pela arrendatária não reside exclusivamente na falta de realização de obras pela A. – circunstância esta que isoladamente considerada configuraria obrigação sem vínculo correspetivo na obrigação de pagamento de rendas -, mas essencialmente na impossibilidade de gozo do locado pela não realização daquelas.
- A obrigação principal do arrendatário consiste no pagamento da renda (art.º 1038, al. a) do CC) e a do senhorio assegurar o gozo do locado para os fins a que se destina (art.º 1031º, al. a) do CC). Estas são as prestações que constituem o núcleo do sinalagma do contrato de arrendamento.
- O acionamento da exceptio visa a suspensão do pagamento das rendas enquanto persistir o impedimento do gozo do locado, pela falta de realização de obras. A R. opôs o não cumprimento da sua obrigação principal em relação à correspetiva falta de cumprimento da obrigação principal da A., e não em relação a mera obrigação acessória.

Texto Integral

Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

TS intentou ação declarativa contra M, Lda., pedindo a declaração da resolução do contrato de arrendamento e, consequentemente, o decretamento do despejo, e a condenação da ré a restituir, de imediato, livre e desocupado o locado; bem como a pagar à autora as rendas vencidas e as que se vencerem até à data da restituição.
Para o efeito alegou, em síntese, que a R. apenas pagou determinadas quantias, sendo devida a quantia de €239,250,00 desde a renda que se venceu no mês de abril de 2020, referente a maio de 2020 e até à renda vencida no mês de abril de 2021, referente a maio de 2021, bem como as posteriormente vencidas até à restituição.
A R. apresentou contestação, tendo invocado a exceção de não cumprimento. Para o efeito alegou, em síntese, que a A. ocultou, no momento da celebração do contrato de arrendamento, que o locado necessitava da realização urgente de obras de conservação e já havia sido notificada para as realizar, o que incumpriu. A R. não pode realizar o resto das obras a que se vinculou por contrato, em virtude do locado necessitar de obras estruturais prévias, não existindo condições de segurança para qualquer trabalho/reparação/remodelação. Como o estado do imóvel impossibilita o desenvolvimento da atividade da R. (restauração), bem como, pelo facto da mesma ter receio que possa ocorrer algum incidente com clientes no seu interior, encerrou o restaurante e o imóvel, notificando a A. da ocorrência.  Só deixou de pagar as rendas, quando teve conhecimento do estado de insalubridade do imóvel, e pelo facto de não poder desenvolver a sua atividade e apenas pretende que a A. realize previamente as obras a que está obrigada ou chegue a um entendimento com a R., na forma como proceder nesta situação. Daí ter invocado na notificação judicial avulsa o seguinte: “...A requerente, não pretende resolver os contratos, mas sim que, a requerida suspenda a sua execução nos termos da Lei nº 13/2019 (RJOPA), até que, a mesma (na qualidade proprietária), faça as obras urgentes; Senão o fizer, o requerido invoca a exceção do não cumprimento do contrato, até que haja condições para que, a requerente possa fazer o gozo do imóvel arrendado; É sobre o senhorio que, recai o dever de facultar ao inquilino o gozo do prédio arrendado para os fins a que se destina, cabendo-lhe executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas Leis vigentes ou pelo fim do contrato, nos termos do artigo 1031º, alínea b), 1074º, nº 1 e 1111º, nº 2 do Código Civil ; Se o senhorio não executar as obras necessárias para manter o imóvel adequado à finalidade, incumpre uma obrigação contratual e o arrendatário poderá resolver o contrato, nos termos previstos no artigo 1083º nº 5 do Código Civil; Pretende a Requerente, comunicar expressamente que, serve a presente Notificação Judicial Avulsa para dar conhecimento do seguinte: 1) Que as alegadas reparações no imóvel, são de carater urgente; 2) Que o requerente, não pode executar as obras para qual foi acordou realizar, por não conseguir obter licença, derivado ao estado de insalubridade do imóvel; 3) Que notifica a requerida para a realização das obras nos termos do disposto nos artigo 1031º, alínea b), 1074º, nº 1 e 1111º, nº 2 do Código Civil; 4) Que requerida suspenda a sua execução nos termos da Lei nº 13/2019 (RJOPA), até que, a mesma (na qualidade proprietária), faça as obras urgentes; 5) Senão o fizer, o requerido invoca a exceção do não cumprimento do contrato, até que haja condições para que, a requerente possa fazer o gozo do imóvel arrendado, nos termos do disposto no artigo 428º do C.C”.
Mais alegou ter interpelado a A. nos termos do disposto do artigo 805º nº 1 do C.C., a dar conhecimento dos factos que lhe impedem de cumprir com o convencionado contratualmente, pelo que, constitui em mora a A. no seu dever legal de realização das obras necessárias ao cumprimento da R. do contrato.
Na audiência prévia realizada em 17/01/2022 foi proferido despacho saneador, com delimitação do objeto do litígio - resolução do contrato de arrendamento pela senhoria, aqui A.; exceção do não cumprimento do contrato) - e enunciados os seguintes temas de prova:
“A- Estado de degradação do edifício causado, nomeadamente, por infiltrações de água que levaram ao apodrecimento da estrutura de madeira, fissuramento de paredes e apodrecimento de rebocos, com a instabilidade da estrutura, desnivelamento de todo o pavimento de vários pisos do edifício;
B- Necessidade de realização de obras em face do estado referido em A.;
C- Conhecimento por parte da A. e em data anterior à celebração do acordo com a R., dessa necessidade e sua ocultação à Ré;
D- Conhecimento do estado do edifício referido em A. por parte da Ré;
E- Impossibilidade da realização das obras previstas na cláusula 11ª sem a realização das obras referidas em B;
F- Montante da renda fixada considerando a realização de obras por parte da R., quer as referidas em B) quer as referidas na cláusula 11ª;
G- Obras realizadas pela R. correspondentes às previstas na cláusula 11ª;
H- Danos provocados no imóvel em consequência das obras realizadas pela R.;
I- Impossibilidade de uso do imóvel para exercício da actividade da R, atento o estado do imóvel;
J- Abandono do imóvel por parte da R.;
L- Suspensão da execução do contrato – suspensão de pagamento e execução de obras - até à realização das obras referidas em B.
