I – Nos termos do n.º 4 do art.º 4.º, do n.º2 do art.º 34.º e do art.º 35.º n.º8 do RJUE, a comunicação prévia consiste numa declaração que, desde que correctamente instruída, permite ao interessado proceder imediatamente à realização de determinadas operações urbanísticas, dispensando a prática de quaisquer actos permissivos, sem prejuízo de fiscalização sucessiva.
II – Nos termos do art.º 9.º n.º1 do RJUE, os procedimentos previstos no diploma iniciam-se através de requerimento ou comunicação dos quais devem constar a identificação do requerente ou comunicante, “bem como a indicação da qualidade de titular de qualquer direito que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística”.
III - A jurisprudência do S.T.J. tem-se manifestado no sentido de que a pronúncia da maioria qualificada dos condóminos, prevista na norma do art.º 1425.º n.º1 do CCiv, se aplica apenas a inovações nas partes comuns do edifício; se a obra foi levada a cabo pela Ré em fracção autónoma, vale antes o disposto no art. 1422.º do CCiv.
IV – No quadro de uma fiscalização sucessiva suscitada pela administração, no período que mediou entre a celebração do contrato promessa e a data prevista para o contrato prometido, não é de atender:
- ao alegado pela promitente compradora, que procurou na fixação do prazo de um mês, que o Município sequer fixara à proprietária, a solução da fiscalização sucessiva, assim revelando uma vontade de (rapidamente) se desvincular do compromisso;
- ao alegado pela promitente vendedora que, não logrando solucionar as questões necessárias ao esclarecimento em fiscalização sucessiva, deixou incólume a incerteza sobre a manutenção da licença para a construção da piscina, licença essa essencial para o cumprimento da promessa.
V – Se ambas as partes se revelaram co-responsáveis pela não realização do contrato prometido, não tendo atentado nos argumentos da contraparte, procurando rapidamente a desvinculação, justifica-se imputar igual responsabilidade no incumprimento a ambas, com igual proporção na graduação de culpas concorrentes, à luz do disposto no art.º 570.º n.º1 do CCiv.
Notícia Explicativa
Reivax, Ld.ª, intentou a presente acção, com processo declarativo e forma comum, contra AA, pedindo que seja declarado o incumprimento definitivo do contrato promessa celebrado entre A. e R., nos termos do disposto no art. 808º do CC, por culpa imputável apenas à R., condenando-se a R. a pagar à A. a importância de € 44.000,00, conforme previsto no nº 2, 2ª parte do art. 442º do CC e declarando-se resolvido o contrato promessa.
Alega ter a A., na qualidade de promitente compradora, celebrado com a R. um contrato de promessa de compra e venda de uma fracção predial autónoma e que, apesar de notificada para o efeito pela Câmara Municipal, a R. não diligenciou a autorização dos demais condóminos para a construção de uma piscina no logradouro, não tendo, deste modo, sanado a irregularidade do procedimento camarário atinente à construção da piscina.
A R. contestou por impugnação, alegando encontrar-se a piscina construída no logradouro privativo da fracção, pelo que não se revelava necessária a autorização dos demais condóminos. Mais peticionou a condenação da A. como litigante de má fé.
Em articulado superveniente, a R. alegou que vendeu, entretanto, a terceiro, a fracção autónoma aqui em causa, o que comprova não ter existido obstáculo legal à transmissão da fracção, e que a sociedade de mediação imobiliária que negociou a venda do prédio lhe devolveu a comissão que lhe havia cobrado.
As Decisões Judiciais
Na sentença proferida na Comarca, a acção foi julgada improcedente, e, em consequência, absolvido a Ré do pedido.
Tendo a A. interposto recurso de apelação, a sentença veio a ser parcialmente revogada, em consequência determinando-se a condenação da Ré a pagar à Autora a quantia de € 22 000,00, valor do sinal em singelo pago, mantendo-se no demais a sentença recorrida.
Inconformada agora a Ré, vem ela recorrer de revista, formulando as seguintes conclusões:
1) O acórdão recorrido, funda a sua decisão na factualidade dos factos provados 25, 26, 26-A, 26º-B, 27, 28, 29 e 30 acabando por desvalorizar – rectius, ignorando - os factos provados 32 a 35, bem como os factos provados 37 e 38.
2) O primeiro erro de concatenação dos factos provados baseia-se na importância que o Tribunal da Relação deu ao facto provado 26º-B na sua fundamentação pois o parecer data de 06.12.2018 e a escritura deu-se em 12.11.2018, pelo que um parecer datado de 24 dias depois da data da realização da escritura é inidóneo para influenciar as Partes a decidir contratar ou não.
3) O segundo erro de concatenação dos factos dá-se ao ignorar na fundamentação da decisão os factos provados 32 a 35, bem como os factos provados 37 e 38.
4) Destes factos resulta que a Autora sempre soube que a CM... iria obstaculizar o licenciamento da piscina, porquanto foi a Autora quem levantou tal questão junto da CM... e, foi a Autora quem provocou todo o sucedido, pois até aquele momento a autarquia não vislumbrava qualquer problema no licenciamento da piscina e tanto assim é que o imóvel já foi alienado sem qualquer oposição da CM....
5) Um terceiro erro de raciocínio, salvo o devido respeito, do Tribunal da Relação de Lisboa está no facto de considerar a Autora como um cidadão comum pois é uma empresa de compra e venda de imóveis, ou seja, tem como objecto social a compra e venda de imóveis, fazendo desta actividade o seu objecto e profissão, pelo que tem um especial dever de conhecimentos do mercado, e da realidade jurídica na qual se move, superior a um cidadão comum; acresce que os seus legais representantes são coincidentemente funcionários da empresa Era Imobiliária de ..., sendo pessoas que todos os dias lidam com este tipo de negócios.
6) Face ao aduzido, não se consegue considerar que a decisão recorrida seja inteligível pelos erros, omissões e contradições que contém e consequentemente é nula esta sentença nos termos conjugados dos artigos 615º, n.º 1 alínea c) do Código Processo Civil aplicável ex vi por força do artigo 666º do Código Processo Civil.
7) Há uma errada aplicação por parte do Tribunal ora recorrido do artigo 570º do Código Civil.
8) Essa decisão viola os princípios da Boa Fé, da informação e as regras sobre a culpa.
9) Na realidade os artigos correctamente aplicáveis serão os artigos 227º, n.º 1, 442º, 798º, 799º e 801º do Código Civil ao caso concreto, e analogicamente o artigo 275º, n.º 2 do Código Civil.
10) Quem não quis celebrar a escritura foi a promitente compradora
que não quis cumprir, colocando-se conscientemente numa situação de incumprimento.
11) Tanto assim é que se a Autora estava com receio, se pretendia não contratar, então seria natural não pagar os impostos ou tentar reagendar a escritura. Este sim seria o comportamento de um cidadão comum. E obviamente que nunca seria o comportamento de alguém habituado às lides dos negócios imobiliários como é a Autora e os seus legais representantes, pelo que a conclusão alcançada no acórdão sob censura não se enquadra nas regras da experiência comum.
12) Ficou demonstrado pela decisão de 1ª Instância, e que não foi alvo de qualquer reclamação sequer pela Autora, que a autarquia efectivamente não tinha poderes para solicitar tal documento da assembleia de condóminos.
13) A conduta do devedor, para se falar de agir com culpa, implica que actue de forma pessoalmente censurável ou reprovável reconhecendo-se que podia ter agido de outro modo.
