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EXECUÇÃO DE SENTENÇA
EFEITOS DO RECURSO
EXEQUIBILIDADE SUPERVENIENTE
Sumário
I- Antes de instaurar a execução o credor deveria ter aguardado pelo prazo do recurso e respectivo despacho de admissão e fixação do efeito- art.º 704.º,1 do CPC. II- Tendo-se precipitado e instaurado a execução antes do decurso do prazo do recurso o que se impunha, desde logo por razões de economia processual, era aguardar que a sentença reunisse o requisito da exequibilidade. III- No caso dos autos, quando foram contestados os embargos, já se invocava a “superveniente exequibilidade do título”, pois tinha sido admitido recurso com efeito devolutivo. Consequentemente também quando foi proferida a sentença nos embargos já a sentença estava dotada de força executiva. IV- Consiste numa prática inútil julgar extinta a execução, por falta de título quando o mesmo já existia e por certo, dar-se-ia início a nova execução.
Texto Integral
Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
Por apenso à execução foram deduzidos embargos de executada, em 22/9/2021, alegando:
Que a presente execução é extemporânea e deduzida perante juízo incompetente deste tribunal.
Os Exequentes requereram a presente execução, ainda no decurso do prazo para interposição de recurso que cabe no presente processo – e que ainda não chegou ao seu termo - e num momento em que ainda não era sabido o efeito que virá a ser atribuído ao mesmo, devolutivo ou suspensivo.
Assiste à embargante, não só o direito de recorrer no prazo legal, como o direito de requerer seja atribuído efeito suspensivo ao recurso.
Ora, os Autores, num acto de manifesta precipitação e de alcance duvidoso, requereram a presente execução, de uma sentença não transitada em julgado e cujo recurso ainda nem sequer se encontra interposto, logo, sem efeito atribuído.
Nos termos do disposto no artigo 729º, alínea a) a sentença sub judice ainda não é exequível, logo, não poderia ter servido de base à presente execução.
Concluem pedindo:
1. Ser julgada procedente a excepção dilatória de incompetência do tribunal,
2. Ser a presente execução deverá ser julgada extinta por inexequibilidade da sentença que lhe serviu de base e, em consequência, ser decretado o levantamento da penhora levada a cabo;
3. Condenados os exequentes ao pagamento de multa, nos termos do disposto no artigo 858º do C.P.C,
Os Embargados contestaram os embargos alegando em síntese que:
A execução foi interposta nos próprios autos e foi dado cumprimento ao art.º 85.º,2 do CPC.
Nada obsta a que seja instaurada execução de sentença antes do decurso do prazo de recurso, tratando-se de recurso com efeito meramente devolutivo.
Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção de incompetência e julgou o juízo de execução competente.
Mais julgou os embargos procedentes e extinta a execução por se ter entendido pela inexequibilidade do título à data da instauração da execução, dado não ter decorrido o prazo para interposição do recurso.
Desta decisão recorrem os embargados alegando e concluindo, em síntese:
O tribunal ignorou matéria que foi alegada pelos embargantes e que era susceptível de conduzir a diferente decisão.
Na pendência foi admitido o recurso de apelação interposto pela embargante (ali R) e fixado efeito devolutivo. O recurso, por acórdão de 13/3/2022, julgou improcedente o recurso interposto pela R e confirmou a decisão de 1.ª instância.
Os exequentes estão, desde 24/11/2021 munidos de título executivo, nenhuma razão havendo para que se tivesse desconsiderado a exequibilidade superveniente.
O título executivo é uma sentença condenatória que põe termo à causa, pelo que o recurso, a ser interposto, seria de apelação, com efeito meramente devolutivo (só assim não seria se a embargante viesse prestar caução e fosse atendida a sua alegação de que a execução lhe causaria prejuízo considerável.
O efeito regra é o devolutivo - 647.º1 CPC.
Nos termos do art.º 704.º 1 CPC a sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo.
Se eventualmente viesse a ser fixado efeito suspensivo a execução seria suspensa – art.º 704.º, 2.
Proferida uma sentença condenatória já não existe mais o direito à intocabilidade dos bens do R. Veja que se pode constituir hipoteca judicial ainda antes do trânsito em julgado e de eventual recurso. – art.º 710.º do CC.
A interpretação de que a sentença é imediatamente exequível é a que melhor se coaduna com os preceitos citados.
A doutrina e jurisprudência tem vindo a defender o entendimento da possibilidade da exequibilidade superveniente do título.
Caso se entenda que o tribunal não podia ter decidido a questão apenas com os factos que julgou provados, desconsiderando e prejudicando as demais soluções de direito, então a sentença é nula, por omissão de pronúncia-art.º 615.º,1, al. d).
