VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
PLURALIDADE DE RESOLUÇÕES
DESCONTINUIDADE TEMPORAL
PLURALIDADE DE INFRACÇÕES
Sumário

I. O crime de violência doméstica é um crime específico, que pressupõe a existência de relação entre o agente e o sujeito passivo/vítima de entre as elencadas nas alíneas do n.º 1 do artigo 152.º do Código Penal.
II. O tipo objetivo do ilícito preenche-se com a ação de infligir maus tratos físicos ou psíquicos à vítima, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais. E quanto ao tipo subjetivo de ilícito, exige-se o dolo (o conhecimento e vontade de praticar o facto), em qualquer das suas formas (direto, necessário ou eventual).
III. O bem jurídico protegido é a saúde, física, psíquica ou emocional, que pode ser afetada por toda uma multiplicidade de comportamentos que atinjam a dignidade pessoal da vítima, enquanto sujeito de qualquer das relações previstas no n.º 1 do artigo 152.º CP.
IV. A unidade da conduta pode vir a cindir-se pelas seguintes razões: a) períodos prolongados de “bom comportamento”; b) quebras de contacto com a vítima; c) sujeição do agente a processo crime ou aplicação de uma pena.
V. Havendo descontinuidade temporal entre os comportamentos agressivos integradores do tipo de ilícito, fundada nalguma daquelas razões, ocorre uma cisão da unidade normativo-social que suporta a continuidade tipicamente imposta para o crime de violência doméstica, daí podendo decorrendo a pluralidade de infrações.

Texto Integral


Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
1. RELATÓRIO
1.1. Neste processo comum n.º 1719/18.5GBABF, do Tribunal Judicial da Comarca de ... – Juízo Central Criminal de ... - Juiz ..., foi submetido a julgamento, com intervenção do Tribunal Coletivo, o arguido AA, melhor identificado nos autos, acusado da prática, em autoria material e em concurso efetivo, de:
- Um crime de violência doméstica, p, e p. pelo artigo 152.º, n. º1, alíneas b) e c), n.º 2, alínea a) e n.ºs 4 e 5 do Código Penal, perpetrado sobre BB;
- Um crime de violação, p. e p. pelo artigo 164.º, n.ºs 1, al. a) e 3 do Código Penal, perpetrado sobre BB;
- Um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.ºs 1, al. d), 2, al. a), 4 e 5 do Código Penal, perpetrado sobre CC;
- Três crimes de fotografias ilícitas, p. e p. pelo artigo 199.º, n.º 2, al. b) do Código Penal, perpetrados sobre DD;
- Dois crimes de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1 do Código Penal, perpetrados sobre DD; e
- Dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 155.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, por referência aos artigos 131.º e 153.º, n.º 1, ambos do mencionado diploma legal, perpetrado sobre DD.
1.2. BB e DD constituíram-se assistentes nos autos e deduziram pedido de indemnização civil contra ao arguido/demandado, pedindo a condenação deste no pagamento, respetivamente, de € 10.000 (dez mil euros) e de € 3.000 (três mil euros), em qualquer dos casos, acrescidos de juros vencidos e vincendos desde a notificação do demandado para contestar e até efetivo e integral pagamento.
1.3. Produzida a prova e encerrada a discussão da causa, o Tribunal procedeu à reabertura da audiência de julgamento, tendo comunicado ao arguido uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, bem como a alteração da respetiva qualificação jurídica (artigo 358º, n.ºs 1 e 3, do CPP), no sentido de os factos em causa serem suscetíveis de integrar a prática pelo arguido, de dois crimes de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.ºs 1, alínea b), 2, alínea a), 4 e 5 do Código Penal e de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência agravado, p. e p. pelos artigos 165º, n.ºs 1 e 2 e 177º, n.º 1, al. b), ambos do Código Penal, tendo como ofendida BB.
1.3.1. Na sequência da referida comunicação, o arguido requereu prazo para preparação da defesa, que lhe foi concedido, tendo exercido o contraditório, sustentando que os factos comunicados não podem ter acontecido, dado ser humanamente impossível aguentar a assistente no ar apenas com uma mão e não permitem imputar-lhe o crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, no tocante à agravação prevista alínea b), do n.º 1, do artigo 177º, do Código Penal, além de que a alteração de factos comunicada é substancial, na medida em que, relativamente ao crime de violação de que vinha acusado, implica o agravamento dos limites mínimos e máximos da moldura penal.
1.3.2. O Coletivo de Juízes relegou para o acórdão a proferir a apreciação da defesa apresentada pelo arguido.
1.4. Foi proferido acórdão, em 17/06/2022, depositado nessa mesma data, com o seguinte dispositivo:
«Face ao exposto, decide-se:
1. Absolver AA da prática de:
1.1. Um crime de violação, p. e p. pelo artigo 164º, n.º 1, alínea a) e n.º 3, do Código Penal;
1.2. Dois crimes de ameaça, p. e p. pelo artigo 153º, n.º 1, 155º, n.º 1, alínea a), por referência ao artigo 131º, todos do Código Penal;
1.3. Dois crimes de fotografias ilícitas, p. e p. pelo artigo 199º, n.º 2, alínea b), do Código Penal;
2. Condenar AA pela prática, em autoria material e em concurso efetivo, de:
2.1. Um crime de violência doméstica, p. e p. pelos artigos 13º, 14º, n.º 1, 26º, 152º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, na pena de dois anos e seis meses de prisão [vítima BB];
2.2. Um crime de violência doméstica, p. e p. pelos artigos 13º, 14º, n.º 1, 26º, 152º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, na pena de três anos e nove meses de prisão [vítima BB];
2.3. Um crime de violência doméstica, p. e p. pelos artigos 13º, 14º, n.º 1, 26º, 152º, n.º 1, alínea d) e n.º 2, do Código Penal, em vigor na data da prática dos factos e atualmente, p. e p. pelos artigos 13º, 14º, n.º 1, 26º, 152º, n.º 1, alínea e) e n.º 2, do Código Penal, na pena de dois anos e nove meses de prisão [vítima CC];
2.4. Um crime de fotografias ilícitas, p. e p. pelo artigo 199º, n.º 2, alínea b), do Código Penal, na pena de dois meses de prisão [vítima DD];
2.5. Um crime de ameaça p. e p. pelos artigos 13º, 14º, n.º 1, 26º, 153º, n.º 1, do Código Penal, na pena de quatro meses de prisão [vítima DD];
2.6. Um crime de ameaça p. e p. pelos artigos 13º, 14º, n.º 1, 26º, 153º, n.º 1, do Código Penal, na pena de três meses de prisão [vítima DD];
3. Condenar AA, em cúmulo jurídico das penas fixadas em 2.1. a 2.6., na pena única de cinco anos e nove meses de prisão
4. Condenar AA na pena acessória de proibição de contactar, por qualquer forma, com BB, pelo período de cinco anos [artigo 152º, n.º 4, do Código Penal];
5. Condenar AA, no pagamento das custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC [artigo 513º, n.º 1 do Código de Processo Penal, em conjugação com o artigo 8º, n.º 9 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais], acrescida dos encargos a que a atividade do mesmo houver dado lugar, nomeadamente o pagamento da fatura emitida pela DGRSP pela elaboração do relatório social [artigo 514º, nº 1, do CPP e artigo 16º, n.º 1, alínea d), do Regulamento das Custas Processuais], cujo pagamento deverá ser adiantado pelo IGFEJ;
6. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil de deduzido por BB e, em conformidade:
6.1. Condenar AA a pagar-lhe a quantia de € 7.500 (sete mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da presente decisão e até integral e efetivo pagamento;
6.2. Absolver AA do restante pedido;
6.3. Condenar demandante e demandado no pagamento das custas, na proporção do respetivo decaimento;
7. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil de deduzido por DD e, em conformidade:
7.1. Condenar AA a pagar-lhe a quantia de € 1.000 (mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da presente decisão e até integral e efetivo pagamento;
7.2. Absolver AA do restante pedido;
7.3. Condenar demandante e demandado no pagamento das custas, na proporção do respetivo decaimento;
8. Julgar totalmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo C..., E.P.E. e, em conformidade:
8.1. Condenar AA a pagar-lhe a quantia de € 112,07 (cento e doze euros e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, que se vencerem desde a data da notificação para contestar e até integral e efetivo pagamento, à demandante;
8.2. Declarar que não são devidas custas;
9. Condenar AA a pagar a CC a quantia de €1.500 (mil e quinhentos), a título de arbitramento oficioso;
10. Determinar que o arguido aguarde os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coação de Termo de Identidade e Residência, que se mantém até à extinção da pena [artigo 196º, n.º 3, alínea e) e 214º, n.º 1, alínea e), ambos do Código de Processo Penal];
11. Declarar perdido a favor do Estado o GPS apreendido;
(...).»
1.5. Inconformado com o decidido, recorreu o arguido para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação de recurso presentada as conclusões que seguidamente se transcrevem:
«1 - Analisados os factos 21.1, 21.2, 25, 27, 27.1, 27.2, 27.3, 28, 40 e 42, da matéria provada ressalta à vista tratar-se de imputações genéricas, não havendo concretização contextual nem localização temporal desses factos, pelo que os mesmos deverão ser dados como não escritos, não podendo relevar para efeito de responsabilização criminal, uma vez que impedem o eficaz exercício do direito de defesa e o exercício do contraditório.
2 - Por outro lado, salvo o respeito devido por opinião diversa, o recorrente considera, nos termos do artigo 412.º, n.º 3 do CPP, que o tribunal a quo valorou erradamente os factos identificados com os números 5, 6, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 21, 21.1, 21.2, parte inicial do 22, 25, 26, 27, 27.1, 27.2, 27.3, 28, 29, 30, 31, 32, parte inicial do 33, 35, 36, 37, 42, 43, 43.1, 43.2, 43.3, 43.4, 43.5, 43.6, 47, 50, 53, 55, 62, 69 69.1, 69.2, 69.3, 70, 70.1, 71.1, 71.2, 71.3, 72.1, 72.2, 73, 73.1, 73.2, 74, 75, porquanto em relação aos mesmos não foi produzida prova que permita considerar, sem margem para dúvidas, a prática dos mesmos pelo arguido, pelo que se impunha considerar os referidos factos como não provados.
3 - No que respeita ao crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelos artigos 13º, 14º, n.º 1, 26º, 152º, n.º 1, alínea e) e n.º 2, do Código Penal, praticado contra o menor CC, a prova produzida em julgamento não permite dar como provados os factos elencados nos pontos 25, 26, 73, 73.1 e 74. Para o efeito basta atentar no depoimento prestado por BB, em .../.../2021, pelas 16h11m24ss, gravado no sistema em uso no tribunal, com início aos 38m50 ss..
4 - Em relação ao período temporal considerado no ponto 25), não se percebe com base em que prova foi o mesmo dado como provado, pois a assistente limita-se a dizer que “O CC nem tinha um ano sequer”, mas nada refere quanto a datas. Pelo que forçoso será concluir que nenhuma prova foi produzida quanto ao período em que os factos descritos alegadamente ocorreram. Impondo-se, por isso, dar como não provado este ponto.
5 - Quanto ao facto descrito no ponto 26, não foi produzida qualquer prova que permita considerar provado tal facto.
6 - O Tribunal a quo julgou incorrectamente os referidos factos, impondo-se, por isso, após audição das declarações da assistente (gravadas, quanto a este ponto, no dia .../.../2021, pelas 16h11m24ss, gravado no sistema em uso no tribunal, com início aos 38m50 ss), dar os mesmos como não provados, e, em consequência absolver o recorrente do crime de violência doméstica agravado.
Sem conceder, ainda se dirá:
7 - Mesmo que por hipótese, se considerasse provado que o recorrente abanou o menor, como descrito no ponto 25 dos factos provados, ainda assim, nada se provou quanto ao dolo, essencial para o preenchimento do elemento subjectivo do tipo de crime em análise, pois, referiu a assistente no seu depoimento identificado em 3) “Sim, são coisas que se calhar ele não sabe”.
8 - Ora, se o recorrente não sabia que abanar a criança lhe podia causar danos, forçoso será concluir que o mesmo não representou que atingia o corpo e a saúde de CC.
9 - Quanto ao ponto 73.2, apesar das expressões alegadamente utilizadas pelo recorrente serem deselegantes, não têm virtualidade de atingir a honra e a consideração do menor.
10 - Os factos dados como provados, quanto a este crime, não têm gravidade bastante para se afirmar que, com eles foi colocada em causa a dignidade pessoal do menor e que o seu bem-estar físico e emocional foi intoleravelmente lesado.
11 - As condutas descritas não encerram qualquer carga adicional relativamente a qualquer outra situação de ofensas à integridade física e injúrias, e, por isso, a conduta em análise não tem a virtualidade de, objectivamente, atingir intoleravelmente a dignidade pessoal do menor.
12 - No crime de violência doméstica não basta a prática de agressões físicas, é necessário que a conduta do agente seja susceptível de ser classificada como maus tratos.
13 - Decisivo para que tais comportamentos possam integrar o conceito de maus tratos físicos ou psíquicos passíveis de preencher o tipo objetivo do crime de violência doméstica é que revistam intensidade ou gravidade bastante para poder justificar “a sua autonomização relativamente aos ilícitos que as condutas individualmente consideradas possam integrar”.
14 - Inexiste qualquer fundamento para se concluir que a conduta do arguido é reveladora de especial censurabilidade ou perversidade, juízo que seria indispensável para a qualificação daquele ilícito criminal.
15 - Assim, por falta de preenchimentos dos elementos do tipo do crime de violência doméstica alegadamente praticado contra CC, impõe-se a absolvição do recorrente deste crime.
16 - Quanto ao crime de violência doméstica respeitante aos dias .../.../2016 e .../.../2016, o tribunal a quo, com base apenas nas declarações da assistente BB, considerou provados os factos constantes dos pontos 5, 6, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, da matéria de facto provada. Contudo,
17 - A descrição efectuada pela assistente da dinâmica dos factos é incompatível com a realidade, na medida em que, como se pode ver dos fotogramas 1, 2 e 3 juntos aos autos a fls. 443, assistente e arguido têm a mesma compleição física (altura e peso), mesmo que o arguido tivesse mais força, por ser homem – o que não ficou provado – ainda assim não conseguia manter a assistente no ar, com apenas uma mão, e com a outra, munido de um taser, e enquanto a assistente movimentava as pernas e o corpo, tentar acertar-lhe nas pernas com o mesmo, como esta pretende fazer crer.
18 - As regras da experiência comum não permitem aceitar como válida a versão apresentada pela assistente. Pelo que se impõe dar como não provados os factos constantes dos números 12., 13., 14 e 17.
19 – Além disso, a assistente refere ter gritado por auxílio e que os vizinhos ouviram. Inquiridos os vizinhos, EE, FF (declarações prestadas no dia .../.../2021, com início às 11:34:29) e GG (declarações prestadas no dia prestadas no dia .../.../2021, com início às 14h13m12s), os mesmos referiram nada terem ouvido.
20 - O mesmo se diga quanto aos restantes factos respeitantes aos dias .../.../2016 e .../.../2016, elencados nos pontos 5, 6, 8, 9, 10, 11, 15, 16 e 17, da matéria de facto provada, pois tiveram por base única e exclusivamente as declarações prestadas pela assistente, que são infirmadas pelas declarações prestadas pelo recorrente, que refere que discutiam, mas que, nesse período, nunca bateu na companheira.
21 - Assim, apesar da ampla margem de livre de apreciação da prova pelo tribunal, a prova produzida em julgamento, conjugada com as regras práticas da experiência e critérios lógicos, impunham decisão diversa da obtida pelo tribunal, pelas razões já exposta.
21 - Face ao exposto, deverão ser dados como não provados os factos elencados nos pontos 5, 6, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, da matéria de facto provada e, em consequência, o recorrente absolvido do crime de violência doméstica respeitante aos dias .../.../2016 e .../.../2016.
Caso assim não se entenda, ainda se dirá:
22 - Salvo o devido respeito por opinião contrária, considera-se que os elementos do tipo do crime de violência doméstica alegadamente praticado nos dias .../.../2016 e .../.../2016 não se encontram preenchidos apenas com base nos factos supra mencionados em 16), pois os mesmos não têm gravidade suficiente para que se possa considerar a ocorrência de maus-tratos, elemento essencial ao preenchimento do tipo do referido crime. Pelo que se impõe a absolvição do recorrente do crime de violência doméstica que lhe era imputado.
23 - Considerou ainda o tribunal a quo que o recorrente teria praticado um outro crime de violência doméstica, previsto e punido pelo pelos artigos 13º, 14º, n.º 1, 26º, 152º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do Código Penal. Tendo, para o efeito, considerado que os elementos do crime se encontravam preenchidos através dos factos que considerou provados nos pontos 21, 21.1, 21.2, parte inicial do 22, 27, 27.1, 27.2, 27.3, 28, 29, 30, 31, 32, parte inicial do 33, 35, 36, 37, 42, 43, 43.1, 43.2, 43.3, 43.4, 43.5, 43.6, 47, 50, 53, 55, 62, 69 69.1, 69.2, 69.3, 70, 70.1, 71.1, 71.2, 71.3, 72.1, 72.2 e 75 da matéria de facto provada.
24 - Considerando que tais factos foram dados como provados apenas com base nas declarações da assistente e que as mesmas são infirmadas pelo depoimento do recorrente, não havendo qualquer fundamento para dar mais credibilidade às declarações prestadas pela assistente em detrimento das declarações prestadas pelo recorrente, em obediência ao princípio da presunção da inocência, impõe-se que sejam dados como não provados os factos supra mencionados.
25 - Desconhece-se em que documentação clínica ou depoimentos se baseia o tribunal para dar como provado que a assistente ficou com hematomas num braço, que não sabemos qual foi, nem a localização do hematoma. Impondo-se, por isso, dar como não provado o facto 28.
26 - Quanto ao facto 33, é verdade apenas que BB, em ... de ... de 2018, iniciou um relacionamento com um cidadão ..., pelo que deverá o mesmo ser alterado, passando a ter a referida redação.
27 - Deverá ser dado como não provado que foi o recorrente que praticou os factos elencados nos pontos 43. a 43.6, pois resulta das regras de experiência comum que qualquer um pode copiar e descarregar fotografias de terceiros existentes nas redes sociais e utilizá-las como bem entender, criando perfis falsos com as mesmas.
28 - Além disso, a fls. 323, a Polícia Judiciária refere "Para prossecução da investigação, são necessários elementos que apenas poderão ser fornecidos pela rede social "FACEBOOK", a qual está sediada nos ....". Contudo, as referidas diligências de prova ou não foram feitas ou não terão tido resposta, pelo que, é impossível apenas com a prova existente nos autos considerar que a referida página pertence ao arguido, sem margem para dúvidas.
29 - Face ao supra exposto, deverá ser dado como não provado que foi o recorrente que praticou os factos elencados nos pontos 43. a 43.6.
30 - Por consequência lógica, não se dando como provados os factos supra mencionados, ter-se-á que dar como não provados os factos elencados sob os n.ºs 70, 70.1, 71.1, 71.2, 71.3, 72.1, 72.2 e 75 da matéria de facto provada, pois que, para além das declarações da assistente infirmadas pelo depoimento prestado pelo arguido, nenhuma outra prova foi produzida sobre as mesmas. Assim, não existindo razão alguma para dar prevalência a um depoimento em detrimento do outro, impunha-se, em obediência ao princípio da presunção da inocência, considerar tais factos não provados.
31 - Pelo que, deverá em consequência, o recorrente ser absolvido do crime de violência doméstica que lhe foi imputado.
32 - Relativamente ao crime de fotografias ilícitas imputado ao recorrente, considerando a impossibilidade de identificar o autor da página do Facebook onde foram publicadas as fotografias, pelas razões indicadas em 27) e 28), impõe-se a absolvição do recorrente deste crime.
Caso assim não se entenda, ainda se dirá:
33 - Considera-se que as penas aplicadas quanto aos crimes de ameaças e de fotografia ilícita são manifestamente exageradas, atendendo aos critérios de determinação da medida de pena previstos no artigo 71º do Código Penal. Endente-se antes adequada a aplicação de uma pena de multa, próximo do patamar mínimo, em relação a cada um dos crimes em apreço, uma vez que, tal como é referido no acórdão sob escrutínio, “as condutas do arguido se situam no patamar da baixa gravidade relativamente aos crimes de ameaça e fotografias ilícitas”.
34 - Considera-se que o artigo 70.º, do Código Penal, na interpretação segundo a qual quando estamos perante uma situação de concurso de crimes, e a parte deles o tribunal tem necessariamente de aplicar pena de prisão, impõe-se aplicar a pena de prisão quanto a todos os crimes em apreço, ainda que alguns sejam puníveis apenas com pena não privativa de liberdade, é inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 13.º e 30.º, da Constituição da República Portuguesa.
35 - Caso assim não se entenda e se considere que a pena a aplicar deverá ser a pena de prisão, ainda assim considera-se que as penas parcelares aplicadas são manifestamente excessivas e exageradas, e violam os critérios de determinação da medida da pena previstos no artigo 70.º, do Código Penal, devendo, por isso, ser reduzidas para o mínimo legal.
36 - Sem conceder, admitindo por hipótese, que o tribunal ad quem considera que o recorrente praticou os três crimes de violência doméstica que lhe vinham imputados, importa referir que a medida da pena concreta aplicada quanto aos mesmos é manifestamente excessiva.
37 - Constituindo as exigências de prevenção geral o limite mínimo da pena e a culpa do agente o seu limite máximo, a medida concreta da pena deve ter em consideração a finalidade de prevenção especial, de ressocialização do arguido ou de suficiente advertência, no sentido de retirar este agente do caminho criminoso.
38 - O Tribunal a quo não considerou devidamente que o recorrente é primário quanto aos tipos de crimes em análise. Por lado, também não teve em consideração a reduzida gravidade dos factos, nem o contexto em que os mesmos ocorreram – grande parte deles, num contexto de litigiosidade relativa à guarda do menor.
39 - Descurou também o tribunal que o recorrente se encontra integrado social e familiarmente, encontrando casado desde .../.../2020 (ponto 89 da matéria de facto).
40 - A medida da pena não pode, em caso algum ultrapassar a medida da culpa.
41 - Assim, considera-se que as penas aplicadas quanto aos crimes de violência doméstica são manifestamente exageradas, atendendo aos critérios de determinação da medida de pena previstos no artigo 71º do Código Penal, considerando-se antes adequada a aplicação de uma pena de prisão mais próxima dos limites mínimos.
42 - Quanto à medida da pena única decorrente do cúmulo jurídico, entende-se que a mesma é excessiva, exagerada e desproporcional, pois o tribunal a quo não valorou devidamente o efeito previsível da pena de prisão efectiva sobre o comportamento futuro do recorrente, desconsiderou o facto de os crimes em apreço estarem interligados entre si e terem sido cometidos num período de tempo estanque, bem como o facto de não se poder concluir por uma tendência criminosa da personalidade do arguido, tendo-se de um caso isolado e ainda o facto de três penas parcelares respeitarem factos semelhantes, devendo, por isso, ter um peso diminuto na determinação da pena conjunta.
43 - Com base nos critérios supra elencados, entende-se que a pena única deverá ser reduzida, para uma pena única nunca superior a 4 anos e 6 meses de prisão.
44 - O artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal permite que o tribunal suspenda a execução da pena de prisão em medida não superior a cinco anos, se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
45 - No caso, em apreço atendendo à ausência de antecedentes criminais quanto a crime da natureza dos aqui em apreço, deverá admitir-se a prognose social favorável, devendo, por isso, ser-lhe dada uma oportunidade, e suspender a execução da pena de prisão, por período idêntico ao da pena imposto, ainda que sujeita a regime de prova e a plano de readaptação social a delinear pela DGRS.
46 - No que respeita ao pedido de indemnização cível, entende-se que a sentença é nula, nos termos conjugados dos artigos 379.º, n.º 1, al. a) e 374.º, n.º 2, in fine, ambos do CPP, vício que, desde já, se argui, nos termos do n.º 2 do referido artigo 379.º, do CPP, por falta de fundamentação.
47 - Caso assim não se entenda, considera-se que o montante de indemnização fixado é excessivo, pois não deveria fixado em montante superior a €2.000,00 (dois mil euros), tendo em conta, nomeadamente, os rendimentos do arguido, os danos de pouca gravidade causados à assistente e, ainda que não justifique o comportamento do arguido, as razões que o motivaram a praticar os factos em análise. Pelo que, deverá o acórdão condenatório ser revogado, por violação do disposto no artigo 483º e 484.º, ambos do Código Civil.
48 - Decidindo, como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 13.º, 30.º e 32.º, da Constituição da República Portuguesa, os artigos 40.º, 50.º, 70.º, 71,º, 77.º, 152º, n.º 1, alíneas b) e e) e n.º 2, 199.º, n.º a, al. b), 153.º, n.º 1, todos do Código Penal, e ainda os artigos 127.º, 379.º, n.º 1, al. a) e 374.º, n.º 2, in fine, ambos do CPP, bem como os artigos 483.º, 494.º e 496.º do Código Civil.
Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas. queiram subscrever, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogado o acórdão recorrido e substituído por outro que se coadune com a pretensão exposta, fazendo-se, assim, a habitual e necessária JUSTIÇA.»
1.6. O recurso foi regularmente admitido.
1.7. O Ministério Público, junto da 1.ª instância, apresentou resposta, pronunciando-se no sentido de dever ser negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida nos seus precisos termos.
1.8. Neste Tribunal da Relação, o Exmº. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, aderindo à posição defendida pelo Ministério Público junto da 1.ª instância, na resposta que o mesmo ofereceu, concluindo no sentido de o recurso dever ser julgado improcedente.
1.9. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, o arguido/recorrente apresentou resposta, dando por reproduzidas as alegações feitas na motivação de recurso.
1.8. Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
Cumpre agora apreciar e decidir:

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso
Em matéria de recursos, que ora nos ocupa, importa ter presente as seguintes linhas gerais:
O Tribunal da Relação tem poderes de cognição de facto e de direito – cf. artigo 428º do CPP.
As conclusões da motivação do recurso balizam ou delimitam o respetivo objeto – cf. artigos 402º, 403º e 412º, todos do CPP.
Tal não preclude o conhecimento, também oficioso, dos vícios decisórios enumerados no n.º 2 do artigo 410º do CPP, mas tão somente quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida por si só ou em sua conjugação com as regras da experiência comum (cf. Ac. do STJ nº. 7/95 – in DR I-Série, de 28/12/1995, ainda hoje atual), bem como das nulidades principais, como tal tipificadas por lei.
Assim, considerando os fundamentos do recurso em apreço, são as seguintes as questões suscitadas:

- Integração na factualidade provada de factos genéricos;
- Impugnação da matéria de facto dada como provada, por erro de julgamento;
- Erro de subsunção;
- Escolha da pena no tocante aos crimes de ameaça e de fotografias ilícitas;
- Inconstitucionalidade do artigo 70º do Código Penal, na interpretação feita no acórdão recorrido, por violação dos artigos 13º e 30º, da CRP;
- Medida da pena;
- Suspensão da execução da pena de prisão propugnada;
- Nulidade do acórdão, na parte respeitante ao pedido cível, por falta de fundamentação.
- Montante da indemnização arbitrada à demandante BB.

2.2. Acórdão recorrido
O acórdão recorrido, é do seguinte teor:
«(...)
II. SANEAMENTO:
1. ENQUADRAMENTO PRÉVIO:
O n.º 1, do artigo 368º, do Código de Processo Penal [doravante CPP] determina que o tribunal decida das questões prévias ou incidentais sobre as quais ainda não tiver recaído decisão, quer as que obstam ao conhecimento de mérito, quer as que, não obstando ao conhecimento de fundo, influem nesse mesmo conhecimento [OLIVEIRA MENDES et. al., in Código de Processo Penal Comentado, 2021, 3ª edição revista, Almedina, anotação 2 ao artigo 368º, p. 1124].
2. QUESTÕES PRÉVIAS QUE OBSTAM PARCIALMENTE AO CONHECIMENTO DE MÉRITO:
2.1. DA AUSÊNCIA DE IMPUTAÇÃO DE CINCO CRIMES DE FOTOGRAFIAS ILÍCITAS, E DE TRÊS CRIMES DE AMEAÇA:
Nos artigos 63º a 69º da acusação são relatados factos que, se provados, fariam incorrer o arguido na prática de cinco crimes de fotografias ilícitas, p. e p. pelo artigo 199, , n.º 2, alínea b), do Código Penal, perpetrados contra BB, na medida em que as fotografias em causa não dizem respeito à intimidade da vida privada da mesma e, como tal, a sua utilização pelo arguido não se mostra consumida pelo crime de violência doméstica, p. e p. artigo 152º, n.º 1, alínea b), agravado pela alínea b), do n.º 2, do mesmo normativo.
Por seu turno, da conjugação dos factos descritos nos artigos 59º, 60º, 116º e 117º e nos artigos 72º e 119º e 120º, da acusação, resulta, caso resultassem provados, que fariam incorrer o arguido na prática de três crimes de ameaça, p. e p. pelos artigo 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, dois relativamente à pessoa de DD e um relativamente à pessoa de HH, na medida em que a pessoa objeto da ameaça e a pessoa objeto do crime ameaçado podem não coincidir, sendo de afirmar o crime sobre a pessoa objeto da ameaça, se a mesma, como se verifica no caso dos autos, se apresentar numa relação de proximidade existencial com a pessoa objeto do crime ameaça [vide, AMÉRIO TAIPA DE CARVALHO, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2ª edição, p. 561, § 18].
Porém, percorrida a acusação, verifica-se que na parte referente à indicação das disposições legais aplicáveis, não foram imputados ao arguido a prática dos crimes acima referidos, dado que nada consta relativamente à imputação dos crimes de fotografias ilícitas relativamente à pessoa de BB, nada consta relativamente à imputação do crime de ameaça sobre a pessoa de HH e, relativamente à pessoa de DD, os quatro crimes de ameaça imputados ao arguido têm como referente os factos descritos nos artigos 77, 78º, 90º e 94º da acusação, conjugados com os artigos 130º e 131º da acusação.
Face ao exposto, é entendimento do tribunal que a acusação padece, parcialmente, do vício da falta da indicação das disposições legais aplicáveis [terminologia legal consagrada na alínea c), do n.º 3, do artigo 311º, do Código Processo Penal], relativamente aos crimes em causa, o qual não é suprível na fase de julgamento atenta a estrutura acusatória do processo penal português, consagrada no artigo 32º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.
Explicitando.
Como GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA [In Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I. 4ª edição revista, p.522, sendo o itálico e negrito da nossa responsabilidade] elucidam: “O princípio acusatório (n° 5, 1ª parte) é um dos princípios estruturantes da constituição processual penal. Essencialmente, ele significa que só se pode ser julgado por um crime precedendo acusação por esse crime por parte de um órgão distinto do julgador, sendo a acusação condição e limite do julgamento. Trata-se de uma garantia essencial do julgamento independente e imparcial. Cabe ao tribunal julgar os factos constantes da acusação e não conduzir oficiosamente a investigação da responsabilidade penal do arguido (princípio do inquisitório).
A «densificação» semântica da estrutura acusatória faz-se através da articulação de uma dimensão material [fases do processo] com uma dimensão orgânico-subjetiva [entidades competentes]. Estrutura acusatória significa, no plano material, a distinção entre instrução, acusação e julgamento; no plano subjetivo, significa a diferenciação entre juiz de instrução (órgão de instrução) e juiz julgador (órgão julgador) e entre ambos e órgão acusador.
No sentido de se estar um vício insuprível em fase de julgamento, veja-se acórdão do TRG de 20.3.2017 [disponível, em texto integral, no endereço eletrónico in www.dgsi.pt, sendo o itálico e o negrito da nossa responsabilidade], em cujo sumário se pode ler, a falta de indicação na acusação das disposições legais aplicáveis pode, em fase de inquérito, ser atacada por via da arguição da respetiva nulidade dessa peça processual pelo respetivo interessado. Não o sendo, e transitando o processo para a fase de julgamento, sem que tenha sido requerida a abertura de instrução [como sucedeu relativamente à acusação em apreço nos autos], esse vício apenas pode levar à rejeição da acusação por manifestamente inviável nos termos do artigo 311º, nºs 2, al. a), e 3 al. c), e já não à sanação da nulidade.
O exarado no acórdão citado vai ao encontro do decidido no acórdão de uniformização de jurisprudência nº 1/2015, de 27 de janeiro [Publicado, em texto integral, no Diário da República, 1ª Série, nº 18, de 27 de janeiro de 2015, sendo o itálico da nossa responsabilidade], nos termos do qual a falta de descrição, na acusação, dos elementos subjetivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e da vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do Código de Processo Penal.
Embora a ratio decidendi do mencionado acórdão tenha sido incidido sobre a ausência de descrição do elemento subjetivo na acusação, o entendimento nele firmado tem plena aplicação, por analogia de razões, se não mesmo por maioria de razão, a situação de falta de imputação das normas legais aplicáveis, pois este último caso é considerado pela própria lei como consubstanciando uma situação que justifica a recusa da acusação por manifestamente infundada.
Sendo uma nulidade insuprível, a mesma obsta ao conhecimento de mérito dos factos a que se reportam tal omissão para efeito de enquadramento da prática dos crimes de fotografias ilícitas, mas não para efeito de enquadramento dessa factualidade como fator que, conjugado com os demais factos descritos na acusação, permitem afirmar o preenchimento do crime de violência doméstica, na medida em que a utilização dessas imagens pelo arguido vem acompanhadas com dizeres vexatórios para a vítima BB.
Dito de outra forma, as fotografias em causa foram usadas pelo arguido para identificar a vítima perante terceiros como sendo a destinatária de comentários injuriosos e/ou vexatórios.
O que fica dito vale para os factos relativos aos crimes de ameaça, na medida em que, segundo se afirma na acusação, o conteúdo da ameaça foi transmitido pelos ameaçados à pessoa objeto do crime ameaçado, isto é, BB e, como tal, são parte integrante do crime de violência doméstica, caso se provem.
2.2. DA ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DE FACTOS DESCRITOS NA ACUSAÇÃO:
Considerando que, como ficou dito em 9 do Relatório, o arguido considera que que a comunicação feita pelo tribunal, relativamente alteração de factos aos artigos 52º e 115º da acusação, conjugada com os factos já descritos na acusação, o faziam incorrer na prática de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz, p. e p. pelo artigo 165º, nos 1 e 2, agravado nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 177º, do Código Penal [segmento referente à coabitação], ao invés do crime de violação, p. e p. pelo artigo 164º, n.º 1, alínea a) e n.º 3, do Código Penal, na redação atualmente em vigor, introduzida pela Lei n.º 101/2019, de 6 de ..., consubstancia uma alteração substancial, cabe, nesta sede [Saneamento], tomar posição, dado que, se se concluir pela verificação de uma alteração substancial, a mesma obsta a que o tribunal possa conhecer de mérito relativamente aos novos factos, atento o disposto no artigo 359º, do CPP.
Decidindo.
No que à fase de julgamento se refere, rege o disposto nos artigos 358.º e 359.º do CPP, onde se distingue entre “alteração substancial” e “alteração não substancial” dos factos descritos na acusação ou pronúncia, fazendo, assim, apelo à definição constante do artigo 1.º, alínea f), do CPP, segundo a qual se considera alteração substancial “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis."
Esta definição, aparentemente linear, com exceção do segmento referente ao agravamento dos limites máximos das sanções aplicável, que se afere objetivamente mediante comparação das molduras penais, não esclarece o que se deve entender por alteração de factos e o que se deve entender por crime diverso, pelo que cumpre densificar, com recurso à doutrina e jurisprudência, tais conceitos, o que se faz nos termos que se seguem.
Há uma alteração de factos quando se subtraem ou aduzem aos factos conhecidos – independentemente do momento processual em que tal modificação se opere – algum ou alguns factos, ou outros factos, quer estes se relacionem com o tempo do cometimento, com o lugar, com o evento, com o nexo de causalidade, com o agente ou com elementos subjetivos da imputação.
No que se refere ao conceito de crime de diverso, cumpre referir que se parte do conceito processual do facto como acontecimento histórico, como pedaço de vida que a acusação submete à apreciação judicial.
O que fica dito reflete a conceção prevalecente na doutrina e na jurisprudência quanto ao conceito de objeto de processo, o qual se pode definir «como o facto, o acontecimento global da vida, o acontecimento histórico, incluindo todos os acontecimentos com ele ligados, do qual deriva a acusação admitida» [FREDERICO ISASCA, “Alteração Substancial Dos Factos E Sua Relevância No Processo Penal Português”, 2.ª edição, p. 84].
Para esta conceção não há crime diverso em face da mera alteração das circunstâncias de execução do crime (incluindo o dia, hora, local e modo de execução), desde que essas circunstâncias não constituam um outro “facto histórico unitário”, sendo este composto por todas as ações do agente que tenham um conteúdo ilícito semelhante e uma estreita continuidade espácio-temporal [PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 39].
Na jurisprudência, merece destaque Ac. do STJ de 20.12.2006, para qual a alteração substancial dos factos pressupõe uma diferença de identidade, de tempo ou espaço, que transforma o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, enquanto a alteração não substancial constitui uma divergência ou diferença de identidade que não transforma o quadro da acusação em outro diverso no que se refere a elementos essenciais, mas apenas de modo parcelar e mais ou menos pontual e sem descaracterizar o quadro factual da acusação e sempre sem relevância para alterar a qualificação penal.
Aplicando as considerações ora tecidas ao caso que nos ocupa, verifica-se que o arguido se encontrava acusado nos seguintes termos:

52.º
Nessas circunstâncias, o arguido AA aproximou-se de BB e, de forma que se não logrou apurar, abriu a boca de BB e aí introduziu o seu pénis ereto, efetuando, por duas vezes, movimentos de vaivém até ter sido empurrado por aquela.
115.º
O arguido AA sabia ainda que ao abrir a boca de BB e introduzir na mesma o seu pénis ereto, efetuando, por duas vezes, movimentos de vaivém, agia sem o consentimento e contra a vontade de BB.
Mais sabia o arguido AA que, ao atuar do modo supra descrito, constrangia BB a manter com o mesmo contacto de natureza sexual, com o propósito concretizado de obter prazer sexual e dar satisfação aos seus instintos lascivos e libidinosos, assim atentando, como atentou, contra a liberdade e autodeterminação sexual de BB.
O tribunal comunicou que o descrito nos artigos 52º e 115º acusação nos artigos acima referido havia sucedido da seguinte forma:
Artigo 52º
Nessas circunstâncias, AA aproximou-se de BB e, verificando que a mesma estava a dormir e com a boca aberta, aí introduziu o seu pénis ereto;
Em ato contínuo, BB acordou e, ao verificar que o pénis de AA havia sido introduzido na sua boca, empurrou-o, logrando, dessa forma, retirar o pénis do interior da sua boca;
Artigo 115º
AA, nas circunstâncias acima descritas, quis introduzir o pénis da boca de BB, ciente de que a mesma estava a dormir e que atuava contra a vontade da mesma;
Agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo a conduta que adotou proibida e punida por lei;
Das alterações ora transcritas, resulta que as mesmas apenas divergem dos factos descritos na acusação relativamente ao modo como o arguido introduziu o pénis na boca de BB, considerando o tribunal que o arguido não abriu a boca de BB quando esta estava a dormir [facto que acusação erige como suscetível o conceito de constrangimento previsto no n.º 3, do artigo 164º, do Código Penal], mas sim que o mesmo, verificando que BB estava a dormir de boca aberta, aproveitou tal facto para introduzir o seu pénis nesse local.
Em conformidade com a conduta objetiva adotada pelo arguido, o tribunal, ao nível do tipo subjetivo, comunicou que o mesmo quis, conscientemente, introduzir o pénis na boca da mesma, sabendo que estava a dormir e que, concomitantemente, estava temporariamente incapacitada de manifestar o seu dissentimento.
Dito de outra forma, o tribunal, em função da prova produzida em audiência de julgamento, alterou uma atuação para constranger [abrir a boca pessoa que se encontrava dormir, contra a vontade cognoscível da vítima] para uma situação de aproveitamento de pessoa inconsciente [introdução do pénis da boca, que já se encontrava aberta, de uma pessoa que se encontrava dormir e, como tal, temporariamente incapaz de manifestar o seu dissentimento].
O referido aproveitamento é o elemento essencial do crime de abuso sexual de pessoa incapaz que o distingue dos crimes de coação sexual e violação, respetivamente previstos, nos artigos 163º e 164º, do Código Penal, na medida em que nestes últimos é necessário um prévio ato de constrangimento que coarta a vítima na sua liberdade de dissentir, enquanto que no crime de abuso sexual de pessoa incapaz, inexiste constrangimento que causa a incapacidade de dissentir, a qual preexiste à conduta eu consubstancial um ato sexual de relevo, aproveitando-se o mesmo de tal incapacidade para praticar tal ato.
Postas as coisas nestes termos, tudo se reconduz à questão de saber se a alteração de uma ação de constrangimento para uma situação de aproveitamento nos termos ora descritos pode ser considerada o mesmo acontecimento histórico ou mesmo pedaço de vida que a acusação submete à apreciação judicial.
Considerando que o bem jurídico protegido pelo crime de violação e o crime de abuso sexual de pessoa incapaz é o mesmo [liberdade e autodeterminação sexual], que a vítima é a mesma [BB], que o ato sexual de revelo praticado é o mesmo [introdução do pénis na boca de BB] e que tal ato ocorreu nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar [... de 2018], não oferece dúvida que estamos perante o mesmo facto histórico ou mesmo pedaço de vida, pelo que não estamos perante um crime diverso.
Relativamente ao outro critério legal para aferir da existência da uma alteração substancial dos factos, isto é, a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, considerando que o artigo 165º, n.º 2, do Código Penal prevê uma moldura abstrata de dois a dez anos e que o crime de violação, p. e p. artigo 164º n.º 2, alínea a), da redação que lhe foi dada pela Lei n.º 83/2015, de 5 de agosto [em vigor na data da prática dos factos] e atualmente previsto no artigo 164º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, redação dada pela Lei n.º 101/2019, de 6 de ... [que entrou em vigor no dia 1 de outubro de 2019, cf. artigo 5º da referida Lei], prevê uma moldura penal, de um a seis anos, forçoso é concluir que estamos perante uma agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis e, concomitantemente, perante uma alteração substancial dos facto descritos na acusação.
Considerando que, como ficou dito, o arguido se opôs ao conhecimento pelo tribunal pelos novos factos, não pode este conhecer de mérito relativamente a tal crime e, por outro lado, não valem como denúncia, dado por si só, não consubstanciam a prática de qualquer crime e, como tal, não são autonomizáveis.
Termos em que, não se fará constar do elenco dos factos provados e não provados, a matéria descrita em 51º a 53º e 115º, da acusação.
3. QUESTÕES PRÉVIAS QUE INFLUEM NO MODO DE CONHECIMENTO DE MÉRITO:
3.1. FACTOS GENÉRICOS E/OU JUÍZOS JURÍDICO-CONCLUSIVOS:
Seguindo a linha de orientação que vem sendo defendida, de forma reiterada, pelo Supremo Tribunal de Justiça [veja-se, a título exemplificativo, acórdãos do STJ de 5.2.2009 e de 15.11.2011, disponíveis, em texto integral, no endereço eletrónico www.dgsi.pt], bem como pelas Relações [acórdão da Relação do Porto de 9.3.20216 e acórdão da Relação de Évora de 21.6.2016, também disponíveis, em texto integral, no mesmo endereço eletrónico] entendemos que a matéria de facto narrada na acusação e elencado nos factos provados ou não provados de uma decisão judicial só deve integrar acontecimentos ou factos concretos, e não factos genéricos ou indeterminados, conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sobretudo se integrarem o thema decidendum.
Consequentemente, no que se refere ao tipo legal de violência doméstica, a acusação deve descrever condutas concretas, referentes a eventos que se traduzam em maus tratos físicos ou psíquicos [nomeadamente castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais], localizados no espaço e no tempo e que sejam dotados de uma dimensão externo-objetiva suficiente para que possam ser objeto de prova e contraditório no processo penal [referindo esta exigência relativamente ao crime de violência doméstica (dado que, à semelhança do crime de tráfico de estupefaciente, que esteve na origem da orientação em causa, é um tipo penal muito amplo), veja-se, a título exemplificativo, acórdão da Relação de Évora de 17-9-2013, acórdão da Relação do porto de 15-6-2016 e acórdão da Relação de Coimbra de 17-1-2018, todos disponíveis, em texto integral, in www.dgsi.pt.].
Em determinados segmentos da acusação deduzida nos presentes autos a referida exigência não foi respeitada, dada a forma genérica, vaga e difusa da descrição aí feita, bem como a referência a conceitos normativos e a juízos jurídico-conclusivos.
Consequentemente, tais segmentos foram expurgados, nomeadamente:
- O segmento do artigo 6º onde consta: “passou a maltratar BB, psicologicamente, insultando-a, ameaçando-a e controlando a sua rotina, as pessoas com quem se encontrava e privava, sexualmente, constrangendo-a a contactos de natureza sexual não desejados, e fisicamente, agredindo-a”;
- Os segmentos dos artigos 21º, 30º, 32º e 44º onde consta: “número não concretamente apurado de vezes”;
- O segmento dos artigos 59º, 60º, 72º, 94º, 117º, 118º, 120º e 121º onde consta: foros de seriedade;
- O segmento do artigo 70º onde consta “por forma a controlar os movimentos de BB”;
- O segmento do artigo 112º onde consta: “o que conseguiu”;
- O segmento do artigo 113º onde consta: “propósito concretizado (…), com efetivamente causou”;
- O segmento do artigo 114º onde consta: “como atingiu”, “que lhe são devidas, quer enquanto pessoa, quer na qualidade de companheira e x companheira e mão do se filho, humilhando-a”;
- O segmento do artigo 115º onde consta: “propósito concretizado de obter prazer sexual e dar satisfação aos seus instintos lascivos e libidinosos, assim atentando, como atentou”;
- O segmento dos artigos 116º e 119º onde consta: “conhecendo, por isso, o vínculo familiar que as une”.
- O segmento do artigo 117º onde consta: “como efetivamente causaram, (…), e que, por tais motivos e pela relação familiar existente entre ambas, a mesma transmitiria, como transmitiu, aquelas expressões a BB, o que (…) conseguiu.
- O segmento dos artigos 118º e 121º onde consta: “e conseguiu
- O segmento do artigo 120º onde consta: “como efetivamente causou, (…), e que, por tais motivos e pela relação familiar existente entre ambas, a mesmo transmitiria, como transmitiu, aquelas expressões a BB, o que (…) conseguiu.
- O segmento do artigo 123º onde consta: além do mais, no interior da residência comum e na presença do seu filho menor de idade, CC, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, mas, apesar de o saber, quis atuar da forma descrita, causando, como causou, humilhação, sofrimentos físicos e psíquicos, medo e inquietação e receio pela vida, integridade física e segurança à sua atual ex-companheira BB e mãe do seu filho, CC.
Não obstante a referida expurgação, a acusação narra factos concretos suscetíveis de preencher as referidas imputações genéricas e juízos jurídico-conclusivos, sendo esses os factos que farão parte do elenco da matéria provada e não provada, embora, como se verá, descrito com diferente encadeamento e com recurso a outras palavras, para melhor precisar, em termos lógico-cronológicos, o decurso da ação. O diferente encandeamento lógico-cronológico e uso de palavras diferentes da que constam da acusação [em termos gramaticais, trata-se de uma alteração da sintaxe, isto é, alteração da disposição das palavras na frase e das frases no discurso, incluindo a sua relação lógica, entre as múltiplas combinações possíveis para transmitir um significado completo e compreensível], na parte em que nada de novo acrescentaram à descrição da ação típica relevante, não foram comunicadas ao arguido, dado não configurarem matéria suscetível de ser considerada alteração substancial ou não substancial dos factos descritos na acusação [no sentido apontado, acórdão da Relação de Coimbra de 23-5-2012 e acórdão da Relação do Porto de 29-9-2010, disponíveis, em texto integral, no endereço eletrónico www.dgsi.pt].
Na parte em que se considerou existir uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, foi dado cumprimento ao disposto no artigo 358º, n.º 1, do C.P.P., cujas implicações processuais são as que se seguem.
*
3.2. DA ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS DESCRITOS NA ACUSAÇÃO:
Conforme decorre da respetiva ata e do ponto 8. do relatório desta peça processual, na sequência da reabertura a audiência, o tribunal, diferentemente da situação referente ao crime de violação, entendeu que as alterações dos factos descritos na acusação relativos aos crimes de violência doméstica de que o arguido se encontrava acusação, era não substancial e, como tal, deu cumprimento ao disposto no artigo 358º, do C.P.P. Nessa sequência, o arguido não pôs em causa que as alterações comunicadas relativamente aos crimes de violência doméstica eram não substanciais, colocando apenas em causa a existência de indícios que permitissem sustentar a comunicação de tal alteração.
Assim sendo, estamos perante uma questão de valoração da prova, a qual não obsta ao conhecimento de mérito, sendo decidida em sede própria, isto é, na fundamentação da matéria de facto.
Consigna-se que inexiste qualquer nulidade ou irregularidade no facto de a comunicação da alteração não substancial dos factos ter tido lugar após o encerramento da discussão da causa, na medida em que esta não se confunde com o encerramento da audiência [expressão consagrada no n.º 1, do artigo 358º, do Código de Processo Penal], e a qual abrange todo o período que vai da respetiva abertura até à leitura da sentença, pelo que só com tal leitura fica precludida a possibilidade o tribunal de proceder a tal comunicação [acórdão da Relação de Lisboa, de 7-9-2010, disponível, in www.dgsi.pt]. Assim sendo, e tendo presentes as disposições conjugadas dos artigos 339º, n.º 4, 358º e 379º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, os factos que constituem uma alteração não substancial dos descritos na acusação podem e devem ser conhecidos pelo tribunal e, como tal, serão elencados nos factos provados e, consequentemente, valorados como parte integrante do objeto do processo.

III. FUNDAMENTAÇÃO:
A) FACTOS PROVADOS:
Com relevância para a decisão, resultaram provados os seguintes factos:
A1) RELATIVOS AOS CRIMES IMPUTADOS AO ARGUIDO:
1. No mês de ... de 2012, AA e BB [doravante BB] iniciaram uma relação de namoro;
2. No mês de ... de 2012 passaram a residir em comunhão de cama, mesa e habitação, num imóvel sito sita na freguesia ..., no concelho de ...;
3. Em ... de 2016 BB soube se encontrava grávida, disso dando conhecimento a AA;
4. No dia ... de ... de 2016, a hora não apurada, no interior da residência identificada em 2), BB, perguntou a AA, que se preparava para sair da residência para se encontrar com um vizinho: “Então e aos anos do meu sobrinho, não vamos?
5. Nessa sequência, AA, com uma das suas mãos, agarrou os cabelos de BB e puxou-os para trás, ao mesmo tempo que lhe dizia: “eu quero que a tua irmã e o teu sobrinho se fodam”;
6. Devido à força aplicada no puxão mencionado em 5), BB sentiu dores na zona da nuca;
7. No dia ... de ... de 2016, no interior da residência mencionada em 2), BB, descontente com o facto de AA, que se encontrava de férias a seu pedido, sair todos os dias com amigos e recusar-se a passar tempo consigo, disse-lhe: “se não estou aqui a fazer nada, vou-me embora”;
8. Nessa sequência, AA agarrou com uma das suas mãos o pescoço de BB, empurrou-a contra uma das paredes da cozinha e, enquanto aquela permanecia encostada à parede, apertou-lhe o pescoço ao mesmo tempo que lhe dizia “mato-te a ti e ao bebé”;
9. Dada a força aplicada por AA ao apertar o pescoço nos moldes descritos em 8), BB deixou de conseguir respirar e perdeu a força necessária para continuar de pé, altura em AA lhe largou o pescoço, fazendo-a cair no chão;
10. Após recuperar a força, BB levantou-se e dirigiu-se ao quarto, onde pegou num mecanismo portátil, concebido para produzir descargas elétricas [vulgo taser], adquirido por ambos em ..., e exibiu-o a AA, ao mesmo tempo que lhe dizia “Se me voltas a tocar, levas com isto”;
11. Em ato contínuo, AA arrancou da mão de BB o referido mecanismo portátil e, de seguida, com uma das suas mãos, empurrou-a contra uma parede;
12. De seguida, colocou uma das suas mãos no pescoço de BB, imediatamente por baixo do queixo da mesma, e, fazendo força em sentido ascendente, logrou elevar a mesma no ar;
13. Simultaneamente, com a mão em que segurava o mecanismo portátil referido em 10), dirigiu o mesmo em direção às pernas de BB e pressionou o botão que aciona a descarga elétrica do referido mecanismo;
14. BB, que se encontrava com as penas suspensas no ar, devido ao descrito em 12), ao aperceber-se do descrito em 13), logrou desviá-las do referido mecanismo, evitando, dessa forma, que a descarga elétrica a atingisse;
15. A dado momento, AA largou BB, a qual se dirigiu para a porta da residência referida em 2), que havia sido trancada à chave pelo arguido, e gritou por ajuda, a qual não lhe foi prestada;
16. Após visualizou as suas chaves de casa em cima do sofá, pegou nas mesmas, abriu a porta do imóvel mencionado em 2) e saiu do mesmo, indo residir para casa da sua mãe;
17. Devido ao descrito em 8), 9) e 12), BB sentiu dores na zona do pescoço;
18. Em ... de 2016, BB regressou ao imóvel identificado em 2) e retomou a comunhão de cama, mesa a habitação com AA;
19. No dia .../.../2017 nasceu CC [doravante CC], filho de BB e AA;
20. Antes de ... de ... de 2017, BB e AA saíram do imóvel referido em 2) e passaram a residir num imóvel sito na Estrada que estabelece a ligação entre as freguesias de ... e ..., concelho de ..., mantendo, nessa habitação, a comunhão de cama e mesa;
21. No mês de ... de 2017, no interior da residência mencionada em 20), AA:
21.1. Dirigiu-se a BB e, em dois dias diferentes, disse-lhe: porque é que não vais às compras, se as outras mães conseguem, porque não vais sozinha às compras?, “não quero andar com a tua tromba”; “vou arranjar outra mãe para o meu filho”;
21.2. Desferiu, com a palma de uma das suas mãos, uma pancada no lábio superior de BB, o qual ficou inchado e dorido;
22. Na sequência do descrito em 21.2. BB saiu da residência mencionada em 20), tendo CC ficado aos cuidados do pai;
23. Decorridos 15 dias, BB regressou à residência referida em 20) e retomou a comunhão de mesa, casa e habitação com AA;
24. No ... de ... de 2017 BB e AA passaram residir no imóvel sito na ..., ..., ..., ..., ..., concelho de ...;
25. No período compreendido entre ... de 2017 e ... de ... de 2018, no interior da residência comum, quando CC acordava durante a noite a chorar, AA, em quatro dias distintos, pegou naquele pelos ombros, abanou-o e empurrou-o contra a colchão, ao mesmo tempo que dizia: “cala-te puto da merda”;
26. Nessa sequência, CC intensificava o choro;
27. No período compreendido em ... de ... de 2017 e ... de ... de 2018, no interior da residência mencionada em 24), AA:
27.1. Disse a BB, com regularidade semanal: “porca”, “as portuguesas são umas porcas”, “cabra”, “és uma merda, “o menino não come, porque não gosta da tua comida, “não sabes fazer nada”;
27.2. Disse a BB, em duas datas diferentes da mencionada em 31), “Boa tarde cadela” e que lhe ia tirar o filho, caso saísse de casa;
27.3. Retirou, em dois diferentes dias, CC dos braços de BB, a mesmo tempo, que lhe dizia: “não sabes cuidar do teu filho, não és boa mãe”;
28. Em data posterior a ... de ... de 2017 e anterior a ... de ...de 2018, AA agarrou BB pelo pescoço e apertou-o, provocando a queda da mesma no chão, onde bateu com o braço, o qual ficou com hematomas;
29. No dia ... de ... de 2018, no interior da residência referida em 20), AA disse a BB, que se encontrava sentada no sofá com CC ao colo, “vai limpar o tapete”, tendo aquela respondido “agora não, estou cansada”;
30. Em ato contínuo, AA disse-lhe “porca” e pegou em número não apurado de grafos e facas, estas com ponta redonda, e atirou tais talheres em direção ao tronco de BB, vindo os mesmos a cair sobre o colo daquela, sem lhe causar lesões;
31. De seguida, AA dirigiu-se a BB e levantou um dos braços em direção ao pescoço da mesma;
32. BB, apercebendo-se que AA, com o movimento descrito em 31), lhe queria apertar o pescoço, investiu sobre o mesmo e arranhou-o na cara, pescoço e antebraço, provocando escoriações nas zonas arranhadas;
33. BB, devido às condutas descritas em 21) a 21.2., 27 a 27.3., 28) e 29) a 31) e ao facto de AA se recusar a manter relações sexuais consigo, iniciou, em ... de ... de 2018, um relacionamento de namoro com um cidadão ...;
34. AA, antes de terminado o mês de ... de 2018, teve conhecimento da relação de namoro e, nessa sequência, no interior da residência mencionada em 20), dirigiu-se a BB e apodou-a de “cadela”;
35. Devido ao descrito em 21) a 21.2), 27) a 27.3), 28) a 34), BB, no dia ... de ... de 2018, no interior da residência comum, ingeriu número não apurado de ansiolíticos;
36. No dia ... de ... de 2018, pelas 19:30 horas, no interior da residência mencionada em 20), BB preparava-se para dar banho CC e, como necessitava de tratar da roupa que aquele deveria vestir após o banho, pediu, por seis vezes, a AA se podia tomar conta do CC por dois minutos;
37. AA não respondeu a BB, a qual, deixou o CC na casa de banho, junto à banheira, e deslocou-se a outra divisão para tratar da roupa;
38. Nessa sequência, CC debruçou-se sobre a banheira, caiu dentro da mesma e começou a chorar;
39. Ao ouvir o choro do filho, AA dirigiu-se a BB e disse-lhe “não consegues fazer tudo, não sejas mãe”;
40. Em data situada entre ... e ... de ... de 2018, AA, sem o consentimento, conhecimento e contra a vontade de BB, instalou no veículo automóvel, marca ..., modelo ..., pertencente à mesma, um dispositivo GPS, que conectou ao seu próprio telemóvel;
41. No dia ... de ... de 2018, BB, acompanhada de CC, abandonou a residência comum, tendo sido acolhida numa Casa Abrigo, sita na ...;
42. Em data não apurada, compreendida entre o dia ... de ... e o dia ... de ... de 2018, AA telefonou DD [doravante DD] e disse-lhe: “quando a BB voltar para casa vou fazer com que a mesma se atire do ... andar e tu vais apanhar os pedacinhos”;
43. em ... de 2018 AA, sob o perfil denominado “II”, que havia criado, em data não apurada, mas anterior ... de ...de 2018, na rede social Facebook:
43.1. Enviou, através do programa Messenger, para o perfil da rede social Facebook, pertencente a BB, a mensagem: “És super mãe, violada de merda?”, a qual anexou, sem o conhecimento e contra a vontade de BB, uma fotografia, correspondente à casa-de-banho da residência identificada em 19º, na qual surge ilustrada a sanita existente na mesma, em cima do tampo da qual se encontra colocado um objeto em silicone com a forma de um pénis ereto, e no meio do tampo da mesma, uma fotografia, tipo passe, onde surge retratada BB, sendo visível a parte superior do seu tronco e a totalidade do seu rosto, acompanhada da legenda “Bom domingo”;
43.2. Publicou, sem o conhecimento e contra a vontade de BB, uma fotografia, correspondente à casa-de-banho da residência identificada em 43.1., na qual surge ilustrada a sanita existente na mesma, em cima do tampo da qual se encontra colocado um objeto em silicone com a forma de um pénis ereto, e no meio do tampo da mesma, uma fotografia, tipo passe, onde surge retratada BB, sendo visível a parte superior do seu tronco e a totalidade do seu rosto, com a seguinte legenda: “essa mulher abandonava o filho de 1 ano e meio em casa para ir com ... fazer as necessidades e agora tem coragem de dizer que e mãe:;
43.3. Publicou, sem o conhecimento e contra a vontade de DD, uma fotografia, onde aquela surge retratada, vestida e sendo visível a parte superior do seu tronco e braço direito e a totalidade do seu rosto, acompanhada da seguinte legenda: “Essa carcasa velha andava a negociar uma criança com um apartamento”;
43.4. Publicou, sem o conhecimento e contra a vontade de BB, uma fotografia, correspondente à casa-de-banho da residência identificada em 43.1., na qual surge ilustrada a sanita existente na mesma, em cima do tampo da qual se encontra colocado um objeto em silicone com a forma de um pénis ereto, e no meio do tampo da mesma, uma fotografia, tipo passe, onde surge retratada BB, sendo visível a parte superior do seu tronco e a totalidade do seu rosto, com a seguinte legenda: essa aí em .../ .../ 2018 tentou o suicídio e agora ta se axare uma boa mãe????? ”;
43.5. Procedeu, sem o consentimento e conhecimento e contra a vontade de DD e BB, à publicação de duas fotografias, nas quais aquelas surgem retratadas, encontrando-se ambas vestidas e sendo visíveis a parte superior do tronco de cada uma e a totalidade dos seus rostos, acompanhada da seguinte legenda: “uma infeliz passagem de ano para essas duas merdas mãe e filha que estao a nasconder uma criança do próprio pai que o diabo vos acompanha;
43.6. Partilhou no perfil da rede social Facebook, com o nome II, sem o consentimento e conhecimento e contra a vontade de DD e BB, a publicação realizada por este próprio perfil e aludida em 43.5. e correspondente a duas fotografias, nas quais aquelas DD e BB surgem retratadas, encontrando-se ambas vestidas e sendo visíveis a parte superior do tronco de cada uma e a totalidade dos seus rostos, acompanhada da seguinte legenda: “Putedo”;
44. Em data não apurada do mês de ... de 2019 AA colocou na parte interior do para-choques traseiro direito, do veículo automóvel, marca ..., modelo ..., de matrícula ..-..-SB e cor preta, pertencente a BB, um localizador de GPS, marca ..., conectando-o ao seu telemóvel;
45. No dia 10 de ... de 2019, pelas 08:45 horas, enviou, através do seu telemóvel com o número ...57, para o telemóvel número ...56, pertencente a DD a seguinte mensagem de texto, referindo-se a BB, que aquela recebeu e leu na sua residência, sita no ..., ..., ..., ... e ..., ..., e transmitiu a BB: “Com fotos no Facebook a pacear e tem a lata de diser que tá duente a violada do caralho, a advogada do GG vai saber o mais rápido”.
46. AA, através do telemóvel com o número ...57, que lhe pertence, enviou para o telemóvel número ...56, pertença a DD, que as recebeu e leu na sua residência, sita no ..., ..., ..., ... e ..., ..., as seguintes mensagens:
46.1. No dia ... de ... de 2019, pelas 21:13 horas – “Olha diz a violada da tua filha que o sangue que o CC tem não e da família granadas E meu do pai”.
46.2. No dia ... de ... de 2019, pelas 21:37 horas – “Devias ter abortado essa violada de merda”.
46.3. No dia ... de ... de 2019, pelas 11:17 horas – “Olha vai poupando a reforma para teres dinheiro para pagar as dispensas da violada”;
46.4. No dia ... de ... de 2019,
46.4.1. pelas 22:17: Carcasa velha pergunta a violada da tua filha se tumou us comprimidos hoje Ela anda alterada;
46.4.2. 22:42 horas: “Ela ta abusar A violada ta se a esticar ou quere que a chamo ...”.
47. DD mostrou a BB, que as leu, as mensagens descritas em 46.1. e 46.4.2.;
48. No mês de março de 2019, BB, que se encontrava com CC, acolhida numa Casa Abrigo, sita na ..., acordou com AA a realização por este, no Centro de Acolhimento ..., sito na ..., de visitas àquele menor;
49. No dia ... de ... de 2019:
49.1. Pelas 18:00 horas, após a visita a CC no local referido em 48), AA encontrava-se no interior do seu veículo automóvel, junto ao parque de estacionamento do estabelecimento comercial, denominado supermercado ..., sito na ..., na ..., ..., tendo sido avistado por BB;
49.2. Pelas 19:44 horas, AA, através do telemóvel com o número ...57, enviou para o telemóvel número ...56, pertencente a DD, que as recebe e leu na sua residência, sita no ..., ..., ..., ... e ..., ..., as seguintes mensagens:
49.2.1. “Diz a filha da puta da violada que vai precisar para a vida inteira o que fez na quinta em ...”;
49.2.2. “E tu usa mais a passadeira Recomendado pela segurança rodoviária o perigo está em tudo lado”.
50. DD mostrou a BB, que as leu, as mensagens descritas em 49.2.1. e 49.2.2.;
51. No dia 25 de abril de 2019:
51.1. BB, acompanhada pelo menor CC, deslocou-se para a cidade ..., onde permaneceu na residência de HH, seu pai, sita na ..., ..., ...;
51.2. A partir do local mencionado em 55.1, BB enviou a AA, a solicitação do mesmo, enviou, através da aplicação WhatsApp uma fotografia de CC;
52. No dia ... de ... de 2019, pelas 14:38 horas, AA, através do telemóvel com o número ...57, enviou para o telemóvel número ...56, pertencente a DD, quer a recebeu e leu na sua residência, sita no ..., ..., ..., ... e ..., ..., as seguintes mensagens de texto:
52.1. A violada nasceu para sofrer assim vai ser a vida de ela. Ela ta bem la com us durantes mentais”; e
52.2. “Dia a ela para tomar uma caixa inteira de comprimidos Viver não e para fracos”;
53. DD mostrou a BB, que as leu, as mensagens descritas 52.1. a 52.2;
54. No dia 8 de agosto de 2019, AA, através do telemóvel com o número ...57, enviou para o telemóvel número ...56, pertencente a DD, que as recebeu e leu na sua residência, sita no ..., ..., ..., ... e ..., ..., as seguintes mensagens de texto:
54.1. Pelas 16:00 horas: “Explica bem a doente da tua fila que o filho tem um pai e sou eu/ Ela nao u fez sozinha”; “Quer paz que ela traga o filho para o A..., Nao a dizer que vai fugir” e “A duente da tua filha ta a procura da guerra e tu acompanhas. Se ela e mulher nao duente mental que fala comigo. Cobardes”;
54.2. Pelas 20:07 horas: “Psicopata e tua filha e pois so que andava a tomar comprimidos. E fui depois de ser violada mas ela gostava de certeza e por isso que nao disse nada”; e
54.3. pelas 20:20 horas: “Olha ai velha quem ta a ameaçar?????? A tua filha ta so escrever merda para se fazer de vítima. Mete isso no co da violada” e “Dia essa merda que as coisa que ela fez no Facebook vao para tribunal/ Mas mensagens nao tem ameaca sao conselhos”; “Antes da tua filha se fazer de vitima no facce Ela pode publicar a vida de ela Tipo com idade de 8 anos fui violada e depois fui sempre ao psiquiatras Tenho um bom papel do médico a comprovar que deficiência mental Tentativa de suicídio Ou andava a fuder com ... em ... e abandonava u filho Pois tem a quem sair”.
55. DD mostrou a BB, que as leu, as mensagens descritas em 54.1. a 54.3.;
56. No dia ... de ... de 2019, BB, acompanhada por CC, saiu da Casa Abrigo onde se encontrava acolhida e foi viver para a residência de HH, seu pai, sita na ..., ..., ...;
57. No ... de ... de 2019:
57.1. Pelas 09:00 horas, AA deslocou-se à residência de DD, sita no ..., ..., ..., ... e ..., ... e disse-lhe: “pego fogo à casa”;
57.2. Pelas 9h35, AA entrou ao estabelecimento comercial, supermercado Modelo, sito na ..., na cidade ..., local onde se encontrava BB, acompanhada por CC, que se encontrava ao seu colo e pelo seu pai, HH, e disse-lhe para entregar o seu filho, o que a mesma recusou;
57.3. Nesse momento, AA desferiu um soco na zona do nariz e dos lábios de BB, provocando-lhe dores no nariz e na boca, pequena ferida no nariz e equimose em toda a mucosa jugal do lábio superior, numa extensão de 4 cm; escoriação infra-nasal com 2 cm, que determinaram 10 dias para cura, sem afetação da capacidade de trabalho geral e sem afetação da capacidade de trabalho profissional;
58. Após, AA abandonou o supermercado em causa;
59. No dia ... de ... de 2019, pelas 12:54, AA, através do telemóvel com o número ...57, enviou para o telemóvel pertencente a HH, que o mesmo recebeu e leu na sua residência, sita na ..., ..., ..., ..., a seguinte mensagem de texto: “Olha aí filho da puta onde esta a violada da merda da tua filha???? Ela não fez o filho sozinha. Se a tua mulher era uma puta que montava todos a violada da tua filha e a mesma coisa”;
60. No dia ... de ... de 2020, no âmbito dos autos de processo da regulação das responsabilidades parentais n.º 2697/18...., que corre termos no Juízo de Família e Menores ... – Juiz ..., ficou estabelecido que o arguido AA, de 15 em 15 dias, tinha direito a visitar e estar com o menor CC;
61. Para esse efeito, CC era entregue a AA por BB na esquadra da PSP ...;
62. No âmbito de uma das referidas entregas AA dirigiu-se a BB, proferiu a seguinte expressão: “tem calma que durante o dia não te faço mal”;
63. No dia 7 de outubro de 2019, AA, através do telemóvel com o número ...57, enviou para o telemóvel com o número ...89, pertencente a BB, que aquela recebeu e leu na residência identificada em 56), as seguintes mensagens de texto:
63.1. pelas 18:40 horas – “O CC estou muito melhor comigo Do que com uma duente mental com tentativa de suicida como tu”;
63.2. pelas 18:49 horas – “Eu vou descobrir a ama Tu querias ou não”;
63.3. pelas 20:28 horas – “Lembra te bem o que te disse no continente Fui muito claro”; e
63.4. pelas 20:29 horas – “Vou cumprir com a minha palavra sou honesto”.
64. No dia ... de ... de 2019, pelas 08:30 horas, AA, através do telemóvel com o número ...57, enviou para o telemóvel com o número ...89, pertencente a BB, que aquela recebeu e leu na residência identificada em 60º, a seguinte mensagem de texto: “Violada do caralho vai tomar us comprimidos filha da puta. Tu é a tua mãe cadela. Isso tens de publicar no face. Eu fui violada e gostei muito. Assim fiquei uma grande puta Ou cadela e igual Pois quero ser igual a minha mae. Queres mais ideias Cadela violada Isso nao sao ameasas sao verdades fila da puta”;
65. AA, através do telemóvel com o número ...57, telefonou para o telemóvel com o número ...89, pertencente a BB, nas seguintes nas datas e horas:
65.1. no dia ... de ... de 2019, pelas 08:32 horas;
65.2. no dia ... de ... de 2019, pelas 17:53 horas;
65.3. no dia ... de ... de 2019, pelas 09:26 horas e pelas 09:28 horas;
66. No dia ... de ... de 2019, pelas 22.46, AA, através do telemóvel com o número ...57, ligou telemóvel com o número ...89, pertencente a BB e, de seguida, enviou para o mesmo as seguintes mensagens de texto, que aquela recebeu e leu na residência identificada em 56):
66.1. “Vou te fazer a vida num inferno” e;
66.2. “E assim que tu queres assim vais ter”.
67. Entre o dia ... de ... de 2019 e o dia 5 de novembro de 2019, AA, através do telemóvel com o número ...57, enviou para o telemóvel com o número ...89, pertencente a BB, as seguintes mensagens de texto, que aquela recebeu e leu na residência identificada em 56);
67.1. pelas 22:20 horas – “Na respeito e a mãe de ele Cuitadinho do meu filho E nunca vou te respeitar Que não tenx a sorte de te encontrar e em ... ou num café. Va”; e
67.2. Pelas 09:22 horas - “Vamos ver isso não fica assim”.
68. No dia ... de ... de 2020, AA, através do telemóvel com o número ...57, enviou para o telemóvel com o número ...89, pertencente a BB, que aquela recebeu e leu na residência identificada em 56), as seguintes mensagens de texto:
68.1. pelas 16:50 horas – “Não pensas que vou te facilitar a vida”;
68.2. pelas 16:52 horas – “Eu sou pai de CC Para ficares com ele so por cima do meu cadáver Vais ver. Não és mãe és uma duente”;
68.3. pelas 16:58 horas – “Onde está o meu filho duente mental”;
68.4. pelas 17:08 horas – “Não diz nada cobarde infeliz”;
68.5. pelas 17:14 horas – “Tu não ais ficar com o meu filho. É melhor fazeres outro”; e
68.6. pelas 17:15 horas – “Para ficares com ele Filho meu no fica com uma doente mental”;
69. AA:
69.1. Ao agir conforme descrito em 5), 8), 9), 11), 12) e 13) representou que atingia o corpo e a saúde de BB, o que quis;
69.2. Ao proferir a expressão descrita em 5) representou que a mesma era suscetível de atingir a honra e consideração de BB, o que quis;
69.3. Ao proferir a expressão descrita em 8) representou que anunciava a BB que iria atentar contra a vida da mesma, ciente que tal expressão era suscetível de causar medo e inquietação naquela e, dessa forma, adequada de coartar a sua liberdade, o que quis;
70. AA, nas situações descritas em 5), 8), 9), 9), 11), 12) e 13):
70.1. Atuou de forma livre, voluntária e consciente, ciente que vivia em união de cama, mesa habitação com BB e que o imóvel identificado em 2) constituía o domicílio onde ambos partilhavam a mencionada união;
70.2. Sabia as condutas que adotou proibidas e punidas por lei;
71. AA:
71.1. Ao atuar nos moldes descritos em 21), 21.1., 27), 27.1., 27.2., 27.3., 30), 34), 39), 43), 43.1., 43.2., 43.4, 43.5. e 43.6., 45), 47, 47.1, 47.2., 47.3, 47.4, 49), 49.2.1, 53), 53.1., 53.2., 55), 55.1., 55.2., 55.3., 64), 64.1., 65), 69), 69.1., 69.2., 69.3., 69.4. e 69.6 representou que dirigia a BB palavras suscetíveis de atingir a honra e consideração da mesma, o que quis;
71.2. Ao atuar nos moldes descritos em 21., 21.2., 28), 58), 58.3 representou que atingia o corpo e a saúde de BB, o que quis;
71.3. Ao autuar nos moldes descritos em 27) e 27.1. representou e quis determinar BB a suportar que continuasse a residir na mesma casa da mesma, mediante o anúncio que lhe levava o filho, ciente que tal anúncio era suscetível de a determinar a suportar a sua presença no interior da residência;
71.4. Ao atuar da forma descrita em 40) quis controlar a localização de BB, sem o consentimento e contra a vontade da mesma;
71.5. Ao atuar da forma descrita em 44) quis controlar a localização de CC, representando que, dessa forma, necessariamente, controlava a localização de BB, sem o consentimento e contra a vontade da mesma;
72. AA:
72.1. Nas situações descritas em 21), 21.1., 21.2., 27), 27.1., 27.2., 27.3., 28), 30), 34), 39), 43), 40), 44) 43.1., 43.2., 43.4, 43.5. e 43.6., 45), 47, 47.1, 47.2., 47.3, 47.4, 49), 49.2.1, 53), 53.1., 53.2., 55), 55.1., 55.2., 55.3., 58), 58.3., 64), 64.1., 65),69), 69.1., 69.2., 69.3., 69.4. e 69.6 atuou de forma livre, voluntária e consciente, ciente que vivia em união de cama, mesa habitação com BB, que os imóveis identificados em 20) e 24) constituíam o domicílio onde ambos partilhavam a mencionada união, que o imóvel identificado em 57) era residência de BB e que, na situação descrito em 58), 58.2. e 58.3., atuava na presença de CC;
72.2. Sabia as condutas adotadas proibidas e punidas por lei;
73. AA ao atuar nos moldes descritos em 25):
73.1. Representou que atingia o corpo e saúde de CC, o que quis;
73.2. Representou dirigir ao mesmo palavras que sabia serem suscetíveis de atingir a honra e consideração do mesmo, o que quis;
74. Em todas as situações, agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que atuava sobre o seu filho, no interior do domicílio do mesmo;
75. AA ao agir da foram descrita em 43), 43.3., 43 e 43.5 e 43.6., quis utilizar fotografia de DD, sem o consentimento, conhecimento e contra a vontade da mesma;
76. Sabia tal conduta proibida e punida por lei;
77. AA:
77.1. Ao agir da forma descrita em 49) e 49.2.2. representou que proferia expressão em que anunciava que iria atingir a integridade física de DD e que a mesma era suscetível de causar medo e inquietação naquela, o que quis;
77.2. Ao agir da forma descrita em 58) e 58.1. representou que proferia expressão em que anunciava a DD que iria danificar um imóvel da mesma e que a mesma era suscetível de causar medo e inquietação em DD, o que quis;
78. Em ambas as situações agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que as condutas adotadas proibidas e punidas por lei;
A2) REFERENTES AOS PEDIDOS DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL:
79. Devido ao descrito em 5), 8), 9), 11), 12), 13), 21), 21.1., 21.2., 27), 27.1., 27.2., 27.3., 28), 30), 34), 39), 43), 40), 44) 43.1., 43.2., 43.4, 43.5. e 43.6., 45), 47, 47.1, 47.2., 47.3, 47.4, 49), 49.2.1, 53), 53.1., 53.2., 55), 55.1., 55.2., 55.3., 58), 58.3., 64), 64.1., 65),69), 69.1., 69.2., 69.3., 69.4. e 69.6, BB sentiu medo, receio, vexame, vergonha, desgosto e tristeza;
80. Na atualidade, quando rememora o sucedido, BB é acometida dos mesmos sentimentos;
81. Devido ao descrito em 43), 43.3., 43 e 43.5 e 43.6., 49), 49.2.2. 58) e 58.1 DD sentiu, mede, receio, vergonha vexame e tristeza;
82. Devido ao descrito em 58), 58.2 e 58.3. BB foi assistida no C..., onde lhe forma prestados cuidados de saúde no valor de € 112,07 (cento e doze euros e sete cêntimos);
A3) RELATIVOS AS CONDIÇÕES PESSOAIS E ANTECEDENTES CRIMINAIS DO ARGUIDO:
83. AA é o único descendente de um relacionamento efémero, sendo a figura materna a sua principal referência psicoafectiva;
84. Aos 18 anos concluiu equivalente ao 11º ano na área técnico-profissional de ..., tendo trabalhado nessa área juntamento como o avô;
85. Emigrou juntamente com a mãe para ..., onde permaneceu e trabalhou, na área da restauração, até 2001, ano em que emigrou para Portugal;
86. Mantém contactos regulares com a mãe, que permanece a reside em ...;
87. Em Portugal, AA trabalhou na área de construção civil e, desde 2010 e até ao início deste ano exerceu funções de atendimento a clientes na sociedade “M..., Lda.”;
88. Antes de iniciar a relação descrita em 1), AA viveu, durante dez anos, em união de facto com outra mulher, a residir na atualidade no estrangeiro;
89. Em ... de 2019 iniciou relação de comunhão de cama mesa e habitação com pessoa do sexo feminino, com quem veio a casar em .../.../2020 e como quem vem mantendo uma relação afetiva gratificante;
90. Em ... de 2020 foi decretada a suspensão das visitas de AA a CC;
91. Na atualidade, AA:
91.1. Reside com a sua mulher em habitação arrendada, pela qual pagam uma renda mensal no valor de € 280 (duzentos e oitenta euros), sita em ..., ..., ... ..., ...;
91.2. Encontra-se desempregado, auferindo subsídio de desemprego no valor de € 509 (quinhentos se nove euros) mensais, que se soma aos € 800 (oitocentos euros) mensais auferidos pela sua mulher;
91.3. Pretende constituir-se sócio-gerente de uma sociedade de mecânica, juntamente com outra pessoa;
91.4. Responsabiliza BB pela sua situação jurídico-penal e pelo facto de não usufruir de vistas ao descendente desde ... de 2020;
91.5. Mostra disponibilidade para frequentar ação direcionada para a violência doméstica;
92. AA, por decisão datada de .../ .../ 2009, transitada em julgado em .../ .../ 2009, foi condenado pela prática, em .../ .../ 2009, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203º e 204º, n.º 2, alínea e), do Código Penal, na pena de um amo e oito meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano e oito meses de prisão, declarada extinta pelo cumprimento;