Em 06/09/2022 a A. deduziu incidente de despejo imediato por falta de pagamento de rendas, após a propositura da ação. Alegou que, para além da quantia de € 239,250,00 a título de rendas vencidas e não pagas até à propositura da presente ação, é também devida a quantia de €617.000,00 desde a renda vencida no mês de maio de 2022 até à renda vencida no mês de setembro de 2022, relativa a outubro de 2022. Mais alegou que a exceção de não cumprimento invocada não obsta ao despejo imediato porque a realização de obras não constitui obrigação principal.
Concluiu pela notificação da R. nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 14.º do NRAU, no prazo e sob a cominação legal a que alude o n.º 5 da referida disposição legal.
Foi determinada a notificação da R. para, em 10 dias, proceder ao pagamento ou depósito das rendas vencidas e não pagas e, ainda, da importância da indemnização correspondente a 20%, juntando prova aos autos (cfr. art.º 14º nº 4 da Lei nº 6/2006), sob pena de se sujeitar à aplicação do regime contido no nº 5 do art.º 14º da Lei nº 6/2006.
A R. apresentou resposta, pugnando pela improcedência do incidente uma vez que invocou a exceção do não cumprimento do contrato e o direito de indemnização por factos imputáveis à A., quanto ao facto de não poder cumprir o contrato, estando em causa obras estruturais no imóvel. Mais alegou que o despejo imediato por falta de pagamento das rendas na pendência da ação de despejo só poderá ter lugar quando não seja colocada qualquer questão suscetível de pôr em causa o arrendamento nos seus elementos essenciais e, nomeadamente, quanto ao problema da renda. Discutida esta, ou alegados factos suscetíveis de a pôr em causa, é lícito ao arrendatário não se dever limitar ao pagamento das rendas para evitar o despejo imediato, antes podendo defender-se com quaisquer factos que justifiquem o não pagamento da renda.
Em 29/10/2022 foi proferida a seguinte decisão:
“INCIDENTE DE DESPEJO IMEDIATO
Pelo seu requerimento refª 43181998 veio a A., sob invocação dos nºs 3, 4 e 5 do artigo 14º da Lei nº 6/2006 de 27 de Fevereiro (NRAU), suscitar o incidente de despejo imediato contra a R., com sustento em que sendo um dos fundamentos da acção a falta de pagamento de rendas por parte da R. desde Abril de 2020 até ao mês de Abril de 2021, na pendência da acção a R. não pagou quaisquer rendas entretanto vencidas.
Notificada a R. nos termos legais (cfr. despacho refª 418681641), apresentou-se a mesma a responder ao incidente como consta do seu requerimento refª 43411046, invocando, em síntese, que o incidente de despejo imediato não é automático e não poderá ser decretado se suscitada qualquer questão suscetível de pôr em causa o arrendamento nos seus elementos essenciais e, nomeadamente, quanto à obrigação do pagamento da renda, certo que ela R. alicerçou a sua defesa na acção em factos que justificam o não pagamento da renda ou a redução desta.
E assim concluiu pela improcedência do incidente de despejo imediato.
Cumpre decidir.
Efectivamente, tal como adianta a R., o incidente de despejo imediato não é de cariz automático, e por isso importa a ponderação das circunstâncias do caso concreto.
Devemos, naturalmente, ter presente que o incidente de despejo imediato visa evitar que na pendência da acção, que estará sujeita à delonga própria da respectiva tramitação, o arrendatário permaneça no gozo do locado sem pagar a correspectiva renda, com o óbvio sentido de evitar que aquele permaneça no gozo da coisa à custa do senhorio injustificadamente, porque sem pagamento da retribuição devida por aquele gozo, ao que subjaz a lógica de que na pendência da acção de despejo mantém-se a obrigação de pagamento das rendas pelo arrendatário.
Por isso quando na acção se encontra em discussão se o arrendatário está sujeito a tal obrigação o despejo imediato por via incidental mostra-se inevitavelmente votado ao fracasso, precisamente porque em tal caso a apreciação do litígio versa sobre a exigência ou não de cumprimento por parte do arrendatário da sua obrigação contratual de pagamento de rendas.
Quando tal se mostra em discussão e apreciação na acção, conceber-se a possibilidade de decretamento do desejo imediato conduziria a que por via incidental o senhorio/Autor obtivesse o desiderato último da acção sem que nesta estivesse definitivamente apreciada e julgada a questão da exigibilidade do pagamento da renda pelo arrendatário.
E no caso concreto a defesa da R. apresentada na acção, alegando factos sustentadores da excepção de não cumprimento, reverte para o núcleo essencial da acção o conhecimento de factos que podem determinar a justificação do não pagamento de rendas.
Quanto antecede é suficiente para concluir pela inviabilidade do decretamento do despejo por esta via incidental.
DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos supra expostos, decide-se indeferir o incidente suscitado pela A., não se decretando o despejo imediato da R..
Custas pela A., que se fixam pelos mínimos.
Notifique.”
A A. interpôs recurso desta decisão, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
“1ª Vem o presente recurso do douto despacho que indeferiu o incidente de despejo imediato.
2ª Por requerimento com a referência nº 43181998 do dia 6 de Setembro de 2022, a ora recorrente deduziu incidente de despejo imediato nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 3, 4 e 5 do artigo 14.º da Lei nº 6/2006 de 27 de Fevereiro (NRAU).
3ª O incidente deduzido pela autora, ora recorrente, fundamentou-se na falta de pagamento das rendas vencidas após a propositura da presente acção.
4ª Tal como tem vindo a ser considerado, a falta de pagamento de rendas durante a pendência da acção constitui um novo fundamento resolutivo do contrato de arrendamento.
5ª A ré, ora apelada, incumpriu a obrigação mais basilar de um contrato de arrendamento – a obrigação de pagar a renda, tal como resulta da alínea a) do artigo 1038.º do C.C.
6ª E, para além de ter incumprido a obrigação mais basilar de um contrato de arrendamento, votou o imóvel ao total abandono, incumprindo também as obrigações de executar obras que decorrem dos contratos que celebrou.
7ª Assim, o caso dos presentes autos traduz-se exactamente no seguinte:
• não pagamento de rendas, cujo montante ascende já a cerca de €900,000,00;
• não execução de obras estipuladas contratualmente;
• a ré faz o que bem entende do imóvel, deixando janelas abertas permanentemente, expondo o imóvel à chuva e ao vento;
• utilizando o imóvel de forma imprudente por autorizar que terceiros coloquem grelhadores nos quartos, aumentando a probabilidade de deflagrar um incêndio com consequências gravíssimas;
• o estado de degradação provocado pela ré agrava-se;
• a reabilitação do imóvel torna-se cada vez mais difícil e onerosa.