Caso se entenda não ocorrer a dita nulidade deverá proceder-se à ampliação da matéria de facto ao abrigo do art.º 626.º,1.
Invoca a violação dos art.ºs 130.º, 704.º1 e 2 , 615.º1 al. d), 607.º 4 e 5, todos do CPC e art.º 710.º do CC.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Oficiosamente obtiveram-se informações junto do processo declarativo
Nada obsta ao conhecimento do recurso
O âmbito do recurso determina-se pelas conclusões dos recorrentes (639.º e 635.º do Novo CPC, aprovado pelo art.º 1º da Lei nº 41/2013 de 26/06 só abrangendo as questões que nelas se contêm, ainda que outras tenham sido afloradas nas alegações propriamente ditas, salvo tratando-se de questões que o Tribunal deva conhecer oficiosamente (artigo 608º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2).
Como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal da 1.ª instância
Na decisão recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
A .Por sentença proferida em 16/07/2021, no processo 13998/16.8T8LRS, do J1 do Juízo Central Cível de Loures, foi a embargante nestes autos condenada: i) a pagar aos Autores (2.º a 5.º), a quantia de € 13.000,00 (treze mil euros) por cada lugar de parqueamento de que sejam proprietários, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento; ii) a pagar a cada um dos Autores (2.º a 5.º) a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.
B. Com base na sentença referida em A foi instaurada execução em 20/07/2021.
Nulidade da sentença, por omissão de pronúncia
As nulidades de sentença estão previstas no art.º 615.º que tem a sua correspondência nas mesmas alíneas do art.º 668.º do anterior CPC, pelo que se mantêm válidos os ensinamentos que sobre elas se vinham discorrendo.
- al. d) Omissão de Pronúncia
Dispõe o art.º 608.º do NCPC sob a epígrafe “Questões a resolver – Ordem do Julgamento”, no seu n.º 2: “ O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. A falta de observância deste dispositivo é sancionada com a nulidade prevista na al. d) do art.º 615.º NCPC.
“Trata-se da nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência nas questões na apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda.” –Amâncio Ferreira in Manual dos Recursos em Processo Civil, 2.ª ed. p. 50.
Questão: «desde Carnelutti “a questão” pode definir-se como o ponto duvidoso de facto ou de direito, e sua noção é correlativa da de afirmação. A questão surge quando a afirmação, compreendida na razão da pretensão ou da discussão, engendra dúvidas» in CPC Anotado” 16.º ed. -2004- de Luso Soares, Duarte Mesquita e Wanda Ferraz de Brito, em anotação ao art.º 668.º . E não podemos também ser levados a confundir “questões” com “factos ou argumentos”. O tribunal, na sentença, tem que resolver as concretas questões e não pronunciar sobre todos os factos ou argumento aduzidos pelas partes.
Neste contexto vemos que o julgador não deixou de conhecer a questão que lhe foi colocada, por isso nulidade não se verifica.
A falta de consideração de elementos de facto eventualmente pertinentes resolve-se no âmbito da impugnação da matéria de facto. E os próprios recorrentes assim também entenderam ao pedirem a respectiva ampliação da matéria de facto.
Nulidade pois não se verifica.
Impugnação da matéria de facto:
Defendem os recorrentes que deve ser trazido para o elenco dos factos provados elementos pertinentes para aferir da sua posição.
Vejamos.
É sabido que o juiz deve selecionar os factos pertinentes segundo as várias soluções de direito.
A questão em apreço apresentava-se como podendo ter dois entendimentos: ou se defendia que a sentença só pode ser título executivo se tiver transitado ou se o recurso interposto tiver efeito meramente devolutivo; ou antes se entendia, partindo desses mesmos princípios, que era admissível a figura da “exequibilidade superveniente”.
A selecção feita dos factos atendeu apenas à primeira versão.
Estamos assim perante uma situação enquadrável no art.º 662.º, 2, c) CPC.
Como se tratam de elementos de conhecimento oficioso e que já foram recolhidos por este tribunal, adita-se à matéria de facto o seguinte:
C. Por despacho de 24/11/2021 foi admitido o recurso interposto pela R, a 6/10/2021, com efeito devolutivo.
D. Por Acordão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13/3/2022, foi julgado improcedente o recurso interposto pela R., que veio a transitar a 23/11/2022.
Do direito
Não restam dúvidas que a execução foi instaurada a 20/7/2021, depois de proferida a sentença que data de 16/7/2021, mas antes da interposição do respectivo recurso. Estava assim ainda o correr o prazo do recurso quando os exequentes deram entrada da execução -20/7/2021.
O recurso veio a ser admitido a 24/11/2021 com efeito meramente devolutivo.
Os Embargos deram entrada em 22/9/20121.
A sentença dos embargos foi proferida 12/7/2022.
Será caso para se atender à “exequibilidade superveniente”?