14) A Autora faz da compra e venda de imóveis profissão, pelo que
objectivamente actuou no mínimo com negligência grave.
15) A «autoridade» na transmissão de imóveis são os tituladores do acto que não encontraram qualquer fundamento legal para a não realização do mesmo e reitera que quem desistiu da outorga do título Casa Pronta foi a Autora, conforme resulta do vertido no Facto Provado 26º-A (e tanto assim era que a casa acabou por ser vendida a terceiros conforme resulta provado do facto provado 37).
16) Foi a Autora quem decidiu conscientemente não contratar, pagando por isso os emolumentos da desistência de contratar.
17) A quem incumbia a prova de não ter contratado sem culpa era à
Autora e não à Ré.
18) A culpa da Autora fundando-se em três premissas interligadas entre si:
a) No comportamento de Má Fé da Autora;
b) Na aplicação analógica do artigo 275º, n.º 2 do Código Civil;
c) Na decisão da Autora em não contratar.
19) O comportamento da legal representante da Autora foi sempre desleal, obscuro e peculiar.
20) Foi a própria legal representante da Autora quem se deslocou a uma reunião camarária e levantou junto da autarquia a questão da necessidade de autorização ou não dos condomínios do prédio para a edificação da piscina no logradouro do imóvel.
21) Por análise e interpretação analógica que, da mesma forma que nos termos do artigo 275.º, n.º 2 do Código Civil, nos casos em que a parte, contra as regras da boa fé, provoque a verificação da condição que lhe é desfavorável, tem-se esta por não verificada, também aqui analogicamente, deveria ser óbvio que se foi a Autora quem se deslocou à CM..., se foi ela, como aliás resulta dos factos provados 35, quem pela sua intervenção e presença na reunião que levou a CM... a remeter a carta à Ré a solicitar a autorização dos condóminos, então não poderia de forma alguma ser recompensada pelo seu comportamento, recebendo o sinal em singelo, uma vez que tal comportamento à luz da Boa Fé e à aplicação analógica do artigo 275º, n.º 2 do Código Civil não pode conceder à Autora o direito a ser beneficiada.
22) A Autora funda a sua decisão em não contratar numa carta remetida pela CM..., que apenas e somente foi remetida por sua própria iniciativa e intervenção, pois caso a Autora não insistisse na necessidade dos condóminos aprovarem a piscina, o que se veio a verificar ser desnecessário, então a Autora não teria qualquer motivo para não contratar.
23) A prova inequívoca do comportamento desleal da Autora reside no facto de a mediadora imobiliária que negociou a venda ter devolvido à Autora a comissão de mediação que havia cobrado tendo a Autora sempre escondido que uma outra empresa da sua legal representante havia recebido comissão nesse negócio.
24) A legal representante da Autora era ao mesmo tempo, indirectamente, mediadora imobiliária no presente negócio de aquisição da fracção autónoma aqui em causa e directamente a adquirente do imóvel.
25) Não é um comportamento normal de um cidadão comum receber num negócio em que se é adquirente, uma comissão de mediação pela aquisição que se faz.
26) Também por esta via resulta evidente, ao invés do decidido pela Relação, que a Autora não é um cidadão comum.
27) Nas comunicações que a Autora remeteu à Ré em nenhum momento veio exigir a clarificação da questão da licença de utilização da piscina.
28) A culpa, independentemente de ser dolosa ou negligente, é objectivamente assacável à Autora e, consequentemente não tem direito a qualquer quantia, nem sequer ao recebimento do sinal em singelo uma vez que a Ré teve um comportamento correcto, transparente e leal.
29) Não caberia aqui a aplicação do artigo 570º do Código Civil.
30) O acórdão recorrido, ao decidir como decidiu, violou de forma ostensiva, as regras da apreciação e concatenação da prova, a que supra se aludiu, bem como o disposto nos 227º, n.º 1, 442º, 798º, 799º e 801º do Código Civil ao caso concreto, e analogicamente o artigo 275º, n.º 2 do Código Civil, bem como os artigo 6.º e 615 nº 1 al.c), ambos do CPC, pelo que deve o acórdão em crise ser julgado nulo ou pelo menos, ilegal por vício de violação de lei, impondo-se a revogação daquele e prolatada nova decisão que absolva integralmente a Ré do peticionado.
A A. apresentou contra-alegações, sustentando a improcedência da revista.
Foram os seguintes os Factos Apurados:
1. Por contrato promessa de compra e venda celebrado em 03.08.2018, a R. prometeu vender à A., e esta prometeu comprar-lhe, a fracção autónoma destinada a habitação, designada pela letra “D”, correspondente ao rés do chão de um edifício constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Urbanização ..., Lote 1, freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...24, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...00, relativamente ao qual foi emitido o Alvará de Licença de Utilização nº ...1, emitido em .../.../2001 pela Câmara Municipal ....
2. O preço convencionado para a prometida compra e venda foi de € 220.000,00, tendo sido no momento da celebração do referido contrato constituído sinal pela A., no valor de € 22.000,00, conforme constante da cláusula 3ª do contrato, e devendo a remanescente quantia ser paga aquando da celebração do Título de Compra e Venda, a qual deveria ter lugar na Conservatória do Registo Predial ..., até 30.09.2018.
3. Conforme previsto na cláusula 8ª do contrato, deveria a R. fornecer à A. ou à mediadora que intermediou a realização do negócio “…todas as informações necessárias à transferência da titularidade ou celebração dos contratos de fornecimento de água, luz e gás, a ficha técnica da habitação, se aplicável, bem como a licença de utilização da piscina e todos os demais documentos legalmente exigíveis”.
4. A mesma cláusula 8ª do contrato promessa contém igualmente um nº 2, o qual refere que “Na eventualidade de a licença de utilização da piscina não ser emitida até ao dia 30 de Setembro, ambas as partes acordam que será feito um aditamento ao contrato, prorrogando o prazo para a outorga da escritura”.
5. A 21.09.2018 a A. procedeu ao pagamento do IMT e do Imposto de Selo devidos pela transação.
6. A R. efetuou uma comunicação à CM..., em 02.03.2017, atinente à construção de uma piscina e casa de máquinas no prédio urbano.
7. Em 10.03.2017 foi remetido ofício pelo chefe de divisão da unidade Orgânica de administração urbanística, Ambiente e Serviços urbanos, com delegação de competências, Senhor Arquiteto BB, no qual eram dados a conhecer elementos em falta para a aprovação do projeto.
8. Em 03.05.2017 foi emitido pelos serviços da Câmara Municipal ... o título de comunicação prévia n.º 2/2017, referente ao processo de obras n.º ...17, relativo à comunicação da R.
9. Foi emitido pela Câmara Municipal ... o CC n.º 13/2018, de 10.08.2018, titulando a autorização de utilização da piscina e casa das máquinas, tendo o Despacho do Presidente da Câmara sido proferido em 06.08.2018.
10. No dia 16.08.2018, a R. fez chegar à mediadora a informação de que já tinha a licença de utilização da piscina.
11. Após a conclusão das obras de construção mencionadas, as mesmas foram fiscalizadas pelos serviços competentes da CM..., em 22.08.2018.
12. No dia 07.09.2018, foi agendada a outorga do título definitivo de compra e venda para o dia 21.09.2018, pela A.
13. No dia 17.09.2018, a R. recebeu email para se fazer acompanhar da licença de utilização original do imóvel para apresentar na escritura, bem como da licença de utilização da piscina para entregar aos compradores.