8ª A situação acima descrita foi provocada pela ré – intencionalmente – para agora vir alegar a excepção do não cumprimento!
9ª E, permanecer na posse do imóvel por largos meses até que a presente acção seja decidida com trânsito em julgado.
10ª É exactamente para estas situações que o legislador criou o incidente de despejo imediato - o qual visa evitar que, dada a delonga que pode ter uma acção de despejo, o arrendatário permaneça no gozo do locado sem pagar a correspectiva renda.
11ª Após décadas de discussão na Jurisprudência e Doutrina, é considerado que o incidente de despejo imediato não é automático, devendo o Tribunal considerar as circunstâncias do caso concreto.
12ª Contudo, o Tribunal não pode deixar de ponderar que o incidente de despejo imediato visa assegurar e proteger o direito de o senhorio vir a receber as rendas devidas pelo contrato.
13ª A apelada suscitou excepção do não cumprimento do contrato tanto em sede de contestação como em sede de oposição ao incidente de despejo imediato.
14ª A excepção do não cumprimento do contrato, tal como estabelecida no artigo 428.º do C.C. só legitima o incumprimento do devedor relativamente a prestações principais recíprocas, ligadas entre si por um vínculo sinalagmático.
15ª A apelada não pode deixar de cumprir a obrigação de pagamento das rendas com fundamento no facto da apelante não cumprir a (suposta) obrigação de fazer obras no locado, porque a obrigação de pagar a renda é uma obrigação principal do contrato de arrendamento (artigos 1022.º e 1038.º al. a) do C.C.) que não é correspectiva daquela outra obrigação, meramente acessória.
16ª A obrigação de pagamento da renda é, sim, correspectiva da obrigação, a cargo do senhorio, de proporcionar o gozo da coisa (artigo 1022.º, conjugado com os artigos 1031.º al. b) e 1038.º al. a) do C.C.).
17ª Perante o suposto incumprimento da parte da apelante quanto à não execução de obras, a ora apelada apenas teria duas soluções: 1) redução da renda ou 2) execução das obras que alega para posteriormente invocar a compensação de créditos.
18ª Assim, improcede a excepção de não cumprimento do contrato invocada pela apelada quanto às rendas vencidas na pendência da presente acção.
19ª O douto despacho recorrido interpretou erradamente o disposto nos nºs 3, 4 e 5 do artigo 14º da Lei nº 6/2006 de 27 de Fevereiro (NRAU) e no artigo 428º do Código Civil.
20ª Deverá, portanto, conceder-se provimento ao recurso, revogando-se o douto despacho recorrido.”
A R. apresentou contra-alegação, terminando com as seguintes conclusões:
“ A. Ao Contrário do que a Recorrente pretende invocar, andou bem a decisão do tribunal ao indeferir o despejo,
B. Como referido é entendimento pacífico que os meios de defesa oponíveis pelo R. ao incidente de despejo imediato são admitidos de forma lata;
C. Devendo assim, por força do princípio da proibição da indefesa, consagrado no art.º 20.º, n.ºs 1 e 4 da Constituição, o despejo imediato com alegado fundamento em falta de pagamento de rendas vencidas na pendência da ação não é automático;
D. Sendo, obrigatoriamente, apreciados os demais argumentos apresentados pelo inquilino.
E. O despejo imediato por falta de pagamento de rendas na pendência da ação só poderá ter lugar quando não seja colocada qualquer questão suscetível de pôr em causa o arrendamento nos seus elementos essenciais e, nomeadamente, quanto ao problema da renda;
F. É lícito ao inquilino não se dever limitar ao pagamento das rendas para evitar o despejo imediato;
G. Antes podendo defender-se com quaisquer factos que justifiquem o não pagamento da renda ou a redução da renda, como assim o fez;
H. Neste caso concreto a Recorrida, suscita em sua defesa dois fundamentos: invocou a exceção do não cumprimento do contrato e invocou o direito de indemnização por factos imputáveis à A., quanto ao facto de não poder cumprir o contrato, estando em causa obras estruturais no imóvel;
I. Como tal, o despejo imediato por falta de pagamento das rendas na pendência da ação de despejo só poderá ter lugar quando não seja colocada qualquer questão suscetível de pôr em causa o arrendamento nos seus elementos essenciais e, nomeadamente, quanto ao problema da renda. Discutida esta, ou alegados factos suscetíveis de a pôr em causa, é lícito ao arrendatário não se dever limitar ao pagamento das rendas para evitar o despejo imediato, antes podendo defender-se com quaisquer factos que justifiquem o não pagamento da renda;
J. Salvo melhor opinião, o despejo imediato por falta de pagamento das rendas na pendência da ação de despejo só poderá ter lugar quando não seja colocada qualquer questão suscetível de pôr em causa o arrendamento nos seus elementos essenciais e, nomeadamente, quanto ao problema da renda.
Discutida esta, ou alegados factos suscetíveis de a pôr em causa, é lícito ao arrendatário não se dever limitar ao pagamento das rendas para evitar o despejo imediato, antes podendo defender-se com quaisquer factos que justifiquem o não pagamento da renda.
K. Nesta conformidade, não deve ser julgado procedente a ação de despejo, enquanto pender uma decisão que, coloca em causa a boa – fé do contrato então celebrado; Até porque invocada que, se encontra a exceção do não cumprimento do contrato, como é sabido, sendo a decisão favorável à Recorrida, e regularizada a parte que compete à Recorrente., esta terá que pagar as rendas vencidas, bem como as vincendas.
L. A Recorrida, sustenta-se no justo receio de vir a perder ainda mais, do que o imóvel arrendado, cuja a discussão principal se faz nos autos em crise.
M. O justo receio da Recorrida funda-se em toda uma série de circunstâncias que apontam claramente que a Recorrente, pretende “culpar”, a Recorrida dos seus próprios erros, omissões e cumprimento defeituoso das suas obrigações.
N. É sobre o senhorio que, recai o dever de facultar ao inquilino o gozo do prédio arrendado para os fins a que se destina, cabendo-lhe executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas Leis vigentes ou pelo fim do contrato, nos termos do artigo 1031º, alínea b), 1074º, nº 1 e 1111º, nº 2 do Código Civil.