*
B) FACTOS NÃO PROVADOS:
Com relevância para a decisão da causa não se provaram os seguintes factos:
a) A relação de namoro referida em 1) dos factos provados teve início em ... de 2013;
b) Nas circunstâncias descritas em 5) dos factos provados, AA agarrou e apertou o pescoço de BB, causando-lhe dores nessa zona;
c) Nas circunstâncias descritas em 7) dos factos provados, AA disse a BB: “não quero estar em casa para olhar para ti, tenho que aproveitar antes do meu filho nascer, tenho que aproveitar a liberdade”;
d) No mês de ... de 2016, à hora do almoço, após um passeio de mota, AA regressou à residência referida em 2), e, dirigindo-se a BB, disse-lhe: “Foda-se ainda não está feito o almoço? Quero almoçar, estou com fome”;
e) BB, ao mesmo tempo que lançava mão dos seus bens pessoais, para sair de casa, disse a AA: “Não sou tua empregada”;
f) Nessa sequência, AA praticou os factos descritos em 11) e 12) dos factos provados, ao mesmo tempo que dizia “mato-te a ti e a essa bebé que tens aí, sua cabra”;
g) Após BB gritar por ajuda nos moldes descritos em 14) dos factos provados, AA disse-lhe “cala-te caralho. É preciso isso tudo”;
h) Devido ao descrito em 8), 9) e 12) BB sentiu dores na cabeça;
i) AA e BB permanecerem na residência referida em 2) dos factos provados até ... de ... de 2017;
j) Devido ao descrito em 21) e 21.2. dos factos provados, BB sofreu dores no nariz e o interior dos lábios ficaram negros;
k) O descrito em 25) dos factos provados ocorreu até após ... de ... de 2018;
l) Nas circunstâncias descritas em 25) dos factos provados, AA apertou os ombros de CC e efetuou os movimentos aí descritos em dez diferentes ocasiões ao mesmo tempo que proferia as expressões: “foda-se, caralho, merda do miúdo”;
m) Numa das referidas ocasiões, AA desferiu uma palmada sobre a coxa direita de CC, provocando um hematoma na zona atingida;
n) Nas circunstâncias descritas em 27) a 27.2. dos factos provados AA proferiu as expressões: “cabra de merda”, “puta de merda”, “filha da puta”, “vou arranjar outra mãe para o meu filho, tu não prestas, estás toda estragada”, “não sabes fazer nada, vou avariar o teu carro, para não ires trabalhar”;
o) O descrito em 27 a 27.2. dos factos provados ocorria com frequência diária;
p) DD esteve presente aquando da ocorrência do descrito em 27) a 27.3. dos factos provados e colocou o seu corpo entre o de AA e BB, de forma a impedir que aquele atingisse o corpo daquela;
q) O descrito em 28) dos factos provados, ocorreu em ... de 2017 e AA, na sequência do aí descrito atirou BB contra a parede e a cama;
r) AA atirou os talhares nos moldes descritos em 29) dos factos provados porque BB não havia lavado a roupa e, em simultâneo, disse-lhe “eu sei que não vou acertar no meu filho, quero é acertar em ti”;
s) De seguida, AA agarrou e puxou os cabelos de BB e empurrou-a contra a uma parede, causando-lhe dores na cabeça;
t) Nessa sequência, BB pegou no filho de ambos e levou-o para o quarto e, enquanto se encontrava ao telemóvel com a sua mãe, DD, o arguido AA, dirigindo-se-lhe, proferiu as seguintes expressões: “foda-se, vocês são umas merdas”;
u) AA, ao mesmo tempo que proferia a expressão “ficas mas é aí sua cabra”, apertou o pescoço de BB em datas diferentes das referidas em 28) e 29) dos factos provados e, nessas ocasiões, empurrou-a contra o chão, a cama e o sofá, causando dores no pescoço e nas partes do corpo embatidas;
v) O relacionamento iniciado por BB nos moldes descritos em 33) dos factos provados foi de amizade;
w) Apercebendo-se dessa amizade AA, proibiu BB de manter tal amizade, retirou-lhe o telemóvel e afirmou: “só iria ficar tudo bem se a mesma apresentasse queixa por assédio contra o amigo em causa”, que “iria ter outras mulheres”, que aquela “não prestava” e “não sabia como tinha conseguido ter um filho com a mesma”;
x) Nas circunstâncias descritas em 35) dos factos provados, BB ingeriu quatro comprimidos do antidepressivo “maprotilina ratiopharm 50 mg” e de quatro comprimidos do ansiolítico “ansitec 5 mg” e foi assistida naquela residência por elementos da Cruz Vermelha;
y) Ao ingerir os comprimidos nos moldes descritos em 35) dos factos provados, BB visou o suicídio;
z) Nas circunstâncias descritas em 36) dos factos provados, quando BB retirava o menor CC da banheira, este escorregou;
aa) Nessa sequência, AA disse a BB “não és boa mãe” e “quando o menino está contigo, está sempre a chorar”.
bb) Em ato contínuo, AA puxou pelos pés de CC, que se encontrava ao colo de BB, e colocou-o no seu próprio colo;
cc) No período temporal mencionado em 42) dos factos provados, AA, em local não apurado, disse a DD: “ando com uma pistola no bolso, vou metê-la na boca da tua filha, dou-lhe um tiro e rebentou-lhe os miolos”;
dd) AA, agir nos moldes descritos em cc) representou que proferia expressão em que anunciava que iria provocar a morte BB e que a mesma era suscetível de lhe causar medo e inquietação, o que, de forma livre e consciente, quis, sabendo que praticava conduta proibida e punida por lei;
ee) A expressão descrita em 42) dos factos provados foi comunicada por DD a BB;
ff) A mensagem e fotografia referidas em 43.1. dos factos provados foram enviadas a BB no dia ... de ... de 2018;
gg) No mês de ... de 2018, AA obteve uma fotografia de DD, na sequência do que procedeu à publicação mencionada em 43.3. dos factos provados;
hh) As fotografias de DD mencionadas em 43.3. 43.5 e 43. e 43.6 foram publicadas em três diferentes datas;
ii) No mês de ... de 2019, AA, através telemóvel com o número ...57, telefonou para HH [doravante HH], pai de BB, e disse-lhe “a tua filha deveria passar sempre em cima da passadeira”;
jj) Nessa sequência, HH deu de imediato conhecimento a BB da referida expressão;
kk) AA, ao agir conforme descrito em ii) sabia que estava a proferir expressão em que anunciava que iria atingir a integridade física de BB e que a mesma era suscetível de causar medo e inquietação na mesma, no caso de HH lhe transmitir a mesma;
ll) Nas circunstâncias descritas em 49.1 dos factos provados AA seguiu BB até ao local aí referido;
mm) No dia ... de ... de 2019 , pelas 17:30 horas, após a visita ao menor CC, sabendo que se tratava de trajeto a seguir por BB para a Casa Abrigo, AA aguardou, no interior do seu veículo automóvel, nas imediações do estabelecimento comercial, denominado supermercado ..., junto ao ..., na ..., a passagem de BB e daquele menor;
nn) No dia mencionado em 52) dos factos provados BB, AA, ao volante do seu veículo automóvel, seguiu BB até a um estabelecimento de café e de bebidas, sito em ..., quando aquela ali se deslocou acompanhada do vizinho JJ;
oo) De seguida, AA, de capuz na cabeça, passou apeado por BB;
pp) Após o regresso de BB à residência identificada em 52) dos factos provados, AA permaneceu durante cerca de 10 (dez) minutos parado em frente à mencionada residência;
qq) No dia ... de ... de 2019, a hora concretamente apurada, compreendida na manhã do referido dia, AA enviou a BB uma fotografia que ilustrava o local onde a mesma se encontrava quando tirou ao menor CC a fotografia referida em 44.1.;
rr) No dia ... de ... de 2019, pelas 18:12 horas, AA, através do telemóvel número ...57, telefonou para o telemóvel número ...56, pertencente a DD, a quem disse: “vou acabar com a raça de toda a família”;
ss) No dia ... de ... de 2019, BB, acompanhada pelo menor CC, deslocou-se para a cidade ..., onde permaneceu na residência de DD, sua mãe, sita no ..., ..., ..., ... e ...;
tt) No dia ... de ... de 2019, pelas 13h00, AA, através do telemóvel com o número ...57, telefonou para o telemóvel número ...56, pertencente a DD, e disse-lhe: “se eu vejo o meu filho aí dentro da tua casa eu pego-lhe fogo”;
uu) AA, agir nos moldes descritos em tt) representou que proferia expressão em que anunciava que iria danificar um imóvel de DD e que a mesma era suscetível de lhe causar medo e inquietação, o que, de forma livre e consciente, quis, sabendo que praticava conduta proibida e punida por lei;
vv) Nas circunstâncias de tempo e lugar mencionados em 57), 57.2. e 57.3. dos factos provados AA disse a BB “não tens medo de mim, mas devias ter que vou dar cabo da tua vida, aqui não te faço nada, cadela, filha da puta, violada”, provocando-lhe dores no pescoço e no tronco;
ww) O descrito em 57.2. dos factos provados ocorreu quando CC se havia dirigido às prateleiras do supermercado;
xx) HH deu conhecimento a BB da mensagem descrita em 62) dos factos provados;
yy) O descrito em 63) dos factos provados sucedeu mais que uma vez;
* * *
C) MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:
Relativamente à matéria descrita em 1) e 2) dos factos provados e vertida na alínea a) dos factos não provados [narrada no artigo 1º e 2º da acusação], o tribunal valorou, de forma crítica e conjugada, as declarações do arguido e da assistente/demandante BB, as quais, se mostraram coincidentes quanto ao momento temporal em que iniciaram a relação de namoro, quanto ao momento temporal em iniciaram a união de facto [isto é, em comunhão de cama, mesa e habitação], e quanto à localização do imóvel onde passaram a efetivar a referida comunhão.
Considerando que por ambos foi dito que a relação de namoro teve início no mês de ... de 2012 [e não, como referido no artigo 1º acusação, em julho de 2012] o tribunal, por imposição lógica decorrente do princípio da não contradição, considerou não provada a matéria vertida na alínea a).
Com efeito, o postulado lógico decorrente do princípio da não contradição determina que duas afirmações contraditórias não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo sob o mesmo aspeto, ou seja, são mutuamente excludentes [trata-se aqui da formulação mais simples do princípio da não-contradição, isto é, como a segunda das três leis clássicas do pensamento, correlato da lei da identidade (a primeira dessas leis), a qual divide o universo em duas partes, criando, dessa forma uma dicotomia, da qual resulta que as duas partes são "mutuamente excludentes". É essa formulação que, segundo cremos, está subjacente na alínea b), do n.º 2, do artigo 410º, do C.P.P., ao falar em contradição insanável].
O apuramento da matéria descrita em 3) [não mencionada diretamente na acusação, mas relevante para o afirmado no artigo 6º dessa mesma peça processual] assentou na valoração crítica das declarações de BB, a qual referiu o mês em que soube em que está grávida, estando tais declarações de acordo com as regras que regem na medicina, dado que tendo CC nascido a .../.../2017 [cf. infra] e que se tratou de uma gravidez de termo [ou seja, com a duração de não inferior a 39 semanas], o primeiro mês de gravidez coincide com o mês de ... de 2016.
Relativamente à matéria descrita em 4) a 17) dos factos provados e vertida nas alíneas b) a h) dos factos não provados [narrada, em parte, nos artigos 7º a 27º da acusação], o tribunal valorou, de forma crítica e conjugada, as declarações do arguido e da assistente/demandante BB, nos moldes que a seguir se explicitam.
O arguido assumiu que no dia ... de ... de 2019, dia de aniversário do sobrinho de BB, se preparava para sair com o seu padrinho para andar de mota, pelo que foi questionado por aquela se já não iam ao aniversário daquele, tendo respondido que não ia. Negou, contudo, o descrito nos artigos 8º e 9º da acusação, ou seja, que tenha puxado os cabelos de BB, que lhe tenha apertado o pescoço e que lhe tenha dito “eu quero que o teu sobrinho se foda”.
Por seu turno, BB, referiu que, ao verificar que o arguido ia a sair de casa para passear com o padrinho, lhe disse: “então e aos anos do meu sobrinho, já não vamos?”;
Nessa sequência, AA, ao mesmo tempo que dizia “eu quero que a tua irmã e o teu sobrinho se fodam”, puxou-lhe os cabelos para trás, o que lhe causou dores na nunca.
Não confirmou, porém, que, nessa ocasião, o arguido lhe apertou o pescoço e a encostou à parede nos moldes descritos no artigo 8º da acusação, e não confirmou, que tenha sofrido dores no pescoço.
Já no que se refere ao descrito nos artigos 10º a 27º da acusação, o arguido apenas admitiu que foi confrontado por BB relativamente ao facto de passar mais tempo fora de casa do que com ela, mesmo quando estava de férias, e que arrancou o “taser” das mãos da mesma, mas para evitar ser agredido [de forma a que não restasse dúvida de que o arguido e a assistente, ao falarem e “taser” se estavam a referir a um mecanismo que produz descargas elétricas, fez-se constar na descrição dos factos provados as caraterísticas de tal mecanismo].
Tudo o mais descrito nos artigos 10º a 27º da acusação, com exceção de a assistente ter saído da residência, na sequência do episódio que envolveu o uso do “taser”, o arguido referiu não corresponder à verdade.
BB, no que se refere à matéria em causa, isto é, narrada nos artigos 10º a 27º da acusação, referiu que tudo teve lugar no dia ... de ... de 2016 [data que reteve vívida na memória, por corresponder ao dia em que saiu da residência onde vivia em união de facto e foi viver para a casa da sua mãe], esclarecendo, no que se refere ao descrito no artigo 10º a 15º, que após confrontar o arguido, que se encontrava de férias a seu pedido, com o facto de o mesmo não aproveitar para passar tempo consigo, mas sim com os amigos, lhe disse: “se não estou aqui a fazer nada, vou-me embora”.
Nessa sequência, o arguido agarrou-lhe pelo pescoço, empurrou-a contra uma das paredes da cozinha e, ao mesmo tempo que dizia: “mato-te a ti ao bebé”, apertou-lhe o pescoço com tal força que, dado momento, começou a sentir falta de ar, a qual persistiu até ao ponto de se sentir a desfalecer [deixou de ter força para se manter de pé]. Só nessa altura o arguido lhe largou o pescoço, o que, devido a falta de força nas pernas, fez com caísse no chão da cozinha.
Mais referiu que não tem memória de o arguido ter proferido a frase narrada no artigo 11º da acusação, ou seja, “não quero estar em casa a olhar par ti, tenho que aproveitar antes do meu filho nascer, tenho que aproveitar a liberdade”, bem como a expressão que consta do artigo 13º da acusação, ou seja, “cabra”.
Mais referiu, relativamente ao narrado em 16º a 25º, que no próprio dia 26 de junho de 2016 [não no mês de ... de 2016, como referido na acusação], depois de recuperar a força, levantou-se do chão e dirigiu-se ao quarto e pegou no “taser” que ambos haviam adquirido em ..., e exibiu-o ao arguido, ao mesmo tempo que lhe dizia “se me voltas a tocar, mato-te”.
Nessa sequência, o arguido arrancou-lhe o “taser” das mãos e empurrou-a contra uma parede e, com umas mãos, apertou-lhe o pescoço no sentido ascendente, aplicando força capaz de a levantar no ar, e, com a outra mão, pressionou o botão do “taser” que permite que o mesmo efetue descargas elétricas, e dirigiu-o em direção às suas pernas.
Como se encontrava com as pernas suspensas no ar, conseguiu movimentá-las para os lados, evitando, dessa forma, que as descargas elétricas produzidas pelo “taser” a atingissem.
Nesta situação não proferiu qualquer frase, não sendo, pois, verdade que tenha dito “mato-te a ti e a esse bebé que tens aí, sua cabra”.
A dado momento, o arguido cessou a sua conduta, pelo que aproveitou para se dirigir para a porta da rua, tendo-se deparado com a porta fechada à chave, tendo sido o arguido a fazê-lo. Como não sabia das suas chaves começou a gritar por ajuda, na esperança que os vizinhos ouvissem, mas ninguém veio em seu auxílio.
Decorrido algum tempo, visualizou as suas chaves de casa em cima do sofá, pegou nas mesmas, abriu a porta e saiu da residência comum, indo residir para a casa da sua mãe, onde permaneceu durante 5 ou 6 meses, após o que retomou a união de facto com o arguido, na mesma residência.
As declarações da assistente, dada a sua espontaneidade, coerência e descomprometimento foram valoradas como credíveis.
Com efeito, a argumentação usada pelo arguido para minar a credibilidade de BB, alavancada na imputação à mesma problemas psicológicos [dada a toma de ansiolíticos e a tentativa de suicídio], de infidelidade [envolveu-se sexualmente com outro homem, quando ainda estava a viver em união de facto com ele], apresentação tardia de queixa [só apresentou queixa contra após cessar união de facto] e motivada pelo receio de perder a guarda do filho comum para o arguido, não colhe, na medida em que BB explicou que tomou comprimidos na sequência de ser agredida física e psicologicamente pelo arguido, o que este, em parte, corroborou, ao admitir que a chamava de porca e puta, que lhe dizia não sabia fazer comida, que não sabia cuidar do filho, que não cuidava da limpeza da casa, que tinha asco dela e que a mesma era uma “violada” porque tinha sido abusada sexualmente quando ainda era criança.
Ora, expressões e críticas deste jaez, confessadas pelo arguido, são demolidoras para a autoestima e, como tal, suscetíveis de criar picos de ansiedade que levaram BB à toma de ansiolíticos. Ou seja, a toma de medicamentos por parte da assistente não preexistia às condutas do arguido, são sim consequência das mesmas. Mesmo dando por adquirido, dado os estudos que apontam nesse sentido, que BB era portadora de marcas de sofrimento psicológico profundo por ter sido abusada sexualmente em criança, tal não conduz a que se torne numa pessoa mentirosa.
Já o facto de o arguido, confessadamente, usar esse abuso como forma de diminuir BB, fazendo-a sentir-se culpada pelo sucedido, apodando-a de “violada de merda” revela ato de crueldade, ou seja, uma atitude interior que revela baixeza de caráter. As caraterísticas da atitude interior [a doutrina alemã, fala a este propósito de gesinnungsmerkmale, vide STRATENWERTH, in Zur Funktion strafrechtlischer Gesinnungsmerkmale, Weber- FS. 1963. p. 171, apud FIGUEIREDO DIAS, in Direito Penal, Parte Geral, 3ª edição, p. 446, nota 100], relevam ao nível da culpa.
Relativamente ao facto de BB ter decidido iniciar uma relação extraconjugal, não lhe retira credibilidade, antes é fator que a acentua, na medida a que a mesma, de forma absolutamente descomprometida/desprendida, assumiu que iniciou essa relação extramarital.
Fê-lo porque, segundo as palavras da própria “o arguido a deixou de querer conviver socialmente com mesma, de lhe dizer que tinha asco dela, que não queria andar com a tromba em público e de procurar para terem relações sexuais e, como tal, decidiu procurar ser feliz com outra pessoa”. Ora, esta explicação, dada de forma espontânea e “sem sombra de pecado” [se não me queres, vou procurar quem me queira], revela, de forma impressiva, autenticidade/genuinidade.
O arguido juntou mensagens trocadas com a mãe da arguida, em que esta mostra desagrado com a atitude de BB e incentiva o arguido a terminar com essa relação. Nada disso afeta a autenticidade da mesma. BB é livre de escolher o parceiro que entender, nada a obrigando a escolher um que agrade à mãe. As pessoas não são mais ou menos credíveis consoante escolham parceiros do agrado dos pais.
A apresentação da queixa após a cessação da união de facto é atitude corrente em muitas das vítimas de violência doméstica, as quais, após longos períodos de sofrimento, conseguem ganhar coragem para por fim à relação e ganhar consciência crítica que as torna capazes de denunciar a pessoa que sobre as mesmas exerceu violência doméstica.
O suposto medo da perda da guarda do filho, após a separação, como motivo para mentir também não colhe, na medida em que, após tal separação, o arguido admitiu ter enviado mensagens injuriosas e contendo ameaças, credibilizando, dessa forma, o afirmado por BB no período em que viveram em união de facto.
A argumentação de que era humanamente impossível o arguido ter levantado a assistente BB no ar, dada a sua estatura e compleição física, também não afeta a credibilidade do relatado por BB, dado que a assistente é pessoa de estatura baixa e franzina e estava encostada à parede, sendo, assim, perfeitamente possível ao arguido, em estado de fúria e com o apoio da parede, levantar, por momentos, a assistente do chão nos termos dados como provados.
Por último, o depoimento prestado pela testemunha FF, arrolada pelo arguido, que foi vizinha daquela e BB, em nada beliscou a credibilidade desta última, na medida em que dizer que não presenciou agressões não infirma o relatado por BB, pois as mesmas ocorreram no interior da residência.
Acresce que a referida testemunha relatou que viu e ouviu discussões, o que é facto potenciador do relatado por BB.
Termos em que se considerou provada a matéria descrita em 4) a 17), resultando não provada a matéria vertida nas alíneas b) a h), na medida em que a mesma ou é logicamente incompatível com a matéria dada como provada ou não foi confirmada por BB.
.O apuramento do facto 18) [correspondente à parte final do artigo 27º da acusação] assentou nas declarações da assistente, a qual, relatou que, na sequência de o arguido lhe ter pedido desculpa e prometido que não voltava a adotar os comportamentos que a levaram a sair de casa, regressou à mesma quanto estava grávida de cinco ou seis meses, ou seja, ... ou ... de 2016, retomando a união de facto, isto é, comunhão de cama, mesa e habitação.
O arguido confirmou o regresso à residência de BB quando a mesma ainda se encontrava grávida, mas disse não se recordar do momento exato em que tal sucedeu.
Face ao exposto, e considerando que nenhuma outra prova foi feita sobre tal facto, o tribunal considerou provado que BB regressou à residência referida em 2) em novembro [cinco meses], retomando a união de facto com o arguido.
O apuramento do facto 19) [correspondente ao artigo 5º da acusação] resultou da análise do assento de nascimento junto a fls. 646, o qual consubstancia documento autêntico, pelo que, não tendo a sua autenticidade e veracidade posta em causa [antes pelo contrário, pois arguido e a assistente BB, corroboraram o respetivo teor] faz prova plena dos factos materiais nele inscritos [artigo 169º, do C.P.P], ou seja, comprova a data de nascimento e filiação de CC.
Relativamente à matéria descrita em 20) dos factos provados e vertida na alínea i) dos factos não provados [correspondente á parte fina do artigo 2º e ao artigo 3º da acusação] o tribunal valorou as declarações da assistente BB, não infirmadas pelas declarações do arguido ou qualquer outro meio prova, ao mencionou que ainda antes de CC ter completado um mês de idade saírem da habitação referida em 2) dos factos provados e passaram a residir, em união de facto, no imóvel identificado no artigo 3º da acusação.
Considerando que BB não referiu o dia exato em que mudaram em residência, o tribunal considerou não provado que tal mudança ocorreu no dia 20 de fevereiro de 2016, ou seja, considerou não provada a matéria vertida na alínea i)
Relativamente à matéria descrita em 21) a 21.2., 22) e 23) dos factos provados e vertida na alínea j) dos factos não provados [narrada, em parte, nos artigos 28º, 35º e 36º da acusação], o tribunal valorou, de forma crítica e conjugada, as declarações do arguido e da assistente/demandante BB, nos moldes que a seguir se explicitam.
A assistente relatou a ocorrência dos factos descritos em 21) a 21.2., 22) e 23) da acusação.~
Por seu turno, o arguido admitiu ter proferido as expressões “não quero andar com a tua tromba” e “vou arranjar outra mãe para o meu filho”, negando ter proferido as demais expressões descritas no artigo 28º. Negou ter agredido BB nos moldes descritos em 35º da acusação e causado na mesma as lesões descritas no artigo 36º da mesma peça processual.
Pelas razões já acima exaradas, o tribunal considerou que BB prestou declarações credíveis e, como tal, deu como provada a matéria descrita em 21) a 21.2., 22) e 23) e, dado tais lesões não terem sido confirmadas pela assistente, não provada a matéria descrita na alínea j).
O apuramento do facto 24) [correspondente ao artigo 4º da acusação] assentou nas declarações do arguido e da assistente BB, coincidentes quanto ao facto de terem passado a residir na Rua ..., ..., ..., ..., no início do Verão de 2017, ou seja, atendendo ao calendário gregoriano que nos rege, no dia ... de ... de 2017.
Relativamente à matéria descrita em 25) e 26) dos factos provados e vertida nas alíneas k) a m) dos factos não provados [narrada nos artigos 55º a 57º da acusação], o tribunal valorou, de forma crítica e conjugada, as declarações do arguido e da assistente/demandante BB, nos moldes que a seguir se explicitam.
O arguido negou ter agredido o seu filho.
BB confirmou que, pelo menos quatro vezes, todas antes do CC completar um ano de idade, o arguido, porque era acordado pelo choro do filho, pegava nos ombros dele, abanava-o e empurrava o corpo do mesmo contra o colchão.
Pelas razões já acima exaradas, o tribunal considerou que BB prestou declarações credíveis e, como tal, deu como provada a matéria descrita em 25) e 26) .
Dada a matéria descrita nas alíneas k) a m) ser incompatível com a matéria descrita em 25) e 26), a mesma foi dada como não provada.
Relativamente à matéria descrita em 27) a 27.3. e 28) dos factos provados e vertida nas alíneas n) a q) dos factos não provados [narrada nos artigos 28º a 34º, da acusação], o tribunal valorou, de forma crítica e conjugada, as declarações do arguido e da assistente/demandante BB, nos moldes que a seguir se explicitam.
O arguido admitiu, embora não com caráter diário, que disse a BB que não sabia cuidar do filho, que lho ia tirar no Tribunal de Família, que a mesma não saber fazer nada, que a chamou de cabra e que lhe tirou o filho dos braços, referindo quanto a esta última situação que o fez porque BB estava a lavar loiça, a criança escorregou e bateu com a cabeça.
Por seu turno, BB, cujas declarações foram consideradas credíveis pelos motivos acima referido, confirmou o descrito em 27) a 27.3. e negou a ocorrência da situação de CC ter batido com a cabeça.
Mais referiu que as expressões descritas em 27.1. não ocorreram com caráter diário, mas com muita frequência, pelo que é possível afirmar, para além da dúvida razoável que, pelo menos semanalmente, tal aconteceu.
Referiu ainda que, para além das situações já acima referidas, o arguido lhe voltou a apertar o pescoço, a atirou ao chão, onde bateu com o braço e ficou com hematomas e que essa terceira vez ocorreu antes do episódio que teve lugar no dia ... de ..., razão pelas qual se considerou provado o descrito em 28).
O descrito nas alíneas n) a q) foi considerado não provado porque não confirmado por BB, sendo que o referido em p) também não foi confirmado por DD.
Relativamente à matéria descrita em 29) a 32) dos factos provados e vertida nas alíneas r) a u) dos factos não provados [narrada nos artigos 37º a 41º e 44º e 45º da acusação], o tribunal valorou, de forma crítica e conjugada, as declarações do arguido e da assistente/demandante BB, nos moldes que a seguir se explicitam.
O arguido admitiu que teve uma discussão com BB com questões relacionadas com a limpeza e que, nessa sequência, a chamou de porca.
Negou a situação que envolveu o arremesso de facas e a agressão descrita no artigo 39º da acusação.
Por seu turno, BB, cujas declarações foram consideradas credíveis pelos motivos acima referido, confirmou a ocorrência descrito em 29) a 32), mas não o descrito nas alíneas r) a u).
Relativamente à matéria descrita em 33) e 34) dos factos provados e vertida nas alíneas v) a w) dos factos não provados [narrada nos artigos 42º e 43º da acusação], o tribunal valorou, de forma crítica e conjugada, as declarações do arguido e da assistente/demandante BB, nos moldes que a seguir se explicitam.
O arguido, como resulta do já acima afirmado, soube que BB se envolveu sexualmente com cidadão de nacionalidade ..., o que, como também já acima referido, foi confirmado por BB, a qual explicou o motivo de tal envolvimento, ou seja, o facto de ser agredida, injuriada e ameaçada pelo arguido e o de o mesmo se recusar a manter relações sexuais consigo. Referiu ainda BB que, quando o arguido descobriu tal relacionamento, a apodou de “cadela”.
Pelas razões já referidas as declarações da BB foram credíveis, pelo que o descrito em 33) e 34) foi considerado provado.
A matéria vertida nas alíneas v) a w) foi considerada não provada porque, em parte, é incompatível como o considerado provado [mormente a existência de uma relação de amizade com o cidadão de nacionalidade ...], e, na outra parte, não foi confirmada por BB.
Relativamente à matéria descrita em 35) dos factos provados e vertida nas alíneas x) e y) dos factos não provados [narrada no artigo 46º da acusação], o tribunal valorou, de forma crítica e conjugada, as declarações do arguido e da assistente/demandante BB, nos moldes que a seguir se explicitam.
O arguido referido que no dia referido no artigo 46º da acusação não estava em casa, tendo sabido do sucedido por DD.
BB confirmou que, devido às agressões físicas e psíquicas de que era alvo por parte do arguido ingeriu, na data referida em 34) ansiolíticos, cuja marca e número não soube concretizar. Não confirmou a ingestão de antidepressivos.
Negou a tentativa de suicídio, referindo que ingeriu os comprimidos para se acalmar.
Termos em que se considerou provado o descrito em 35), mas não provado o vertido nas alíneas x) e y).
Relativamente à matéria descrita em 36) e 39) dos factos provados e vertida nas alíneas z) a bb) dos factos não provados [narrada nos artigos 47º e 50º da acusação], o tribunal valorou, de forma crítica e conjugada, as declarações do arguido e da assistente/demandante BB, nos moldes que a seguir se explicitam.
O arguido apenas admitiu que, na data referida em 36), dada a queda de CC na banheira, discutiu com a BB por tal ter acontecido.
BB, cujas declarações foram consideradas credíveis pelas razões acima exaradas, confirmou a ocorrência do descrito em 36) a 39) o que, por decorrência lógica, implicou que não se considerasse provada a matéria descrita nas alíneas z) a bb).
O conhecimento da factualidade descrita nos artigos 52º a 54º da acusação, pelas razões que ficaram exaradas em sede de saneamento, está vedada ao tribunal.
O apuramento da matéria descrita em 40) dos factos provados [narrada no artigo 54º da acusação], assentou nas declarações confessórias do arguido.
O apuramento da matéria descrita em 41) dos factos provados [narrada no artigo 58º da acusação], assentou nas declarações da assistente, não infirmadas pelo arguido ou qualquer outro meio de prova.
Relativamente à matéria descrita em 42) dos factos provados e vertida nas alíneas cc) a ee) da acusação [narrada nos artigos 59º a 61º da acusação], assentou nas declarações de DD, a qual, de forma credível, confirmou o descrito em 42), mas não o descrito nas alíneas cc) e ee), o que, por decorrência lógica, implicou a ausência de prova do descrito em dd). Com efeito, não confirmada a ocorrência da expressão, não existe dolo.
A credibilidade de DD assentou no facto de o arguido lhe ter enviado mensagens com ameaças a ela e à filha, que o próprio arguido admitiu, o que corrobora a existência de ameaças verbais presenciais.
Relativamente à matéria descrita em 43) a 43.6. dos factos provados e vertida nas alíneas ff) a hh) da acusação [narrada nos artigos 62º a 69º da acusação], assentou na apreciação crítica das declarações do arguido e das assistentes BB e DD, na análise das fotografias de fls. 170, 172 e fls. 1077-a e 1077-b dos autos principais, na análise das fotografias de fls. 57, 58 e 63 do apenso 400/18.... e a data que consta no auto de denúncia de fls. 165/166 dos autos principais.
Explicitando.
A fotografia e legenda a que se alude em 43.1. encontram-se juntas a fls. 171 dos autos principais.
A fotografia e legenda a que se alude em 43.2. encontram-se junta a fls. 172 dos autos principais e fls. 58 do apenso 400/18.....
A fotografia e legenda a que se alude em 43.3. encontram-se juntas a fls. 57 do apenso 400/18...., bem como a fls. 63 desse mesmo apenso.
As fotografias e legendas a que se alude em 43.4., 45.4. e 43.6 encontram-se juntas a fls. 57 do apenso 400/18.....
Quanto à data da criação do perfil com o nome “II”, à identificação da pessoa que criou tal perfil e que colocou as fotografias das assistentes, com as respetivas legendas, no mural daquele perfil, não foi feita prova direta [o arguido negou ser o autor e assistentes não o viram publicar], mas da prova indireta produzida é possível inferir, para além da dúvida razoável, que foi o arguido quem criou tal perfil, pelo menos antes em ... de ...de 2018, e publicou tais fotografias e legendas, pelo menos em ... de 2018.
Com efeito, na fotografia junta a fls. 170 dos autos principais é possível observar a indicação que o perfil “II” foi renovado em ... de ...de 2018, pelo que, forçosamente, foi criado em data anterior, pois não se renova o que não existe.
Quanto à autoria, resulta do teor das legendas que acompanham a publicação das fotografias e do facto de as fotografias juntas a fls. 1077 a) e fls. 1778 b) terem sido publicadas no perfil da pessoa “KK”, cujo mural é idêntico ao perfil de “II”, resultado do teor de fls. 46 e 80 do apenso 400/18...., que KK é o arguido, pois o número de telemóvel associado ao nome KK é o mesmo do arguido [...57].
Com efeito, a legenda “violada de merda”, que acompanha a fotografia referida em 43.1., revela que foi o arguido o autor da mesma, dado que BB, nesse período temporal, só ao arguido havia revelado que foi abusada sexualmente em criança. Essa mesma expressão voltou a ser usada, ora confessadamente pelo arguido, em data posterior, conforme resulta do facto 46.3.
Quanto à data em que foram publicadas, as assistentes referiram que visionaram as mesmas em ... de 2018 porque foram alertadas para a sua publicação por pessoas, pelo que não se pode sustentar que foram publicadas em 3 diferentes datas.
Termos em que, provando-se o descrito em 43) a 43.6. dos factos provados, não se provou o vertido nas alíneas ff) a hh) da acusação.
O apuramento da matéria descrita em 44) dos factos provados [narrada no artigo 70º da acusação], assentou nas declarações confessórias do arguido.
O apuramento da matéria descrita em 45) dos factos provados [narrada no artigo 70º da acusação], assentou na análise do teor da mensagem junta a fls. 77 do apenso 400/18...., cujo teor se reproduziu e que o arguido confessou ter enviado, através do seu telemóvel, com o número ...57, para o telemóvel com o n.º ...56, pertença de DD.
A matéria descrita nas alíneas ii), jj) e kk) [narrada no artigo 72º da acusação] foi considerada não provada porque BB e HH não confirmaram a ocorrência da frase descrita no artigo 72º da acusação o que, por decorrência lógica, implicou a inexistência de prova do descrito em jj) e kk).
O apuramento da matéria descrita em 46) a 46.4.2 e 47) e 48) dos factos provados [narrada nos artigos 73º e 74º da acusação], assentou na análise das mensagens descritas em 46.1. a 46.4.2., as quais se encontram juntas a fls. 40 a fls. 45, a fls. 77/79 e 81 do apenso 400/18.... e se transcreveram, e as quais o arguido assumiu ser o autor das mesmas, bem como assumiu tê-las enviado do seu telemóvel para o telemóvel de DD, nas datas referidas em 46.1. a 46.4.
Por seu turno, DD relatou que recebeu tais mensagens e que a leu na sua residência, delas dando que o conhecimento a BB, a qual confirmou que a sua mãe lhe mostrou as mensagens em causa, tendo-as lido.
O arguido confessou ainda o descrito em 48), o que também foi conformado por BB.
Relativamente à matéria descrita em 49) a 49.2.2. e 50) dos factos provados e vertida na alínea ll) da acusação [narrada no artigo 75º, 76º e 77º da acusação], assentou na análise das mensagens descritas em 49.2.1 a 49.2.2., as quais se encontram juntas a fls. 40 a fls. 45, a fls. 77/79 e 81 do apenso 400/18.... e se transcreveram e as quais o arguido assumiu ser o autor das mesmas, bem como assumiu tê-las enviado do seu telemóvel para o telemóvel de DD, na data referida em 49.
Relativamente ao descrito em 49.1., o arguido assumiu, o que aí consta, mas a assistente BB não sabe se foi seguida pelo arguido desde o local onde o mesmo visitou o filho até ao ..., mas apenas que viu o carro do mesmo naquele local. Note-se que, sendo um local de compras e estando aberto ao público, é perfeitamente possível a ocorrência de uma coincidência.
Termos em que não se considerou vertida na alínea ll).
Por seu turno, DD relatou que recebeu tais mensagens e que a leu na sua residência, delas dando que o conhecimento a BB, a qual confirmou que a sua mãe lhe mostrou as mensagens em causa, tendo-as lido.
A matéria descrita na alínea mm) da acusação [narrada no artigo 78º da acusação], foi considerada não provada porque o arguido não assumiu ter perseguido BB e esta não confirmou a presença do arguido no supermercado “...”.
Relativamente à matéria descrita em 51) a 51.2 dos factos provados e vertida nas alíneas nn) a pp) da acusação [narrada no artigo 79º a 85º da acusação], o tribunal valorou a declarações do arguido e de BB nos termos que a seguir se expõem.
O arguido e BB relativamente ao descrito em 51) a 51.2.
Quanto ao mais, o arguido negou e BB limitou-se a dizer que avistou o arguido junto à porta da casa do seu pai, nada mais confirmando, o que implicou que se considerasse não provado o descrito nas alíneas nn) a pp).
A matéria descrita na alínea qq) e rr) da acusação [narrada nos artigos 86º e 87º da acusação], foi considerada não provada porque BB não confirmou o descrito em qq) e DD não confirmou que o descrito em rr) ocorreu na data em causa, pelo que, sendo recorrente o arguido proferir este tipo de expressões, pode dar-se o caso de DD se estar a referir a outra situação que não a investigada nos autos.
O que fica dito vale para os depoimentos das testemunhas LL, atual companheiro de DD, e MM, os quais, tendo-se referido a situação relatada em rr) não a souberam concretizar no tempo.
O apuramento da matéria descrita em 52) a 52.2. e 53) [narrada no artigo 88º da acusação], assentou na análise das mensagens descritas em 52.1. e 52.2., as quais se encontram juntas a fls. 40 a fls. 45, a fls. 77/79 e 81 do apenso 400/18.... e se transcreveram e as quais o arguido assumiu ser o autor das mesmas, bem como assumiu tê-las enviado do seu telemóvel para o telemóvel de DD, na data referida em 52).
Por seu turno, DD relatou que recebeu tais mensagens e que a leu na sua residência, delas dando que o conhecimento a BB, a qual confirmou que a sua mãe lhe mostrou as mensagens em causa, tendo-as lido.
A matéria descrita na alínea ss) a tt) da acusação [narrada nos artigos 86º e 87º da acusação], foi considerada não provada porque BB não confirmou o descrito em ss) e DD referiu que o arguido apenas uma vez falou em pegar fogo à casa, e a qual foi a ocorreu em 25-08-2022, pelas razões abaixo exaradas.
O apuramento da matéria descrita em 54) a 54.3. e 55) [narrada no artigo 91º da acusação], assentou na análise das mensagens descritas em 54.1. a 54.3., as quais se encontram juntas a fls. 40 a fls. 45, a fls. 77/79 e 81 do apenso 400/18.... e se transcreveram e as quais o arguido assumiu ser o autor das mesmas, bem como assumiu tê-las enviado do seu telemóvel para o telemóvel de DD, na data referida em 54).
Por seu turno, DD relatou que recebeu tais mensagens e que as leu na sua residência, delas dando conhecimento a BB, a qual confirmou que a sua mãe lhe mostrou as mensagens em causa, tendo-as lido.
O apuramento da matéria descrita em 56) [narrada no artigo 92º da acusação], assentou nas declarações da assistente BB, confirmadas pelo depoimento do seu pai HH e não infirmada por quaisquer outros meios de prova.
Relativamente à matéria descrita em 57) a 57.3 e 58) dos factos provados e vertida nas alíneas vv) a ww) dos factos não provados [narrada no artigo 93º a 102º da acusação], assentou nas declarações do arguido e BB, depoimento de HH, fotografias de fls. 483/484 dos autos principais, relatório institucional de episódio de urgência junto a fls. 704 [rosto e verso] dos autos principais, auto de visionamento de fls. 442, dos autos principais, fotogramas de fls. 443/444, dos autos principais.
Explicitando.
O arguido negou ter proferido a frase que consta de 57.1., mas BB, no decurso do minuto 48 da gravação, relatou que no dia em que foi agredida no supermercado a sua mãe lhe telefonou a avisar que o arguido tinha ido a sua residência à procura do filho e que ia pegar fogo à mesma, e que estava a caminho do supermercado. Pelas razões já acima expostas, BB prestou declarações credíveis, pelo que se deu como provado que o arguido proferiu a frase descrita em 57.1.
Relativamente à situação ocorrida no supermercado modelo, o arguido admitiu que esteve nesse local para dar um abraço ao filho, o qual se dirigiu para a zona das prateleiras. Nesse momento, BB abriu a mala, retirou do interior da mesma um objeto [talvez um telemóvel], o qual atingiu BB na cara, não sendo, pois, verdade que lhe tenha desferiu um soco.
Por seu turno, BB, bem como o seu pai, HH, confirmaram a ocorrência da agressão descrita na acusação, nos moldes descritos em 57.2. e 57.3.
Pelas razões já acima expostas, BB prestou declarações credíveis.
Além disso, neste caso específico, as mesmas se mostram suportadas pelo teor do auto de visionamento e fotogramas acima mencionados e, por outro lado, as lesões sofridas, descritas no relatório de urgência assim referido e no relatório pericial de dano corporal em processo penal, são causalmente compatíveis com a agressão relatada pelo arguido.
Termos em se considerou provada a factualidade descrita em 57) a 57.3 e 58), tendo a factualidade vertida na alínea vv) sido dada como não provada porque incompatível com a matéria provada.
A matéria vertida na alínea ww) foi considerada não provada, porque BB e pai não confirmaram a ocorrência da frase aí referida.
O apuramento da matéria descrita em 59) a 61) [narrada no artigo 104º da acusação], assentou nas declarações confessórias do arguido, no depoimento de HH, que confirmou o descrito no artigo 103º da acusação, e nas declarações de BB, que confirmou o descrito em 60) e 61).
Relativamente à matéria descrita em 62) e vertida nas alíneas xx) e yy) da acusação [narrada no artigo 105º da acusação], assentou nas declarações credíveis [cf. supra] de BB, que confirmou o descrito 62), mas não confirmou o vertido nas alíneas xx) e yy).
O apuramento da matéria descrita em 63) a 68.6 [narrada nos artigos 106 a 111º da acusação], assentou nas declarações confessórias do arguido.
O apuramento da matéria descrita em 69) a 78), isto é, a matéria atinente aos elementos do tipo subjetivo dos crimes de violência doméstica, ameaça e fotografias ilícitas consciência da ilicitude dos mesmos, o tribunal atendeu às declarações do arguido e juízos de inferência extraídos a partir da factualidade dada como provada, conjugados com a regras da experiência comum.
Explicitando.
O arguido, na parte em confessou os factos objetivos acima descritos, assumiu que agiu com dolo, enquadrando as suas condutas como reação o de facto BB não o deixar com CC, seu filho.
Quanto ao mais, há que ter presente que é a doutrina hoje dominante, a cujo entendimento nos acolhemos, que, na sua formulação mais geral, o dolo pode ser conceitualizado como o conhecimento (representação) e vontade de realização do facto material típico [FIGUEIREDO DIAS, com a colaboração de Maria João Antunes; Susana Aires de Sousa; Nuno Brandão e Sónia Fidalgo, in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais; A doutrina Geral do Crime, 3ª edição, outubro de 2019, § 4, p. 407], constituído pelos elementos objetivos, naturalísticos ou normativos de uma infração.
Engloba, assim, os elementos:
a) intelectual - a exigência de que o agente conheça as circunstâncias de facto que pertençam ao tipo legal – e;
b) volitivo - a vontade ou desejo de produzir certo resultado ou ato.
O último elemento confere ao dolo três graus distintos, consoante o agente atue: com intenção de realizar o facto ilícito - dolo direto [cf. artigo 14º, n.º 1, do Código Penal]; a realização do facto típico seja consequência necessária, mas não diretamente desejada, da sua conduta - dolo necessário [cf. artigo 14º, n.º 2, do CP]; a realização do facto típico seja consequência possível, da sua conduta e, não obstante, o agente atue conformando-se com essa realização - dolo eventual [cf. artigo 14º, n.º3, do CP].
O dolo, conceptualizado nos termos que antecedem, na ausência de confissão ou perante o silêncio da pessoa a quem é imputado, só é suscetível de prova indireta.
Acolhendo-nos à bem conseguida síntese de RUI PATRÍCIO [in O dolo enquanto elemento do tipo penal: questão de facto ou questão de direito? – Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Criminais, Ano letivo de 1996/97, Universidade de Lisboa], diremos que “os atos psíquicos não se comprovam em si mesmos, mas mediante ilações, ou seja, os atos psíquicos transcendem a possibilidade de comprovação histórico-empírica (…) por outras palavras, o apuramento do dolo do agente, enquanto ato interior e conceito mentalístico é uma conclusão, uma ilação e uma atribuição de significado social que o tribunal criminal extrai a partir dos factos imputados ao arguido que forem dados como provados, factos esses lidos à luz das regras da experiência da vida, da normalidade social, da experiência comum”.
A jurisprudência, desde há muito, trilha o mesmo caminho da doutrina, conforme resulta do teor do acórdão da Relação do Porto de 23/2/83 [in BMJ, n.º 324, p. 620], onde se refere que “o dolo pertence à vida interior de cada um, sendo, portanto, de natureza subjetiva, insuscetível de direta apreensão, só sendo possível captar a sua existência através de factos materiais comuns”.
No mesmo sentido se pronunciou o acórdão da Relação de Coimbra de 16-11-2005 [disponível, em texto integral, in www.dgis.pt] ao entender que “não obstante o dolo pertencer ao íntimo de cada um, ser um ato interior, revestindo natureza subjetiva, o facto de o arguido exercer o direito ao silêncio não impede que a existência daquele seja captada através de dados objetivos, através das regras da experiência comum”.
Revertendo ao caso dos autos, tendo presentes as considerações acima tecidas, verifica-se que se provou [pelas razões expostas na motivação referente à respetiva factualidade], que o arguido agrediu BB, dirigiu-lhe expressões injuriosa e ameaças, bem como ameaçou DD e colocou fotografias na da mesma, contra a vontade daquela, na internet, partilhando-as com outras pessoas, pelo que, dúvidas não se suscitam que o mesmo, de forma livre e consciente, quis atingir a integridade física de BB, injuriá-la e ameaçá-la, o mesmo sucedendo com DD, no que se refere às ameaças e fotografias.
Dito de outra forma, no caso dos autos, entre os referidos factos provados a existência de dolo pode afirmar-se uma relação de implicação necessária.
No que à consciência da ilicitude concerne, há que ter presente os crimes de violência doméstica, ameaça e fotografias ilícitas integram os chamados “crimes naturais” [“crimes em si” ou “mala in se”], isto é, crime cuja punibilidade se pode presumir conhecida, e não é desculpável que não seja conhecida de todos os cidadãos normalmente socializados.
No sentido de que nos crimes naturais, a punibilidade se presume conhecida, o acórdão da Relação de Coimbra de 2.10.2002 [disponível, em texto integral, no endereço eletrónico www.dgis.pt], pelo que não existe dúvida em afirmar que o arguido tinha consciência da ilicitude dos seus atos.
O apuramento da matéria descrita em 79) a 82), assentou nas declarações das assistentes/demandantes BB e DD, as quais, de forma credível, relataram os danos não patrimoniais que sofreram em virtude da conduta do arguido, sendo os mesmos compatíveis com as regras da experiência comum.
Os danos não patrimoniais de DD foram corroborados pela testemunha LL, atual companheiro de DD e pela testemunha e MM que, como já acima referido, é vizinho de DD.
Por seu turno, resulta do relatório institucional de episódio de urgência junto a fls. 704 [rosto e verso] dos autos principais e da fatura junta a fls. 907 dos autos principais que BB, na sequência da agressão de que foi vítima no dia ... de ... de 2019 foi assistida no C..., EPE, onde lhe foram prestados serviços no valor global de € 112,07.
O apuramento da matéria descrita em 83) a 91.5., assentou no teor no relatório social do arguido, junto em suporte informático, do qual constam as condições pessoais e socioeconómicas do mesmo, tendo o arguido atualizado o que consta relatório com as declarações que prestou na reabertura da audiência de julgamento. Sobre as condições pessoais e socioeconómicas do arguido depuseram as testemunhas NN, EE e GG, dizendo, no essencial, que é pessoa preocupada com o filho e amigo de ajudar.
O apuramento da matéria descrita 92., assentou no teor do certificado do registo criminal, junto em suporte informático, do qual consta o averbamento da condenação transcrita.
*
D) SUBSUNÇÃO DOS FACTOS AO DIREITO:
1) ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL:
A atividade cognitória e decisória do tribunal, face a conjugação do disposto nos artigos 339º, n.º 4, 359º e 379º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, encontra-se delimitada pelos factos alegados na acusação, pelos factos alegados pela defesa e pelos factos que resultarem da prova produzida em audiência.
As normas legais acima mencionadas tratam do que, em termos doutrinais, se designa por princípio da vinculação temática, mantendo-se ainda hoje atuais as palavras que FIGUEIREDO DIAS teceu a tal propósito, na sua obra “Direito Processual Penal, I Volume, 1974, onde, na página 145 fez exarar, em súmula, o seguinte: "Segundo o princípio da acusação […] a atividade cognitória e decisória do tribunal está estritamente limitada pelo objeto da acusação, pelo que deve “afirmar-se que o objeto do processo penal é o objeto da acusação, sendo esta que, por sua vez, delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal (atividade cognitória […]) e a extensão do caso julgado (atividade decisória […])”; É a este efeito que se chama a vinculação temática do tribunal e é nele que se consubstanciam os princípios da identidade, da unidade ou indivisibilidade e da consunção do objeto do processo penal ”.
Aplicando as considerações ora tecidas ao caso dos autos, verifica-se, pelas razões que constam do ponto II. [Saneamento] do presente acórdão, que está vedado ao tribunal conhecer de mérito relativamente ao crime de violação imputado arguido, bem como dos crimes de fotografia ilícita e ameaça referidos em sede de Saneamento.
Assim sendo, importa decidir se os factos dados como provados permitem imputar ao arguido a prática, em autoria material e concurso efetivo, de:
- Dois crimes de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do Código Penal;
- Um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, alínea d) e n.º 2, do Código Penal;
- Três crimes de fotografia ilícita, p. e p. pelo artigo 199º, n.º 2, alínea b), do Código Penal.
- Dois crimes de ameaça, p. e p. pelo artigo 153º, n.º 1, do Código Penal.
- Dois crimes de ameaça, p. e p. pelos artigos 153º, n.º 1, e 155º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
1. DOS CRIMES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA:
Em ordem a analisar os elementos no tipo de ilícito de violência doméstica, importa, para a decisão a proferir nos autos, ter presentes os seguintes normativos do Código Penal:
Artigo 13.º
Dolo e negligência
Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência;
Artigo 14.º
Dolo
1 - Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, atuar com intenção de o realizar;
2 - Age ainda com dolo quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta;
3 - Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente atuar conformando-se com aquela realização;
Artigo 26.º
Autoria
É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução.
Artigo 152º
Violência doméstica
(redação em vigor na data da prática dos factos)
1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
a) (…);
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
c) (…); ou
d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 - No caso previsto no número anterior, se o agente:
a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; ou
b) (…);
é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
3 – (…):
a) (…);
b) (…).
4 - Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
6 - Quem for condenado por crime previsto neste artigo pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido do exercício do poder paternal, da tutela ou da curatela por um período de um a dez anos.
Artigo 152º
Violência doméstica
(redação em vigor)
1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns:
a) (…);
b) (…);
c) (…);
d) (…); ou
e) A menor que seja seu descendente ou de uma das pessoas referidas nas alíneas a), b) e c), ainda que com ele não coabite;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 - No caso previsto no número anterior, se o agente:
a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; ou
b) (…);
é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
3 – (…):
a) (…);
b) (…).
4 - Nos casos previstos nos números anteriores, incluindo aqueles em que couber pena mais grave por força de outra disposição legal, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
6 - Quem for condenado por crime previsto no presente artigo pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido do exercício de responsabilidades parentais, da tutela ou do exercício de medidas relativas a maior acompanhado por um período de 1 a 10 anos.
Os normativos acabados de transcrever, quer na redação em vigor antes de 17 de agosto de 2021, introduzida pela Lei n.º 44/2018, de 9 de agosto, quer na redação atualmente em vigor, introduzida pela Lei n.º 57/2021, de 16 de agosto, revelam que o tipo incriminador do crime de tráfico foi construído como um delito doloso de ação, o qual, a semelhança de todos os delitos dolosos de ação, apresenta uma estrutura complexa, composta por elementos de natureza objetiva e de natureza subjetiva e com os quais é possível, respetivamente, apreender um tipo objetivo e um tipo subjetivo, [FIGUEIREDO DIAS - com a colaboração de MARIA JOÃO ANTUNES; SUSANA AIRES DE SOUSA; NUNO BRANDÃO e SÓNIA FIDALGO -, in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais; A doutrina Geral do Crime, 3ª edição, outubro de 2019, p. 329, § 1º], sendo que, no tipo objetivo, se incluem os elementos relativos ao autor, na medida em que apesar da sua natureza “subjetiva” ou “intersubjetiva”, é elemento constitutivo do tipo objetivo de ilícito [vide FIGUEIREDO DIAS, in ob. cit., p. 329, § 1º; TERESA BELEZA, in Direito Penal II, pp. 116 e ss.; HENRIQUE SALINAS MONTEIRO, in Comparticipação em Crimes Próprios, Lisboa, Universidade Católica Editora, 1999, p. 11 e JOSÉ LOBO MOUTINHO, in Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português, p. 255], os relativos à conduta, onde encontramos a descrição da(s) ação(ões) típica(s) e, nalguns casos, o objeto da ação [FIGUEIREDO DIAS, in ob. cit., pp. 355/356, §37] e os elementos relativos ao bem jurídico, que não se confundem com os elementos relativos ao objeto da ação, os quais se apresentam como uma manifestação real da noção do mesmo [FIGUEIREDO DIAS, in ob., cit., p. 359, § 44 e MARIA FELINO RODRIGUES, in “As incriminações de Perigo e o Juízo de Perigo no Crime de Perigo Concreto”, p. 22, nota 15, em que a autora refere que na doutrina alemã se distingue entre o Tatobjekt (que corresponde ao objeto material do crime/ação), por contraposição ao Rechtsgutsart (que corresponde o bem jurídico-valor, bem jurídico-categoria)].
No que se refere ao tipo subjetivo, o mesmo inclui o chamado dolo do tipo e, em alguns casos, os especiais elementos subjetivos do tipo [FIGUEIREDO DIAS in op., cit., p. 406/407, § 3].
Posto isto, cabe analisar cada um dos referidos conjuntos.
No que tipo objetivo se refere, iniciar-se-á a análise pela apreciação do bem jurídico protegido, dado que uma correta interpretação dos elementos que dizem respeito ao autor e à conduta pressupõe, antes de mais, a determinação do respetivo objeto de tutela [dito de outra forma, o modus aedificandi criminis reflete a opções do legislador relativamente ao bem jurídico a proteger].
A) TIPO OBJETIVO DE ILÍCITO:
1. ELEMENTOS RELATIVOS AO BEM JURÍDICO:
Quer na redação introduzida pela Lei n.º 44/2018, de 9 de agosto, quer na redação atualmente em vigor, introduzida pela Lei n.º 57/2021, de 16 de agosto, que relativamente ao bem jurídico nada veio alterar, a doutrina e jurisprudência nacional estão de acordo de que está hoje afastada a possibilidade do bem jurídico em análise estar ligado à proteção da família ou das relações familiares, pois os interesses protegidos dizem respeito à pessoa individual ofendida [nesse sentido, AMÉRICO TAIPA de CARVALHO, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra Editora – maio de 2012, pp. 511/513; NUNO BRANDÃO no artigo intitulado “A Tutela penal especial reforçada da Violência Doméstica”, publicado na revista Julgar, n.º 12, 2010, p. 13; na jurisprudência, veja-se, a título de exemplo o acórdão do STJ de 5.11.2008, publicado, em texto integral, no endereço eletrónico www.dgsi.pt. e PLÁCIDO CONDE FERNANDES, in Violência Doméstica – novo quadro penal e processual penal, in Revista do CEJ, 1º Semestre de 2008, n.º 8 – especial -, pp. 304/306].
É de rejeitar também o entendimento daqueles que sustentam que o bem jurídico protegido é o da dignidade humana [como é o caso de, AUGUSTO SILVA DIAS, “Crimes contra a Vida e Integridade Física”, 2ª Edição, AAFDL, 2007, p. 110 e acórdão do STJ de 30.10.2003, publicado no endereço eletrónico www.dgsi.pt], porque, como refere NUNO BRANDÃO [in, estudo citado, p. 14, fazendo apelo ao ensinamento de FARIA COSTA e FIGUEIREDO DIAS], “a dignidade humana como valor fundante e transversal a todo o sistema jurídico não está em condições de desempenhar a função de específico referente e padrão crítico da criminalização que deve ser própria de um bem jurídico penal”.
Na esteira da maioria dos autores [nesse sentido Américo Taipa de Carvalho In Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra Editora – maio de 2012, pp. 511/513; PLÁCIDO CONDE FERNANDES, in Violência Doméstica – novo quadro penal e processual penal, in Revista do CEJ, 1º Semestre de 2008, n.º 8 – especial -, pp. 304/306] e da jurisprudência [vide, a título meramente exemplificativo, Acórdãos: STJ de 27/04/2006, proc. 06P957; TRL de 15/11/2007, proc. 1587/07.9; TRC de 19/11/2008, proc. 182/06.8; TRP de 06/10/2010, proc. 296/08.0 PDVNG.P1; de 03/07/2002, proc. 0210597; de 31/01/2001, proc. 30646, disponíveis, em texto integral, o endereço eletrónico in www.dgsi.pt.] entendemos que o bem jurídico protegido é a saúde, a qual se apresenta como um bem jurídico complexo, englobando a saúde física, psíquica, mental e moral, e o qual pode ser atingido por uma variedade de comportamentos que afetem a dignidade pessoal da vítima.
Veja-se, a este propósito, as considerações tecidas pelo acórdão do STJ de 2.7.2008 [relatado por RAÚL BORGES, disponível, apenas em sumário, in www.dgsi.pt], onde, desenvolvidamente, se sustenta, que o bem jurídico em causa é complexo, abrangendo a saúde física, psíquica e mental, e a liberdade, nas suas expressões sexual e de natureza pessoal. NUNO BRANDÃO [in, estudo citado intitulado p. 17] configura o bem jurídico complexo em causa como tutela antecipada da saúde, pelo que se está perante um crime de perigo abstrato.
Pese embora, a qualidade da argumentação do referido autor, temos para nós que o crime em causa se deve configurar, como crime de dano, no que aos maus tratos físicos concerne dado que, a expressão «infligir», como resulta da sua própria etimologia [do latim infligo,-ere, ou seja, lançar contra, chocar contra, ferir com], implica a efetiva lesão da saúde.
Mesmo nos maus tratos psíquicos, que podem ser construídos como crimes de perigo abstrato-concreto, como é o caso do crime de ameaça, tem de ocorrer uma efetiva lesão psíquica da vítima.
Com efeito, a efetividade da lesão do bem jurídico [físico ou psíquico] é que, em última análise, permite sustentar, de forma cabal, que o crime de violência doméstica se encontre numa relação de concurso aparente, seja na modalidade de consunção [posição defendida por AMÉRICO TAIPA de Carvalho, in ob. cit., p. 528], seja na modalidade de especialidade [posição defendida por PAULO PINTO ALBUQUERQUE, Comentário ao Código Penal, 4ª edição, 2021, anotação 19 pp. 594], com os crimes que atomisticamente correspondem à realização repetida de atos parciais, nomeadamente, e para o que a economia da presente decisão interessa, os crimes de ofensa à integridade física simples [artigo 143º, n.º 1, do Código Penal], ofensa à integridade física qualificada [artigo 143º, n.º 1, 145º, n.º 1, alínea b), por referência ao artigo 132º, n.º 2, alínea a) do Código Penal] de ameaça [artigo 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, alínea a), do Código Penal] e injúria [artigo 181º, do Código Penal].
2. ELEMENTOS RELATIVOS AO AUTOR:
O conceito de autor é-nos dado pelo acima transcrito artigo 26º, do C.P. [1ª preposição, e a única que nos interessa para o caso que nos ocupa], segundo o qual é autor quem executar o facto, por si mesmo.
Tal preceito, nos que aos delitos dolosos de ação concerne, consagra um conceito restritivo de autor, ancorado na chamada teoria do «domínio (funcional) do facto», pode traduzir-se, de forma sintética e conclusiva, nos seguintes termos: autor é quem domina o facto, quem dele é “senhor”, quem toma a execução “nas suas próprias mãos”, de tal modo que dele depende decisivamente o se e o como da realização típica [FIGUEIREDO DIAS, in ob., cit., p. 894, §16º]. Quando é o próprio agente que procede à realização típica, quem leva a cabo o comportamento com o seu próprio corpo estamos no chamado domínio da autoria imediata [FIGUEIREDO DIAS, in ob. e loc. cit.], a única que interessa abordar no caso concreto.
Conjugado tal norma com o teor do artigo 152º, seja na redação em vigor na data dos factos, que na atual redação, acima transcrito, resulta que estamos perante um crime específico, dado que só pode ser cometido por pessoas relativamente a quem o sujeito passivo seja:
- O cônjuge ou ex cônjuge;
- Quem com ele mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro, ainda que sem coabitação;
- Quem com ele conviver ou ter convivido em condições análogas às dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
- Pessoa do mesmo sexo com quem mantenha ou tenha mantido uma relação análoga às dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
- O progenitor de descendente comum em 1º grau;
- Pessoa particularmente indefesa, nomeadamente, em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite; e, desde a redação introduzida pela Lei n.º 57/2021, de 16 de agosto:
- A menor que seja seu descendente ou descendente de uma das pessoas referidas nas alíneas a), b) e c), ainda que com ele não coabite;
Dentro da categoria do crime específico, assume a modalidade de impróprio, dado que a qualidade do sujeito não fundamenta a responsabilidade, mas torna a ilicitude do crime mais grave [FIGUEIREDO DIAS, com a colaboração de MARIA JOÃO ANTUNES; SUSANA AIRES DE SOUSA; NUNO BRANDÃO e SÓNIA FIDALGO, in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais; A doutrina Geral do Crime, 3ª edição, outubro de 2019, p. 354, §35]. Porém, AMÉRICO TAIPA de CARVALHO [In Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra Editora – maio de 2012, pp. 513/514] sustenta que, em certos casos, se poderá estar perante um crime específico próprio, na medida em que são pensáveis maus tratos psíquicos reiterados, o que fundamenta a ilicitude.
Para a decisão do caso dos autos, interessa tecer considerações sobre os sujeitos passivos pressupostos:
- na alínea b), do nº 1, do artigo 152º, do Código Penal, no segmento referente a “A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido (…) uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação; e
- na alínea d), do n.º 1, do mesmo preceito, no segmento referente a “pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade (…)”; e
- na alínea e), do n.º 1, do mesmo preceito, introduzida pela já citada lei 57/2021, de 16 de fevereiro, no segmente referente a “menor que seja seu descendente
Relação análoga à dos cônjuges é aquela que se consubstancia numa relação afetiva de proximidade existencial e interdependência mútua, de aspeto matrimonial, implicando necessariamente relacionamento sexual, mas já não partilha de mesa e habitação, já que não é exigida a coabitação, a qual se carateriza pela comunhão de residência e de mesa.
Pessoa particularmente indefesa
Menor que seja seu descendente abrange todas a pessoas dos 0 aos 17 anos que sejam filhos ou netos do autor do facto;
3. ELEMENTOS REFERENTES À CONDUTA TÍPICA:
As condutas previstas e punidas abrangem a seguintes modalidades:
a) maus tratos físicos;
b) maus tratos psíquicos;
Entre a multiplicidade de comportamentos que podem ser tidos como «maus tratos físicos» a lei tipifica expressamente “os castigos corporais”, ou seja, aqueles que visam diretamente o corpo da vítima e que por norma integram o crime de ofensa à integridade física simples, como bofetadas, murros, pontapés, puxões de cabelos, apertões, empurrões ou pancadas com objetos.
Como exemplo de «maus tratos psíquicos», a lei típica as “privações de liberdade”, onde, além do sequestro, se incluem as perseguições, as esperas, a proibição de entrada ou saída de casa ou o acesso a certas zonas da habitação comum.
Dentro do conceito de «maus tratos psíquicos» cabem ainda os insultos, as humilhações, as provocações, as críticas destrutivas ou vexatórias, as ameaças, as privações de comida, de medicamentos ou de bens e serviços de primeira necessidade [nesse sentido AMÉRICO TAIPA de CARVALHO, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra Editora – maio de 2012, pp. 516].
As ofensas sexuais, outra das condutas expressamente previstas, tanto se podem traduzir em maus tratos físicos, quando a agressão sexual é cometida por meio de violência física, ou maus tratos psíquicos, quando a agressão sexual é cometida mediante o uso de violência psicológica, sendo disso exemplo a agressão
sexual cometida através da ameaça ou coação.
Resulta do exposto que existem comportamentos que são atos típicos do crime de violência doméstica e não possuem relevância típica no âmbito de outros tipos legais de ilícito, pelo que a enumeração do artigo 152º não deve ser havida como taxativa.
Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 59/2007, de 4 de ... o tipo objetivo do crime em análise veio prescindir do elemento reiteração, consagrando em letra de lei uma certa linha jurisprudencial que defendia, mesmo ao abrigo da anterior redação, que a reiteração da conduta, não era necessária quando a gravidade intrínseca se assumir como suficiente para agredir o bem jurídico protegido, ou porque a razão da agravação é a especial relação existente entre o agressor e a vítima, não sendo necessária qualquer reiteração de conduta [vide, entre outros, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/11/1997, CJ STJ, V, Tomo III, pág. 235; acórdão da Relação do Porto, de 3/07/2002, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/02/2004, acórdão da Relação de Évora de 25/01/2005, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/04/2006, acórdão da Relação de Coimbra de 13/06/2007 e Acórdão da Relação do Porto de 11/07/2007, todos disponíveis no endereço eletrónico www.dgsi.pt].
Em suma, não é suficiente qualquer ofensa à saúde física, psíquica, emocional ou moral da vítima, para o preenchimento do tipo legal. «O bem jurídico, enquanto materialização direta da tutela da dignidade da pessoa humana, implica que a norma incriminadora apenas preveja as condutas efetivamente maltratantes, ou seja, que coloquem em causa a dignidade da pessoa humana, conduzindo à degradação pelos maus-tratos» [PLÁCIDO CONDE FERNANDES, in est. cit., pág. 3].
Nesse enquadramento a ofensa à saúde física, psíquica, emocional, moral e sexual da vítima, perpetrada pelo agressor pressupõe que este afirme um domínio ou uma subjugação sobre a pessoa da vítima, sobre a sua a vida ou (e) sobre a sua honra ou (e) sobre a sua liberdade e a reconduz a uma vivência de medo, tensão e subjugação [no sentido apontado no texto vejam-se acórdãos da Relação do Porto de 9.1.2013 e de 9.5.2018, disponíveis, em texto integral, in www.dgsi.pt].
B) O TIPO SUBJETIVO DE ILÍCITO:
Da conjugação dos já mencionados e transcritos artigos 13º, 14º e 152º do Código Penal, o tipo subjetivo da violência doméstica exige o dolo.
Relativamente ao conceito de dolo e as modalidades que assume remete-se para o que ficou dito em sede de motivação da decisão de facto.
Note-se, porém, que na violência doméstica o conteúdo do dolo é variável em função da espécie de comportamento do agente. Assim, no caso de maus tratos físicos, o dolo estende-se ao próprio resultado danoso da integridade física, mas já em relação às outras condutas bastará o dolo de perigo, que se consubstancia na vontade de o agente empreender determinado comportamento. Consoante a circunstância típica, assim, o dolo terá de ter um conteúdo e abrangência, sendo o mesmo variável de conduta para conduta, das que estão tipificadas como violência doméstica.
Apreciação dos casos dos autos à luz das considerações jurídicas ora tecidas:
No caso dos autos, com relevância para o enquadramento jurídico que nos ocupa, apurou-se, em síntese que:
O arguido e BB iniciaram uma relação de namoro em ... de 2012 e, em ... do mesmo ano, passaram a viver em comunhão de cama, mesa e habitação, ou seja, em união de facto.
Em ... de 2016 BB engravidou e o arguido, disso tendo conhecimento, no dia ... de ... de 2016, ou seja, quando BB estava grávida de um mês, e após ter sido questionado por aquela da razão de não querer ao aniversário do sobrinho da mesma, disse-lhe “quero que a tua irmã e sobrinho se fodam” e, em simultâneo, agarrou os cabelos de BB, puxou-os para trás, causando-lhe dores na zona da nuca. Praticou tal conduta no interior do imóvel em que viviam em união de facto.
No dia ... de ... de 2019, ou seja, 3 dias depois, também no interior da mesma residência, o arguido, que se encontrava de férias, após ter sido confrontado por BB pelo facto de, mesmo em férias, se recusar a sair com ela, preferindo a companhia dos amigos, agarrou o pescoço de BB, empurrou-a contra uma das paredes da cozinha, ao mesmo tempo que lhe dizia “mato-te a ti e ao bebé”.
Dada a força e o tempo que o arguido levou a apertar o pescoço, BB deixou de conseguir respirar e, nessa sequência, sentiu-se desfalecer, altura em que o arguido lhe largou o pescoço, fazendo-a cair no chão.
BB, após recuperar as forças, pegou num taser e exibiu-o ao arguido, ao mesmo tempo lhe dizia “se me voltas a tocar, levas com isto”.
Nessa sequência, o arguido arrancou-lhe o taser das mãos, empurrou-a contra uma parede, colocou uma das suas mãos no pescoço de BB e, num movimento ascendente, logrou elevá-la no ar por alguns instantes, aso mesmo tempo que, com a outra mãos procurou atingir as pernas de BB com descargas elétricas produzidas pelo taser, não o conseguindo, devido ao facto de BB ter conseguido desviar a pernas.
Além disso, o arguido trancou a porta de casa para impedir que BB, na sequência do sucedido, fosse procurar ajuda.
BB, logrou encontrar as chaves da residência e, nesse mesmo dia, cessou a união de facto com o arguido.
A factualidade ora descrita consubstancia agressões físicas que, quer pela sua intensidade [um puxão de cabelos, empurrões contra paredes e duas esganaduras, isto é, pressão exercida no pescoço da vítima pela ação direta das mãos do agente, sem a utilização de objetos para tal], quer pela sua reiteração [os empurrões contra paredes e as duas esganaduras ocorreram no espaço de 3 dias], violam o bem jurídico acima mencionado, na medida em que, tais agressões se dão num contexto em que o arguido foi confrontando pela vítima de estar a adotar comportamentos que visavam fazê-la sentir que não era desejada, dada a reiterada recusa do arguido em conviver socialmente com a mesma.
Dito de outra forma, o arguido perante confrontações legítimas da companheira, no sentido de o questionar se ainda gostava dela [revelada pela frase, “se não estou aqui a fazer nada, vou-me embora”], dado o desprezo a que a estava a votar, ao recusar-se conviver socialmente com a mesma, reagiu com agressões físicas violentas [a esganadura, na medida em que pode conduzir à asfixia, como de facto conduziu, é uma agressão que traduz um elevado grau de violência], as quais, neste contexto, traduzem um domínio ou uma subjugação sobre a pessoa da vítima, mediante a inflição de maus tratos físicos.
Em linguagem corrente, a conduta do arguido traduz-se no seguinte: “não te tenho de dar explicações sobre as razões porque não saio contigo, por isso não perguntes, senão levas porrada”.
Não se argumente que a vítima, dado o facto de, numa das situações ter reagido, munindo-se de um taser e exibindo-o ao arguido, dizendo-lhe que o usava se ele lhe voltasse a tocar, anula a relação de domínio, isto é, coloca a vítima numa relação e paridade com o agente.
Com efeito, a vítima reagiu a uma agressão que quase a asfixiava, ou seja, não se está perante um contexto de agressões mútuas, iniciadas por um ou por outro [caso em que se pode falar de paridade] e a sua capacidade de reação foi imediatamente anulada pelo arguido, que lhe retirou com grande facilidade o taser das mãos e a tornou a esganar, assim revelando, de forma evidente, a sua superioridade física em relação à vítima, o que também obsta a sustentação de uma relação paritária.
Acresce que a vítima estava grávida, o que era do conhecimento do arguido e, como tal, sujeita a sofrer aborto em situação de violência física sobre si exercida, o que a colocava numa situação de fragilidade acrescida em relação ao arguido.
Decorridos quatro ou cinco meses o arguido e vítima retomaram a união de facto e até dois meses após o nascimento do filho comum, ou seja, até o início de ... de 2019, a relação de ambos foi pacífica.
A partir dessa data e até à separação definitiva, ocorrida em ... de ... de 2018, e após essa separação e até ... de ... de 2020, o arguido praticou os factos descritos em 21) 21), 21.1., 27), 27.1., 27.2., 27.3., 28), 30), 34), 39), 40), 43), 43.1., 43.2., 43.4, 43.5. e 43.6., 44), 45), 47, 47.1, 47.2., 47.3, 47.4, 49), 49.2.1, 53), 53.1., 53.2., 55), 55.1., 55.2., 55.3., 58), 58.3. 64), 64.1., 65), 69), 69.1., 69.2., 69.3., 69.4. e 69.6, ou seja, praticou reiteradamente, ao longo de dois anos e dez meses, factos suscetíveis de preencher os crimes de injúria, ameaça, perseguição e ofensa à integridade física simples, sobre a pessoa de BB.
Face ao exposto, e por maioria de razão face ao que ficou dito relativamente ao primeiro período temporal em que viveram em união de facto [face ao número de condutas e dilação temporal em que perduraram], dúvidas não se suscitam que a conduta do arguido preenche os elementos que constituem o tipo objetivo e subjetivo do crime de violência doméstica.
Por outro lado, parte das condutas em causa, em ambos os períodos temporais analisados, foram praticados no interior da residência que partilhavam, em união de facto, e, numa das situações, na presença do filho menor, pelo que se mostram preenchidas as circunstâncias qualificativas «domicílio comum», «domicílio da vítima» e “na presença de menor” prevista na alínea a), do n.º 2, do artigo 152º, do Código Penal.
Note-se que o facto de arguido e a assistente/demandante terem deixado de viver em união de facto não afasta o preenchimento do crime em causa, pois, como acima fico dito, a alínea b), do n.º 1, do artigo 152º, do Código Penal, abrange não só quem vive em união de facto como quem tenha vivido.
Posto isto, há que o arguido, em dois momentos temporais distintos, assumiu condutas suscetíveis de preencher os elementos do tipo objetivo e subjetivo do crime de violência doméstica, na sua forma agravada, relativamente à pessoa de BB.
Considerando a dilação temporal ocorrida entre os dois períodos é de nove meses [a cessação da união de facto ocorreu em .../.../2018 e o primeiro ato do arguido que integra o crime de violência doméstica, após o retomar a união de facto em ... de 2018, ocorreu em abril de 2019], é entendimento do tribunal de que, apesar de se tratar a mesma vítima, se está perante o preenchimentos de dois tipos de ilícito do crime de violência doméstica, pelas razões que se passam a expor.
No que se refere o concurso efetivo de crimes, o artigo 30º, n.º 1, do Código Penal manda atender ao número de crimes efetivamente cometidos pelo agente e ao número de vezes que a mesma norma é preenchida.
Ou seja, a problemática do concurso não se fecha com o concurso heterogéneo, temos de passar também pelo concurso homogéneo, determinando quantas vezes cada tipo de crime é efetivamente realizado.
Esta problematização do concurso homogéneo deve ser feita no crime de violência doméstica, sob pena levar ao “efeito perverso de transformar um tipo protetor ou especialmente protetor da vítima, num tipo que, na aplicação que dele fazemos, acaba por beneficiar o infrator” [ANA BARATA BRITO, 2014, p.10].
Assim sendo, a aderindo ao entendimento de INÊS FERREIRA LEITE [in artigo intitulado “Violência Doméstica e Concurso de Crimes: Delimitação à Luz do conceito de Unidade Normativo-Social, publicado na obra “prof. Doutor Augusto Silva Dias, In Memoriam, AAFDL, volume II, 2022, p. 58 ], no caso de Violência Doméstica, a unidade da conduta pode vir a cindir-se pelas seguintes razões: a) períodos prolongados de “bom comportamento”; b) quebras de contacto com a vítima; c) sujeição do agente a processo crime ou aplicação de uma pena.
Assim, a existência de uma elevada desconexão temporal é sempre indício de que ocorreu uma cisão da unidade normativo social.
No mesmo sentido, mas relativamente ao concurso em geral, se pronunciar FIGUEIREDO DIAS [2007, p. 1020] “uma certa unidade ou proximidade de espaço e/ou tempo das realizações típicas pode constituir forte estímulo para concluir pela interseção dos sentidos dos ilícitos singulares e, por essa via, por uma leitura do sentido de ilícito do comportamento total (…)”. Por sua vez, um claro desfasamento espácio-temporal indiciará uma pluralidade de sentidos sociais de ilicitude.
Como refere EDUARDO CORREIA [1996, p.97], ditam as regras e experiência da psicologia que, “em regra, se entre diversos atos medeia um largo espaço de tempo, a resolução que porventura inicialmente os abrangia a todos se esgota no intervalo da execução, de tal sorte que os últimos não são já a sua mera descarga, mas supõem um novo processo deliberativo”.
Aplicando o que ficou dito ao caso dos autos, verifica-se que o arguido esteve afastado da vítima 5 meses e, quando voltou a viver a união de facto com a mesma, teve “bom comportamento”, durante 4 meses, o que perfaz um período global de 9 meses em que o arguido não assumiu qualquer conduta típica.
Esta descontinuidade temporal, acrescida do facto de ter existindo uma alteração do modus operandi [no primeiro período a conduta do arguido cingiu-se às agressões físicas, no segundo períodos, além das agressões física, o arguido praticou injúrias, ameaças e perseguição], leva-nos a concluir houve uma cisão da unidade normativo-social que suporta a continuidade tipicamente imposta para o crime de violência doméstica e, como tal, estamos perante dois crimes de violência doméstica e não apenas um, com sustentado pela acusação.
Não se trata aqui de uma alteração dos factos descritos na acusação [eles já lá estavam descritos], mas de uma da qualificação jurídica, comunicada ao arguido ao abrigo do disposto no artigo 358º, do Código de Processo Penal, tendo o mesmo exercido o respetivo contraditório.
*
No que se refere à pessoa de CC, provou-se que no período compreendido entre ... de 2017 e ... de ... de 2018, no interior da residência comum, quando CC acordava durante a noite, a chorar, AA, em quatro dias distintos, pegou naquele pelos ombros, abanou-o e empurrou-o contra a colchão, ao mesmo tempo que dizia: “cala-te puto da merda”; nessa sequência, CC intensificava o choro.
Face à introdução da alínea e), do n.º 1, do artigo 152º, do Código Penal, pela referida lei 57/2021, de 16 de fevereiro, desde logo se conclui que o mesmo é vítima protegida pela incriminação em causa, dado que, na data da prática dos factos era menor.
Considerando que esta nova alínea introduzida pela referida lei 57/2021, de 16 de fevereiro veio alargar o leque das vítimas protegidas pela incriminação do artigo 152º, do Código Penal, na medida em que, na lei anteriormente em vigor, nem todos os menores se enquadravam no conceito de pessoa particularmente indefesa, pois é completamente diferente o grau de indefesa de um bebé e de um adolescente de 17 anos de idade, coloca-se o problema de saber se CC, para além de menor, deve ser também considerando pessoa particularmente indefesa, pois não sendo, não é aplicável a alínea e), do n.º 1, do artigo 152º, do Código Penal, atualmente em vigor, por constituir um alargamento da incriminação [artigo 2º, n.º 4, do Código Penal].
A resposta é, sem margens para dúvidas, que CC deve ser considerada pessoa particularmente indefesa em razão da idade.
Com efeito, estando em causa uma criança que, na data da prática dos factos, tinha menos de um ano de idade, ela é, por inerência da sua condição de absoluta dependência de um adulto para sobreviver, pessoa particularmente indefesa em razão da idade.
Assim sendo, caso se conclua que a conduta do arguido acima descrita assume gravidade suficiente para se considerada maus tratos físicos suscetíveis de lesar a saúde de CC, dúvidas não se suscitam que a mesma se enquadra na alínea d), do n.º 1, do artigo 152º, do Código Penal, em vigor na data da prática dos factos e na alínea e), do n.º 1, do artigo 152º, do Código Penal, atualmente em vigor.
Ora, pese embora a privação do sono cause comprovadamente irritabilidade na pessoa atingida por essa privação, a mesma é, de todo, insuficiente para sustentar uma diminuição de ilicitude de tal ordem que desqualifique, cada uma das quatro condutas assumidas pelo arguido para o crime de integridade física, ainda que qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, n.º 1 e 145º, n.º 1, alínea a), por referência ao artigo 132º, n.º 2, alínea a), do Código Penal.
Com efeito, abanar um bebé pelos ombros e empurrá-lo contra o colchão, em quatro diferentes ocasiões, traduz um grau de ofensividade de tal forma elevado à saúde física e psíquica do bebé que não oferece dúvida que o bem jurídico pressuposto pelo crime de violência doméstica sofre uma lesão efetiva e, como tal, a conduta do arguido dever ser enquadrada no crime em causa.
Por outro lado, dado que, as condutas em causa foram praticados no interior da residência que partilhava com o menor, contra o mesmo e na presença do mesmo, mostram-se preenchidas as circunstâncias agravantes, «domicílio da vítima» e “contra e na presença de menor” prevista na alínea a), do n.º 2, do artigo 152º, do Código Penal.
C) O TIPO DE CULPA:
Para além de preencher os elementos constitutivos do tipo de ilícito, a conduta do arguido, para ser punível, pressupõe que o mesmo tenha agido com culpa.
Com efeito, o dolo não se reduz ao conhecimento e vontade de realização do tipo de ilícito objetivo; a estes elementos acresce uma autónoma atitude interior, […], que não podem ser retirados à culpa [FIGUEIREDO DIAS - com colaboração de MARIA JOÃO ANTUNES; SUSANA AIRES DE SOUSA; NUNO BRANDÃO e SÓNIA FIDALGO-, Direito Penal, Parte Geral, 3ª edição (…), pp. 317, § 64].
É este acréscimo/alargamento (na verdade, um enriquecimento) que consubstancia o chamado “dolo da culpa” [in op., cit., p. 319].
Daí que o facto punível com uma pena criminal não se esgota na desconformidade com o ordenamento jurídico-penal refletida no tipo de ilícito, necessário se tornando sempre que a conduta seja culposa, isto é, que o facto possa ser pessoalmente censurado ao agente, por aquele se revelar expressão de uma atitude interna juridicamente desaprovada e pela qual ele tem por isso de responder perante as exigências do dever ser sociocomunitário [in op.. cit., p. 317, § 64].
É pacificamente aceite que a culpa pressupõe a imputabilidade que é, na terminologia penal, a possibilidade de se atribuir a uma pessoa a prática de um ato ilícito, tipificado como crime, e de a responsabilizar penalmente pela sua prática.
Dito por outras palavras, a imputabilidade constitui o pressuposto essencial para a formulação de um juízo de culpa.
Essa responsabilização penal pressupõe que o agente tenha capacidade para avaliar o mal que pratica e se determinar de acordo com essa avaliação.
Isso mesmo resulta do artigo 20.º, n.º 1 do Código Penal, nos termos do qual “é inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica, for incapaz, no momento da prática do facto, de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação”.
No caso dos autos, não oferece dúvidas que o arguido é capaz de culpa, pois não padece de qualquer anomalia psíquica que o impeça de avaliar ilicitude do facto ou de se determinar de acordo com essa avaliação, conforme decorre da factualidade provada, onde se fez constar que o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que incorria em condutas proibidas e punida por lei.
D) DA INEXISTÊNCIA DE CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE E DA CULPA:
Da matéria considerada provada inexistem factos suscetíveis de ser enquadrados como configurando as situações previstas nos artigos 31º a 39º do Código Penal, ou sejam, inexistem causas que possam excluir a ilicitude ou a culpa do arguido.
Termos em que, a final, deverá o arguido ser punido pela prática de dois crimes de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do Código Penal, sobre a pessoa de BB e um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, alínea d) e n.º 2, do Código Penal, na redação em vigor na data da prática dos factos e atualmente, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, alínea e) e n.º 2, do Código Penal, na pessoa de CC;
*
2. DOS CRIMES DE AMEAÇA:
Para aferir dos elementos constitutivos do crime identificado em epígrafe importa ter presente, além dos já transcritos artigos 13º, 14º e 26º, os seguintes normativos do mesmo diploma legal:
Artigo 153º
Ameaça
1. Quem ameaçar outra pessoa com a prática de um crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 1 ano ou como pena de multa até 120 dias.
2. O procedimento criminal depende de queixa;
Artigo 155º
Agravação
1. Quando os factos previstos nos artigos 153º e 154º forem realizados:
a) (…)
b) (…);
c) (…);
d) (…);
o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, no caso do artigo 153º (…)
A) TIPO OBJETIVO DE ILÍCITO:
1. ELEMENTOS REFERENTES AO BEM JURÍDICO PROTEGIDO:
O bem jurídico protegido é a liberdade de ação e decisão [AMÉRICO TAIPA CARVALHO, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo, I, 2ª Edição, maio de 2012, Coimbra Editora, pp. 552/55].
Exigindo a lei que que a ameaça, seja, na situação concreta, adequada a provocar medo ou inquietação, TAIPA DE CARVALHO conclui que se está perante um crime de perigo concreto [In Ob., Cit., pp. 564], isto é, o tipo só fica preenchido quando o bem jurídico tenha sido efetivamente posto em perigo [sobre o conceito de crime de perigo concreto, vide FIGUEIREDO DIAS, In Direito Penal, Parte Geral. Tomo I, 3ª edição, Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, p. 359/360].
Diferentemente, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, conclui que está perigo abstrato-concreto [in Comentário do Código Penal, UCE, 3ª edição, 601, anotação 3]. Tal categoria de crime, de um ponto de vista formal, cabe ainda na dos crimes de perigo abstrato, porque a verificação do perigo não é essencial ao preenchimento do tipo.
Porém, de um ponto de vista material, são crimes de aptidão, no sentido de que só devem relevar tipicamente as condutas apropriadas ou aptas a desencadear o perigo proibido no casado de espécie [FIGUEIREDO DIAS, in Ob., Cit., pp. 361/362].
Utilizando o legislador, no acima transcrito artigo 153º, n.º 1, do Código Penal, a expressão “de forma adequada a provocar”, estamos em crer que se está perante um crime de aptidão e, como tal, de perigo abstrato-concreto, o que implica que se faça prova da potencialidade da ação causar a lesão [in Comentário do Código Penal, UCE, 3ª edição, 602, anotação 8] ou, vistas as coisas por outro ângulo, implica que o tribunal averigue da “possibilidade de a perigosidade ser objeto de um juízo negativo” [cf. FIGUEIREDO DIAS, in Ob., Cit., p. 361].
2. ELEMENTOS REFERENTES AO AUTOR:
Quanto ao autor, o crime de ameaça configura um crime comum, pelas razões acima referidas. Relativamente ao conceito de autoria, igualmente se remete para o que acima ficou dito.
3. ELEMENTOS RELATIVOS À CONDUTA:
Seguindo de perto o ensinamento de AMÉRICO TAIPA CARVALHO [in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo, I, 2ª Edição, maio de 2012, Coimbra Editora, pp. 552/553], são três a características essenciais do conceito ameaça (simples ou agravada):
a) mal, que tanto pode ser de natureza pessoal como patrimonial;
b) futuro, isto é, o mal, objeto da ameaça não pode ser iminente, pois que, existindo iminência, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respetivo ato violento, isto é, do respetivo mal;
c) dependa (ou apareça como dependente) da vontade do agente. Esta característica estabelece a distinção entre a ameaça e o simples aviso ou advertência.
O critério para afirmar ou negar a existência, no caso concreto, de uma verdadeira ameaça é o critério objetivo-individual. Significa este critério que o ponto de partida para o juízo sobre a dependência, ou não, do mal feito segundo a perspetiva do homem comum, isto é, da pessoa adulta e normal. Todavia, sendo este o critério base, não pode deixar de ser ter em conta – como fator corretivo do critério objetivo do «homem médio» - as características individuais da pessoa ameaçada. Assim, afirmações de ocorrência de males futuros poderão não ser consideradas ameaças para um adulto normal (na medida em que seja manifesto que a verificação, ou não, do mal anunciado não depende da vontade do “ameaçante”), mas já o serem, quando a pessoa destinatária da ameaça é uma criança ou um débil mental.
Mutatis mutandis para o caso inverso, isto é, afirmações de ocorrências de mal futuros poderão ser consideradas ameaças para um adulto normal, mas já o não serem quando a pessoa destinatária da ameaça seja um membro das forças armadas, militarizadas ou de segurança. Estas pessoas são especialmente treinadas para situações de risco, pelo que, neste campo, possuem “sobrecapacidades” relativamente ao cidadão comum [AMÉRICO TAIPA CARVALHO, in, ob. cit. pp. 562/563].
4. A CIRCUNSTÂNCIA QUALIFICADORA DA ALÍNEA A), DO N.º 1, DO ARTIGO 155º:
Tal circunstância, que consiste na ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos, não oferece dificuldade, dado que é aferida em função da moldura penal abstrata, tendo a sua justificação na especial gravidade da ameaça.
B) O TIPO SUBJETIVO DE ILÍCITO:
Quanto ao elemento subjetivo da incriminação em causa estamos perante um crime exclusivamente doloso, dado que não está prevista expressamente a sua punição por negligência [cf. artigo 13º, do Código Penal, acima transcrito, por referência aos artigos 154º e 155º, também acima transcrito, e o qual não prevê a punição por negligência].
Quanto à definição de dolo do tipo e a suas modalidades, remete-se para o que ficou dito em sede de motivação da decisão de facto.
Assim, e no que ao caso dos autos concerne, para haver dolo, o agente tem de representar que anuncia um mal futuro adequado a causar medo e inquietação na pessoa ameaçada.
No caso dos autos, provou-se que o arguido enviou uma mensagem de texto a DD com o seguinte teor: “E tu usa mais a passadeira Recomendado pela segurança rodoviária nacional o perigo está em todo o lado” [facto 49) e desdobramento 49.2.2.]
Provou-se ainda que, no dia ... de ... de 2010, o arguido, dirigiu-se à residência de DD e disse-lhe “pego fogo à casa” [facto 57) e seu desdobramento 57.1].
Tendo presente que é o critério objetivo-individual que deve ser tido em conta como critério de adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação, há que considerar que as mencionadas expressões são adequadas a provocar medo ou inquietação a DD, tendo em consideração o contexto em que foram proferidas, isto é, em situação de conflito.
Considerando que a ameaça de atropelamento pode conduzir apenas a uma lesão à integridade física simples e que puxar fogo a um imóvel, não equivale, sem mais, a prática do crime de incêndio, não se encontra preenchida a circunstância qualificadora, prevista no artigo 155º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
Quanto ao elemento subjetivo, tendo-se se provado que o arguido quis provocar medo e inquietação, sabendo que as expressões que usou era adequadas a provocar tal medo e inquietação, também não se suscitam dúvidas quanto à sua verificação.
No que se refere à culpa e as causas de exclusão da ilicitude e da culpa, valem, mutatis mutandis as considerações acima tecidas aquando da análise do crime de violência doméstica, ou seja, o arguido é capaz de culpa e inexistem causas que possam excluir a culpa ou ilicitude da sua conduta.
Quando à demais expressões a imputadas ao arguido na acusação nada se provou.
Termos em que, a final, deverá o arguido ser:
- Condenado pela prática de dois crimes de ameaça, p. e p. pelo artigo 153º, n.º 1, do Código Penal;
- Absolvido da prática de dois crimes de ameaça, p. e p. pelos artigos 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
*
3. DOS CRIMES DE FOTOGRAFIAS ILÍCITAS:
Para aferir dos elementos constitutivos do crime identificado em epígrafe importa ter presente, além dos já transcritos artigos 13º, 14º e 26º, os seguintes normativos do mesmo diploma legal:
Artigo 153º
Gravações e fotografias ilícitas
1 - Quem sem consentimento:
a) Gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem as gravações referidas na alínea anterior, mesmo que licitamente produzidas;
é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.
2 - Na mesma pena incorre quem, contra vontade:
a) Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 197.º e 198.º
Os normativos acabados de transcrever, à semelhança dos demais crimes acima analisados, revelam que o tipo incriminador do crime ameaça foi construído como um delito doloso de ação, valendo, pois, as considerações acima tecidas sobre a estrutura típica de tais tipos de delito, que se passa a analisar nos termos que se seguem.
A) TIPO OBJETIVO DE ILÍCITO:
1. ELEMENTOS RELATIVOS AO BEM JURÍDICO PROTEGIDO:
Os bens jurídicos que se pretendem proteger com a norma incriminadora ora em causa, são a proteção do direito à imagem e à palavra, os quais assumem carácter eminentemente pessoal e com a estrutura de uma liberdade fundamental, que reconhecem a cada pessoa o domínio exclusivo sobre a sua própria imagem e a sua própria palavra.
Ou seja, no direito penal português vigente, os direitos à imagem e à palavra - com assento constitucional no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa- configuram bens jurídico-penais autónomos e como tal protegidos, independentemente da sua valência do ponto de vista da privacidade/intimidade, como vem frisando a doutrina e a jurisprudência [MANUEL COSTA ANDRADE, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo I, pág. 821; Ac. da Relação de Lisboa de 15/2/89, CJ 1/89, pág. 154; Ac. do STJ de 24/5/89, BMJ n.º 387, pág. 531].
2. ELEMENTOS RELATIVOS AO AUTOR:
Quanto ao autor, o crime de gravações e fotografias ilícitas configura um crime comum, na medida em que pode ser praticado por qualquer [sobre o conceito de crime comum remete-se para o que acima ficou escrito].
Relativamente ao conceito de autoria, vale o que acima ficou dito relativamente ao crime de violência doméstica.
2. ELEMENTOS RELATIVOS À CONDUTA:
No caso dos autos apenas interessa a ter presente a condita prevista na alínea b), do n.º 2, do artigo 199º, do Código Penal, a qual consiste em, contra a vontade utilizar ou permitir que utilizem fotografias ou filmes em eventos em que tenha legitimamente participado, mesmo que licitamente obtidos.
Para que esta modalidade de conduta típica resulte preenchida, a fotografia (filme, vídeo) tem de permitir identificar a pessoa [MANUEL COSTA ANDRADE, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, 2º edição Tomo I, pág. 1214, § 62].
A utilização pode revestir várias formas, nomeadamente colocar a imagem no site, oferecendo aos utilizadores da internet [MANUEL COSTA ANDRADE, in ob. e loc. cit., § 63].
B) O TIPO SUBJETIVO DE ILÍCITO:
Quanto ao elemento subjetivo da incriminação em causa estamos perante um crime exclusivamente doloso, dado que não está prevista expressamente a sua punição por negligência [cf. artigo 13º, do Código Penal, acima transcrito, por referência ao artigo 199º, também acima transcrito, e o qual não prevê a punição por negligência].
Quanto à definição de dolo do tipo e a suas modalidades, remete-se para o que ficou dito em sede de motivação da decisão de facto, sendo que, no crime em análise, o dolo pode revestir quaisquer das suas modalidades, ou seja, direto, necessário e eventual, não se sendo necessário um qualquer outro elemento subjetivo adicional, nomeadamente devassa da vida privada [MANUEL COSTA ANDRADE, in ob. cit., p. 1221 §§ 74 e 75].
Assim, e no que ao caso dos autos concerne, para haver dolo, o agente, na modalidade que nos ocupa, tem de representar que utiliza uma imagem de pessoa identificável, ainda que licitamente obtida, contra a vontade dessa pessoa, e, além disso, tem de querer, ter por necessária ou conformar-se com essa utilização contra a vontade da pessoa identificável nessa imagem.
Aplicando as considerações ora tecidas ao caso dos autos, não oferece dúvidas que os elementos que constituem os tipos objetivo e subjetivo do crime em causa se mostram preenchidos, dado que o arguido, em ... de 2018, contra a vontade DD, logrou, de forma não apurada, aceder à posse de uma fotografia de tipo e outras publicadas pela própria DD em rede social de acesso não aberto, e publicou-as em rede social, da qual era utilizador, de acesso público.
Fê-lo de forma livre, voluntária e consciente e, como tal, atuou com culpa.
Por último, inexistem causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, mormente as desenvolvidamente focadas por MANUEL DA COSTA ANDRADE, na obra acima citada, pp. 1221 a 1229, mormente consentimento/acordo, legítima defesa, direito de necessidade, ponderação de bens ou interesses ou prossecução de interesses legítimos.
Com efeito, o facto de DD ter publicado no seu perfil da rede social facebook, de acesso reservado, uma fotografia sua em evento social, não legitima que o arguido faça um download dessa fotografia e a vá publicar num outro perfil, por si criado e usado, para que outras pessoas possam ter acesso a essa fotografia, contra a vontade da pessoa que ela retrata, no contexto de adicionar à fotografia um comentário depreciativo.
Considerando, porém, que não se logrou apurar que o arguido utilizou a fotografias em 3 dias distintos, a mesmo apena pode ser punida pela prática de um crime de fotografias ilícitas e não pelos três de que se encontrava acusado.
Termos em que, a final, o arguido será condenado por um crime de fotografias ilícitas e absolvido de outros dois.
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2. DAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO CRIME:
2.1. DETERMINAÇÃO DA PENA:
Feito, pela forma acima descrita, o enquadramento jurídico das condutas do arguido e tendo-se concluindo pela sua responsabilidade criminal, importa agora, em obediência ao disposto nos artigos 71º, n.º 3, do Código Penal e 375º, n.º 1, do Código de Processo Penal, expor os fundamentos que irão presidir à escolha e medida da pena a aplicar, os quais, no caso concreto, passam pela adoção de um procedimento que decorre cronologicamente [sobre o modo como, cronologicamente, devem ocorrer as operações de determinação da pena, veja-se FIGUEIREDO DIAS, in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas - Editorial Notícias, 1993, § 256, p. 198], nos seguintes termos:
A) Determinação da medida legal ou abstrata da pena:
Em regra, a moldura penal aplicável, corresponde à moldura penal prevista no tipo de crime que a conduta do agente preenche, só assim não sendo quando, ao caso, forem aplicáveis as chamadas circunstâncias modificativas agravantes ou atenuantes, as quais determinam, consoante os casos, um agravamento ou uma atenuação da moldura penal prevista no tipo de crime que a conduta do agente preenche [veja-se, de forma desenvolvida, FIGUEIREDO DIAS, in ob. cit., § 257, p. 198 e § 259 p. 199].
Tendo presente o que fica dito, verifica-se que, no caso dos autos, as molduras penais abstratas aplicáveis aos crimes acima analisados são as seguintes:
- Crimes de violência doméstica: dois a cinco anos de prisão [artigo 152º, n.º 2, do Código Penal];
- Crime de ameaça: um mês a um ano de prisão ou multa de 10 a 120 (cento e vinte) dias [artigo 155º, n.º 1, alínea a), do C.P. por referência aos artigos 41º, n.º 1 e 47º, n.º1, do mesmo diploma];
- Crime de fotografias: um mês a um ano de prisão ou multa de 10 a 120 (cento e vinte) dias [artigo 199º, n.ºs 1 e 2, do C.P. por referência aos artigos 41º, n.º 1 e 47º, n.º1, do mesmo diploma].
B) Escolha da natureza da pena:
Dado que a um dos crimes em causa é aplicável, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, impõe-se a escolha entre uma delas.
O critério de escolha é-nos dado pelo artigo 70º do Código Penal, que estabelece a obrigatoriedade de o tribunal dar preferência à pena não privativa da liberdade sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Porém, no caso dos autos, estamos perante uma situação de concurso de crimes, sendo que a parte deles [violência doméstica] o tribunal terá de necessariamente aplicar pena de prisão, já que não admite a aplicação, em alternativa, de uma pena de multa.
Nestes casos, como faz notar FIGUEIREDO DIAS, sabendo-se que a pena que vai ser efetivamente aplicada não é a pena parcelar, mas a pena conjunta, torna-se claro que só relativamente a esta tem sentido pôr a questão da sua substituição [in, "Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime", pág. 285, § 409].
Pelo exposto, escolhe-se aplicar pena de prisão aos crimes de ameaça e fotografias ilícitas.
C) Determinação da pena concreta:
Para proceder à determinação da medida concreta da pena de prisão interessa ter presente o disposto no artigo 71º, n.º 1 do Código Penal, segundo o qual a determinação da pena concreta se faz em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes.
C-1.) Do modelo de determinação da medida concreta da pena:
Vários modelos têm surgido para solucionar a questão de saber a forma como estas entidades distintas (culpa e prevenção) se relacionam no processo unitário da medida da pena.
Face ao disposto no artigo 40.º do Código Penal, que veio tomar posição expressa quanto à questão dos fins das penas, afigura-se-nos inquestionável que é o modelo da “moldura da prevenção” proposto por FIGUEIREDO DIAS [in, "Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime", pág. 285, § 409 pp. 227/231], aquele que melhor se adequa ao espírito desta norma, quanto mais não seja por “nela ter sido consagrado o seu pensamento” [assim o afirma JOSÉ GONÇALVES DA COSTA, in RPCC, ano III, 1993, pág. 327].
O que fica dito resulta reforçado pelo facto de o Supremo Tribunal de Justiça, pelo menos na última década, ter acolhido, de modo largamente maioritário, as lições de Jorge de FIGUEIREDO DIAS [sobretudo plasmadas na obra Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime] e de ANABELA MIRANDA RODRIGUES [plasmadas na obra A determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra Editora, 1985]. Isso mesmo é referido, sob uma perspetiva crítica por LOURENÇO MARTINS [In Medida da Pena, Finalidades e Escolha, sobretudo pp. 187 e ss.] Para este autor, o modelo que melhor se adapta ao nosso quadro legal, é o da teoria mista ou integradora dos fins das penas, cujos pressupostos são desenvolvidos a fls. 491/492 da obra citada], e, sob numa perspetiva concordante, por Souto Moura [In estudo intitulado a jurisprudência do S.T.J. sobre a fundamentação e critérios da escolha e medida da pena, publicado in www.stj.pt/documentacao/estudos/penal, pp. 12 e ss.].
Segundo aquele modelo, primordialmente, a medida da pena há de ser dada por considerações de prevenção geral positiva, isto é, prevenção enquanto necessidade de tutela dos bens jurídicos que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida, que fornece uma «moldura de prevenção», isto é, que fornece um quantum de pena que varia entre um ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e onde, portanto, a medida da pena pode ainda situar-se até atingir o limiar mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Através do requisito da culpa, dá-se tradução à exigência de que aquela constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas (limite máximo) – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela dignidade da pessoa do agente. Por último, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva – entre o ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente suportável – podem e devem atuar ponto de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena. Esta deve, em toda a sua extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade [In Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do crime, p. 227 e ss. e, quanto ao juízo de culpa, ANABELA RODRIGUES, in A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, pp. 478 e ss.].
C- 1.1.) Critérios de aquisição e de valoração dos fatores de medida da pena:
Tendo presente o modelo adotado, importa, de seguida, eleger, no caso concreto, os critérios de aquisição e de valoração dos fatores da medida da pena, nomeadamente os referidos nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal.
Neste âmbito, há que ter em consideração:
C- 1.1.1.) A determinação do substrato da medida da pena:
Para efeito de medida da pena o conceito «substantivo» de facto é insuficiente para conter todos os fatores de medida da pena, se se considerar que aquele conceito é somente integrado pelas categorias do tipo-de-ilícito e do tipo-de-culpa.
Na medida da pena deve ser tido em consideração um tipo complexivo total, isto é, que não se basta com as categorias do tipo-de-ilícito e do tipo-de-culpa, mesmo quando a elas se acrescente a categoria da punibilidade, mas que abarque a categoria da punição (que suporta a consequência jurídica), integrada pelo princípio da carência punitiva [FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas - Editorial Notícias, 1993, pp. 232/234].
B-1.1.2. O princípio da proibição de dupla valoração:
O referido princípio, consagrado no artigo 71º, n.º 3, do Código Penal, implica que não devem ser tomadas em consideração, na medida concreta da pena, as circunstâncias que façam já parte do tipo de crime. Todavia, o que fica dito não obsta em nada a que a medida da pena seja elevada ou baixada em função da intensidade ou dos efeitos do preenchimento de um elemento típico de um elemento típico e, portanto, da concretização deste, segundo as especiais circunstâncias do caso, v.g. não deve ser valorado da mesma forma um sequestro de 3 dias ou de 3 meses [FIGUEIREDO DIAS, ob., cit., pp. 234 e ata da 26º sessão da Comissão Revisora do Projeto da parte geral do Código Penal, in BMJ, 49, pág. 74/75].
Ainda neste âmbito importar referir que os fatores que influem na determinação da medida são, muitas vezes, dotados de particular ambivalência. Por exemplo um mesmo fator, na perspetiva da culpa, pode funcionar como agravante e, na perspetiva da prevenção, funcionar com atenuante.
C- 1.2.) Os concretos fatores de medida da pena:
O artigo 71º, n.º 2, do Código Penal elenca, de forma não exaustiva, os concretos fatores de medida de pena que o tribunal deve ter em consideração, os quais, como se infere do que atrás ficou dito, devem valorados de acordo com o modelo adotado e dentro dos limites impostos pelo substrato da medida da pena e o princípio da proibição da dupla valoração.
Tendo presentes estas considerações, é nosso entendimento que, no caso concreto, assumem relevância para a determinação da medida da pena os seguintes fatores:
1. No que se refere grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e às suas consequências, assumem relevância os seguintes fatores:
1.1. A intensidade das agressões e extensão das suas consequências: o arguido, reiteradamente, empurrou, socou, esganou, BB, causando-lhe dores, escoriações, hematomas, por seu turno provocou naquela, medo, nervosismo, ansiedade e necessidade de toma de ansiolíticos;
1.2. Intensidade do anúncio do mal futuro e a intensidade de tais anúncios: O arguido ameaçou de morte, de forma reiterada, BB, o que lhe causou medo, nervosismo e ansiedade e, por outra lado, ameaçou a integridade física de DD, com recurso a atropelamento e a ameaçou danificar um bem de valor considerável da mesma, mediante a ação do fogo;
1.3. A frequência e o elevado grau pejorativo das injúrias: O arguido, referiu-se a BB como sendo “puta”, “cabra”, “merda”, “porca”, “não és boa mãe”, “não sabes cuidar do teu filho,” “não quero andar com a tua tromba”, “não sabes fazer nada”, “cadela”, “violada de merda”, “violada do caralho” “filha da puta da violada” “essa mulher abandona o filho de um ano e meio de idade em casa para ir ter com ... fazer as necessidades”, “essa aí tentou o suicídio”; sendo aqui de destacar a persistência do arguido a referir-se a uma situação de abuso sexual de que BB foi vítima ainda em criança, e que aquela lhe relatou, usando tal episódio para a achincalhar pelo abuso que sofreu, o que revela baixeza de caráter.
1.4. O grau de disseminação das fotografias ilicitamente usadas e das legendas das mesmas: o arguido, ao colocar na internet as fotografias com legendas injuriosas, disseminou-as por elevado esperto de pessoas;
2. No que se refere ao grau de culpa, assume relevância a elevada intensidade dolosa, pois o arguido agiu, em todos os crimes, sob a forma de dolo direto, que é a forma mais gravosa de culpa e, como tal, implica um maior juízo ético-social de desvalor;
3. No que se refere aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins e os motivos que o determinaram, apurou-se que o arguido agiu por ciúmes e vingança por ter deixado de ter acesso a filho;
4. Relativamente às condições pessoais e situação económica do arguido, assume relevância o crescimento em ambiente familiar funcional, a normal formação escolar, o estável percurso profissional e a capacidade para obter rendimentos suficientes para as suas necessidades;
5. Relativamente à conduta anterior aos factos, o arguido regista a condenação pela prática de um crime de furto, não assumindo a mesma grande relevância para o caso dos autos, considerando que em nada contende com os bens jurídicos protegidos pelos crimes que violência doméstica, ameaça e fotografias ilícitas;
6. Relativamente à conduta posterior aos factos, assume relevância a confissão parcial e a aceitação, na atualidade, do facto de a vítima ter cessado a união de facto, o que o levou a iniciar uma outra relação marital;
7. Relativamente à falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, em face da ausência de condenações anteriores relevantes, não se pode sustentar que formou uma personalidade de tendência criminosa, sendo, pois, de afirmar mera pluriocasionalidade.
Sopesando todos os fatores conclui-se, da imagem global do facto, que as condutas do arguido se situam no patamar da baixa gravidade relativamente aos crimes de ameaça e fotografias ilícitas e de média gravidade relativamente ao primeiro dos crimes de violência doméstica e crime de violência de que foi vítima o menor, e de elevada gravidade relativamente ao segundo crime de violência doméstica sofrido por BB, pelo que se têm por adequadas as seguintes penas:
- dois anos e seis meses de prisão para o crime de violência doméstica referente ao primeiro período de união de facto;
- três anos e nove meses de prisão para o crime de violência doméstica referente ao segundo período de união de facto e após a separação definitiva;
- dois anos e nove meses de prisão para o crime de violência doméstica referente ao menor, filho do arguido;
- Quatro meses de prisão para o crime ameaça referente à situação do atropelamento;
- Três meses de prisão para o crime ameaça referente à danificação de um imóvel de considerável valor;
- Dois meses de prisão para o crime de fotografias ilícitas;
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C-2). Determinação da pena única:
Nos termos do artigo 77º, do Código Penal:
1- Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente;
2- A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes;
3 - […]
4 – […]
C-2.1. Da moldura abstrata do concurso:
Face às normas ora transcritas resulta que, no caso dos autos, a moldura penal abstrata aplicável é a seguinte:
- Limite mínimo: três anos e nove meses de prisão;
- Limite máximo: nove anos e nove meses de prisão;