14. No dia 20.09.2018, às 11:34 horas, a R. recebeu um email da A., a informar que “a Conservatória onde se vai realizar a escritura está a pedir o averbamento da piscina no Registo bem como a alteração da morada, uma vez que tem a certidão toponímica a indicar que houve uma alteração de morada. Se este averbamento não for possível corremos o risco de não conseguir escriturar amanhã”.
15. No mesmo dia 20.09.2018, às 20:47 horas, a R. recebeu um email da A., com o seguinte teor: “Tal como informei por telefone a escritura agendada para amanhã 21 de setembro pelas 10 horas não se irá realizar por falta do averbamento da piscina no registo. Os clientes compradores irão aguardar que se proceda às diligências necessárias para efetivar o respetivo averbamento”.
16. A R. solicitou o averbamento à descrição da referida piscina, através da Ap. ...79, de 2018/09/26.
17. E comunicou à A. quando efetivou tal alteração ao registo, em 01.10.2018, solicitando que se faltasse algum documento a informassem.
18. A 04.10.2018 a R. dirigiu à CM... pedido de retificação da localização da piscina e anexo.
19. Em 11.10.2018 a Câmara Municipal ... dirigiu à R. o Ofício nº ...48, no qual refere que “Na sequência de uma reunião tida com um representante da agência imobiliária que está a promover a venda do imóvel, fomos levados a constatar que a construção da piscina, alvo de comunicação prévia remetida por V. Exa, não foi instruída com autorização expressa dos restantes condóminos, por se tratar de uma fração autónoma em regime de propriedade horizontal, carecendo igualmente dessa autorização para a alteração da propriedade horizontal respetiva que deverá ser requerida no seguimento do procedimento.
Assim, face ao exposto e de conformidade com o Despacho do Senhor Presidente da Câmara datado de 2018/10/02, notifico V. Exa para no prazo de 60 (sessenta dias) apresentar a mencionada autorização…”.
19.-A Em carta datada de 15.10.2018, enviada pela R. à A., aquela comunicou a esta que “Rececionamos, por via do Mediador imobiliário, as alterações efetuadas no Registo Predial do prédio e da fração autónoma letra “D”, junto da Conservatória do Registo Predial ..., no entanto, existe discrepância na documentação apresentada, que tem a ver com o Alvará de Autorização de Utilização nº ...18 (da Piscina e casa das máquinas) que está concedida ao lote 1 da Urbanização ... em ... e não à fracção alvo de aquisição.
O Lote 1 desta urbanização é constituído por 8 fracções, de A a H, e o que nos foi apresentado em venda foi a fracção autónoma letra “D” que para além da descrição que a compõem tem uma piscina para uso privativo, ora o Alvará de Autorização apresentado não tem essa especificidade da fracção.
Assim sendo, pedimos que junto das entidades sejam efetuadas as alterações e averbamento competente à descrição da propriedade horizontal da fracção autónoma em aquisição e a remissão do Alvará de Autorização de Utilização da piscina e casa das máquinas sito na fracção autónoma letra D”, do lote 1 da Urbanização ... em ..., da freguesia ..., concelho ....
Ficamos a aguardar que as correções sejam breves, pois é imperativo que a documentação esteja em conformidade, para que possamos realizar a prometida escritura de compra e venda”.
20. A 18.10.2018 a CM... deferiu o pedido da R. “de retificação da localização da piscina e anexo”, de forma a que passasse a constar “Urbanização ..., lote 1, fração D em ...”.
20.-A DD, do departamento processual da ERA de ..., enviou um email à R., a 29.10.2018, de onde consta, designadamente, o seguinte:
“Informo que a cliente compradora nos comunicou que tem nova reunião marcada com o Sr. Arquiteto BB na Câmara Municipal ..., no dia 6 de Novembro pelas 10.30 horas para tirar todas as dúvidas que possa ter em relação à situação da piscina.
Na perspetiva de que tudo esteja correto a compradora já informou o Banco para proceder à marcação da escritura em Casa Pronta em ....”
21. Na sequência de solicitação telefónica da A., a R. remeteu-lhe o modelo 1 de IMI, através de comunicação eletrónica datada de 29.10.2018.
22. A 31.10.2018 a R. remeteu um email à A. com o seguinte teor: “sou a marcar definitivamente a escritura de compra e venda do imóvel em questão, para o dia 12 de Novembro de 2018, pelas 11h (…) A não comparência na mesma implica a perda de sinal”.
22.-A Em email enviado pela ERA de ... à R., na data de 06.11.2018, escreveu aquela que “Vimos pelo presente informar que acompanhámos hoje o cliente comprador à reunião com a Câmara Municipal .... No decorrer da mesma os serviços técnicos informaram que tinham enviado a carta anexa a V. Exa. e que aguardavam a resposta à mesma. Em face da mesma efetuar uma acusação grave à nossa empresa, manifestámos desde logo que a mesma não correspondia à verdade em razão de nós nunca termos abordado a autarquia sobre esta matéria. Na mesma hora o cliente comprador confirmou que efetivamente quem tinha levantado a questão pessoalmente foram eles e que certamente seria uma confusão. Em todo o caso, queremos aqui reiterar que em tempo algum efetuámos qualquer abordagem nesse sentido, até porque sempre partimos do princípio de que os serviços técnicos teriam analisado e despachado em conformidade com a análise devida.
Independentemente desta questão, o cliente comprador terminou a reunião informando que pretendi saber da parte de V. Exas. se consideravam existir tempo para até à data da escritura em 12 de Novembro de 2018 terem o processo concluído em conformidade com a solicitação da CM....”
23. A 08.11.2018 a R. apresentou a sua resposta à comunicação da CM... datada de 11.10.2018, da qual deu conhecimento à A., e onde consta que em nenhum momento foi solicitada pela Câmara Municipal qualquer autorização do condomínio do edifício para a construção da piscina; que a fração D possui um logradouro privado, com a área de 126,70m2, como resulta da análise do título constitutivo da propriedade horizontal com a planta das partes comuns, aprovada pela Câmara Municipal ...; que a inovação levada a cabo no logradouro de fração autónoma não está sujeita à autorização dos condóminos; que a Câmara Municipal está a ingerir-se numa questão de direito civil e privada entre os condóminos; que requereu um parecer a uma jurista, Dra. EE, especialista em direito urbanístico, que confirma que não assiste à Câmara a faculdade legal de reabrir o procedimento. Conclui, pedindo que se arquive, anule e dê sem efeito o despacho proferido.
24. A escritura esteve agendada para os dias 06.11.2018 e 12.11.2018, na Conservatória do Registo Predial ....
25. O Título de Compra e Venda não foi celebrado naquela referida data de 12.11.2018, tendo sido consignado pelo Senhor Conservador Auxiliar, em substituição, FF, “Que, para tanto, apresentaram a necessária documentação, nesta Conservatória e agendaram atempadamente para a data de hoje, pelas onze horas, o Procedimento Casa Pronta a que coube o nº 49063/2018.
Que o dito Procedimento Casa Pronta não foi realizado, pela circunstância de não se ter verificado consenso entre ambas as partes quanto à validade definitiva da licença de utilização respeitante a uma piscina construída na fração”.
26. A 13.11.2018 a A. enviou à R. a carta registada com aviso de recepção, que a mesma recebeu a 15.11.2018, onde se comunica o seguinte: “…vimos comunicar a V. Exa, para os efeitos designadamente do disposto no art. 808º do C. Civil, que a celebração da compra e venda, mediante o indicado título ou escritura, só poderá ter lugar desde que nos seja garantida a validade definitiva da referida licença, ou seja, desde que sejam observadas as exigências mencionadas no Ofício da Câmara Municipal ..., nº 13548, enviado a V. Exa com a data de 11.10.2018.