O. A Recorrente tem conhecimento das diligências prévias encetadas, no sentido de chegar à recorrente no sentido de lhe dar conhecimento do estado em que se encontra o imóvel.
P. a Recorrente tinha conhecimento que, o locado necessitava de obras de beneficiação interior, e que as mesmas teriam que ser executadas, mas não tinha conhecimento que, a Recorrente já havia sido notificada reiteradamente e em várias ocasiões para a realização de obras urgentes, sob pena de realização de obras coercivas, e que a qualquer momento, seria novamente notificada par a realização das mesmas, conforme se descreveram no artigo 18º da notificação judicial Avulsa ao qual se reproduz:
Q. “...- Em 1989, foi realizadas obras coercivas no imóvel, sobre o processo administrativo camarário com o nº 6/I/276/89 (CML); doc nº 3
R. - Em 1990, houveram outros processos com o e processo nº 503/8/1º e nº 116/40R/90, com a realização de mais obras coercivas de reparação e conservação do prédio, bem como, pedidos de ajuda, por queda de pedra do imóvel para a via pública; doc nº 4 e 5
S. - De igual modo, em 3 de Outubro de 2002, houve uma intimação os proprietários do imóvel a executar obras de conservação no imóvel, sobre outro processo com o nº 1723/7/90, cujo assunto: Ato de intimação anterior a 18/07/1997 – sem determinação de despejo ou interdição – sem qualquer ato administrativo posterior, sobre obras, que não foram realizas, ao abrigo do artigo 10´do RGEU;
T. - Concomitantemente, em 7 de Outubro de 2002, sobre o processo nº 1003/I/95, houve outra intimação aos proprietários com o mesmo assunto (Ato de intimação anterior a 18/07/1997 – sem determinação de despejo ou interdição – sem qualquer ato administrativo posterior, sobre obras que não foram realizas), desta ao abrigo do artigo 12º do RGEU.
U. - Já em 2013, a CML, tentou notificar a requerida de esgoto entupido, no 2º andar do nº 37º, causado por infiltrações no teto, dando conhecimento o problema, deveria de provir das águas fluviais (algeroz interior) e residuais, já que as infiltrações ocorrem por todo o prédio ao qual deu origem ao processo nº 21/RLU/2013.
V. Como tal, citando “será necessário uma vistoria, já que está em causa indícios de insegurança e insalubridade do imóvel”, ao qual deu origem ao edital nº 0000/2013, que foi afixado em 29/01/2013...”.
W. A Recorrente sabia e sabe que, eram da sua responsabilidade a realização de obras de conservação do imóvel,
X. No entanto, pretendia, escamotear-se quanto antes da realização das mesmas, com a maior brevidade possível, porque tinha conhecimento que, em qualquer altura, haveria outra notificação por banda da Câmara municipal de Lisboa, para a sua realização, sob pena de realização de obras coercivas.
Y. Conforme já apresentado pela Recorrida na sua defesa : É sobre o senhorio que, recai o dever de facultar ao inquilino o gozo do prédio arrendado para os fins a que se destina, cabendo-lhe executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas Leis vigentes ou pelo fim do contrato, nos termos do artigo 1031º, alínea b), 1074º, nº 1 e 1111º, nº 2 do Código Civil.
Z. Se o senhorio não executar as obras necessárias para manter o imóvel adequado à finalidade, incumpre uma obrigação contratual e o arrendatário poderá resolver o contrato, nos termos previstos no artigo 1083º nº 5 do Código Civil.
AA. Através notificação judicial Avulsa anteriormente enviada, pretendia a Recorrida, comunicar expressamente dar conhecimento do seguinte:
a) Que as alegadas reparações no imóvel, são de carater urgente;
b) Que o requerente, não pode executar as obras para qual foi acordou realizar, por não conseguir obter licença, derivado ao estado de insalubridade do imóvel;
c) Que notifica a requerida para a realização das obras nos termos do disposto nos artigo 1031º, alínea b), 1074º, nº 1 e 1111º, nº 2 do Código Civil.
d) Que requerida suspenda a sua execução nos termos da Lei nº 13/2019 (RJOPA), até que, a mesma (na qualidade proprietária), faça as obras urgentes;
e) Senão o fizer, o requerido invoca a exceção do não cumprimento do contrato, até que haja condições para que, a requerente possa fazer o gozo do imóvel arrendado, nos termos do disposto no artigo 428º do C.C......”.
BB. Ora nos termos da Lei, e tendo em conta que, nos termos do disposto do artigo 428º do C.C., a Recorrida., invocou a exceção do cumprimento do contrato, até que seja cumprido a parte que compete à Recorrente, não está a dizer que pretende incumprir com a aquela.
CC. Até porque em primeiro lugar a Recorrida, requereu que a Recorrente, suspendesse a execução do contrato até a realização de obras da sua responsabilidade, nos termos do disposto da Lei nº 13/2019 (RJOPA).
DD. De acordo com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo 5983/06.4TVLSB-6, “.... I– A faculdade de recusa da sua prestação por parte de qualquer um dos contraentes, no circunstancialismo e condições mencionados nos artigos 428.º e seguintes do Código Civil, pode também ser exercida no âmbito do contrato locatício.
II– Confrontando os deveres recíprocos que decorrem para os contraentes do contrato de arrendamento comercial dos autos e que, na sua essência, se mostram descritos nos artigos 1038.º(locatário) e 1031.º (locador) do Código Civil, aqueles que se contrapõem directamente entre si são, correspectivamente, o do pagamento da renda por parte do inquilino e o do entrega e garantia do gozo das utilidades da coisa locada por banda do senhorio.
III– Muito embora a excepção de não cumprimento não possa ser, em regra, utilizada pelo arrendatário como justificação para a não liquidação da renda, quando o senhorio, por seu turno não realiza no locado as obras a que legalmente está vinculado, certo é que, em determinadas situações, quando tais obras são condição necessária e suficiente para proporcionar o gozo do imóvel ao respectivo inquilino, afigura-se-nos que pode e deve ser equacionada a possibilidade do arrendatário invocar a excepção de não cumprimento, com a não liquidação da renda.