C-2.2. Determinação da pena concreta do concurso:
No que toca à determinação da medida concreta da pena do concurso, verifica-se que a lei elegeu como elementos determinadores da pena conjunta os factos e a personalidade do agente, elementos que devem ser considerados em conjunto.
Acolhendo-nos ao ensinamento de FIGUEIREDO DIAS [In Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pp. 290/292], entendemos que a pena conjunta deve ser encontrada, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique, relevando, na avaliação da personalidade do agente sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, sem esquecer o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro daquele, sendo que só no caso de tendência criminosa se deverá atribuir à pluriocasionalidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura da pena conjunta.
Adverte no entanto que, em princípio, os fatores de determinação da medida das penas singulares não podem voltar a ser considerados na medida da pena conjunta (dupla valoração), muito embora, «aquilo que à primeira vista possa parecer o mesmo fator concreto, verdadeiramente não o será consoante seja referido a um dos factos singulares ou ao conjunto deles: nesta medida não haverá razão para invocar a proibição de dupla valoração» [Cf. EDUARDO CORREIA no seio da Comissão Revisora do Código Penal– cf. ata já atrás referida].
Daqui que se deva concluir, como concluímos, que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respetivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente. Como doutamente diz FIGUEIREDO DIAS, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.
Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos [visto que estes, como resultado da vontade e atuação do delinquente, espelham a sua forma de pensar e o seu modo de ser, o seu temperamento, caráter e singularidade, isto é, a sua personalidade], tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele.
Feitas estas considerações sobre a determinação da medida da pena única ou conjunta, e aplicando-as ao caso concreto, tem-se como adequada a pena de cinco anos e nove meses de prisão;