Atendendo a que esta situação se veio a arrastar e que não foi regularizada, vimos pela presente, conceder um prazo suplementar de mais 30 dias, o qual terminará em 12 de Dezembro próximo.
Caso nessa data não possa ainda por esta razão, ou por outra, ser celebrado o contrato de compra e venda, a nossa constituinte considerará o contrato definitivamente incumprido, com as legais consequências, que neste caso, serão a obrigação de devolução do sinal em dobro…”.
26.-A A 16.11.2018, o Senhor Conservador Auxiliar, em substituição, FF, dirigiu uma comunicação à R., relativa ao “Assunto: Resposta a Reclamação”, na qual consignou o seguinte:
“Atenta a reclamação apresentada por V. Ex.ª no dia 12 de novembro de 2018, cumpre-me informá-la do seguinte:
Nesse dia estava agendado para as 11h um Processo Casa Pronta para transmissão por V. Ex.ª à sociedade Reivax, Lda da fracção D do prédio descrito sob o nº ...24 da freguesia ..., concelho ..., que, de seguida, iria ser dado em garantia de um contrato de Mútuo celebrado por documento particular entre o Banco 1..., S.A. e a sociedade Reivax, Lda.
O processo tinha sido inicialmente agendado para 21 de Setembro de 2018, a solicitação do Banco 1..., S.A..
A pedido do Banco 1..., S.A. por intermédio da sua representante Dra. GG, foi o Procedimento adiado para dia 6 de novembro e ainda e mais uma vez para 12 de novembro.
Durante o período que mediou entre a primeira marcação e o dia da reclamação compareceu nesta Conservatória a sócia da sociedade compradora Dª HH que informou ser condição para a formalização da Compra e Venda a menção no Título Casa Pronta da existência de uma piscina construída pela actual proprietária na fracção D.
Foi explicado à mesma que nos Títulos Casa Pronta os prédios são identificados em conformidade com a informação constante na descrição predial, pelo que, não constando desta a existência da piscina deveria a titular inscrita do imóvel requerer a sua actualização nesse sentido.
Decorrido algum tempo, voltou aquela Sra. a esta Conservatória para informar que não se previa ainda uma data definitiva para a conclusão do Procedimento Casa Pronta de Compra e Venda, dado a parte vendedor se ter dirigido à Conservatória do Registo Predial ... para requerer a actualização da descrição predial e ter sido informada que tal averbamento teria que depender da alteração da Propriedade Horizontal; informou ainda que a parte vendedora iria tratar da situação e que logo que possível se reagendaria o Procedimento Casa Pronta.
Mais tarde, veio o Banco 1..., S.A. pedir o reagendamento do Procedimento para 12 de novembro por já constar da descrição da fração autónoma a existência da piscina. Por consulta do prédio no SIRP, verificou-se que, efectivamente, a descrição já incluía a piscina e tinha anotada a respectiva licença de utilização, por averbamento e anotação realizados na ... CRP ... em 25 de outubro de 2018.
Foi todo o Procedimento preparado com vista à sua conclusão no dia 12 de novembro, tendo comparecido ambas as partes, bem como os agentes imobiliários, um funcionário do Banco 2..., S.A. (para entregar em mão a autorização de cancelamento da hipoteca incidente sobre o imóvel), a advogada da parte compradora e a representante do Banco 1..., S.A.
Depois de acederem à sala de atos, todos os presentes permaneceram a seu pedido em conversações, por mais de meia hora. Ato contínuo, a parte compradora comunicou-nos que a conclusão do ato dependia de certas diligências ainda a efetuar pela parte vendedora, relativamente à construção da piscina, nomeadamente, junto da Câmara Municipal que a havia notificado para o efeito.
V. Ex.ª estava em linha com o seu advogado, através do telemóvel, e, a certa altura pediu à funcionária que, via telemóvel, explicasse ao Sr. Advogado o que se estava a passar e porque razão a Compra e venda não se iria realizar.
Perante todos os presentes, a funcionária referiu que não competia à Conservatória interferir au dirimir divergências entre as partes e que esperava que nos informassem, tão somente, se mantinham interesse na conclusão da Compra e Venda ou se pretendiam desistir do procedimento.
A parte compradora confirmou que, dadas as circunstâncias, não pretendia avançar com o Procedimento.
Por esse facto, foi solicitada por V. Ex.ª uma “declaração de presença” para confirmar que esteve presente e que a Casa Pronta não se realizou. Foi-lhe pedido pela funcionária que esclarecesse se o que pretendia era uma mera "declaração de presença" ou um certificado de não realização do Procedimento, tendo-lhe explicado a diferença entre um e outro e os respectivos custos emolumentares, referindo ainda que o Certificado teria que ser elaborado, e, confirmado pelo Sr. Conservador. Não existia nenhum motivo legal que impedisse a realização do procedimento.
No entanto, atenta a decisão da parte compradora de desistir do processo foi, logo que possível ao signatário, cobrado àquela o emolumento correspondente à desistência e emitido, a pedido da parte vendedora e a ela cobrado, certificado relativo a procedimento não concluído por motivo imputável às partes.
Esclareço ainda que V. Ex.ª não pagou o emolumento correspondente à desistência mas sim o emolumento correspondente aa certificado por si solicitado.”
26.-B O Jurista da Câmara Municipal ... emitiu parecer, a 06.12.2018, no qual sustentou que a piscina obrigou a uma obra no solo e o solo é parte comum do edifício, de acordo com a al. a) do nº 1 do art. 1421º do CC, a que acresce a circunstância de que a linha arquitetónica e o arranjo estético do edifício foram alterados por ter sido colocada uma piscina no terreno, ainda que de uso privativo da fração, pelo que é necessária a autorização dos restantes proprietários, atento o disposto no nº 3 do art. 1422º do CC.
O parecer mereceu despacho de concordância a 12.12.2018.
27. A R. respondeu através de carta datada de 12.12.2018, onde refere que:
“Na última missiva que lhes dirigi em Outubro de 2018 adverti V. Ex.ªs na eventualidade de os Senhores, em nome da V/representada se recusarem a cumprir a data de realização da escritura definitiva de aquisição da fracção D, que estava prometida vender, que consideraria que existia desistência do negócio da V/parte, e faria meu o sinal já entregue
Por acordo mútuo entre as partes envolvidas, ficou agendada para o dia 12 de Novembro de 2018 a escritura.
No referido dia compareci na hora e local combinado para a realização da escritura, não tendo a mesma sido realizada por decisão do legal representante de V. Ex.ªs. Tudo isto ficou lavrado através de documento, não existindo qualquer impedimento legal à realização da escritura
Acresce ainda que, e de acordo com a comunicação efectuada pela C.M. ..., foram V. Ex.ªs quem colocou em causa a necessidade de autorização do condomínio, para a emissão de licença de utilização, e ainda por cima tendo conhecimento de que a mesma já se encontrava emitida.
Ou seja, quem criou o facto irreal e incorrecto, como tentativa de justificação para o incumprimento, foram os Senhores.
Assim, e face ao exposto, e como os havia advertido várias vezes, fiz meu o sinal por vós entregue, o qual não deve ser suficiente para pagar todas as despesas que terei com o problema criado por V. Ex.ªs”.