IV – A indefinição absoluta da actividade comercial ali desenvolvida ou a desenvolver obriga a uma leitura igualmente aberta dos vícios dos espaços arrendados, pois sendo compagináveis múltiplas e muito diversas actividades comerciais naqueles espaços, também os defeitos em causa podem obstar, simplesmente dificultar ou permitir mesmo o gozo mais ou menos pleno e satisfatório deslocados consoante o tipo de negócio ali desenvolvido (imagine-se o armazenamento e venda no local de materiais de construção, produtos hortícolas ou agrícolas ou outras mercadorias devidamente ensacadas e fechadas, que não sejam prejudicadas pelas infiltrações e queda de chuva em algumas zonas do mesmo, sendo certo que só em algumas áreas é que isso acontece e não em todas, nada parecendo impedir a utilização destas últimas).
V – Logo, não estando provada pelos Réus tal situação de impossibilidade total do gozo do locado em virtude da não realização das obras reclamadas pela 1.ª Ré, não podia esta invocara excepção de não cumprimento como justificação para o não pagamento da renda, nos moldes demonstrados nos autos (ainda que esse impedimento fosse parcial, tal não consentia à inquilina a suspensão integral do pagamento da renda – cf. alguma da jurisprudência acima mencionada).
VI– Permitindo os artigos 11.º a 18.º e 120.º do RAU e 1043.º do Código Civil (e que, nesta matéria, coincidem com o actualmente em vigor – cf. artigos 1074.º, número 1 e 1111.º do Código Civil) que senhorio e inquilino acordem na atribuição ao inquilino do encargo de realização de qualquer um dos tipos de obra previsto no artigo 11.º do RAU e tendo sido uma combinação dessa índole que a Autora fez com a 1.ª R é (cf. Cláusula 7.ª do negócio jurídico dos autos, conforme ressalta do ponto 2 da Matéria de Fact Assente), afigura-se-nos insustentável a posição defendida pelos Réus na sua contestação e alegações no sentido de estarem desonerados do pagamento da renda face à inércia da Autora quanto à efetuação das obras de conservação reclamadas pelo prédio. (JES)...”.
EE. É sobre senhorio que, recai o dever de facultar ao inquilino o gozo do prédio arrendado para os fins a que se destina, cabendo-lhe executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas Leis vigentes ou pelo fim do contrato, nos termos do artigo 1031º, alínea b), 1074º, nº 1 e 1111º, nº 2 do Código Civil.
FF. Sendo que, cabe à Recorrente a realização das obras não transferidas por contrato à Recorrida, e que são urgentes para esta cumpra com o convencionado contratualmente.
GG. A Recorrente encontra-se em mora no seu dever legal de realização de obras, em virtude de ter já sido anteriormente interpelada nos termos do disposto do art.º 805º nº 1 do CPC.
HH. Não fazendo sentido ter requerido a inexigibilidade do contrato, e consequentemente ao despejo imediato.
II. Motivado pelas obras urgentes estruturais necessárias, a Recorrida também não faz gozo do imóvel desde de 2020.
JJ. A recorrente vem dizer que, caso proceda a tese da Recorrida, “sempre se dirá que se a ora Apelante executar as obras que a Apelada considera necessárias, esta continuará obrigada ao pagamento da renda.”
KK. Mais refere que: “Para demonstrar a vontade de cumprir a sua obrigação, a ré sempre poderia ter procedido ao depósito das rendas à ordem dos presentes autos, o que permitira cumprir-se o objectivo fundamental do incidente de despejo imediato – que é o de proteger o senhorio quanto ao direito a receber a renda.”
LL. Em segundo, sabe a Recorrente que, a Recorrida tentou por diversas vezes chegar ao contacto com a Recorrente no sentido que criar alternativas para o caso concreto, lesando as partes o mínimo possível.
MM. Conversações essas que, nunca acolheram recetividade por banda da Recorrente.
NN. Daí referir a força do preceituado no artigo 428º do C.C..
OO. Em virtude da Recorrente nem sequer ter aceite a proposta de diminuição da renda temporária nos termos do disposto do art.º 1040º do C.C. que, vem agora invocar.
PP. Até porque no nº 2 do preceituado, no contrato de arrendamento ocorrendo privação parcial do gozo da coisa, imputável ao locador, pode o locatário suspender, em medida proporcionada, o pagamento da renda, ao abrigo do regime da excepção do não cumprimento, desde que:
-a falta assuma relevo significativo:
-Se observe proporcionalidade ou adequação entre essa falta e a recusa do excipiente.
II - No regime do art.º 1040º/2 CC o prejuízo efectivamente sofrido pelo arrendatário (ou pelo locatário) não tem de ser medido em função da duração do período que ele já vem ocupando o prédio por força do contrato. A expressão” duração do contrato” usada no art.º 1040º/2 CC tem o significado de prazo (estipulado ou estabelecido, supletivamente, por lei) porque, em princípio, o contrato deve manter-se, independentemente de eventuais renovações.
QQ. A verdade é que a Recorrida não pode fazer uso e gozo total do imóvel.
RR.
SS. Mesmo assim, quis chegar à Recorrente por forma proporcional chegar a um entendimento até à conclusão das obras urgentes e necessárias.
TT. Como tal, a Recorrida não teve outra alternativa senão alojar-se na invocação da excepção de não cumprimento do contrato quanto à sua obrigação de pagamento de rendas.
UU. Até porque como já referido para tal invocação é necessário que do cumprimento defeituoso por banda do senhorio, tenham resultado danos relevantes que impliquem directamente com o gozo da coisa pelo inquilino, privando-o total ou parcialmente desse gozo.
VV. Sendo o facto da privação total do gozo do imóvel o que se discute.”
A factualidade com relevo para o conhecimento do objeto do presente recurso é a que decorre do relatório que antecede, e ainda, a seguinte decorrente dos articulados apresentados e de documentos juntos aos autos, nomeadamente os contratos de arrendamento e aditamento e notificação judicial avulsa, anexos à petição inicial:
A)  Em 01 de agosto de 2015 A. e R. celebraram o seguinte acordo denominado “CONTRATO DE ARRENDAMENTO E DE PROMESSA DE ARRENDAMENTO”:
“1º O presente contrato de arrendamento tem por objecto:
• a loja, com entrada pelo número 45 de polícia;
• a sobreloja, com entrada pelo número 45 de polícia;
• o primeiro, com entrada pelo número 37 de polícia;
• o terceiro, com entrada pelo número 37 de polícia;
• o quarto andar, com entrada pelo número 37 de polícia; e
• as águas furtadas, com entrada pelo número 37 de polícia,
todos pertencentes ao prédio urbano situado em Lisboa, na Rua …., com os números …, descrito na ficha nº XXXXX da Conservatória do Registo Predial de Lisboa e inscrito na m atriz predial urbana com o número 000 da freguesia de…, de construção anterior ao dia 7 de Agosto de 1951, o que se consigna nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 5o, nº 2 do Decreto-Lei nº 160/2006 de 8 de Agosto.