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D) DAS PENAS ACESSÓRIAS:
O Ministério Público, ao remeter para o n.º 4, do artigo 152º, do Código Penal, requereu a aplicação ao arguido das penas acessórias de proibição de contactos com a vítima, de proibição de uso e porte de armas e da obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
Na atual redação a lei passou a impor o afastamento da residência e a impor a fiscalização do seu cumprimento com meios técnicos de controlo à distância.
A pena acessória tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, cuja finalidade não se esgota na intimidação da generalidade, mas dirige-se também, ao menos em alguma medida, à perigosidade do agente, reforçando e diversificando o conteúdo penal sancionatório da condenação [FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, p. 96 e 232]. Daí que a determinação da pena acessória deva operar-se mediante recurso aos critérios gerais consignados no artigo 71º do Código Penal com a ressalva de que a finalidade a atingir pela pena acessória é mais restrita na medida em que a mesma tem em vista sobretudo prevenir a perigosidade do agente, ainda que se lhe assinale também um efeito de prevenção geral.
Tem em consideração a efetividade da pena aplicada ao arguido e duração da mesma [cinco anos e nove meses de prisão], justifica-se a imposição da medida de coação de proibição de contactos com a vítima pelo período de cinco anos, não sendo viável que a pena acessória em causa seja fiscalizada por meios de técnicos de controlo à distância, dado que o arguido foi condenado em pena de prisão efetiva superior ao prazo da pena acessória.
O que fica dito, impede, por idêntica razão, a viabilidade de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
Dado que o arguido não detentor de armas de fogo ou de outro tipo e não fez uso de armas para cometimentos dos crimes acima apontados, não se justifica a aplicação da pena acessória de proibição e uso e porte de armas.
Relativamente à vítima CC, considerando que após o sucedido, não mais o agrediu, não se justifica a aplicação e penas acessórias.
(...)
*
3. ENQUADRAMENTO JURÍDICO- CIVIL:
3.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS:
Nos termos do artigo 129º, do Código Penal a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.
O princípio geral da responsabilidade civil por factos ilícitos, surge-nos inscrito no artigo 483.º, do Código Civil, onde se afirma que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
A responsabilidade civil pode assumir tanto a modalidade da responsabilidade contratual – quando provém da “falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos” - como a modalidade de responsabilidade extracontratual, também designada por delitual ou aquiliana, a qual, além da responsabilidade pelo risco e a responsabilidade por factos lícitos, compreende a chamada responsabilidade civil por atos ilícitos, sendo precisamente essa que está em causa no artigo 483º [PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição revista e atualizada, com a colaboração de MANUEL HENRIQUE MESQUITA, Coimbra Editora, Lda., Coimbra, 1987, pág. 471] e onde se insere a prática de crimes [o crime não é um contrato, nem ato lícito].
Assim, o demandado só poderá ser condenado quando se mostrem verificados os pressupostos de que depende a responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, não sendo admissível a sua condenação com base noutra modalidade de responsabilidade civil.
Com efeito, o artigo 129º, do Código Penal, onde consta «emergente de crime» e o artigo 71º,do Código de Processo Penal, onde se fala «pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime», não deixam dúvidas quanto à modalidade de responsabilidade a ter em consideração, podendo ainda, convocar-se para o efeito o decidido no assento do STJ n.º 7/99 nos termos do qual: «Se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no artigo 377.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade civil contratual» [publicado no DR- I Série-A, de 30.8.1999].
Posto isto, cabe aferir dos pressupostos que condicionam a obrigação de indemnizar imposta ao lesante com fundamento na responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, que são, segundo a doutrina mais relevante, os seguintes: a) o facto; b) a ilicitude; c) a imputação do facto ao lesante; d) o dano; e) o nexo de causalidade entre o facto e o dano [MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 5.ª edição, Almedina, Coimbra, 1991, pp. 447. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. I, 7.ª edição, Almedina, Coimbra, 1991, p. 517].
Analisemos, em termos breves, cada um dos mencionados pressupostos.
O facto gerador de responsabilidade reporta-se a um facto controlável pela vontade, um comportamento ou conduta humana – que pode consistir num ato positivo ou ação ou num ato negativo ou omissão [MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 5.ª edição, Almedina, Coimbra, 1991, p. 447].
A ilicitude do facto, no âmbito da responsabilidade extracontratual, pode traduzir-se: na violação de um direito de outrem; ou na violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios. A primeira hipótese, a única que nos interessa para o caso concreto, comporta os direitos subjetivos, em especial os direitos absolutos, com relevo para os direitos reais e os direitos de personalidade, pois que que a tutela dos direitos de crédito defronte a formas de incumprimento imputável foi remetida para o capítulo da responsabilidade contratual [PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, ob. cit., pág. 472; ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. I, 7.ª edição, Almedina, Coimbra, 1991., pp. 523/524; MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 5.ª edição, p. 451].
A imputação do facto ao agente, isto é, a culpa é um conceito que abrange, por um lado, a mera culpa ou negligência e, por outro, o dolo. Ou seja: a culpa tanto provém de falta de cuidado na prestação do serviço, como da intenção de causar um dano. A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um “bom pai de família”, em face das circunstâncias de cada caso [Cf. Artigo 487, nº 2, do Código Civil]. Agir com culpa significa, assim, “atuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo” [Cf. ANTUNES VARELA, obra citada pág. 571/572].
O dano, na formulação de ANTUNES VARELA [Das obrigações em geral, Vol. I., p. 658.], a que nos acolhemos, é a perda in natura que o lesado sofreu em consequência de certo facto, nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar. “É a lesão causada no interesse juridicamente tutelado (…).”
Na tipologia dos danos que tradicionalmente podem ser considerados no domínio da obrigação de indemnizar, a doutrina vem entendendo que se distinguem, desde logo, os danos patrimoniais e os danos não patrimoniais, assentando tal distinção na natureza do interesse afetado.
Assim, danos patrimoniais são os prejuízos que, sendo suscetíveis de avaliação pecuniária, podem ser reparados os indemnizados [ANTUNES VARELA, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 7ª edição, 594] e danos não patrimoniais, são os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização” [ANTUNES VARELA, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 7ª edição].
Quanto ao quinto e último pressuposto da responsabilidade civil, isto é, a existência de um nexo de causalidade entre o ato e o dano sofrido, de modo a poder-se concluir que este (o dano) resulta daquele (do ato do lesante) há que atender ao disposto no artigo 563º do Código Civil, nos termos do qual a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Vem sendo entendimento de forma consistente pelo supremo tribunal de justiça que aquela norma consagrou a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa, nos termos da qual, na formulação de ANTUNES VARELA [Das Obrigações em Geral, vol. I, pág. 894], “só quando para a verificação do prejuízo tenham concorrido decisivamente circunstâncias extraordinárias, fortuitas ou excecionais (que tanto poderiam sobrevir ao fato ilícito como a um outro facto lícito) repugnará considerar o facto (ilícito) imputável ao devedor ou agente como causa adequada do dano”.
*
3.2. DOS PEDIDOS DEDUZIDOS PELAS DEMANDANTES BB E DD:
Da factualidade dada como provava resulta que o demandado:
- Relativamente à demandante BB praticou dois crimes de violência doméstica, pelas razões de facto e de direito aduzidas em sede de enquadramento criminal, para as quais se remete e que, em consequência de tal crime, a demandante sofreu dores, medo, receio, vexame, vergonha, desgosto, tristeza e foi forçada a tomar ansiolíticos e a ser assistida no hospital.
- Relativamente à demandante DD, o demandado cometeu dos crimes de ameaça e um crime de fotografias ilícitas, e que, em consequência de tal crime, a demandante sofreu medo, receio, vexame, vergonha e tristeza.
Face a tal factualidade, dúvidas não se suscitam que o demandado praticou atos ilícitos culposos (sob a forma dolosa), do qual resultaram danos para ambas as demandantes.
Dito de outra forma, o demandado, de forma livre e voluntária, violou ilicitamente um direito de personalidade das demandantes, mormente a sua integridade pessoal, merecedora de tutela constitucional (artigo 25º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa) e tutela civil, através do artigo 70º, n.º 1, do CC, o qual, protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.
Termos em que se conclui que se mostram verificados todos os pressupostos exigidos pelo artigo 483º, do CC, pelo que fica o demandado constituído na obrigação de indemnizar os demandantes nos termos legais que regem a obrigação de indemnização, e que são os previstos nos artigos 562º e seguintes do CC.
Nesse preceito consagra-se o princípio geral da chamada reconstituição integral ou “in natura”, nos termos do qual o responsável pela reparação de um dano deve reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto que obriga à reparação. Não podendo proceder-se à reconstituição natural, há que atender ao disposto no artigo 566º, n.º 1, do CC, nos termos do qual, deverá o lesado ser compensado através da fixação de uma indemnização em dinheiro [a chamada reconstituição por equivalente pecuniário].
Porém, os danos não patrimoniais, pela sua própria natureza, isto é, valores de ordem espiritual, ideal ou moral, são insuscetíveis de reconstituição “in natura” ou por equivalente pecuniário, pois não é possível colocar o lesado na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse tido lugar, mediante a concessão de bens com valor equivalente ao dos ofendidos em consequência do facto.
Assim sendo, trata-se apenas de dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, na forma de uma indemnização pecuniária, a qual não obedece à teoria da diferença consagrada no artigo 566º, n.º 2, do CC (imprestável para a finalidade em causa, atenta a natureza do dano não patrimonial já apontada), mas sim a critérios de equidade (artigo 494º, ex vi do artigo 496, n.º 4, 1ª parte do CC), limitados pela gravidade do dano (artigo 496º, n.º 1, do CC).
Com efeito, decorre deste último preceito que são apenas reparados os danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, sendo, assim, o princípio da reparação por equivalente pecuniário limitado pela gravidade do dano.
A gravidade do dano há de medir-se por um padrão objetivo (essa apreciação deve ter em linha de conta as circunstâncias do caso concreto), devendo abstrair-se dos fatores subjetivos, nomeadamente “de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada” [ANTUNES VARELA, ob. cit., p. 576].
Por seu turno, do artigo 494º do CC parece resultar que a “indemnização” por danos não patrimoniais é calculada de acordo com os seguintes critérios:
a) Equidade: critério orientador de todos os restantes;
b) Grau de culpabilidade do agente (primeiro critério previsto no artigo 494.º);
c) Situação económica do agente (segundo critério previsto no artigo 494.º);
d) Situação económica do lesado (terceiro critério previsto no artigo 494.º);
e) Demais circunstâncias do caso (quarto critério previsto no artigo 494.º, o qual é, em rigor, uma cláusula aberta, que dá ampla liberdade à justiça do caso concreto, a cargo do labor jurisprudencial).
O parâmetro representado pela culpa do agente faz inculcar que a indemnização do dano não patrimonial reveste uma certa função punitiva ou sancionatória.
Com efeito, como decidido pelo Acórdão do S.T.J. de 29.4.2004 [Relator Conselheiro ARAÚJO BARROS, in "http:/www.dgsi.pt/jstj], há que ter presente que "a indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada: por outro lado não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”.
Revertendo ao caso concreto tendo presentes as considerações acabadas de tecer, dúvidas não se suscitam que os danos sofridos pelas duas demandantes oferecem gravidade suficiente para ser tutelados pelo direito, pois atingem de forma intensa a personalidade física e moral das mesmas.
Quanto ao grau de culpa, verifica-se que o demandado agiu com dolo direto, o que constitui um fator que agrava o montante da indemnização a fixar.
Quanto às demais circunstâncias do caso, nada assume relevância particular.
Tudo ponderado, tem-se por adequada a fixação de:
- uma indemnização no valor de € 7.500 (sete mil e quinhentos euros), relativamente à demandante BB;
- uma indemnização no valor de € 1.000 (mil euros), relativamente à demandante DD;
Tais valores são fixados tendo já em consideração a taxa de inflação estimada para o ano corrente, isto é, de 6%.
Dito por outras palavras, estamos perante um cálculo atualizado.
A demandante não deduziu pedido de indemnização por danos patrimoniais.
No que se refere aos juros de mora, cumpre referir que o devedor entra em mora quando tarda, por causa que lhe seja imputável, no cumprimento da prestação a que está obrigado - artigo 804º, nº 2 do Código Civil - estabelecendo a lei, através da indemnização moratória, uma sanção para o seu não cumprimento tempestivo.
No que se refere ao momento da constituição em mora de responsabilidade por facto ilícito, a mesma tem lugar desde a citação (cf. n.º 3, do artigo 805º, do CC), correspondendo no processo penal à notificação do pedido de indemnização civil.
Porém, no que se refere a danos não patrimoniais, únicos peticionados pelas demandantes, há que considerar o decidido pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 9 de Maio de 2002, publicado no D.R., I Série, nº 146, de 27 de Junho de 2002, segundo o qual: "Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito, ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do nº 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º nº 3 (interpretado restritivamente), e 806º, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora e não a partir da citação.".
Manifestamos total concordância com o referido acórdão uniformizador.
Assim, uma vez que no caso dos autos as indemnizações acima fixadas já estão devidamente atualizadas os juros relativos aos danos não patrimoniais apenas são devidos após a data da prolação da presente decisão.
(...)
Das custas:
(...)
Relativamente aos pedidos deduzidos por BB e DD, na medida em que os respetivos valores peticionados ultrapassam o valor de € 2040, demandantes e demandado são responsáveis pelo pagamento das custas, na proporção do respetivo decaimento.
*
4. DO ARBITRAMENTO OFICIOSO DE INDEMNIZAÇÃO À VÍTIMA CC:
A Lei n.º 129/2015, de 3 de setembro, que estabeleceu regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à proteção e à assistência das suas vítimas, estabelece, no artigo 21º do Estatuto da Vítima, direito das vítimas à indemnização, nos seguintes termos:
1 - À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável.
2 - Há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.
Por seu turno, artigo 82º-A do Código de Processo Penal, o qual dispõe:
«1 – Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72º e 77º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de proteção da vítima o imponham.
2 – No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório.
3 – A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em ação que venha a conhecer de pedido civil de indemnização».
Considerando que a vítima CC, através da sua mãe, não deduziu pedido de indemnização civil e que esta não se opôs expressamente a que lhe fosse arbitrada uma reparação e que foi assegurado o respeito pelo contraditório, o mesmo tem direito à reparação prevista no artigo 82º-A do Código de Processo Penal.
No caso, não se apuraram prejuízos materiais sofridos pela vítima.
Relativamente a prejuízos não patrimoniais, cujo conceito acima se referiu e para lá se remete, apenas se apurou que a vítima, sendo bebé, intensificava o choro quando era abando pelo arguido.
Termos em que se por adequada a fixação de uma compensação no valor de € 1.500 (mil e quinhentos euros).
(...).»