28. A esta missiva respondeu a A. em 14.12.2018, afirmando nomeadamente que: “…Na nossa anterior comunicação, foi fixado um novo prazo, com data limite no próximo dia 11 de Janeiro, para que V. Exa regularizasse a situação perante a Câmara Municipal ..., por forma a que a nossa constituinte não viesse a correr o risco de a licença a atribuir não ser definitiva ou seja, desde que fossem observadas as exigências mencionadas no Ofício da Câmara Municipal ..., nº 13548, enviado a V. Exa com a data de 11.10.2018, o que é da V. inteira responsabilidade assegurar e comprovar à nossa constituinte.
Não existe qualquer “criação de facto irreal e incorreto como tentativa de justificar qualquer incumprimento”, insinuação que de todo repudiamos.
O que se verifica sim, é que, V. Exa ignorou completamente o aviso que lhe foi feito admonitoriamente na nossa anterior missiva e perante isso vem agora, A Sra. sim, imputar as culpas à nossa constituinte, para o V. incumprimento.
Nesta conformidade, vimos reiterar o afirmado na nossa anterior comunicação e deixar aqui bem claro que, não sendo cumprido o prazo para a celebração da escritura notarial, será a nossa constituinte sim, quem irá instaurar ação judicial para declaração de incumprimento contratual culposo e pedido de devolução de sinal em dobro, atento o facto de V. Exa não ter nenhuma razão justificativa para reter o sinal à nossa constituinte, que não incorre de todo, em situação de incumprimento”.
29. A R., uma vez obtida a retificação do Alvará, pretendia celebrar o contrato prometido rapidamente e pressionava nesse sentido (16º p.i.).
30. A A. assumiu como fundamental para si e para a sua decisão de compra, a aquisição da fracção, com a piscina na mesma construída, sem o que não teria interesse na realização do negócio, facto que foi conhecido da R. desde o primeiro momento (27º p.i.).
31. A CM... não respondeu ao email da R. e o seu mandatário, em 11.10.2018, deslocou-se aos serviços camarários, com vista à resolução de tal questão (46º cont.).
32. E verificou que existe no referido processo uma comunicação da CM..., dirigida à R., na qual é mencionada a presença da mediadora imobiliária a alertar a CM... para o facto de não ter sido apresentada a autorização do condomínio para a construção da piscina na fração (47º cont.).
33. A R. jamais havia sido notificada de tal comunicação (48º cont.).
34. A referida comunicação já era do conhecimento da A., apesar de ainda não ter sido enviada à R. (49º cont.).
35. A A. sabia que tinha sido pela sua intervenção e presença em reunião que a CM... veio a remeter a notificação aludida em 19. (193º cont.).
36. Foi comunicada à A. a resposta e parecer jurídico da Dr.ª EE, remetido à CM... (195º cont.).
37. Em escritura pública datada de 20.12.2019, a R. procedeu à venda da fração D (8º articulado superveniente).
38. A mediadora imobiliária que negociou a venda da fração D devolveu à R. a comissão que lhe havia cobrado (16º articulado superveniente).
39. Na escritura de “Constituição de Propriedade Horizontal e Compras e Vendas”, celebrada em 03.01.2002, e respetivo documento complementar, relativos ao prédio aludido em 1., ficou a constar que este prédio é composto de rés-do-chão e 1º andar, correspondendo a fração A ao rés-do-chão do lado sul, a fração B ao rés-do-chão, segunda a contar do lado sul, a fração C ao rés-do-chão, terceira a contar do lado sul, a fração D ao rés-do-chão do lado norte, a fração E ao 1º andar do lado sul, a fração F ao 1º andar, segunda a contar do lado sul, a fração G ao 1º andar, terceira a contar do lado sul, e a fração H ao 1º andar do lado norte.
40. Mais ficou a constar, no mesmo documento complementar, com respeito à fração D, que a mesma é destinada à habitação e composta por hall, cozinha, arrumos, sala comum, uma instalação sanitária, alpendre, garagem no r/chão com acesso direto à fração e logradouro com a área de 126,70m2.
41. E que a fração A é composta, designadamente, de logradouro com a área de 148,50m2; a fração B é composta, designadamente, de logradouro com a área de 25,30m2 e ainda o uso exclusivo de um lugar de estacionamento com 15m2 no logradouro comum no lado sul; a fração C é composta, designadamente, de logradouro com a área de 25,30m2 e ainda o uso exclusivo de um lugar de estacionamento com 15m2 no logradouro comum no lado norte; a fração E tem ainda o uso exclusivo de um lugar de estacionamento com 15m2 no logradouro comum, o segundo a contar do lado sul; a fração F tem ainda o uso exclusivo de um lugar de estacionamento com 15m2 no logradouro comum do lado norte, o quarto a contar do lado nascente; a fração G tem ainda o uso exclusivo de um lugar de estacionamento com 15m2 no logradouro comum do lado norte, o terceiro a contar do lado nascente.
42. Ficou ainda a constar, no mesmo documento complementar, que “são partes comuns do edifício, o terreno de implantação, logradouro, fundações, estrutura, rede de águas, rede de esgotos, cobertura e outros que a lei de propriedade horizontal considere como tal”.
43. O logradouro da fração D encontra-se vedado, tendo a piscina sido aí enterrada, e a casa das máquinas mostra-se assente sobre o solo, encostada ao muro e à vedação, mas possui uma altura inferior à da vedação.
44. Foi consignado na acta da reunião da assembleia de condóminos do imóvel onde se integra a fracção D, realizada no dia 28.04.2019, que “em relação à piscina construída no logradouro privativo da fração D nada terá de ser deliberado, uma vez que a referida construção só teria de ser aprovada se fosse feita em parte comum.”
Factos Não Provados
a) Não era do interesse da A. realizar o negócio com a R., e os sucessivos problemas que foi levantando para a realização da escritura definitiva mais não são do que tentativas de colocar a R. em incumprimento (50º a 51º cont.).
b) Esta foi uma situação criada pela A., coadjuvada pela mediadora imobiliária, com vista a receber o dobro do sinal (171º a 174º cont.).
c) A A. sempre soube das intenções da CM... e do teor da referida comunicação e nunca solicitou à R. a autorização dos demais condóminos, até compreender que já não tinha como impedir a realização do negócio (200º a 201º cont.).
d) Escondendo estes factos e documentos deste Tribunal, com o intuito de ser beneficiada com tal ocultação (202º a 203º cont.).
Conhecendo:
Para que se verifique esta oposição entre os fundamentos e a decisão, é necessário que a fundamentação aponte num sentido e a decisão siga caminho oposto – Antunes Varela, José Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 1ªed., §222. Trata-se portanto de uma contradição entre a decisão e os fundamentos, algo que não ocorre quando, pura e simplesmente, se desconsideraram determinados factos apurados, que apontariam para uma decisão diversa por parte do tribunal.
Todavia, aquilo que a Recorrente impugna é, apenas, a fundamentação apresentada ou o juízo fundamentador (mesmo que omitindo a apreciação de factos estabelecidos), que não a sua lógica ou coerência interna que, só essa, determinaria a ocorrência da citada nulidade.
Improcede, pois, a nulidade invocada.
Importa recordá-los e, do mesmo modo, efectuar alguma reflexão sobre o substancial dos factos apurados.
Vejamos, em termos factuais:
As partes acordaram na celebração da escritura pública de compra e venda de determinada fracção predial até ao dia 30.09.2018, clausulando ao mesmo tempo que, “antes da assinatura do título de compra e venda, deverá o primeiro outorgante entregar ao segundo outorgante, ou à mediadora, todas as informações necessárias à transferência de titularidade ou celebração dos contratos de fornecimento de água, luz, gás, a ficha técnica da habitação, se aplicável, bem como a licença de utilização da piscina e todos os demais documentos legalmente exigíveis”.