Num caso semelhante ao nosso foi proferido Ac da Relação de Coimbra de 7/9/2021 no proc. 507/10.6T8PBL-A que vamos seguir de perto por merecer inteira concordância.
“A questão que o recorrente sustenta agora consiste em objetar que a execução foi instaurada num momento em que não tinha sido ainda atribuído efeito ao recurso.
b – Mas não tem razão.
Muito embora seja certo que a execução foi instaurada num momento em que não tinha sido ainda atribuído efeito ao recurso, o que só sucedeu quando o tribunal admitiu o recurso e fixou o seu efeito, também é certo que as situações jurídicas geradoras de direitos, de títulos jurídicos, constituem-se em regra no âmbito de um processo de formação progressiva, onde existe um início, etapas subsequentes e um termo.
Este processo de formação sucessiva pode ter (ou não) etapas pré-determinadas na lei e quando tal ocorre, como no caso dos autos, tal situação permite, em regra, uma previsão razoável acerca do momento temporal em que se constituirá, por fim, o direito ou o título.
Enquanto o direito não se forma definitivamente, o beneficiário goza já de expetativas.
Nas palavras de Mota Pinto, «Por expectativa jurídica entendemos a situação activa, juridicamente tutelada, correspondente a um estádio dum processo complexo de formação sucessiva de um direito. É uma situação em que se verifica a possibilidade, juridicamente tutelada, de aquisição futura de um direito, estando já parcialmente verificada a situação jurídica (o facto jurídico) complexa, constitutiva desse direito» - Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Edição. Coimbra editora, pág. 180.
No caso dos autos ocorre um processo de formação sucessiva de um direito de acionar o devedor, conferido pelo esperado título executivo-sentença.
Com efeito, proferida sentença favorável ao demandante credor, que imponha uma obrigação ao réu devedor, inicia-se o prazo para o recurso e caso o recurso tenha efeito devolutivo, a sentença adquire força de título executivo.
Sendo assim, se o exequente instaura ação executiva num momento em que a sentença ainda não é título executivo, porque não transitou ainda em julgado, mas há a expetativa fundada de vir a ser título executivo em breve, o tribunal não deve indeferir liminarmente a execução, mas aguardar que o processo relativo à eventual formação do título executivo se complete.
Esta postura do tribunal justifica-se não só pela tutela da mencionada expetativa, como também pela desproporcionalidade que constituiria o indeferimento face à precipitação do exequente e ainda pelo princípio da economia processual, o qual, nas palavras de Manuel de Andrade, «É uma aplicação do princípio de menor esforço ou de economia de meios. Deve procurar-se o máximo resultado processual com o mínimo emprego de actividade; o máximo rendimento com o mínimo custo. Nesta conformidade deve cada processo resolver o máximo possível de litígios (economia de processos); e deve por outro lado comportar só os actos e formalidades indispensáveis ou úteis (economia de actos e economia de formalidades)» – Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora/1979, pág. 388.
Com efeito, sendo indeferida a pretensão, seguir-se-ia dentro em breve nova pretensão com o mesmo conteúdo.”
No Ac. da Relação de Guimarães, 16/12/2021 no proc.2650/21.2T8VNF-A.G também se defendeu ser atendível a exequibilidade superveniente da sentença condenatória.
De igual modo se decidiu no Ac. da Relação de Lisboa, 1/10/2020, no proc 5993/19.1T8LSB-A.L1-8, todos acessíveis na base de dado da dgsi.
É certo que antes de instaurar a execução do credor deveria ter aguardado pelo prazo do recurso e respectivo despacho de admissão e fixação do efeito- art.º 704.º,1 do CPC.
Tendo-se precipitado e instaurado a execução antes do decurso do prazo do recurso o que se impunha, desde logo por razões de economia processual, era aguardar que a sentença reunisse o requisito da exequibilidade.”
No caso dos autos, quando foram contestados os embargos -11/3/2022- , já se invocava a superveniente exequibilidade do título, pois tinha sido admitido recurso com efeito devolutivo. Consequentemente também quando foi proferida a sentença nos embargos já a sentença estava dotada de força executiva.
Consiste numa prática inútil julgar extinta a execução, por falta de título quando o mesmo já existia e por certo, dar-se-ia início a nova execução.
Os recorrentes trazem à colação o art.º 710.º do CC que permite que credor que esteja munido duma sentença condenatória pode, desde logo, constituir hipoteca judicial. Trata-se de achega pertinente.
Sabemos que esta posição não é defendida maioritariamente, mas temos para nós ser a mais adequada ao espírito da lei.
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente, julgando-se improcedentes os embargos.
Custas pela embargante.
Lisboa, 23 de fevereiro de 2023
Teresa Soares
Octávia Viegas
Maria de Deus Correia