2- Pelo presente contrato, a primeira outorgante dá de arrendamento à segunda outorgante os locais identificados na cláusula antecedente. (…)
4.
§ primeiro: A loja e sobreloja identificadas na cláusula 1a destinam-se exclusivamente à actividade de restauração, não lhes podendo ser dado outro fim sem autorização escrita da primeira outorgante.
§ segundo: O primeiro, terceiro, quarto andares e as águas furtadas, identificados na cláusula 1.ª destinam-se exclusivamente à habitação de empregados da sociedade inquilina, não lhes podendo ser dado outro fim sem autorização escrita da primeira outorgante.
§ terceiro: A primeira outorgante autoriza desde já a sublocação dos locados referidos no parágrafo anterior exclusivamente para os em pregados da sociedade inquilina, devendo esta comunicar esse facto mediante o envio de cópia do contrato de trabalho, no prazo de 30 dias após a celebração do mesmo. (…)
5.
§ primeiro: Conforme resulta da cláusula antecedente o presente contrato é celebrado para fins diferentes.
§ segundo: As partes declaram que o fim principal do presente contrato é o fim não habitacional, pelo que, se aplica ao presente contrato o regime jurídico relativo aos contratos de arrendamento para fim não habitacional, o que se consigna nos termos do disposto no artigo 1028º, número 3 do Código Civil. (…)”
B) Em 01 de março de 2015 (?) A. e R. celebraram o seguinte acordo denominado “CONTRATO DE ARRENDAMENTO”:
“1 A primeira outorgante é proprietária do segundo andar, com entrada pelo número … de polícia, pertencente ao prédio urbano situado em Lisboa, na Rua …, com os números …, descrito na ficha nº XXXXX da Conservatória do Registo Predial de Lisboa e inscrito na m atriz predial urbana com o número 000 da freguesia de …, de construção anterior ao dia 7 de A gosto de 1951, o que se consigna nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 5.º, nº 2 do Decreto-Lei nº 160/2006 de 8 de Agosto.
(…)
3 O local ora arrendado destina-se exclusivamente à habitação dos funcionários da arrendatária, não lhe podendo ser dado outro fim sem autorização escrita da primeira outorgante.”
C) Em 25 de outubro de 2019 A. e R. celebraram aditamento aos acordos referidos em A) e B), nos seguintes termos:
“2º Com o presente aditamento as ora outorgantes alteram a redacção das cláusulas 3.ª, 4.ª, 6.ª, 7.ª, 8.ª e 11.ª do Contrato I, passando as m esmas a ter a seguinte redacção:
Cláusula 4.ª
§ primeiro: A loja e sobreloja identificadas na cláusula 1a destinam-se exclusivamente à actividade de restauração, não lhes podendo ser dado outro fim sem autorização escrita da primeira outorgante.
§ segundo: O primeiro, terceiro, quarto andar e as águas furtadas, identificados na cláusula 1a destinam-se exclusivamente a habitação, escritório, alojamento local, hotel, apartamentos turísticos e hostel, não lhes podendo ser dado outro fim sem autorização escrita da primeira outorgante. (…)
Cláusula 11.ª
A segunda outorgante não pode fazer qualquer obra ou benfeitoria sem autorização prévia e por escrito da primeira outorgante.
§ primeiro: No caso da primeira outorgante autorizar a execução de quaisquer obras ou benfeitorias, ficarão as mesmas a constituir parte integrante do local, não tendo a segunda outorgante direito a ser indemnizada seja a que título for, nem a alegar direito de retenção.
§ segundo: A segunda outorgante executará, no prazo de trinta meses contados a partir da celebração do presente contrato as seguintes obras que estão desde já autorizadas: (…)”
D) A A. foi notificada em 13/12/2020, da notificação judicial avulsa requerida pela ora R., do seguinte teor:
“(…) 12º Sucede que, por forma a realizar as obras acordadas, a requerente, solicitou um relatório técnico especializado, conforme doc. nº 2, que se junta cópia e se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais,
13º Para espanto da requerente, o relatório em causa, mostra um edifício em elevado estado de degradação da estrutura, causado nomeadamente por infiltrações de água que levaram ao apodrecimento da estrutura de madeira, fissuramento de paredes e apodrecimento de rebocos, com a instabilidade da estrutura, depara-se também com o desnivelamento de todo o pavimento de vários pisos do edifício.
14º Concluindo o relatório que, não existem condições de segurança para qualquer trabalho/reparação/remodelação.
15º Em face à situação em causa, a requerente, não pode realizar as obras acordadas, sob pena de outros danos serem provocados no imóvel em discussão, nomeadamente a derrocada do mesmo.
16º Mais, em face ao supracitado e infra mencionado, a requerente, não consegue obter a licença para as obras que pretendem realizar, em face às obras urgentes que ali têm que ser feitas.
17º Veio a requerente veio a saber (após consulta de vários processos camarários, aonde se encontram notificações, editais, a notificar a requerida da realização de obras, sob pena de realização de obras coercivas) que, muito antes da requerida celebrar os contratos em causa, a requerida linha conhecimento das ocorrências e estado de insalubridade do edifício, que colocam em causa a estrutura do imóvel.
18º Mesmo em face ao supra referido, a requerida celebrou os contratos em discussão, sem dar conhecimento prévio da situação mais gravosa de insalubridade do imóvel.
19º A requerida sabia, que seria impossível à requerente cumprir com o estipulado no contrato, no concerne às obras.
20º Mais, em face ao estado de degradação do imóvel, a requerente desocupou o imóvel, por não garantir a sua segurança, bem como dos clientes, que ali vão ao seu restaurante.
21º A requerente, não pretende resolver os contratos, mas sim que, a requerida suspenda a sua execução nos termos da Lei nº 13/2019 (RJOPA), até que, a mesma (na qualidade proprietária), faça as obras urgentes.
22º Senão o fizer, o requerido invoca a exceção do não cumprimento do contrato, até que haja condições para que, a requerente possa fazer o gozo do imóvel arrendado.