Mais consignaram desde logo que, na eventualidade de nessa data a licença de utilização da piscina ainda não estar emitida, seria feito um aditamento a prorrogar o prazo para a outorga da escritura.
A prestação a cargo da Ré, promitente vendedora, incluía assim a demonstração, perante a Autora, do licenciamento da piscina, em aplicação das normas urbanísticas no caso ponderáveis.
Ora, em 30.09.2018, encontrava-se emitido o título de comunicação prévia relativo às obras de construção da piscina, bem como o respetivo alvará de autorização de utilização; o título de comunicação prévia, apenas mencionava, porém, um número de lote – “1”, sem indicar a fracção (“D”); a rectificação foi solicitada em 4.10 e deferida a 18.10.2018. Foi averbada ao registo predial, a 25.10.2018, a autorização de utilização da piscina.
Em 11.10.2018, a Câmara Municipal ... havia interpelado a R. para juntar ao procedimento de comunicação prévia autorização expressa dos demais condóminos relativamente à construção da piscina, no prazo de 60 dias, tendo a Ré impugnado tal interpelação junto da Câmara Municipal.
A escritura veio a ser agendada para 12.11.2018, mas não se realizou, apesar de ambas as partes terem comparecido no Cartório Notarial e de terem sido apresentados todos os documentos necessários para o efeito, de acordo com o Cartório Notarial, pela circunstância das partes não terem alcançado consenso sobre a validade definitiva da licença de utilização respeitante à piscina.
Em 13.11.2018, a A. concedeu à R. uma prorrogação adicional de 30 dias, até 12.12.2018, para que esta providenciasse a aludida autorização dos condóminos, sob pena de considerar o contrato definitivamente incumprido, com as legais consequências, em concreto a obrigação de devolução do sinal em dobro.
A R. respondeu em 12.12.2018, considerando o sinal perdido, na sequência de comunicação sua anterior, onde advertia para essa consequência, caso a A. não outorgasse a escritura na data prevista, e a A. reiterou também a sua posição, em nova missiva datada de 14.12.2018, onde aludiu a novo prazo concedido à R., até 11.01.2019, para obter a autorização dos condóminos.
A aludida autorização não foi apresentada à A. e a escritura não se realizou.
Portanto, pôde ainda acentuar-se, conclusivamente:
- foi emitida autorização de utilização da piscina e, quer esta, quer a respetiva autorização, foram descritas no registo predial;
- decorre da informação do Cartório Notarial que a escritura só não foi celebrada pela desistência da A., com fundamento no seu entendimento de ser necessária a autorização dos demais condóminos, acrescendo a notificação efectuada pela Câmara Municipal ... à R. nesse sentido;
- defendeu a Ré que a autorização dos condóminos não constitui um requisito urbanístico, antes se situando no âmbito do direito privado, estando vedada à Câmara a sua sindicância; na situação dos autos, não se mostrava necessária a autorização dos condóminos.
Dispõe o art. 4º nºs 1 e 4 al. e) do Decreto-Lei nº 555/99, de 16.12, que aprovou o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), na redacção do Decreto-Lei nº 136/2014, de 09.09, que o procedimento de comunicação prévia tem lugar quando esteja em causa “a edificação de piscinas associadas a edificação principal”.
Nos termos do nº 2 do art. 34º do RJUE, “a comunicação prévia consiste numa declaração que, desde que correctamente instruída, permite ao interessado proceder imediatamente à realização de determinadas operações urbanísticas após o pagamento das taxas devidas, dispensando a prática de quaisquer actos permissivos”.
Todavia, na eventualidade de se constatar, em sede de fiscalização sucessiva, que não foram cumpridas as normas legais ou regulamentares aplicáveis, não foram obtidos pareceres, autorizações ou aprovações legalmente exigidos, ou o título de comunicação prévia não se conformou com os mesmos, assiste ao Presidente da Câmara a faculdade de proceder à cassação do título de comunicação prévia (art. 79º nº 1 al. b) do RJUE e Fernanda Paula Oliveira, A nova configuração das comunicações prévias introduzida pelo Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9.9, pg.7, nota 8, disponível na internet).[1]
Esta Autora sublinha que “o que decorre do n.º 8 do artigo 35.º do RJUE é que o controlo do cumprimento destas exigências formais e materiais é efetuada em sede de fiscalização sucessiva (e não, portanto, na fase de saneamento), dando lugar eventualmente à aplicação de medidas de reposição da legalidade.”
A comunicação dos autos, efectuada pela entidade licenciadora (Câmara Municipal), após a emissão do título da comunicação prévia e da autorização de utilização, a fim de a Ré demonstrar a autorização dos condóminos para a construção da piscina, teve assim lugar no âmbito dessa fiscalização sucessiva.
Concluiu-se então na sentença, corroborada pelo acórdão recorrido, que “não assistia à Câmara a faculdade de questionar, no procedimento de comunicação prévia, a eventual necessidade de autorização dos condóminos, por relevar do direito privado e não do direito público do urbanismo, entendimento aplicável em sede de fiscalização sucessiva”.
E ainda: “a notificação em causa não contém qualquer cominação, isto é, não estabelece uma consequência para a falta de cumprimento da mesma, limitando-se a aludir a uma irregularidade”, pelo que se entendeu não ser a mesma susceptível de reacção.
“Na última data agendada para a escritura, 12.12.2018, estavam presentes as partes, os impostos associados à transmissão mostravam-se pagos e na perspetiva do Cartório Notarial encontravam-se reunidas todas as condições legais para fazer a escritura, pelo que esta só não se concretizou por recusa da A. em outorgá-la.”
“Sublinhe-se que a R. vendeu o imóvel em 2019, o que corrobora esta ideia de que nada obstava, do ponto de vista legal, à realização da escritura.”
“Ora, a recusa da A. alicerçou-se no facto de pretender garantir a “validade definitiva” da licença, atenta a posição assumida pela Câmara Municipal a este respeito, ou seja, para a A., a falta de cumprimento, pela R., da solicitação da Câmara Municipal, permitiria à Câmara Municipal revogar a autorização de utilização da piscina, assim frustrando as expectativas da A.”
“Porém, concluímos acima que não assiste à Câmara Municipal a faculdade de sindicar a eventual violação de normas de direito privado, e na verdade nada aconteceu até hoje, pese embora esta notificação tenha sido efetuada há quatro anos e nunca tenha sido apresentada a referida autorização, que os condóminos, aliás, consideram desnecessária, conforme exararam em acta de assembleia geral.”
“Por outro lado, a R. havia notificado a A. de que caso recusasse a celebração da escritura na data agendada, consideraria que esta tinha desistido do negócio e faria seu o sinal prestado, tendo efetuado nova comunicação à A., a 13.11.2018, na qual declara que fez seu o sinal prestado pela A., atenta a sua recusa em concretizar a venda.”
“Considerando, assim, que a única razão para a A. recusar a celebração da escritura é infundada, cumpre julgar ilegítima a recusa da A. e por isso definitivamente incumprido o contrato por parte da A.”
Daqui decorria, para a sentença, não assistir à A. o direito a receber o sinal em dobro, nem mesmo em singelo, antes decorrendo do aludido incumprimento a perda do sinal prestado.
Estava dispensada a autorização do condomínio exigida pela Câmara Municipal, como acrescentou o acórdão.