2.3. Do conhecimento do mérito do recurso
2.3.1. Da integração na factualidade provada de imputações genéricas
Sustenta o arguido/recorrente inexistirem elementos probatórios suficientemente seguros para se poder concluir que praticou os factos dados como provados nos pontos 21.1, 21.2, 25, 27, 27.1, 27.2, 27.3, 28, 40 e 42, porquanto os mesmos consubstanciam imputações genéricas e sem qualquer concretização contextual e/ou temporal.
Entende o recorrente que, tal circunstância não permite assegurar plenamente o contraditório, nem um eficaz exercício do seu direito de defesa. Por essa razão, pugna o recorrente para que os indicados pontos da matéria factual provada sejam dados como não escritos.
O Ministério Público pronuncia-se no sentido de não assistir razão ao recorrente.
Apreciando:
Vem sendo entendimento consolidado, na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, que as imputações genéricas, sem qualquer concretização dos factos em que se traduziu a atuação do agente e do tempo, modo e lugar em que acontecerem, por não permitirem o pleno exercício do contraditório e, portanto, do direito de defesa, constitucionalmente consagrado (cf. artigo 32º, n.ºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa), não podem servir de suporte à qualificação da conduta do agente e, como tal, à sua condenação penal[1].
As imputações genéricas só podem assumir relevância jurídico-penal, para efeitos de condenação criminal, se forem concretizadas em factos, sendo irrelevantes ou inócuas as imputações genéricas que não encontram no texto da decisão aquele limiar indispensável de concretização, pelo que, das duas uma, ou essa concretização é feita ou não podem essas imputações ser consideradas na decisão condenatória[2].
Especificamente, em relação ao crime de violência doméstica, quando estão em causa condutas reiteradas, que se prolongaram no tempo, ao longo de anos, conforme se decidiu no Ac. da RP, de 20/04/2016[3] é decisiva «a conexão temporal que liga os vários momentos da conduta do agente», não podendo haver unificação da atuação desenvolvida, se existirem hiatos temporais significativos entre as condutas pelo mesmo perpetradas. Como é evidente, este aspeto assume relevância, designadamente, para efeitos de contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal[4].
É certo que situações existirão em que a reiteração das condutas criminosas ao longo de anos é de tal forma persistente que se revelará quase como uma prática habitual, não permitindo concretizar, com o mínimo de precisão, a localização temporal dessas condutas. Contudo, sendo essa a situação, tem de haver a especificação dos concretos atos praticados e a contextualização de alguns deles, para que seja possível ao arguido, o pleno exercício do contraditório.
O que está em causa nesta exigência de definição concreta da matéria que é imputada ao arguido relaciona-se, precisamente, com o direito ao exercício do contraditório, o qual só pode ser plenamente assegurado se o arguido souber quais os factos concretos de que é acusado para que deles se possa defender.
Nesse sentido, como se escreve no Acórdão desta Relação de Évora, de 26/10/2021[5] «mais importante do que a indicação circunstancial temporal dos factos – que, muitas vezes, é impossível ou muito difícil de determinar –, importa assegurar que os mesmos têm uma definição concreta suficientemente segura para que o arguido deles se possa proteger, seja pela evidente compreensão da materialidade que os envolve, seja, até, pela localização espacial.».
Neste quadro, analisemos, então, a questão suscitada pelo recorrente:
Está em causa a matéria factual dada como provada nos pontos 21.1, 21.2, 25, 27, 27.1, 27.2, 27.3, 28, 40 e 42, com o seguinte teor:
21.1. Dirigiu-se a BB e, em dois dias diferentes, disse-lhe: porque é que não vais às compras, se as outras mães conseguem, porque não vais sozinha às compras?, “não quero andar com a tua tromba”; “vou arranjar outra mãe para o meu filho”;
21.2. Desferiu, com a palma de uma das suas mãos, uma pancada no lábio superior de BB, o qual ficou inchado e dorido;
25. No período compreendido entre ... de 2017 e ... de ... de 2018, no interior da residência comum, quando CC acordava durante a noite a chorar, AA, em quatro dias distintos, pegou naquele pelos ombros, abanou-o e empurrou-o contra a colchão, ao mesmo tempo que dizia: “cala-te puto da merda”;
27. No período compreendido em ... de ... de 2017 e ... de ... de 2018, no interior da residência mencionada em 24), AA:
27.1. Disse a BB, com regularidade semanal: “porca”, “as portuguesas são umas porcas”, “cabra”, “és uma merda, “o menino não come, porque não gosta da tua comida, “não sabes fazer nada”;
27.2. Disse a BB, em duas datas diferentes da mencionada em 31), “Boa tarde cadela” e que lhe ia tirar o filho, caso saísse de casa;
27.3. Retirou, em dois diferentes dias, CC dos braços de BB, a mesmo tempo, que lhe dizia: “não sabes cuidar do teu filho, não és boa mãe”;
28. Em data posterior a ... de ... de 2017 e anterior a ... de ...de 2018, AA agarrou BB pelo pescoço e apertou-o, provocando a queda da mesma no chão, onde bateu com o braço, o qual ficou com hematomas;
40. Em data situada entre ... e ... de ... de 2018, AA, sem o consentimento, conhecimento e contra a vontade de BB, instalou no veículo automóvel, marca ..., modelo ..., pertencente à mesma, um dispositivo GPS, que conectou ao seu próprio telemóvel;
42. Em data não apurada, compreendida entre o dia ... de ... e o dia ... de ... de 2018, AA telefonou DD [doravante DD] e disse-lhe: “quando a BB voltar para casa vou fazer com que a mesma se atire do ... andar e tu vais apanhar os pedacinhos”;
Relativamente aos factos dados como provados nos pontos 21.1 e 21.2 verifica-se que estão na dependência da factualidade vertida em 20. e 21., sendo nestes referida a localização temporal daqueles, qual seja o decurso do mês de ... de 2017.
No tocante aos factos dados como provados nos pontos 25, 27, 27.1, 27.2, 27.3, 28, 40 e 42, encontrando-se delimitado o período temporal em que ocorreram, estando em causa, com referência aos pontos 25 e 27.1 a 27.3, condutas que se repetiram, sendo descrito o modo como a agressão física mencionada no ponto 28 foi perpetrada e o exato teor das palavras proferidas no telefonema referido no ponto 42, entendemos existir suficiente concretização dos factos imputados ao arguido/recorrente, não se estando perante imputações genéricas.
Por outras palavras, consideramos que os factos em causa estão suficientemente concretizados para permitir ao arguido, ora recorrente, o pleno exercício do contraditório.
Aliás, o arguido, tendo prestado declarações na audiência de julgamento, negou alguns desses factos, apresentou a sua versão em relação a outros e confessou os descritos no ponto 40., como resulta da motivação da decisão de facto consignada no acórdão recorrido, o que é revelador de ter exercido, plenamente, o direito ao contraditório e organizado a sua defesa estando perfeitamente ciente dos concretos factos que lhe foram imputados na acusação e vieram a ser dados como provados.
Improcede, pois, este fundamento do recurso.