23º É sobre o senhorio que, recai o dever de facultar ao inquilino o gozo do prédio arrendado para os fins a que se destina, cabendo-lhe executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas Leis vigentes ou pelo fim do contrato, nos termos do artigo 1031º, alínea b), 1074º, nº 1 e 1111º, nº 2 do Código Civil.
24º Se o senhorio não executar as obras necessárias para manter o imóvel adequado à finalidade, incumpre uma obrigação contratual e o arrendatário poderá resolver o contrato, nos termos previstos no artigo 1083º nº 5 do Código Civil.
Pretende a Requerente, comunicar expressamente que. serve a presente Notificação Judicial Avulsa para dar conhecimento do seguinte:
1) Que as alegadas reparações no imóvel, são de carater urgente;
2) Que o requerente, não pode executar as obras para qual acordou realizar, por não conseguir obter licença para o efeito, derivado ao estado de insalubridade do imóvel:
3) Que notifica a requerida para a realização das obras nos termos do disposto nos artigo 1031º. alínea b). 1074º, nº 1 e 1111º, nº 2 do Código Civil.
4) Que requerido suspenda a execução do contrato de arrendamento, nos termos da Lei nº 13/2019 (RJOPA), até que, o Requerido (na qualidade proprietária), faço as obras urgentes;
5) Senão o fizer, o requerente invoca a exceção do não cumprimento do contrato, até que haja condições para que, a requerida possa fazer o gozo do imóvel arrendado, nos termos do disposto no artigo 428º do C.C.”
*
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e das que forem de conhecimento oficioso (art.ºs 635º e 639º do CPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do CPC).
Assim, a única questão a decidir é aferir da verificação dos requisitos de que depende a procedência do incidente de despejo imediato.
*
Estabelece o art.º 14º da Lei 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação introduzida pela Lei nº 31/2012, de 14 de agosto que:
“1 - A ação de despejo destina-se a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação e segue a forma de processo comum declarativo.
2 - Quando o pedido de despejo tiver por fundamento a falta de residência permanente do arrendatário e quando este tenha na área dos concelhos de Lisboa ou do Porto e seus limítrofes ou no respetivo concelho quanto ao resto do País outra residência ou a propriedade de imóvel para habitação adquirido após o início da relação de arrendamento, com exceção dos casos de sucessão mortis causa, pode o senhorio, simultaneamente, pedir uma indemnização igual ao valor da renda determinada de acordo com os critérios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 35.º desde o termo do prazo para contestar até à entrega efetiva da habitação.
3 - Na pendência da ação de despejo, as rendas que se forem vencendo devem ser pagas ou depositadas, nos termos gerais.
4 - Se as rendas, encargos ou despesas, vencidos por um período igual ou superior a dois meses, não forem pagos ou depositados, o arrendatário é notificado para, em 10 dias, proceder ao seu pagamento ou depósito e ainda da importância da indemnização devida, juntando prova aos autos, sendo, no entanto, condenado nas custas do incidente e nas despesas de levantamento do depósito, que são contadas a final.
5 - Em caso de incumprimento pelo arrendatário do disposto no número anterior, o senhorio pode requerer o despejo imediato, aplicando-se, em caso de deferimento do requerimento, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 7 do artigo 15.º e nos artigos 15.º-J, 15.º-K e 15.º-M a 15.º-O.”
Sendo o fundamento da ação em que foi deduzido o incidente a falta de pagamento de rendas, para efeitos do disposto no art.º 14º, nºs 3 a 5 do NRAU, as rendas vencidas na pendência da ação são aquelas que se venceram posteriormente ao prazo para apresentação da contestação, face ao disposto no art.º 1048º do CC.
“Incumbe ao autor provar que as rendas se venceram na pendência da ação. E, para o caso desta ação, que se funda na falta de pagamento de rendas, só se consideram rendas vencidas na pendência da ação as que se vencerem após o prazo para a contestação, como é doutrina e jurisprudência dominantes, sobre este assunto, tendo em conta que o arrendatário sempre pode extinguir o direito de resolução do contrato, evitando o despejo, pagando as rendas vencidas com a respetiva indemnização, até ao termo do prazo para contestar ou quando apresenta a contestação, como decorre do artigo 1048 do C.Civil.”  [1]
O art.º 14º do NRAU faculta ao senhorio a possibilidade de obter o despejo imediato por falta de pagamento das rendas vencidas na pendência da ação por período igual ou superior a dois meses.
Ao arrendatário para evitar o despejo imediato incumbe provar o pagamento ou depósito de rendas vencidas ou alegar e provar que as rendas não são exigíveis, pelo que não tem que as pagar ou depositar. A inexigibilidade das rendas pode decorrer de diversas circunstâncias – estar em causa título de ocupação diverso do arrendamento, acordo de não pagamento de rendas, etc.
 “O arrendatário, na sua resposta, pode alegar e provar que não há rendas vencidas na pendência da ação de despejo, que pagou as rendas ou que fez o respetivo depósito, acrescido da indemnização. Mas além disso pode ainda alegar e provar que as rendas não são exigíveis, pelo que não tem que as pagar ou depositar (…).”  [2]
Já na vigência do R.A.U. o Tribunal Constitucional (ac. nº 673/2005, publicado no Diário da República n.º 25/2006, Série II, de 2006-02-03) julgou “inconstitucional, por violação do princípio da proibição da indefesa, ínsito no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 58.º do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, na interpretação segundo a qual, mesmo que na acção de despejo persista controvérsia quer quanto à identidade do arrendatário quer quanto à existência de acordo, diverso do arrendamento, que legitimaria a ocupação do local pela interveniente processual, se for requerido pelo autor o despejo imediato com fundamento em falta de pagamento das rendas vencidas na pendência da acção, o único meio de defesa do detentor do local é a apresentação de prova, até ao termo do prazo para a sua resposta, de que procedeu ao pagamento ou depósito das rendas em mora e da importância da indemnização devida”.
E mais recentemente o mesmo Tribunal (Ac. nº 327/2018, publicado no DR  Série II de 2018-09-24) “interpreta o artigo 14.º, n.º 4, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, alterado pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, em consonância com o n.º 5 do mesmo artigo, em conformidade com princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição, no sentido de que o despejo imediato com fundamento em falta de pagamento de rendas vencidas na pendência da ação nele previsto não é automático, sendo o seu requerimento livremente apreciado pelo juiz, pelo que, nos casos em que na ação de despejo persista controvérsia quanto à existência ou exigibilidade do próprio dever de pagamento de renda, o réu não deve ser impedido de exercer o contraditório mediante a utilização dos correspondentes meios de defesa”.