Todavia, a Câmara emissora da licença notificou posteriormente a Ré para instruir a comunicação prévia com a autorização dos condóminos relativamente à construção da piscina.
Fê-lo num quadro de fiscalização sucessiva da operação urbanística.
Vejamos: como decorre de 8 e 9 dos factos provados, a Câmara Municipal emitiu um alvará de autorização de utilização da piscina; fê-lo após emitir um “título de comunicação prévia”, suscitado pela Ré.
A comunicação prévia decorria do disposto no art.º 4.º nº1 do RJUE (Regime Jurídico da Urbanização e Edificação - D.L. n.º ...9, de 16/12), na redacção vigente à data dos factos dos autos, resultante do D.-L. n.º 136/2014, de 9/9 – “A realização de operações urbanísticas depende de licença, comunicação prévia com prazo, adiante designada abreviadamente por comunicação prévia ou comunicação, ou autorização de utilização, nos termos e com as exceções constantes da presente secção”.
A edificação de piscinas associadas a edificação principal está sujeita a comunicação prévia – art.º 4.º n.º4 al.e) do RJUE.
Regulando a realização das operações urbanísticas referidas no dito n.º 4 do art.º 4.º, o n.º2 do art.º 34.º do RJUE estipula que “a comunicação prévia consiste numa declaração que, desde que corretamente instruída, permite ao interessado proceder imediatamente à realização de determinadas operações urbanísticas, após o pagamento das taxas devidas, dispensando a prática de quaisquer actos permissivos”.
Portanto, como atrás sublinhámos, e como decorre de 8 e 9 dos factos provados, a Câmara Municipal emitiu um alvará de autorização de utilização da piscina; fê-lo após emitir um “título de comunicação prévia”, suscitado pela Ré.
O art.º 35.º do RJUE, que regula o “regime da comunicação prévia”, estabelece todavia, no seu n.º 8:
“8 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, a câmara municipal deve, em sede de fiscalização sucessiva, inviabilizar a execução das operações urbanísticas objeto de comunicação prévia e promover as medidas necessárias à reposição da legalidade urbanística, quando verifique que não foram cumpridas as normas e condicionantes legais e regulamentares, ou que estas não tenham sido precedidas de pronúncia, obrigatória nos termos da lei, das entidades externas competentes, ou que com ela não se conformem.”
O controlo das operações urbanísticas deve assim ocorrer em fiscalização sucessiva.
Como se exprime Fernanda Paula Oliveira (Os Licenciamentos Urbanísticos – Uma Breve Visão Sobre o Direito Português, U.S.P., 2020, disponível na internet), nos termos do n.º 2 do art.º 34.º, o interessado comunica à câmara municipal que vai realizar a obra, instruindo-a com todos estes elementos necessários para a identificação da operação e a sua localização: todos os projetos (de arquitetura e de especialidade, estes acompanhados das certificações aprovações e certificações legalmente exigidos ou termo de responsabilidade de que serão obtidas) e demais elementos regulamentarmente exigidos.
“Segue-se uma fase de saneamento administrativo, para verificar se todos esses elementos estão no processo (e que são imprescindíveis para que o controlo sucessivo que a Administração terá de efetuar), findo o qual o interessado pode pagar as taxas (por autoliquidação) e iniciar a obra.”
“O dever de apreciação do cumprimento das normas legais ou regulamentares em vigor continua a existir, apenas o particular não tem de esperar por aquela apreciação (e decisão) para iniciar e executar a operação, ou seja, não necessita para o efeito de “quaisquer atos permissivos”.
“A comunicação prévia corresponde verdadeiramente, a uma isenção de controlo prévio (cfr. n.º 3 do artigo 58.º da Lei de Bases de 2014), remetendo, por isso, as referidas operações para um controlo sucessivo.”
“Nos casos em que, da apreciação feita, a Administração conclua que a pretensão apresenta desconformidades com as normas legais ou regulamentares aplicáveis ou não foi precedida das consultas obrigatórias ou está em desconformidade com pronúncias vinculativas, a lei determina que a câmara municipal reaja, impedindo a execução daquela pretensão “em sede de fiscalização sucessiva”.
“(…) Não está a entidade administrativa impedida (está até obrigada a fazê-lo por força dos princípios da cooperação e da boa-fé procedimental previstos no artigo 60.º do CPA) de apreciar o projeto – informalmente claro no sentido de que não há uma fase própria para que tal aconteça como existe no licenciamento, assim que ele lhe é apresentado através da comunicação prévia e de informar de imediato os interessados dessas desconformidades bem como das consequências que daí advirão, caso tais desconformidades não sejam entretanto corrigidas: o desencadeamento das medidas previstas no n.º 8 do artigo 35.º (a mais adequada a impedir que a obra seja levada a cabo é o seu embargo imediato).”
“(…) Assim, e em suma, sendo apresentada uma comunicação prévia à Administração – a qual permite que o interessado realize imediatamente a operação urbanística sem dependência de quaisquer atos permissivos municipais, desde que tenha pago as taxas, deve ser feita, de imediato, pelos serviços municipais, uma apreciação técnica do projeto e, detectadas desconformidades com as normas legais e regulamentares, devem também de imediato ser desencadeadas todas as medidas necessárias para evitar que a operação se concretize (execute), sem prejuízo de, de forma preventiva e antecipada, se informar o interessado dessas desconformidades bem como do desencadeamento das medidas de reposição da legalidade adequadas a impedir a execução da operação, caso ele as não corrija entretanto.”
O art.º 1425.º dispõe que:
1. As obras que constituam inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo esta maioria representar dois terços do valor total do prédio.
2. Nas partes comuns do edifício não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de alguns condóminos, tanto das coisas próprias, como das comuns.
O n.º2 é explícito no sentido da aplicabilidade apenas “às partes comuns do edifício”, ficando apenas a dúvida sobre se o n.º1 alcança as obras feitas nas fracções autónomas.
Como se mencionou no Ac.S.T.J. de 17/2/2011, p.º 881/09.2TVLSB.L1.S1, rel. João Bernardo, se o início do n.º2 parece apontar para a resposta afirmativa quanto às inovações nas fracções autónomas, pois que, numa primeira análise, a preocupação na alusão às partes comuns do edifício podia ser interpretada como restritiva relativamente a uma realidade que seria mais vasta e que, por isso, abrangeria as fracções autónomas, o art.º 1426.º, ao determinar que as “despesas com as inovações ficam a cargo dos condóminos nos termos fixados pelo artigo 1424.º”, é categórico, impondo a interpretação consistente em considerar o n.º1 daquele artigo 1425.º também reportado apenas às inovações que não se situam nas fracções autónomas”.
Seguiu-se, no acórdão citado, o entendimento maioritário da doutrina (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2.ª ed. III, pg. 433, Henrique Mesquita, A Propriedade Horizontal no Código Civil Português, RDES XXIII, pg. 139, nota 3, Rodrigues Pardal e Dias da Fonseca, Da Propriedade Horizontal, 6.ª ed., pg. 254 e Aragão Seia, Propriedade Horizontal, pg. 97).
Se a obra foi levada a cabo pela Ré em fracção autónoma, vale antes o art. 1422.º do CCiv, no sentido de que:
1. Os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às fracções que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis.
2. É especialmente vedado aos condóminos:
a) Prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício;
(…)
3. As obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio.
Mas a causa do incumprimento mostra-se indispensável ao desencadeamento dos respectivos efeitos.