2.3.2. Da impugnação da matéria de facto dada como provada
Impugna o recorrente a matéria de facto dada como provada nos pontos 5, 6, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 21, 21.1, 21.2, 22 – parte inicial –, 25, 26, 27, 27.1, 27.2, 27.3, 28, 29, 30, 31, 32, 33 – parte inicial –, 35, 36, 37, 42, 443, 43.1, 43.2, 43.3, 43.5, 43.6, 47, 50, 53, 55, 52, 69, 69.1, 69.3, 70, 70.1, 71.1, 71.2, 73, 73.1, 73.2, 74 e 75.
Considera o recorrente que os enunciados factos foram incorretamente julgados, pelo Tribunal a quo, por não ter sido produzida prova, na audiência de julgamento, que permitisse, sem margem para dúvidas, decidir nesse sentido.
Manifesta o recorrente que as declarações da assistente BB foram valoradas, em detrimento das declarações por si prestadas, o que não devia ter acontecido, porquanto sendo divergentes as versões apresentadas, não existindo outras provas que corroborassem a versão da assistente, deviam ser dados como não provados os factos impugnados.
O Ministério Público defende que o Tribunal a quo valorou corretamente a prova e, como tal, a matéria de facto fixada na 1.ª instância deve ser mantida.
Apreciando:
O recorrente impugna a matéria de facto provada nos pontos especificados, invocando o erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida.
O erro de julgamento ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova produzida, deveria ter sido considerado provado.
Neste domínio, importa reter alguns aspetos fundamentais que vêm sendo reiteradamente afirmados pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores:
O erro de julgamento não pode ser confundido com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida e a convicção que o tribunal formou. Neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, estabelecido no artigo 127º do Código de Processo Penal, de acordo com o qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
A impugnação ampla da matéria de facto, em sede de recurso, não visa a realização de um segundo e novo julgamento, com base na audição de gravações e na reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos, que serviram de fundamento à decisão recorrida, como se esta não existisse. O que se visa é uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados, cabendo ao tribunal de recurso confrontar o juízo que sobre esses concretos pontos foi realizado pelo tribunal recorrido com a sua própria convicção, determinada pela valoração autónoma das provas que o recorrente indique nas conclusões da motivação[6].
Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos da matéria de facto impugnados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando, especificadamente, os meios de prova enunciados nessa decisão e as concretas provas indicadas pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa da proferida.
A ausência de imediação determina que o tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se a permitirem (cf. al. b) do n.º 3, do artigo 412º do CPP).
A decisão do recurso sobre a matéria de facto não pode ignorar, antes tem de respeitar o princípio da livre apreciação da prova do julgador, estabelecido no artigo 127º do Código de Processo Penal e a sua relação com os princípios da imediação e a oralidade, sobretudo quando tem de se debruçar sobre a valoração da prova por declarações e/ou testemunhal, efetuada na 1.ª instância.
Outro aspeto a salientar é que a atribuição de credibilidade, ou não, à prova testemunhal ou por declarações, assenta numa opção do julgador na base da imediação e da oralidade, decidindo de acordo com a livre convicção, que o tribunal de recurso só poderá censurar se for contrária às regras da experiência comum e lógica[7].
Nada impede que a convicção do julgador se possa alicerçar no depoimento de uma única testemunha, mesmo que se trate do(a) ofendido(a), nas declarações do assistente ou do demandante, desde que devidamente explicitadas, pelo julgador, na motivação da decisão de facto, as razões do seu convencimento[8].
Conforme supra referimos, neste âmbito, o tribunal de recurso limita-se a aferir do processo de motivação e de conformidade com as regras legais de apreciação de prova e a só pode determinar a alteração da matéria de facto fixada se concluir que os elementos de prova indicados pelo recorrente impõem uma decisão diversa e não se apenas permitem uma outra decisão.
Consequentemente, a crítica à convicção do tribunal a quo sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência não pode ter sucesso se se alicerçar apenas na diferente convicção do recorrente sobre a prova produzida.
Não pode admitir-se que haja uma inversão de papéis do juiz e do recorrente, em termos de a convicção pessoal deste último se poder afirmar ou sobrepor à convicção formada pelo julgador, logo que esta se mostre alicerçada nas provas produzidas, respeitando os princípios e as normas legais do direito probatório e que seja devidamente fundamentada.
Relativamente à livre apreciação da prova, conforme bem refere o Prof. Germano Marques da Silva[9], deve ser entendida como «valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objetivar a apreciação, requisito necessário para uma efetiva motivação da decisão.»
Existirá violação do princípio da livre apreciação da prova se, na apreciação da prova e nas ilações extraídas, o julgador não respeitar os princípios em que se consubstancia o direito probatório e as regras da experiência comum, da lógica e de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório.
Como se faz notar no Acórdão do STJ de 17/03/2004[10] «Para avaliar da racionalidade e da não arbitrariedade (ou impressionismo) da convicção sobre os factos, há que apreciar, de um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto (os fundamentos da convicção), e de outro, a natureza das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais, utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de determinada conclusão.».
O princípio in dubio pro reo, que é decorrência do princípio constitucional da presunção da inocência consagrado no artigo 32º, n.º 2 da CRP, constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, na medida em que impõe orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre a veracidade dos factos, ou seja, impõe ao julgador que, quando confrontado com a dúvida, razoável e fundada, em matéria de prova, resolva tal dúvida em sentido favorável ao arguido.
Tendo presentes estas considerações e baixando ao caso dos autos:
Desde logo, importa referir que lida a motivação da decisão de facto exarada no acórdão recorrido, supra transcrita, constata-se ter o Tribunal a quo enunciado as provas que fundamentam a decisão de dar como provados os factos agora impugnados pelo recorrente, procedendo ao exame crítico de tais provas, com grande rigor e de forma muito pormenorizada, explicitando as razões pelas quais, perante a divergência das versões, respetivamente apresentadas, quanto a determinados acontecimentos, lhe merecerem credibilidade e, por isso, valorou, as declarações da assistente BB, em detrimento das declarações do arguido, deixando expresso o raciocínio seguido, subjacente à tomada de decisão nesse sentido.
Posto isto, apreciemos, em concreto, os diversos pontos da matéria de facto provada que são objeto de impugnação pelo recorrente e a fundamentação pelo mesmo aduzida.
Relativamente aos pontos 25, 26, 73, 73.1., 73.2 e 74:
Sustenta o recorrente que as declarações da assistente não permitem dar como provados os factos em causa, porquanto a versão que apresentou, para além de não ter qualquer sustentação na demais prova produzida, foi a própria assistente que, após descrever a sua conduta para com o filho de ambos – referindo que quando este acordava, durante a noite, a chorar, o arguido agarrava-o nos ombros e empurrava-o contra o colchão, abanando-o, dizendo “cala-te puto de merda”, não tendo, na altura, o CC “um ano sequer” –, embora considerasse serem coisas que podiam fazer mal ao bebé – “podiam ter danificado o cérebro do CC” –, admitiu que o arguido podia não saber disso.
Defende o recorrente que tendo negado haver praticado sobre o filho os atos descritos pela assistente, em face dos depoimentos das testemunhas, designadamente, de HH, avô materno do menor – no sentido de confirmar que o menino demostrava gostar do pai e este evidenciava afeto e amor pelo filho –, não tendo este último sofrido quaisquer consequências visíveis decorrentes dos alegados “abanões” – caso contrário teriam sido referidas pela assistente –, não podiam ser dados como provados os factos em questão.
Manifesta, ainda, o recorrente que em relação ao período temporal mencionado no ponto 25 não resulta da prova produzida a sua confirmação e o mesmo acontece no referente ao facto dado como provado no ponto 26.
Por último, em relação aos factos dados como provados no ponto 73.1, respeitantes ao dolo, entende o recorrente que as declarações da assistente, pelas razões supra referidas, impunham decisão diversa, devendo ser dado como não provados esses factos.
Que dizer?
O Tribunal a quo atribuiu credibilidade às declarações da assistente BB, no relato que fez da atuação do arguido para com o filho de ambos, em detrimento das declarações do arguido, que negou esses factos, explicitando as razões pelas quais assim decidiu, em termos que se mostram consentâneos com as regras da experiência comum e da lógica racional, não nos merecendo, por isso, reparo.
Importa fazer notar o seguinte:
- No tocante ao período temporal indicado no ponto 25 – compreendido entre ... de 2017 e ... de ... de 2018 –, a sua delimitação resultou das declarações da assistente, referindo que, na altura, dos acontecimentos descritos, “O CC nem tinha um ano sequer”, tendo-se em consideração a data de nascimento deste (.../.../2017 – cf. ponto 19 dos factos provados).
- O desferir de abanões, num bebé, com idade inferior a um ano, representando um seríssimo risco de poder provocar lesões intracranianas graves, designadamente, a nível cerebral, dependendo da força e amplitude com que os abanões são desferidos, da existência ou não, de impacto da cabeça do bebé contra uma superfície dura ou mesmo mole, tal como um colchão, etc.[11], ainda que essa consequência não venha a ser produzida, numa situação como aquela configurada no presente caso, acordando uma criança, com menos de um ano de idade, a chorar, durante a noite, estando deitada, o gesto de a agarrar pelos ombros, abanando-a e empurrando-a contra o colchão, ao mesmo tempo que eram vociferadas palavras do teor daquelas proferidas pelo recorrente – “Cala-te puto de merda!” –, deixando transparecer um estado de irritação e exaltação – sendo, nessa situação, consentânea com as regras da experiência comum e do normal acontecer, a intensificação do choro por parte do bebé –, constitui um ato de violência, apreensível para a generalidade das pessoas, dotadas de normal capacidade de discernimento.
- Donde, ainda que possam não ter resultado consequências visíveis da descrita atuação do arguido para com o filho, CC e deste último denotar gostar do pai – sendo normal que não tenha memória daqueles acontecimentos, dado ter meses de idade quando ocorreram –, essas circunstâncias, de modo algum, levam a pôr em causa as declarações da assistente e a afastar a inferência feita no tocante aos elementos subjetivos, designadamente, no tocante ao dolo com que o arguido atuou.
- Quanto ao teor das palavras proferidas pelo arguido dirigidas ao filho “Cala-te puto de merda!”, no contexto em que o foram, pese embora passíveis de atingir a consideração pessoal do ofendido, um bebé com meses de idade, não se tratando de “meras expressões deselegantes”, o que sobressai é a agressividade verbal que as mesmas encerram, sendo, em simultâneo, praticados atos de violência física, consubstanciados em pegar a vítima pelos ombros, abanando-a e empurrando-a contra o colchão.
Termos em que, no referente à matéria factual dada como provada nos pontos 25, 26, 73, 73.1, 73.2 e 74, se conclui não existir qualquer erro de julgamento, pelo que se mantém inalterada.
No tocante aos pontos 5, 6 e 8 a 17 da matéria factual provada:
O recorrente limita-se a criticar a apreciação/valoração da prova feita pelo Tribunal a quo, que o levou a dar como provados esses factos.
Alega o recorrente que as declarações da assistente BB, na versão apresentada quanto aos acontecimentos de que se trata, não deviam ter merecido credibilidade, por se mostrar contrária às regras da experiência comum.
Neste enfoque, aduz o recorrente, que tendo ambos a mesma compleição física (altura e peso), não lhe era possível, com uma das mãos, levantar a assistente no ar, segurando-a pela zona do pescoço e, com a outra mão, empunhar o taser, enquanto tentava acertar-lhe nas pernas. Ademais, tendo a assistente referido ter gritado por auxílio, as testemunhas EE, OO e PP, vizinhos do arguido e da assistente, referiram nada terem ouvido.
Também aqui, salvo o devido respeito, a crítica dirigida pelo recorrente à valoração da prova feita pelo Tribunal a quo, revela-se infundada.
Na verdade, ainda que a compleição física do arguido e da assistente possa ser semelhante, em termos de estatura e peso, tal não significa que a força e agilidade de ambos, seja igual e, de acordo com o padrão normal não o será, além de que a força física é exponenciada num quadro de grande descontrolo e tensão emocional, como aquele em que os acontecimentos em causa tiveram lugar.
Donde, de modo algum afronta as regras da experiência comum a descrição da atuação do arguido feita pela assistente, no relato dos acontecimentos descritos nos pontos 5, 6 e 8 a 17. A circunstância de as testemunhas EE, OO e PP, na altura vizinhos do arguido e da assistente, terem referido no depoimento prestado, em julgamento, não terem ouvido nada, não infirma a versão da assistente, quanto ao que se passou, no interior da residência, longe da vista de terceiros, sendo certo que, não raro, neste tipo de situações, os vizinhos não querem intrometer-se, preferindo ignorar e fazer ouvidos moucos, perante o que se está a passar, por vezes com consequências fatais para a vítima.
Concluímos, assim, inexistir erro de julgamento, por parte do Tribunal a quo, ao dar como provados os factos 5, 6 e 8 a 17, pelo que, se mantêm inalterados.
Em relação à matéria factual provada constante dos pontos 21, 21.1, 21.2, 22 – parte inicial –, 25, 26, 27, 27.1, 27.2, 27.3, 28, 29, 30, 31, 32, 33 – parte inicial –, 35, 36, 37, 42, 43, 43.1, 43.2, 43.3, 43.5, 43.6, 47, 50, 53, 55, 52, 69, 69.1, 69.3, 70, 70.1, 71.1, 71.2, 73, 73.1, 73.2, 74 e 75, sustenta o recorrente que, sendo divergentes as versões de um e de outro, não existindo fundamento para dar mais credibilidade às declarações da assistente do que às suas, em obediência ao princípio in dubio pro reo impunha-se que tivessem sido dados como não provados os referenciados factos.
Vejamos:
Perante a divergência das declarações prestadas, o Tribunal a quo atribuiu credibilidade às da assistente, no relato que fez dos factos em causa, em detrimento das declarações do arguido, ao negar a respetiva prática, pelas razões que devidamente explicitou, na motivação da decisão de facto exarada no acórdão.
Não se descortinando, no juízo alcançado pelo tribunal recorrido, subjacente à tomada de decisão nesse sentido, qualquer afronta às regras da experiência comum e da lógica racional, passível de poder constituir violação do princípio da livre apreciação da prova, estabelecido no artigo 127º do CPP, não pode esta Relação censurar esse juízo.
Refira-se, em relação ao ponto 28, que a circunstância de não existir documentação clínica junta aos autos, da qual resulte que a assistente sofreu um hematoma no braço, não determina que esse facto tenha de ser dado como não provado. Com efeito, não se tendo apurado que, na sequência desse episódio, tivesse procurado tratamento médico, a assistente afirmou ter ficado com um hematoma no braço e o Tribunal a quo atribuiu credibilidade às suas declarações.
Não existe qualquer fundamento para a pretendida aplicação do princípio in dubio pro reo:
Na verdade, de harmonia com o entendimento jurisprudencial pacificamente aceite, o tribunal de recurso apenas pode censurar o não uso do princípio in dubio pro reo se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, perante essa dúvida, optou por decidir em sentido desfavorável ao arguido[12]. Ou, noutra vertente, se, apreciando a impugnação ampla da matéria de facto, por erro de julgamento, for levado a considerar que, em face da prova produzida, essa dúvida – razoável e fundada – deveria suscitar-se no espírito do julgador, impondo-se que a resolvesse em sentido favorável ao arguido.
Ora, nenhuma dessas situações ocorre no caso dos autos, não existindo, por isso fundamento válido para que fosse aplicado o princípio in dubio pro reo.
No que diz respeito aos factos constantes dos pontos 43 a 43.6 alega o recorrente não ter sido produzida prova para que pudessem ser dados como provados.
Neste conspecto, sustenta o recorrente não ter sido identificado o titular da página da rede social “Facebook” onde foram publicadas as fotografias e mensagens em causa, revelando-se infrutíferas as diligências realizadas pela PJ no sentido de conseguir essa identificação, como decorre do ofício de fls. 323 e resultando da experiência comum que qualquer pessoa pode fazer copy past das fotografias constantes do “Facebook” e criar páginas falsas, impunha-se que esses factos fossem dados como não provados.
O Tribunal a quo fundamentou do seguinte modo, a convicção alicerçada no sentido de ter sido o arguido, ora recorrente, a criar o perfil na rede social “Facebook”, com o nome “II” e a colocar as fotografias das assistentes, com as respetivas legendas no mural daquele perfil:
«(...)
Quanto à data da criação do perfil com o nome “II”, à identificação da pessoa que criou tal perfil e que colocou as fotografias das assistentes, com as respetivas legendas, no mural daquele perfil, não foi feita prova direta [o arguido negou ser o autor e assistentes não o viram publicar], mas da prova indireta produzida é possível inferir, para além da dúvida razoável, que foi o arguido quem criou tal perfil, pelo menos antes em ... de ...de 2018, e publicou tais fotografias e legendas, pelo menos em ... de 2018.
Com efeito, na fotografia junta a fls. 170 dos autos principais é possível observar a indicação que o perfil “II” foi renovado em ... de ...de 2018, pelo que, forçosamente, foi criado em data anterior, pois não se renova o que não existe.
Quanto à autoria, resulta do teor das legendas que acompanham a publicação das fotografias e do facto de as fotografias juntas a fls. 1077 a) e fls. 1778 b) terem sido publicadas no perfil da pessoa “KK”, cujo mural é idêntico ao perfil de “II”, resultado do teor de fls. 46 e 80 do apenso 400/18...., que KK é o arguido, pois o número de telemóvel associado ao nome KK é o mesmo do arguido [...57].
Com efeito, a legenda “violada de merda”, que acompanha a fotografia referida em 43.1., revela que foi o arguido o autor da mesma, dado que BB, nesse período temporal, só ao arguido havia revelado que foi abusada sexualmente em criança. Essa mesma expressão voltou a ser usada, ora confessadamente pelo arguido, em data posterior, conforme resulta do facto 46.3.
Quanto à data em que foram publicadas, as assistentes referiram que visionaram as mesmas em ... de 2018 porque foram alertadas para a sua publicação por pessoas, pelo que não se pode sustentar que foram publicadas em 3 diferentes datas.
Termos em que, provando-se o descrito em 43) a 43.6. dos factos provados.».

Entendemos que a decisão do Tribunal a quo, ao dar como provados os factos agora referenciados, com base em prova indireta, mostra-se devidamente fundamentada, decorrendo do raciocínio explanado que o julgador acolheu uma solução consentânea com as regras da experiência comum, suportada pelas provas que enuncia e a cujo exame crítico procedeu, decidindo de acordo com a sua livre convicção, nos termos do artigo 127º do CPP, em termos que não nos merecem reparo.
Na verdade, tendo em conta, nomeadamente, a circunstância de à época em que foi enviada, através do Messenger, a fotografia mencionada no ponto 43.1, com a legenda “És super mãe, violada de merda?”, a assistente BB só ao arguido ter revelado que foi abusada sexualmente em criança e o facto de as mesmas expressões “violada de merda” terem voltado a ser usadas, em data posterior, o que o arguido confessou – com referência ao ponto 46.3 – e, considerando, ainda, o teor das mensagens que acompanham as fotografias publicadas – depreciando o comportamento da assistente BB enquanto mãe e mulher, referindo, a dado passo, que a mesma, tal como a sua mãe, queriam esconder o filho do pai –, não existindo razão para que outra pessoa, a não ser o arguido, expressasse esses estados de alma em relação à mãe do seu filho, a inferência feita pelo Tribunal a quo, de ter sido o arguido quem criou e utilizou o perfil da rede social “Facebook”, publicando as fotografias e mensagens em causa, mostra-se racional e lógica.
Por conseguinte, também, nesta parte, improcede a impugnação do recorrente.
Por último, no respeitante aos factos dados como provados nos pontos 69, 69.1, 69.3, 70, 70.1, 71.1, 71.2, 73, 73.1, 73.2, 74 e 75, tratando-se de matéria atinente aos elementos subjetivos, designadamente, ao dolo, com que o arguido atuou, importa atentar no seguinte:
É sabido que, exceto nos casos em que haja confissão, a prova do dolo, enquanto elemento subjetivo, que pertence ao foro íntimo do sujeito, terá de fazer-se a partir da análise da conduta pelo mesmo assumida e do contexto da ação desenvolvida, cabendo ao julgador, socorrendo-se, nomeadamente, das regras da experiência comum, daquilo que constituiu o princípio da normalidade da vida, retirar desse contexto, por recurso a ilações e inferências, a intenção pelo mesmo revelada e subjacente à atuação.
Foi essa a operação efetuada pelo Tribunal a quo, como resulta da fundamentação expendida, na motivação da decisão de facto, no segmento referente a esses pontos, em termos que não nos merecem censura.
Refira-se, no tocante à conduta adotada pelo arguido para com o filho, descrita no ponto 25, que a circunstância da assistente BB ter dito, nas suas declarações, “... se calhar ele não sabe” que as coisas que fez “podiam ter danificado o cérebro do CC”, não levam a afastar a existência do dolo. Com efeito, conforme supra referimos, a atuação do arguido para com o filho, mencionada no ponto 25, constitui um ato de violência, apreensível para a generalidade das pessoas, dotadas de normal capacidade de discernimento, pelo que bem andou o Tribunal a quo ao dar como provado que o arguido representou e quis atingir o corpo e a saúde do seu filho CC, atuando deliberada e conscientemente.
Por todo o exposto, improcede totalmente a impugnação da matéria de facto.

*
Considera-se, assim, definitivamente fixada a matéria de facto dada como provada em 1.ª instância.

2.3.3. Do erro de subsunção
Defende o arguido/recorrente existir erro na qualificação jurídica dos factos, no tocante ao crime de violência doméstica alegadamente praticado contra CC, por falta de «fundamento para se concluir que a conduta do arguido é reveladora de especial censurabilidade ou perversidade».
Entende também o recorrente, ser errada a subsunção dos factos provados vertidos nos pontos 5, 6 e 8 a 17, praticados nos dias ... /... / 2016 e ... /... / 2016, ao crime de violência doméstica, porquanto, na sua perspetiva, esses factos não têm gravidade bastante para poderem integrar o conceito de maus tratos, elemento do tipo legal.
Apreciando:
De harmonia com o disposto no artigo 152.º do Código Penal, na redação dada pela Lei n.º 19/2013, de 21 de fevereiro, em vigor à data dos factos, na parte que aqui importa considerar, pratica o crime de violência doméstica:
«1. Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
(...)
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
c) A pessoa de progenitor de descendente comum em 1º grau;
d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade (...) que com ele coabite,
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.».
E nos termos do estatuído no n.º 2, do mesmo artigo 152º, na redação da citada Lei n.º 19/2013, «No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima, é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
Com a alteração introduzida pela Lei n.º 44/2018, de 09 de agosto, em vigor à data dos últimos factos praticados pelo arguido contra a assistente BB, o n.º 2 do artigo 152º, passou a ter a seguinte redação:
«No caso previsto no número anterior, se o agente:
a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; ou
b) Difundir através da Internet ou de outros meios de difusão pública generalizada, dados pessoais, designadamente imagem ou som, relativos à intimidade da vida privada de uma das vítimas sem o seu consentimento;
é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.».
Em relação ao bem jurídico protegido por esta incriminação, sendo a questão controvertida na doutrina e na jurisprudência, acolhemos a posição maioritariamente defendida, de que é a saúde, física, psíquica ou emocional, que pode ser afetada por toda uma multiplicidade de comportamentos que atinjam a dignidade pessoal da vítima, enquanto sujeito de qualquer das relações previstas no n.º 1 do artigo 152º[13].
O crime de violência doméstica é um crime específico, que pressupõe a existência de relação entre o agente e o sujeito passivo/vítima de entre as elencadas nas alíneas do n.º 1 do artigo 152º do Código Penal.
O tipo objetivo do ilícito preenche-se com a ação de infligir maus tratos físicos ou psíquicos à vítima, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais.
Como se decidiu no Acórdão da RE, de 09/01/2018[14], no crime de violência doméstica, «A descrição típica esgota-se na inflição de maus tratos físicos ou psíquicos por agente que se encontre com a vítima numa das relações mencionadas no preceito legal, ainda que se reconheça que o fundamento da ilicitude ou da sua agravação, subjacente à incriminação, se encontra na afetação da dignidade humana, decorrente da conjugação dos atos típicos ali previstos com a especial situação em que, reciprocamente, se encontram a vítima e o agente.»
Com a redação dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, ao artigo 152º do Código Penal, introduzindo-se no corpo do n.º 1 o segmento «de modo reiterado ou não», foi ultrapassada a querela que se vinha suscitando de saber se para integrar o conceito de «maus tratos» bastava a prática de um só ato, ou se era necessária a reiteração de condutas. Perante a atual redação do enunciado preceito legal, é isento de dúvidas que poderá bastar só uma conduta ou ato para que possa ser preenchido o crime de violência doméstica.
A dificuldade está em delimitar os casos em que a conduta é subsumível ao crime de violência doméstica, daqueles em que integra outros tipos de crime, tais como a ofensa à integridade física, a injúria, a ameaça, a coação, a perturbação da vida privada, entre outros.
Como se faz notar no Acórdão da RP de 13/06/2018[15], a solução está no conceito de «maus tratos», sejam eles físicos ou psíquicos.
Tal como refere Catarina Fernandes[16], os maus tratos físicos podem «traduzir-se em ações muito diversas, incluindo bofetadas, murros, pontapés, beliscões, empurrões, abanões, puxões de cabelo, mordeduras, compressões de partes do corpo com as mãos ou objetos, traumatismos com objetos, queimaduras, intoxicações, ingestão ou inalação forçadas, derramamento de líquidos, imersão da vítima ou de partes do seu corpo. Podem também decorrer da omissão de cuidados indispensáveis à vida, saúde e bem-estar da vítima (relativamente a vítimas dependentes ou indefesas, nomeadamente em razão da idade ou do estado de saúde) (…).
Os maus tratos psíquicos são mais difíceis de caraterizar, porque se pode traduzir numa multiplicidade de comportamentos ativos e omissivos, verbais e não verbais, dirigidos, direta ou indiretamente à vítima, que atingem e prejudicam o seu bem-estar psicológico, nomeadamente ameaçar, insultar, humilhar, vexar, desmoralizar, culpabilizar, atemorizar, intimidar, criticar, desprezar, rejeitar, ignorar, discriminar, manipular e exercer chantagem emocional sobre a vítima (…)»
Decisivo para que tais comportamentos possam integrar o conceito de maus tratos passível de preencher o tipo objetivo do crime de violência doméstica é que revistam intensidade ou gravidade bastante para poder justificar a sua autonomização relativamente aos ilícitos que as condutas individualmente consideradas possam integrar[17].
Dito de outro modo, o comportamento tem de assumir uma dimensão ou intensidade bastante para poder lesar o bem jurídico protegido, ofendendo a saúde física, psíquica ou emocional da vítima, de modo incompatível com a sua dignidade pessoal, enquanto sujeito compreendido no elenco definido nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 152º do Código Penal.
Na apreciação do(s) comportamento(s) assumido(s) pelo agente, em termos de se poder decidir se configura(m) «maus tratos», haverá que proceder à avaliação da “situação ambiente” e que ter em conta a “imagem global do facto”[18].
Como se escreve no Acórdão desta Relação de Évora, de 24/02/2015[19], «Sendo hoje inequívoco que a tutela da violência doméstica se projecta não apenas sobre casos de reiteração ou habitualidade de comportamentos violentos, mas também potencialmente aplicável a uma conduta violenta, não é qualquer acção isolada de violência exercida no âmbito doméstico que poderá ser qualificada como de maus tratos com vista ao preenchimento do tipo. Importa, nesses casos, descortinar se a conduta do agente, pelo seu carácter violento ou pela sua configuração global de desrespeito pela pessoa da vítima ou de desejo de prevalência de dominação sobre a mesma, é susceptível de ser classificada como “maus tratos”.».
Quanto ao tipo subjetivo de ilícito, exige-se o dolo (o conhecimento e vontade de praticar o facto), em qualquer das suas formas (direto, necessário ou eventual).
Volvendo ao caso dos autos:
O Tribunal a quo, concluiu pela subsunção dos factos provados, com referência às condutas assumidas pelo arguido, ora recorrente, para com as vítimas CC e BB, ao crime de violência doméstica, o que fundamentou nos seguintes termos:
«No caso dos autos, com relevância para o enquadramento jurídico que nos ocupa, apurou-se, em síntese que:
O arguido e BB iniciaram uma relação de namoro em ... de 2012 e, em ... do mesmo ano, passaram a viver em comunhão de cama, mesa e habitação, ou seja, em união de facto.
Em ... de 2016 BB engravidou e o arguido, disso tendo conhecimento, no dia ... de ... de 2016, ou seja, quando BB estava grávida de um mês, e após ter sido questionado por aquela da razão de não querer ao aniversário do sobrinho da mesma, disse-lhe “quero que a tua irmã e sobrinho se fodam” e, em simultâneo, agarrou os cabelos de BB, puxou-os para trás, causando-lhe dores na zona da nuca. Praticou tal conduta no interior do imóvel em que viviam em união de facto.
No dia ... de ... de 2019[20], ou seja, 3 dias depois, também no interior da mesma residência, o arguido, que se encontrava de férias, após ter sido confrontado por BB pelo facto de, mesmo em férias, se recusar a sair com ela, preferindo a companhia dos amigos, agarrou o pescoço de BB, empurrou-a contra uma das paredes da cozinha, ao mesmo tempo que lhe dizia “mato-te a ti e ao bebé”.
Dada a força e o tempo que o arguido levou a apertar o pescoço, BB deixou de conseguir respirar e, nessa sequência, sentiu-se desfalecer, altura em que o arguido lhe largou o pescoço, fazendo-a cair no chão.
BB, após recuperar as forças, pegou num taser e exibiu-o ao arguido, ao mesmo tempo lhe dizia “se me voltas a tocar, levas com isto”.
Nessa sequência, o arguido arrancou-lhe o taser das mãos, empurrou-a contra uma parede, colocou uma das suas mãos no pescoço de BB e, num movimento ascendente, logrou elevá-la no ar por alguns instantes, aso mesmo tempo que, com a outra mãos procurou atingir as pernas de BB com descargas elétricas produzidas pelo taser, não o conseguindo, devido ao facto de BB ter conseguido desviar a pernas.
Além disso, o arguido trancou a porta de casa para impedir que BB, na sequência do sucedido, fosse procurar ajuda.
BB, logrou encontrar as chaves da residência e, nesse mesmo dia, cessou a união de facto com o arguido.
A factualidade ora descrita consubstancia agressões físicas que, quer pela sua intensidade [um puxão de cabelos, empurrões contra paredes e duas esganaduras, isto é, pressão exercida no pescoço da vítima pela ação direta das mãos do agente, sem a utilização de objetos para tal], quer pela sua reiteração [os empurrões contra paredes e as duas esganaduras ocorreram no espaço de 3 dias], violam o bem jurídico acima mencionado, na medida em que, tais agressões se dão num contexto em que o arguido foi confrontando pela vítima de estar a adotar comportamentos que visavam fazê-la sentir que não era desejada, dada a reiterada recusa do arguido em conviver socialmente com a mesma.
Dito de outra forma, o arguido perante confrontações legítimas da companheira, no sentido de o questionar se ainda gostava dela [revelada pela frase, “se não estou aqui a fazer nada, vou-me embora”], dado o desprezo a que a estava a votar, ao recusar-se conviver socialmente com a mesma, reagiu com agressões físicas violentas [a esganadura, na medida em que pode conduzir à asfixia, como de facto conduziu, é uma agressão que traduz um elevado grau de violência], as quais, neste contexto, traduzem um domínio ou uma subjugação sobre a pessoa da vítima, mediante a inflição de maus tratos físicos.
Em linguagem corrente, a conduta do arguido traduz-se no seguinte: “não te tenho de dar explicações sobre as razões porque não saio contigo, por isso não perguntes, senão levas porrada”.
Não se argumente que a vítima, dado o facto de, numa das situações ter reagido, munindo-se de um taser e exibindo-o ao arguido, dizendo-lhe que o usava se ele lhe voltasse a tocar, anula a relação de domínio, isto é, coloca a vítima numa relação e paridade com o agente.
Com efeito, a vítima reagiu a uma agressão que quase a asfixiava, ou seja, não se está perante um contexto de agressões mútuas, iniciadas por um ou por outro [caso em que se pode falar de paridade] e a sua capacidade de reação foi imediatamente anulada pelo arguido, que lhe retirou com grande facilidade o taser das mãos e a tornou a esganar, assim revelando, de forma evidente, a sua superioridade física em relação à vítima, o que também obsta a sustentação de uma relação paritária.
Acresce que a vítima estava grávida, o que era do conhecimento do arguido e, como tal, sujeita a sofrer aborto em situação de violência física sobre si exercida, o que a colocava numa situação de fragilidade acrescida em relação ao arguido.
Decorridos quatro ou cinco meses o arguido e vítima retomaram a união de facto e até dois meses após o nascimento do filho comum, ou seja, até o início de ... de 2019, a relação de ambos foi pacífica.
A partir dessa data e até à separação definitiva, ocorrida em ... de ... de 2018, e após essa separação e até ... de ... de 2020, o arguido praticou os factos descritos em 21) 21), 21.1., 27), 27.1., 27.2., 27.3., 28), 30), 34), 39), 40), 43), 43.1., 43.2., 43.4, 43.5. e 43.6., 44), 45), 47, 47.1, 47.2., 47.3, 47.4, 49), 49.2.1, 53), 53.1., 53.2., 55), 55.1., 55.2., 55.3., 58), 58.3. 64), 64.1., 65), 69), 69.1., 69.2., 69.3., 69.4. e 69.6, ou seja, praticou reiteradamente, ao longo de dois anos e dez meses, factos suscetíveis de preencher os crimes de injúria, ameaça, perseguição e ofensa à integridade física simples, sobre a pessoa de BB.
Face ao exposto, e por maioria de razão face ao que ficou dito relativamente ao primeiro período temporal em que viveram em união de facto [face ao número de condutas e dilação temporal em que perduraram], dúvidas não se suscitam que a conduta do arguido preenche os elementos que constituem o tipo objetivo e subjetivo do crime de violência doméstica.
Por outro lado, parte das condutas em causa, em ambos os períodos temporais analisados, foram praticados no interior da residência que partilhavam, em união de facto, e, numa das situações, na presença do filho menor, pelo que se mostram preenchidas as circunstâncias qualificativas «domicílio comum», «domicílio da vítima» e “na presença de menor” prevista na alínea a), do n.º 2, do artigo 152º, do Código Penal.
Note-se que o facto de arguido e a assistente/demandante terem deixado de viver em união de facto não afasta o preenchimento do crime em causa, pois, como acima fico dito, a alínea b), do n.º 1, do artigo 152º, do Código Penal, abrange não só quem vive em união de facto como quem tenha vivido.
Posto isto, há que o arguido, em dois momentos temporais distintos, assumiu condutas suscetíveis de preencher os elementos do tipo objetivo e subjetivo do crime de violência doméstica, na sua forma agravada, relativamente à pessoa de BB.
Considerando a dilação temporal ocorrida entre os dois períodos é de nove meses [a cessação da união de facto ocorreu em .../.../2018 e o primeiro ato do arguido que integra o crime de violência doméstica, após o retomar a união de facto em ... de 2018, ocorreu em abril de 2019], é entendimento do tribunal de que, apesar de se tratar a mesma vítima, se está perante o preenchimentos de dois tipos de ilícito do crime de violência doméstica, pelas razões que se passam a expor.
No que se refere o concurso efetivo de crimes, o artigo 30º, n.º 1, do Código Penal manda atender ao número de crimes efetivamente cometidos pelo agente e ao número de vezes que a mesma norma é preenchida.
Ou seja, a problemática do concurso não se fecha com o concurso heterogéneo, temos de passar também pelo concurso homogéneo, determinando quantas vezes cada tipo de crime é efetivamente realizado.
Esta problematização do concurso homogéneo deve ser feita no crime de violência doméstica, sob pena levar ao “efeito perverso de transformar um tipo protetor ou especialmente protetor da vítima, num tipo que, na aplicação que dele fazemos, acaba por beneficiar o infrator” [ANA BARATA BRITO, 2014, p.10].
Assim sendo, a aderindo ao entendimento de INÊS FERREIRA LEITE [in artigo intitulado “Violência Doméstica e Concurso de Crimes: Delimitação à Luz do conceito de Unidade Normativo-Social, publicado na obra “prof. Doutor Augusto Silva Dias, In Memoriam, AAFDL, volume II, 2022, p. 58 ], no caso de Violência Doméstica, a unidade da conduta pode vir a cindir-se pelas seguintes razões: a) períodos prolongados de “bom comportamento”; b) quebras de contacto com a vítima; c) sujeição do agente a processo crime ou aplicação de uma pena.
Assim, a existência de uma elevada desconexão temporal é sempre indício de que ocorreu uma cisão da unidade normativo social.
No mesmo sentido, mas relativamente ao concurso em geral, se pronunciar FIGUEIREDO DIAS [2007, p. 1020] “uma certa unidade ou proximidade de espaço e/ou tempo das realizações típicas pode constituir forte estímulo para concluir pela interseção dos sentidos dos ilícitos singulares e, por essa via, por uma leitura do sentido de ilícito do comportamento total (…)”. Por sua vez, um claro desfasamento espácio-temporal indiciará uma pluralidade de sentidos sociais de ilicitude.
Como refere EDUARDO CORREIA [1996, p.97], ditam as regras e experiência da psicologia que, “em regra, se entre diversos atos medeia um largo espaço de tempo, a resolução que porventura inicialmente os abrangia a todos se esgota no intervalo da execução, de tal sorte que os últimos não são já a sua mera descarga, mas supõem um novo processo deliberativo”.
Aplicando o que ficou dito ao caso dos autos, verifica-se que o arguido esteve afastado da vítima 5 meses e, quando voltou a viver a união de facto com a mesma, teve “bom comportamento”, durante 4 meses, o que perfaz um período global de 9 meses em que o arguido não assumiu qualquer conduta típica.
Esta descontinuidade temporal, acrescida do facto de ter existindo uma alteração do modus operandi [no primeiro período a conduta do arguido cingiu-se às agressões físicas, no segundo períodos, além das agressões física, o arguido praticou injúrias, ameaças e perseguição], leva-nos a concluir houve uma cisão da unidade normativo-social que suporta a continuidade tipicamente imposta para o crime de violência doméstica e, como tal, estamos perante dois crimes de violência doméstica e não apenas um, com sustentado pela acusação.
Não se trata aqui de uma alteração dos factos descritos na acusação [eles já lá estavam descritos], mas de uma da qualificação jurídica, comunicada ao arguido ao abrigo do disposto no artigo 358º, do Código de Processo Penal, tendo o mesmo exercido o respetivo contraditório.

*
No que se refere à pessoa de CC, provou-se que no período compreendido entre ... de 2017 e ... de ... de 2018, no interior da residência comum, quando CC acordava durante a noite, a chorar, AA, em quatro dias distintos, pegou naquele pelos ombros, abanou-o e empurrou-o contra a colchão, ao mesmo tempo que dizia: “cala-te puto da merda”; nessa sequência, CC intensificava o choro.
Face à introdução da alínea e), do n.º 1, do artigo 152º, do Código Penal, pela referida lei 57/2021, de 16 de fevereiro, desde logo se conclui que o mesmo é vítima protegida pela incriminação em causa, dado que, na data da prática dos factos era menor.
Considerando que esta nova alínea introduzida pela referida lei 57/2021, de 16 de fevereiro veio alargar o leque das vítimas protegidas pela incriminação do artigo 152º, do Código Penal, na medida em que, na lei anteriormente em vigor, nem todos os menores se enquadravam no conceito de pessoa particularmente indefesa, pois é completamente diferente o grau de indefesa de um bebé e de um adolescente de 17 anos de idade, coloca-se o problema de saber se CC, para além de menor, deve ser também considerando pessoa particularmente indefesa, pois não sendo, não é aplicável a alínea e), do n.º 1, do artigo 152º, do Código Penal, atualmente em vigor, por constituir um alargamento da incriminação [artigo 2º, n.º 4, do Código Penal].
A resposta é, sem margens para dúvidas, que CC deve ser considerada pessoa particularmente indefesa em razão da idade.
Com efeito, estando em causa uma criança que, na data da prática dos factos, tinha menos de um ano de idade, ela é, por inerência da sua condição de absoluta dependência de um adulto para sobreviver, pessoa particularmente indefesa em razão da idade.
Assim sendo, caso se conclua que a conduta do arguido acima descrita assume gravidade suficiente para se considerada maus tratos físicos suscetíveis de lesar a saúde de CC, dúvidas não se suscitam que a mesma se enquadra na alínea d), do n.º 1, do artigo 152º, do Código Penal, em vigor na data da prática dos factos e na alínea e), do n.º 1, do artigo 152º, do Código Penal, atualmente em vigor.
Ora, pese embora a privação do sono cause comprovadamente irritabilidade na pessoa atingida por essa privação, a mesma é, de todo, insuficiente para sustentar uma diminuição de ilicitude de tal ordem que desqualifique, cada uma das quatro condutas assumidas pelo arguido para o crime de integridade física, ainda que qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, n.º 1 e 145º, n.º 1, alínea a), por referência ao artigo 132º, n.º 2, alínea a), do Código Penal.
Com efeito, abanar um bebé pelos ombros e empurrá-lo contra o colchão, em quatro diferentes ocasiões, traduz um grau de ofensividade de tal forma elevado à saúde física e psíquica do bebé que não oferece dúvida que o bem jurídico pressuposto pelo crime de violência doméstica sofre uma lesão efetiva e, como tal, a conduta do arguido dever ser enquadrada no crime em causa.
Por outro lado, dado que, as condutas em causa foram praticados no interior da residência que partilhava com o menor, contra o mesmo e na presença do mesmo, mostram-se preenchidas as circunstâncias agravantes, «domicílio da vítima» e “contra e na presença de menor” prevista na alínea a), do n.º 2, do artigo 152º, do Código Penal.».