Como se refere no acórdão desta Relação, de 20/12/2018, disponível em www.dgsi.pt, “por força do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4 da Constituição, o despejo imediato com fundamento em falta de pagamento de rendas vencidas na pendência da ação não é automático, sendo o livremente apreciado pelo juiz nos casos em que na ação de despejo persista controvérsia quanto à existência ou exigibilidade do próprio dever de pagamento de renda, seja por que fundamento for (inexistência de contrato de arrendamento válido, não serem autor e/ou réu os verdadeiros locador e/ou locatário, dissídio quanto ao montante da renda ou da sua imediata exigibilidade, invocação de diverso título para justificar a ocupação do local).
Deverá ser decretado o despejo imediato quando os fundamentos de defesa apresentados em nada afetam o cumprimento da obrigação de pagamento de renda e quando mais não sejam que uma forma de protelar o gozo da coisa de forma injustificada e à custa do senhorio.”
A apelante considera que a exceção de não cumprimento invocada pela R., com fundamento na falta de realização de obras não lhe confere o direito de não pagar as rendas, uma vez que constitui obrigação secundária, pelo que, não tendo sido pagas ou depositadas, pugna pela revogação da decisão.
“Muito embora a excepção de não cumprimento não possa ser, em regra, utilizada pelo arrendatário como justificação para a não liquidação da renda, quando o senhorio, por seu turno não realiza no locado as obras a que legalmente está vinculado, certo é que, em determinadas situações, quando tais obras são condição necessária e suficiente para proporcionar o gozo do imóvel ao respectivo inquilino, afigura-se-nos que pode e deve ser equacionada a possibilidade do arrendatário invocar a excepção de não cumprimento, com a não liquidação da renda.” [3]
A versão apresentada pela R. na oposição ao incidente já havia sido alegada na contestação à ação. Tal matéria mostra-se controvertida, tendo sido objeto dos temas de prova (cfr. alíneas A a E, I, L acima transcritas). Na ação está em discussão se previamente às obras a que a R. se obrigou, em virtude do contrato de arrendamento celebrado, se impõe que a A. proceda a obras estruturais no edifício, se sem a sua realização a R. está impedida de executar aquelas, e se tais circunstâncias impedem o gozo do locado.
A exceção de não cumprimento invocada pela R. não reside exclusivamente na falta de realização de obras pela A. – circunstância esta que isoladamente considerada configuraria obrigação sem vínculo correspetivo na obrigação de pagamento de rendas -, mas essencialmente na impossibilidade de gozo do locado pela não realização daquelas.
A exceptio non adimpleti contracto constitui uma forma de compelir a outra parte a cumprir o contrato. Trata-se, assim, de uma recusa temporária do devedor, perante um credor que também ainda não cumpriu, de retardar legitimamente o cumprimento da sua prestação enquanto a outra parte não realizar a prestação a que está adstrito.
Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição – a definição do art.º 1022º do CC faz o recorte do sinalagma deste contrato. A obrigação principal do arrendatário consiste no pagamento da renda (art.º 1038, al. a) do CC) e a do senhorio assegurar o gozo do locado para os fins a que se destina (art.º 1031º, al. a) do CC). Estas são as prestações que constituem o núcleo do sinalagma do contrato de arrendamento.
Verifica-se, assim, que o acionamento da exceptio visa a suspensão do pagamento das rendas enquanto persistir o impedimento do gozo do locado, pela falta de realização de obras. A R. opôs o não cumprimento da sua obrigação principal em relação à correspetiva falta de cumprimento da obrigação principal da A., e não em relação a mera obrigação acessória.
Previamente à instauração da presente ação a R. procedeu à notificação judicial avulsa da A. comunicando-lhe as circunstâncias impeditivas da realização das obras a que se obrigara, pela necessidade de previamente serem realizadas obras estruturais urgentes, o que inviabiliza o gozo do locado, notificando-a: “que as alegadas reparações no imóvel, são de carater urgente; que o requerente, não pode executar as obras para qual acordou realizar, por não conseguir obter licença para o efeito, derivado ao estado de insalubridade do imóvel; que notifica a requerida para a realização das obras nos termos do disposto nos artigo 1031º. alínea b). 1074º, nº 1 e 1111º, nº 2 do Código Civil; que a requerida suspenda a execução do contrato de arrendamento, nos termos da Lei nº 13/2019 (RJOPA), até que, a Requerida (na qualidade proprietária), faço as obras urgentes; senão o fizer, o requerente invoca a exceção do não cumprimento do contrato, até que haja condições para que, a requerida possa fazer o gozo do imóvel arrendado, nos termos do disposto no artigo 428º do C.C.”
O invocado impedimento do gozo total do locado por incumprimento da A. pode justificar a suspensão do pagamento da totalidade da renda, em respeito ao princípio da proporcionalidade exigido pelo art.º 1040º do CC, [4] tendo presente que a A. admitiu na p.i. que o locado não está a ser usado, ainda que impute abandono do mesmo pela R.. Mas como vimos a R. havia comunicado, mediante notificação judicial avulsa, a impossibilidade de gozo do locado pela finalidade contratada e que não iria ali desenvolver a sua atividade até a situação se resolver.
Perante a matéria factual controvertida na ação, mormente o invocado impedimento do gozo total do locado sem a realização de obras estruturais e urgentes pela A., defesa que também foi deduzida no presente incidente, não é possível o deferimento do despejo imediato, sob pena de se conceder, por via de um meio incidental, a pretensão principal da ação, cujo fundamento – falta de pagamento de rendas - ainda se mostra em discussão.
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo da apelante.

Lisboa, 23 de fevereiro de 2023                                                          Teresa Sandiães
Octávio Diogo
Cristina Lourenço
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[1] Neste sentido, por todos, v. Ac. RG de 24/05/2006, in www.dgsi.pt
[2] Ac. RG de 24/05/2006, base citada
[3] Ac. RL de 26/03/2009, processo nº 5983/06.4TVLSB-6, disponível em www.dgsi.pt.
[4] “O locatário só pode suspender o pagamento da totalidade da renda quando se trate de não cumprimento do locador que exclua totalmente o gozo da coisa” – Ac. RC de 22/05/2012, proc. nº 3536/10.1TJCBR-A.C1, in www.dgsi.pt