O art.º 798.º do CCiv estabelece que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação se torna responsável pelo prejuízo que causa ao credor, sendo que a culpa, na responsabilidade contratual, é de presumir – art.º 799.º C.Civ.
Para que se possa formular um juízo sobre a culpa do devedor, mister se torna concluir, dos factos apurados, a quem será de imputar, em função da normalidade da vida ou até do comportamento do bom pai de família – art.º 487.º n.º2 do CCiv – a violação do contrato.
Também o art.º 762.º n.º2 do CCiv manda que credor e devedor, no âmbito das situações jurídicas respectivas, procedam de boa fé, conceito legal que abrange quer a complexidade intra-obrigacional, quer a violação positiva do contrato (assim, Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, I/pg. 586 e 606ss.).
Cumpre assim verificar, em face do concreto compromisso assumido, a responsabilidade no incumprimento do contrato promessa.
A licença de utilização constava do alvará de 10/8/2018, de que foi dado conhecimento à Autora – todavia, o procedimento de comunicação prévia decorrera mais de um ano antes da emissão do alvará (cf. factos 6 e 7).
A escritura foi agendada para 12/11/2018, mas não se realizou “por não se ter verificado consenso entre as partes quanto à validade definitiva da licença de utilização respeitante a uma piscina construída na fracção” (facto 25).
O licenciamento da piscina se, em função da comunicação prévia da Ré, foi comprovado junto da Autora, não menos certo é que implicou a notificação da Ré (promitente vendedora), pela Câmara Municipal, em sede de fiscalização sucessiva, para apresentar autorização expressa dos restantes condóminos para a construção da piscina no “logradouro”.
Desconhece-se a sequência da notificação, designadamente se conduziu a embargo da obra ou à cassação da licença, e o condomínio expressou-se em assembleia, mas já consumado o incumprimento da promessa dos autos,
A notificação pressupunha a necessidade de determinada posição a expressar pelos condóminos, no quadro do conflito figurado, posição essa que era desconhecida na data fixada para a celebração da escritura definitiva.
Neste sentido, justifica-se o juízo do acórdão recorrido, quando imputa igual responsabilidade no incumprimento à Autora, promitente compradora, e à Ré, promitente vendedora, invocando igual proporção na graduação de culpas concorrentes, à luz do disposto no art.º 570.º n.º1 do CCiv, por se tratar da norma geral que tem em vista a compensação de culpas concorrentes - Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, pgs. 292.
O facto de o não cumprimento ser imputável, em igual medida, a ambas as partes, não deve precludir o direito de resolução de uma delas, nos contratos com prestações correspectivas – Calvão da Silva, op. cit, pgs. 292 a 295.
Exprime-se assim o acórdão recorrido:
“Há que não olvidar que quem se encontrava no lugar de potencial comprador, e que de acordo com o estipulado no contrato promessa de compra e venda colocava uma particular ênfase na necessidade de ficar assente, como devidamente regularizada, a licença de utilização da piscina (cláusula 8.ª), não se sentiria, no mínimo, confortável com o facto de saber que a Câmara Municipal tinha exigido que a A. apresentasse autorização do condomínio.”
“(…) Perante uma situação em que a Câmara Municipal formula uma determinada exigência ao promitente vendedor, é normal que o promitente comprador não pretenda realizar a escritura do contrato prometido sem que tal exigência se mostre satisfeita. Não cumpre ao promitente comprador ajuizar da valia, da legalidade ou da razoabilidade da solicitação.”
Tal conduziu a que a Autora “não pretendesse celebrar o contrato prometido por razões estranhas à sua vontade, com receio de estar a adquirir um imóvel que poderia vir a ter futuramente problemas com a edilidade”.
Neste quadro, prosseguiu, ambas as partes foram co-responsáveis na não celebração do contrato prometido, com responsabilidade em igual grau, cumprindo à Ré proceder à restituição do sinal em singelo.
Na verdade, “entendemos que nos deparamos perante uma situação em que ambas as partes se revelam co-responsáveis pela não realização do contrato prometido, posto que ambas apresentam os seus próprios argumentos com alguma valia para o não concretizar, mas também não olharam atentamente para a outra parte, tentando ver as razões que estariam subjacentes às posições assumidas por ela”.
Afiguram-se-nos estes os argumentos mais equilibrados, no conspecto do processo:
- por um lado, não atendem ao alegado pela promitente compradora, interpelando admonitoriamente a promitente vendedora, com a fixação do prazo de um mês para a solução da fiscalização sucessiva (um prazo sequer fixado à Ré pela Câmara Municipal), assim revelando, ela Autora e promitente compradora, vontade de (rapidamente) se desvincular do compromisso;
- mas também não atendem aos argumentos da promitente vendedora que, não logrando solucionar as questões necessárias ao esclarecimento em fiscalização sucessiva, procurou a discussão de argumentos substantivos, que deixavam incólume a incerteza sobre a manutenção da licença para a construção da piscina, sendo certo que era apenas a licença que estava em causa para o cumprimento do contrato e que a licença era essencial para o referido cumprimento.
Como assim, por força da resolução do contrato, ocasionado pelo incumprimento imputável, em igual medida, a ambos os contraentes, havia que se ter determinado a restituição do sinal recebido em singelo, nos termos da norma dos art.ºs 433.º e 289.º n.º1 do CCiv, justificando-se assim a negação da revista.
Concluindo:
I – Nos termos do n.º 4 do art.º 4.º, do n.º2 do art.º 34.º e do art.º 35.º n.º8 do RJUE, a comunicação prévia consiste numa declaração que, desde que correctamente instruída, permite ao interessado proceder imediatamente à realização de determinadas operações urbanísticas, dispensando a prática de quaisquer actos permissivos, sem prejuízo de fiscalização sucessiva.
II – Nos termos do art.º 9.º n.º1 do RJUE, os procedimentos previstos no diploma iniciam-se através de requerimento ou comunicação dos quais devem constar a identificação do requerente ou comunicante, “bem como a indicação da qualidade de titular de qualquer direito que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística”.
III - A jurisprudência do S.T.J. tem-se manifestado no sentido de que a pronúncia da maioria qualificada dos condóminos, prevista na norma do art.º 1425.º n.º1 do CCiv, se aplica apenas a inovações nas partes comuns do edifício; se a obra foi levada a cabo pela Ré em fracção autónoma, vale antes o disposto no art. 1422.º do CCiv.
IV – No quadro de uma fiscalização sucessiva suscitada pela administração, no período que mediou entre a celebração do contrato promessa e a data prevista para o contrato prometido, não é de atender:
- ao alegado pela promitente compradora, que procurou na fixação do prazo de um mês, que o Município sequer fixara à proprietária, a solução da fiscalização sucessiva, assim revelando uma vontade de (rapidamente) se desvincular do compromisso;
- ao alegado pela promitente vendedora que, não logrando solucionar as questões necessárias ao esclarecimento em fiscalização sucessiva, deixou incólume a incerteza sobre a manutenção da licença para a construção da piscina, licença essa essencial para o cumprimento da promessa.
V – Se ambas as partes se revelaram co-responsáveis pela não realização do contrato prometido, não tendo atentado nos argumentos da contraparte, procurando rapidamente a desvinculação, justifica-se imputar igual responsabilidade no incumprimento a ambas, com igual proporção na graduação de culpas concorrentes, à luz do disposto no art.º 570.º n.º1 do CCiv.
Decisão:
Nega-se a revista.
Custas pela Recorrente.
STJ, 16/2/2023
Vieira e Cunha (Relator)
Ana Paula Lobo
Afonso Henrique Cabral Ferreira
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