Entendemos que o enquadramento-jurídico penal dos factos provados, atinentes às condutas assumidas pelo arguido, para com as vítimas BB e CC, efetuado pelo Tribunal a quo, ao crime de violência doméstica, se mostra correta, merecendo-nos concordância.
Relativamente à subsunção dos factos provados descritos nos pontos 5, 6 e 8 a 17 praticados contra a assistente BB e aos constantes do ponto 25 perpetrados contra o menor CC, ao crime de violência doméstica, posta em causa pelo recorrente, não lhe assiste razão.
Na verdade, a atuação do recorrente para com a companheira, que se encontrava grávida, ocorrida nos dias ... e .../ .../ 2016, no interior da residência onde viviam – na primeira data, agarrando-lhe os cabelos e puxando-os para trás e, na segunda data, empurrando-a contra uma parede e apertando-lhe o pescoço, ao mesmo tempo que dizia “mato-te a ti e ao bebé”, mantendo o pescoço apertado até que a vítima deixou de conseguir respirar, só, então, a largando, fazendo-a cair no chão. Seguidamente, em reação contra a atitude defensiva da vitima, após conseguir retirar-lhe o taser de que se munira, empurrou-a contra uma parede, colocou-lhe uma das mãos no pescoço, por baixo do queixo, elevou-a no ar, ao mesmo tempo que, com a outra mão, pressionou o botão que aciona a descarga elétrica do taser, direcionando-a às pernas da vítima, só não a tendo atingido por a mesma as ter conseguido desviar –, reveste gravidade e intensidade de tal modo acentuadas, que integram o conceito de maus tratos, supra definido, lesando o bem jurídico protegido, posto que são de molde a ofender a saúde física, psíquica e emocional da vítima, de modo incompatível com a sua dignidade pessoal, enquanto companheira do arguido, na altura grávida de um filho seu, preenchendo o tipo legal do crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do Código Penal.
No tocante à conduta assumida pelo arguido para com o filho CC descrita no ponto 25 dos factos provados, na altura com menos de um ano de idade, quando este acordava a chorar, durante a noite, estando deitado, pegando-o pelos ombros, abanando-o e empurrando-o contra o colchão, ao mesmo tempo que dizia “Cala-te puto de merda!”, o que aconteceu em quatro datas distintas, é indubitável que assume gravidade suficiente para integrar o conceito de maus tratos, dado ser passível de ofender gravemente a saúde física e psíquica do menor, totalmente indefeso, em razão da sua tenra idade, inferior a um ano.
Assim e, considerando, ainda, a factualidade provada vertida nos pontos 73, 73.1 e 74., forçoso é concluir que, com a sua descrita atuação, o arguido preencheu os elementos objetivos e subjetivos do crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, al. d), na redação em vigor à data dos factos e alínea e), na atual redação e n.º 2, do Código Penal.
Face ao exposto, não se verificando qualquer causa de exclusão da ilicitude ou culpa, bem andou o Tribunal a quo ao condenar o arguido, ora recorrente, pela prática, dos enunciados dois crimes de violência doméstica.
Do mesmo modo, mantendo-se inalterada a matéria de facto fixada na 1.ª instância e dando-se por reproduzidas as considerações jurídicas expendidas no acórdão recorrido, deve manter-se a condenação do arguido, ora recorrente, pela prática, em concurso efetivo, com aqueles dois crimes, de:
- um outro crime de violência doméstica , p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do Código Penal contra a vítima BB, existindo cisão da unidade do crime pelos fundamentos explicitados pelo Tribunal a quo e que nos merecem concordância;
- um crime de fotografias ilícitas, p. e p. pelo artigo 199º, n.º 2, al. b), do Código Penal, tendo como ofendida DD; e
- dois crimes de ameaça p. e p. pelo artigo 153º, n.º 1, do Código Pena, tendo como ofendida DD.
O recurso, é, pois, também, nesta parte, improcedente.

2.3.4. Da escolha da pena no tocante aos crimes de ameaça e de fotografias ilícitas
Defende o recorrente que o Tribunal a quo devia ter optado pela aplicação de pena de multa, ao invés da pena de prisão, no que aos crimes de ameaça e de fotografias ilícitas se refere, tendo em conta o critério estabelecido no artigo 70º do Código Penal e que se encontra social e familiarmente inserido, admitiu parte dos factos, os quais ocorreram há mais de dois anos, sem haver notícia da reiteração de comportamentos idênticos, aparentando ter interiorizado o desvalor da sua conduta.
Invoca o recorrente a inconstitucionalidade do artigo 70º do Código Penal, na interpretação segundo a qual «quando estamos perante uma situação de concurso de crimes, e a parte deles o tribunal tem necessariamente de aplicar pena de prisão, impõe-se aplicar a pena de prisão quanto a todos os crimes em apreço, ainda que alguns sejam puníveis apenas com pena não privativa de liberdade», por violação dos artigos 13º e 30º da Constituição da República Portuguesa.
O Ministério Público pronuncia-se no sentido de que a opção do Tribunal a quo pela aplicação de pena de prisão, no caso vertente, se mostra correta.
Vejamos:
O Tribunal a quo fundamentou do seguinte modo a opção pela pena de prisão:
«(...), as molduras penais abstratas aplicáveis aos crimes acima analisados são as seguintes:
- Crimes de violência doméstica: dois a cinco anos de prisão [artigo 152º, n.º 2, do Código Penal];
- Crime de ameaça: um mês a um ano de prisão ou multa de 10 a 120 (cento e vinte) dias [artigo 155º, n.º 1, alínea a), do C.P. por referência aos artigos 41º, n.º 1 e 47º, n.º1, do mesmo diploma];
- Crime de fotografias: um mês a um ano de prisão ou multa de 10 a 120 (cento e vinte) dias [artigo 199º, n.ºs 1 e 2, do C.P. por referência aos artigos 41º, n.º 1 e 47º, n.º1, do mesmo diploma].
B) Escolha da natureza da pena:
Dado que a um dos crimes em causa é aplicável, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, impõe-se a escolha entre uma delas.
O critério de escolha é-nos dado pelo artigo 70º do Código Penal, que estabelece a obrigatoriedade de o tribunal dar preferência à pena não privativa da liberdade sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Porém, no caso dos autos, estamos perante uma situação de concurso de crimes, sendo que a parte deles [violência doméstica] o tribunal terá de necessariamente aplicar pena de prisão, já que não admite a aplicação, em alternativa, de uma pena de multa.
Nestes casos, como faz notar FIGUEIREDO DIAS, sabendo-se que a pena que vai ser efetivamente aplicada não é a pena parcelar, mas a pena conjunta, torna-se claro que só relativamente a esta tem sentido pôr a questão da sua substituição [in, "Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime", pág. 285, § 409].
Pelo exposto, escolhe-se aplicar pena de prisão aos crimes de ameaça e fotografias ilícitas.».
A opção pela aplicação de pena de pena de prisão merece-nos concordância.
Contudo, os fundamentos para assim se entender, não inteiramente coincidentes com os considerados pelo Tribunal a quo, sendo a escolha entre penas alternativas uma operação prévia à ponderação sobre a aplicação, ou não, de pena de substituição.
Explicitando:
De harmonia com o disposto no artigo 70º do Código Penal, o Tribunal deverá dar preferência à pena não privativa da liberdade "sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição" (exigências de reprovação e de prevenção do crime).
A propósito das finalidades da pena, escreveu o Prof. Figueiredo Dias[21]: «A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida».
Significa isso que, uma pena alternativa ou de substituição, ainda que, no caso, possa satisfazer plenamente as necessidades de prevenção especial de ressocialização, não poderá ser aplicada se com ela sofrer inapelavelmente, “o sentimento de reprovação social do crime”[22], ou a confiança da comunidade na validade da norma jurídica violada.
Segundo o entendimento consolidado na jurisprudência do STJ, a escolha da espécie da pena a aplicar, nos casos em que sejam objeto do julgamento outros factos/crimes, «deve ter na base elementos, que sendo exógenos em relação à concreta e singular conduta apreciada para o tema em causa (mesmo que representando um minus no contexto global), se prendem com o conjunto das circunstâncias que enformam o facto total submetido a julgamento.»[23].
Ora, no caso concreto, entendemos que, no contexto da conduta ilícita global assumida pelo arguido, estando o cometimento dos crimes de ameaça e de fotografias ilícitas perpetrados contra a avó materna do seu filho, DD, interligado com o crime de violência cometido contra a sua, na altura, ex-companheira e mãe do seu filho, revelando o arguido uma personalidade violenta e com dificuldade em controlar os seus impulsos, sendo acentuadas as necessidades de prevenção especial, ante o descrito quadro global de atuação e considerando as prementes necessidades de prevenção geral que se fazem sentir relativamente aos crimes de fotografias ilícitas (sendo a fotografia em causa publicada na rede social Facebook acompanhada de legenda depreciativa da imagem e caráter da visada) e de ameaça, entendemos ser manifesto que, a pena de multa não satisfaria, as finalidades de punição, não se revelando suficiente nem adequada a assegurar as necessidades, desde logo, de prevenção especial, mas também as de prevenção geral, pelo que, se considera correta a opção do Tribunal a quo pela pena de prisão.
Donde, pese embora seja de rejeitar a interpretação da norma extraída do artigo 70º do Código Penal no sentido de que perante uma situação de concurso de crimes, sendo uns puníveis com pena de prisão e outros com pena de prisão ou de multa, terá necessariamente de se aplicar pena de prisão a estes últimos, posto que uma tal interpretação é inconstitucional, violando os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da legalidade, consagrados nos artigos 13º, 18º, n.º 2 e 29º da Constituição da República Portuguesa, no caso concreto, tais princípios não foram violados.
No referente ao princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da CRP, conforme reiteradamente afirmado na jurisprudência do Tribunal Constitucional, o mesmo impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e se trate diferentemente o que for essencialmente diferente[24].
Nessa conformidade, em matéria de escolha da pena, na opção entre a aplicação de prisão ou multa, havendo que atender ao critério estabelecido no artigo 70º do Código Penal, estando-se perante um concurso de crimes, em que uns são puníveis apenas com pena de prisão e outros, em alternativa, com pena de prisão ou pena de multa, nunca poderá deixar de se atender à globalidade das condutas/crimes que estão em causa, na escolha da pena a aplicar.
Por conseguinte, no caso dos autos, tendo sido observado esse critério, concluímos não existir violação dos invocados princípios da igualdade e da legalidade.
Improcede, pois, também esta vertente do recurso.

2.3.5. Da medida da pena
O recorrente insurge-se contra a medida concreta das penas parcelares e da pena única, fixadas na 1.ª instância, reputando-as de manifestamente excessivas, exageradas e desproporcionadas.
Sustenta o recorrente terem sido violados, na determinação da medida das penas, os artigos 71º, n.ºs 1 e 2 e 77º, n.º 1, do Código Penal.
Em relação às penas parcelares aplicadas pela prática dos crimes de fotografias ilícitas e de ameaça – respetivamente, fixadas em 2 (dois) meses de prisão; 4 (quatro) meses de prisão e 3 (três) meses de prisão –, pugna o recorrente para que sejam reduzidas para o mínimo legal, na medida em que, tal como é referido acórdão recorrido, as suas condutas “se situam no patamar da baixa gravidade”.
No tocante às penas parcelares em que foi cominado pela prática dos crimes de violência doméstica – respetivamente, fixadas em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão, pelos crimes perpetrados contra a vítima BB e 2 (dois) anos e em 6 (seis) meses de prisão, pelo crime cometido contra a vítima CC –, aduz o recorrente que ultrapassam os limites da sua culpa, revelam-se desproporcionais às necessidades de prevenção geral e especial que o caso reclama e desadequadas à concreta finalidade da ressocialização do agente.
Manifesta o recorrente não terem sido devidamente ponderadas pelo Tribunal a quo, a circunstância de ser primário, quanto aos tipos de crimes em apreço, a reduzida gravidade dos factos, o contexto em que os mesmos ocorreram – grande parte num quadro de litigiosidade relativa à guarda do menor – e o encontrar-se integrado social e familiarmente, estando casado desde .../.../2020.
Pugna, assim, o recorrente para que as penas a aplicar pela prática dos crimes de violência doméstica sejam fixadas em quantum mais próximo dos limites mínimos.
No tocante à pena única, resultante do cúmulo jurídico, fixada em 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão, entende o recorrente dever se reduzida para 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses, considerando as circunstâncias atinentes aos crimes praticados, o número destes e a sua personalidade neles revelada, não sendo de concluir por uma tendência criminosa da sua parte, mas apenas ter existido uma situação que se prolongou por algum tempo, mas já terminou.
O Ministério Público pugna pela manutenção das penas parcelares e da pena única em que o arguido foi condenado na 1.ª instância.
Vejamos:
Relativamente às penas parcelares:
Os crimes de violência doméstica praticados pelo arguido são abstratamente puníveis com pena de prisão de dois a cinco anos (cf. artigo 152º, n.º 2, do CP).
A moldura abstrata da pena de prisão aplicável aos crimes de fotografias ilícitas e de ameaça igualmente perpetrados pelo arguido é de um mês até um ano (cf. artigo 199º, n.º 1, al. b), 153º, n.º 1 e 41º, n.º 1, todos do Código Penal).
A concretização da pena, dentro da correspondente moldura legal, obedece aos critérios definidos nos artigos 40º, n.º 1 e n.º 2 e 71º do Código Penal.
Nos termos do disposto no artigo 40º do CP, a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração social do agente (n.º 1) e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (n.º 2).
E em conformidade com o estatuído no artigo 70º do C.P. a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (n.º 1) e nessa determinação o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, as circunstâncias elencadas nas alíneas a) a f) do n.º 2 do mesmo artigo.
A função primordial da pena consiste, assim, na proteção de bens jurídicos, ou seja, na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos, sem prejuízo da prevenção especial positiva e tem sempre, como limite a culpa do agente.
Culpa e prevenção são, pois, os dois termos do binómio com o auxílio do qual se construirá a medida da pena.
A culpa jurídico-penal vem traduzir-se num juízo de censura, que funciona, ao mesmo tempo, como um fundamento e limite inultrapassável da medida da pena[25], sendo tal princípio expressamente afirmado no n.º 2 do art.º 40º do CP.
Com recurso à prevenção geral procurou dar-se satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo a premência da tutela dos respetivos bens jurídicos.
Com o recurso à vertente da prevenção especial almeja-se responder às exigências de socialização do agente, com vista à sua integração na comunidade.
Assim, atribui-se à culpa a função única de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, à prevenção geral a função de fornecer uma moldura de prevenção – cujo limite máximo é dado pela medida ótima da tutela dos bens jurídicos, dentro do que é considerado pela culpa, e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências de defesa do ordenamento jurídico – e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do agente.
O Tribunal a quo fundamentou do seguinte modo a determinação da medida concreta das penas parcelares de prisão aplicadas ao ora recorrente:
«(…) é nosso entendimento que, no caso concreto, assumem relevância para a determinação da medida da pena os seguintes fatores:
1. No que se refere grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e às suas consequências, assumem relevância os seguintes fatores:
1.1. A intensidade das agressões e extensão das suas consequências: o arguido, reiteradamente, empurrou, socou, esganou, BB, causando-lhe dores, escoriações, hematomas, por seu turno provocou naquela, medo, nervosismo, ansiedade e necessidade de toma de ansiolíticos;
1.2. Intensidade do anúncio do mal futuro e a intensidade de tais anúncios: O arguido ameaçou de morte, de forma reiterada, BB, o que lhe causou medo, nervosismo e ansiedade e, por outra lado, ameaçou a integridade física de DD, com recurso a atropelamento e a ameaçou danificar um bem de valor considerável da mesma, mediante a ação do fogo;
1.3. A frequência e o elevado grau pejorativo das injúrias: O arguido, referiu-se a BB como sendo “puta”, “cabra”, “merda”, “porca”, “não és boa mãe”, “não sabes cuidar do teu filho,” “não quero andar com a tua tromba”, “não sabes fazer nada”, “cadela”, “violada de merda”, “violada do caralho” “filha da puta da violada” “essa mulher abandona o filho de um ano e meio de idade em casa para ir ter com ... fazer as necessidades”, “essa aí tentou o suicídio”; sendo aqui de destacar a persistência do arguido a referir-se a uma situação de abuso sexual de que BB foi vítima ainda em criança, e que aquela lhe relatou, usando tal episódio para a achincalhar pelo abuso que sofreu, o que revela baixeza de caráter.
1.4. O grau de disseminação das fotografias ilicitamente usadas e das legendas das mesmas: o arguido, ao colocar na internet as fotografias com legendas injuriosas, disseminou-as por elevado esperto de pessoas;
2. No que se refere ao grau de culpa, assume relevância a elevada intensidade dolosa, pois o arguido agiu, em todos os crimes, sob a forma de dolo direto, que é a forma mais gravosa de culpa e, como tal, implica um maior juízo ético-social de desvalor;
3. No que se refere aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins e os motivos que o determinaram, apurou-se que o arguido agiu por ciúmes e vingança por ter deixado de ter acesso a filho;
4. Relativamente às condições pessoais e situação económica do arguido, assume relevância o crescimento em ambiente familiar funcional, a normal formação escolar, o estável percurso profissional e a capacidade para obter rendimentos suficientes para as suas necessidades;
5. Relativamente à conduta anterior aos factos, o arguido regista a condenação pela prática de um crime de furto, não assumindo a mesma grande relevância para o caso dos autos, considerando que em nada contende com os bens jurídicos protegidos pelos crimes que violência doméstica, ameaça e fotografias ilícitas;
6. Relativamente à conduta posterior aos factos, assume relevância a confissão parcial e a aceitação, na atualidade, do facto de a vítima ter cessado a união de facto, o que o levou a iniciar uma outra relação marital;
7. Relativamente à falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, em face da ausência de condenações anteriores relevantes não se pode sustentar que formou uma personalidade de tendência criminosa, sendo, pois, de afirmar mera pluriocasionalidade.
Sopesando todos os fatores conclui-se, da imagem global do facto, que as condutas do arguido se situam no patamar da baixa gravidade relativamente aos crimes de ameaça e fotografias ilícitas e de média gravidade relativamente ao primeiro dos crimes de violência doméstica e crime de violência de que foi vítima o menor, e de elevada gravidade relativamente ao segundo crime de violência doméstica sofrido por BB, pelo que se têm por adequadas as seguintes penas:
- dois anos e seis meses de prisão para o crime de violência doméstica referente ao primeiro período de união de facto;
- três anos e nove meses de prisão para o crime de violência doméstica referente ao segundo período de união de facto e após a separação definitiva;
- dois anos e nove meses de prisão para o crime de violência doméstica referente ao menor, filho do arguido;
- Quatro meses de prisão para o crime ameaça referente à situação do atropelamento;
- Três meses de prisão para o crime ameaça referente à danificação de um imóvel de considerável valor;
- Dois meses de prisão para o crime de fotografias ilícitas
Entendemos ter o Tribunal a quo ponderado, devidamente, os elementos a que atendeu, na determinação da medida concreta das penas a aplicar ao arguido, por cada um dos crimes praticados, designadamente, o grau de ilicitude dos factos – tendo em conta o modo de execução dos mesmos, o contexto em que ocorreram e a sua gravidade –, a intensidade do dolo com que atuou e as suas condições pessoais.
No referente às exigências de prevenção, não se evidencia em que termos foram consideradas pelo Tribunal a quo.
As exigências de prevenção geral, mostram-se prementes, dada a frequência com que vêm sendo praticados crimes da natureza da daqueles em causa nos autos, sendo relativamente ao crime de violência doméstica, por todos conhecidas as consequências trágicas que lhe estão associadas, ao ponto de, frequentemente, culminarem na morte da(s) vítima(s).
Quanto às exigências de prevenção especial, entendemos que se revelam acentuadas, já que, não obstante o arguido não registar condenações pela prática de crimes da mesma natureza da daqueles em causa nos autos, a personalidade pelo mesmo evidenciada, ao cometer os factos apurados, avultando as caraterísticas da violência, agressividade, irascibilidade, egocentrismo, falta de empatia pelo outro e dificuldade de controlar os impulsos, potenciam o sério risco de reiteração da conduta criminosa, noutras relações que o arguido mantenha ou venha a manter.
Ao contrário do que defende o recorrente os factos por si praticados, relativos aos crimes de violência doméstica, não revestem reduzida gravidade, muito pelo contrário, sendo que a circunstância de parte deles ter sido cometida em contexto de litígio relativo à regulação das responsabilidade parentais do filho, em nada atenua a sua culpa, a qual é elevada.
No tocante aos crimes de fotografias ilícitas, tendo como ofendida DD, há que ponderar a circunstância de as fotografia em questão terem sido publicadas, em três datas diferentes, na rede social Facebook acompanhadas de comentários depreciativos e insultuosos do seguinte teor “Essa carcasa velha andava a negociar uma criança com um apartamento”, “uma infeliz passagem de ano para essas duas merdas mãe e filha que estão a nasconder uma criança do próprio pai que o diabo vos acompanha” e “Putedo”.
Relativamente aos dois crimes de ameaça praticados contra DD, ocorreram num contexto em que o arguido tentava encontrar a sua ex-companheira e o filho, surgindo a atuação do arguido como fator de pressão sobre a ofendida, avó materna do menor, para que não se intrometesse, apoiando a filha.
Neste quadro, contrariamente ao que sugere o recorrente, a ilicitude dos factos que integram os crimes de fotografias ilícitas e de ameaça, tendo em conta a gravidade dos mesmos, não é diminuta, nem a sua culpa é reduzida. Por conseguinte, levando ainda em consideração as exigências de prevenção geral e especial, nos termos sobreditos, nunca a pena de prisão a aplicar ao ora recorrente pela prática dos enunciados crimes poderia ser fixada no mínimo legal.
Por todo o exposto, na ponderação de todas as enunciadas circunstâncias a atender na determinação da medida da pena, entendemos que as penas concretas de prisão aplicadas ao arguido por cada um dos crimes que perpetrou, dentro da moldura penal abstrata que lhes corresponde, revelam-se ajustadas e perfeitamente adequadas às necessidades de prevenção que no caso de fazem sentir, nos termos sobreditos, não ultrapassando a medida culpa do arguido. Não existe, por isso, fundamento para a redução de qualquer das penas parcelares aplicadas na 1.ª instância.
No atinente à pena única:
O Tribunal a quo fixou a pena única a aplicar ao arguido, ora recorrente, em 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão.
O recorrente pugna pela redução da pena única para 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses.
Para tanto alega que terão de ser consideradas as circunstâncias atinentes aos crimes praticados, o número destes e a sua personalidade neles revelada, não sendo de concluir por uma tendência criminosa da sua parte, mas apenas ter existido uma situação que se prolongou por algum tempo, mas já terminou.
Por outro lado, aduz o recorrente que o Tribunal a quo não valorou devidamente o seu comportamento futuro e o facto de os crimes em apreço estarem interligados entre si e terem sido cometidos num período de tempo estanque.
Vejamos:
O artigo 77º do Código Penal, estabelecendo as regras da punição do concurso de crimes, dispõe:
«1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se depena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes
Sobre o modo como devem operar os critérios definidos no citado n.º 1 do artigo 77º do CP, diz o Prof. Figueiredo Dias[26]:
«Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)».
Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão ou o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.
Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização ou de inserção, ou de repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade que deve ser ponderado.
A moldura penal abstrata correspondente ao concurso de crimes é de 3 (três) anos e 9 (nove) meses a 9 (nove) anos e 9 (nove) meses de prisão.
Ponderando, em conjunto, a gravidade dos factos e a personalidade do recorrente neles refletida, sendo elevada a ilicitude global dos factos e revelando o arguido, pela forma como atuou, uma personalidade onde avultam caraterísticas de agressividade, irascibilidade, egocentrismo, falta de empatia pelo outro e dificuldade de controlar os impulsos, potenciando o risco de reiteração futura de comportamentos de idêntica natureza, entendemos que a pena única de prisão, fixada em 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses [situada bem mais próximo do limite mínimo da moldura abstrata do concurso do que do seu limite máximo], se mostra equilibrada e ajustada, pelo que, não merece qualquer reparo.
Improcede, assim, também este fundamento do recurso.

*
A medida concreta da pena aplicada, não admite suspensão da respetiva execução, pelo que fica precludida a apreciação da correspondente questão suscitada no recurso.

2.3.6. No referente à indemnização civil arbitrada à demandante BB
Invoca o recorrente a nulidade do acórdão, por falta de fundamentação, nessa parte, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 379º, n.º 1, al. a) e 374º, n.º 2, in fine, do CPP.
Nesse enfoque alega que o Tribunal a quo não fundamenta de forma concreta como chegou ao valor da indemnização fixado – €7500,00 –, limitando-se a referir que os danos sofridos merecem tutela e o recorrente agiu com dolo direto. Deste modo, fica o recorrente sem saber qual o raciocínio lógico do julgador, não conseguindo descortinar o elemento intelectual e axiológico subjacente à tomada da decisão.
Sustenta, ainda, o recorrente ser excessivo o valor indemnizatório arbitrado à demandante BB e que não deveria ser fixado em montante superior a €2.000,00, tendo em conta, nomeadamente, os seus rendimentos, a pouca gravidade dos danos e as razões que motivaram o seu comportamento.
Apreciando:
Quanto à invocada nulidade do acórdão, por falta de fundamentação:
Não assiste razão ao demandante.
Com efeito, afigura-se-nos manifesto que o Tribunal a quo fundamentou o segmento decisório do acórdão respeitante à indemnização arbitrada à demandante BB, posto em crise pelo recorrente.
Estando em causa danos não patrimoniais a indemnização terá de ser fixada de acordo com critérios de equidade, atendendo, designadamente, à gravidade do dano, ao grau de culpabilidade do agente, à sua situação económica, bem como à do lesado.
Neste conspecto, o Tribunal a quo ponderou a gravidade dos danos sofridos pela demandante – dores, medo, receio, vexame, vergonha, desgosto, tristeza, o ter sido forçada a tomar ansiolíticos e a ser assistida no hospital –, o grau de culpa do arguido/demandado, agindo este com dolo direto, tendo considerado tratar-se este último de um fator que agrava o montante da indemnização fixar. Quanto às demais circunstâncias do caso entendeu não assumirem aqui relevância particular.
Independentemente de se poder questionar se o valor da indemnização fixado é, ou não, ajustado, o Tribunal a quo fundamentou a decisão tomada, não se verificando, por isso, a arguida nulidade do acórdão.
No tocante ao montante da indemnização arbitrado à demandante BB:
A demandante peticionou a quantia de €10.000,00 (dez mil euros) e o Tribunal a quo arbitrou-lhe o montante de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Estão em causa danos não patrimoniais, indemnizáveis à luz do disposto no artigo 496º, n.º 1, do Código Civil, que estabelece que «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito».
O critério para a fixação do montante da indemnização por danos não patrimoniais é a equidade (cf. artigo 496º, n.º 4, do C. Civil), «assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso»[27], havendo que atender, ainda, aos fatores referidos no artigo 494º, para que remete o n.º 4 do artigo 496º, ambos do Código Civil, quais sejam, o grau de culpa do agente e a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Não poderá também perder-se de vista, na determinação do valor da indemnização por danos não patrimoniais, os montantes indemnizatórios que, em casos semelhantes, vêm sendo fixados pela jurisprudência, de modo a contribuir para uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cf. artigo 8º, n.º 3, do C. Civil) e a não pôr em causa os princípios da igualdade e da proporcionalidade[28].
É consabido ser impossível indemnizar os danos não patrimoniais em toda a sua extensão, tanto mais que os mesmos, pela sua própria natureza, não são dimensionáveis. Todavia, há que procurar compensar, de algum modo, pecuniariamente, os danos não patrimoniais sofridos pela demandante e resultantes da conduta do arguido/demandado.
Neste domínio, vem sendo reiteradamente afirmado na jurisprudência do STJ que o valor da indemnização a arbitrar a por danos não patrimoniais não deve ser meramente simbólico, deve antes ter um alcance significativo, em face da gravidade dos danos sofridos, por forma a que possa ter uma efetiva e real função compensatória[29].
A referência à situação económica do lesante, na sua relação com a do lesado, constante do artigo 494º, do C. Civil, como vem sendo entendido, de forma praticamente unânime, na jurisprudência do STJ, na senda da posição defendida pelo Prof. Vaz Serra[30], trata-se de um critério corretivo, com vista a evitar resultados injustos em casos de significativa desproporção entre as condições económicas do lesante e do lesado, designadamente, pela imposição de indemnizações especialmente gravosas para o lesante que apresente insuficiência económica, face a um lesado com boas condições económicas[31].
Assim e, como refere Ana Margarida Carvalho Pinheiro[32] «Assumindo a indemnização uma função essencialmente reparadora mostram-se limitados os efeitos da consideração das situações económicas de lesante e lesado no cálculo da indemnização devida por danos não patrimoniais. Apenas poderá a situação do critério em análise determinar uma redução equitativa do montante a arbitrar, caso a condição económica do lesante se mostre especialmente empobrecida e a do lesado abastada. Em suma, só uma relevante desproporção entre as situações económicas de ambos, mostrando-se o lesado detentor de condições económicas muito superiores às do lesante, justificará a aplicação do critério em análise.».
Porém como faz notar a mesma autora[33], esta possibilidade de a indemnização ser fixada em montante inferior àquele que seria devido, em função de uma relevante desproporção entre a situação económica de lesante e de lesado, tem de ser usada com prudência, dado que «é suscetível de gerar insegurança, ao ser arbitrado um montante indemnizatório insuficiente para satisfazer o lesado» e «poderá levar a que danos idênticos sejam indemnizados de forma diversa, em resultado da situação económica do lesante ou do lesado, o que se mostra violador do principio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.»
Concordamos com o entendimento defendido pela mesma autora, ao considerar que «O princípio da igualdade impõe que situações análogas não sejam tratadas de modo diferente em função, designadamente, da diversa situação económica das partes. Daqui decorre não ser de aceitar que, a dois lesados em condições semelhantes, seja arbitrada indemnização de montante diverso em função da sua diferente situação económica ou da diversa relação entre a tal situação e a situação económica do lesante respetivo. Tal critério poderá, no limite, em situações de extrema riqueza do lesado e de pobreza do lesante, levar a uma inaceitável limitação ou mesmo à exclusão da indemnização, prejudicando gravemente o lesado e beneficiando o lesante em razão daquela situação económica. A diferenciação, baseada no indicado critério, carece de fundamentação compatível com o princípio da igualdade.»[34].
Tendo presentes estas considerações, no caso dos autos, de acordo com enunciados critérios, considerando, designadamente, a gravidade e reiteração das condutas do arguido/demandado ao longo do tempo em que perduraram, os consequentes danos sofridos pela demandante [sendo-lhe causadas lesões – designadamente, em consequência da agressão referida no ponto 57.3 dos factos provados, na zona do rosto, que lhe determinaram 10 dias de doença, tendo recebido assistência hospitalar –, sentido dores, medo, vexame, vergonha, desgosto, tristeza e continuando a vivenciar esses sentimentos quando rememora o sucedido], o grau de culpa do arguido/demandado [que é elevado, tendo agido com dolo direto], ainda que a sua situação económica seja muito modesta [não sendo a da demandante, ao que tudo indica, mais favorável], entendemos que o montante da indemnização, fixado pelo Tribunal a quo, em €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), por danos não patrimoniais, a cujo pagamento à demandante BB condenou o demandado, ora recorrente, mostra-se equilibrado e equitativo, pelo que se decide mantê-lo.
Não merece, por conseguinte, nesta parte, censura o acórdão recorrido.

*
O recurso é, pois, improcedente.

3. DECISÃO
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem esta Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC (arts. 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último diploma), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido.

Comunique-se, de imediato, a presente decisão à 1ª instância.

Notifique.

Évora, 07 de fevereiro de 2023
Fátima Bernardes

Fernando Pina

Beatriz Marques Borges


____________________
[1] Cf., entre muitos outros, Ac. do STJ de 12/07/2008, proc. 07P3861, Ac. da RE de 22/11/2018, proc. n.º 526/16.4 GFSTB.E1, Ac.s da RP de 17/06/2020, proc. n.º 2541/19.7JAPRT.P1 e de 08/09/2020, proc. n.º 672/19.2GBAMT.P1, acessíveis in www.dgsi.pt.
[2] Neste sentido, cf., entre outros, Ac.s da RE de 01/10/2013, proc. n.º 948/11.7PBSTR.E1 e de 12/09/2011, proc. n.º 331/08.1GCSTB.E1, Ac. da RG de 05/07/2021, proc. n.º 2/20.0GEBRG.G1, Ac. da RP de 15/06/2016, proc. n.º 1170/14.6TAVFR.P1, acessíveis in www.dgsi.pt.
[3] Proferido no proc. n.º 342/14.8GBSTS.P1, acessível in www.dgsi.pt.
[4] Cf. Ac. da RC de 09/10/2019, proc. n.º 170/18.1GCPBL.C1, acessível in https://www.direitoemdia.pt/
[5] Proferido no proc. n.º 514/19.9PBBJA.E1, em que a ora Relatora foi Adjunta.
[6] Cf., por todos, Acórdãos do STJ de 23/05/2007, proc. 07P1498 e de 03/07/2008, proc. 08P1312, in www.dgsi.pt.
[7] Cf., entre outros, Acórdãos da RC de 18/01/2017 e de 17/05/2017, respetivamente, proferidos nos procs. 112/15.6GAPNC.C1 e 430/15.3PAPNI.C1 e Ac. da RL de 18/01/2017, proc. 1050/14.5PFCSC.L1-3, in www.dgsi.pt.
[8] Idem.
[9] In Curso de Processo Penal, II, Lisboa, Verbo, 1993, pág. 111.
[10] Proferido no proc.03P2612, acessível em www.dgsi.pt.
[11] Sobre o tema, vide, Sandra Pereira e Teresa Magalhães, “Síndrome do shaken baby. Realidade ou Ficção em Portugal?”, in Acta Med Port. 2011, 24(S2), págs. 369 a 378 e Lara Lourenço e outros, “Síndrome do bebé abanado experiência de 10 anos de um Serviço de Cuidados Intensivos Pediátricos”, in Nascer e Crescer, Revista de Pediatria do Centro Hospitalar do Porto, ano 2013, vol. XXII, n.º 2, págs. 72 e ss.
[12] Cf., entre outros, Ac. da RE de 02/02/2016, proc. 114/13.7TARMR.E1 e Ac. da R.C. de 03/06/2015, proc. 12/14.7GBRST.C1, in www.dgsi.pt.
[13] Neste sentido, cf.,, entre outros, na doutrina, Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra Editora, 2012, págs. 511 e 512, Nuno Brandão, A tutela especial reforçada da violência doméstica, in Rev. Julgar, nº. 12, - especial -, 2010, págs. 15 e 16 e Catarina Sá Gomes, in O Crime de Maus Tratos Físicos e Psíquicos infligidos ao cônjuge ou ao convivente em condições análogas às dos cônjuges, AAFDL, 2004, p. 59; e na jurisprudência, entre outros, Acórdãos do STJ de 11/03/2021, proc. 5/20.6JAFAR.S1; da RE de 16/05/2017, proc. 93/14.3GBRMZ.E1 e de 26/01/2021, proc. 229/18.5GBGDL.E1; da RL de 2/03/2017, proc. 696/13.3PDCSC.L1-9 e da RG de 08/06/2020, proc. 729/17.4GBVVD.G1 e de 14/09/2020, proc. 302/19.2PABCL.G1, todos acessíveis in www.dgsi.pt.
[14] Sumariado na CJ, Ano 2018, T. 1, pág. 317.
[15] Proferido no proc. n.º 189/17.0GCOVR.P1, acessível in www.dgsi.pt.
[16] Violência Doméstica implicações sociológicas, psicológicas e jurídicas do fenómeno, Manual Multidisciplinar”, Centro de Estudos Judiciários, páginas 93 e 94, citando Teresa Magalhães, Violência e Abuso – Respostas Simples para Questões Complexas, Estado da Arte, Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2010 e seguindo de perto a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores.
[17] Neste sentido, cf., entre outros, Ac. da RP de 11/01/2014, in CJ, 2014, Tomo I, pág. 326 e Ac. da RG de 10/07/2014, proc. 591/11.0PBGMR, acessível in www.dgsi.pt.
[18] Cf. Nuno Brandão, in ob. cit., pág. 19 e Ac. da RC de 12/04/2018, proc. 3/17.6GCIDN.C1, acessível in www.dgsi.pt. [19] Proferido no processo 921/13.OPBFAR, acessível in www.dgsi.pt
[20] Verifica-se existir lapso de escrita na menção ao ano de 2019, já que tratado-e de factos ocorridos “3 dias depois” e considerando a data dada como provada no ponto 7, o ano é de 2016.
[21] In Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, Coimbra Editora, 2011, pág. 815.
[22] Cf. Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas Editorial Notícias, 1993, pág. 334.
[23] Neste sentido, cf., entre outros, Ac.s do STJ de 12/09/2012, proc. 1221/11.6JAPRT.S1, de 21/11/2018, proc. 574/16.4PBAGH.S1 e de 20/01/2021, proc. 642/17.5GCVIS.C1.S1 in www.dgsi.pt.
[24] Cf., por todos, Ac. do TC, n.º 673/2022, de 18/10/2022, in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20220656.html
[25] Cf. Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – Das Consequências Jurídicas do Crime, Parte Geral, Aequitas-Editorial Notícias, 1993, pág. 215.
[26] In Direito Penal Português, cit., págs. 291 e 292.
[27] Cf. Ac. do STJ de 29/06/2017, proc. 976/12.5TBBCL.G1.S1, in www.dgsi.pt.
[28] Cf., entre outros, Ac. do STJ de 12/11/2020, proc. 14697/16.6T8LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[29] Cf., entre outros, Ac. do STJ de 10/10/2018, proc. n.º 1082/13.0GAFAF.G1.S1, in www.dgsi.pt.
[30] “Reparação do dano não patrimonial”, in BMJ nº 83, pág. 236 e 237.
[31] Neste sentido, cf., entre outros, Ac.s do STJ de 31/01/2012, proc. 875/05.7TBILH.C1.S1, in www.dgsi.pt.
[32] “A equidade na indemnização dos danos não patrimoniais”, Dissertação com vista à obtenção do grau de Mestre em Direito, Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, outubro de 2015, pág. 38, acessível in https://run.unl.pt.
[33] In ob. e loc. cit.
[34] Neste sentido, cf., entre outros, Ac.s do STJ de 22/10/2009, proc. 3138/06.7TBMTS.P1.S1 e de 24/04/2013, proc. 198/06.6TBPMS.C1.S1, acessíveis in www.dgsi.pt.