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INIMPUTABILIDADE EM RAZÃO DE ANOMALIA PSÍQUICA
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
INCIDENTE
NULIDADE DE SENTENÇA
Sumário
I – A afirmação de inimputabilidade constitui conclusão a extrair de factos de onde decorra a existência de anomalia psíquica e a existência de relação causal entre tal anomalia e o comportamento de quem a suporta, por forma a poder concluir-se que a prática dos atos integradores de crime ocorre por incapacidade de avaliar a sua ilicitude ou de se determinar de acordo com essa avaliação. II. E a afirmação da perigosidade do arguido constitui também conclusão resultante do fundado receio da prática de outros factos típicos da mesma espécie, decorrente da ponderação conjunta da anomalia psíquica, da natureza e da gravidade do facto típico cometido e da demais factualidade apurada que contribua para a revelação da apontada probabilidade de recidiva. III. A alteração da factualidade constante da acusação, decorrente da menção à situação de saúde mental do arguido, exige o cumprimento do disposto no artigo 358.º do Código de Processo Penal.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora
I. RELATÓRIO
No processo comum n.º 54/20.3GFALR, do Juízo de Competência Genérica de Almeirim da Comarca de Santarém, o Ministério Público acusou AA, solteiro, nascido a .../.../1984, em ..., filho de BB e de CC, residente na Rua ..., em ...,
pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal.
O arguido apresentou contestação escrita, onde ofereceu o merecimento dos autos.
Realizado o julgamento, perante Tribunal Singular, por sentença proferida e depositada em 14 de dezembro de 2021, foi, entre o mais, decidido:
«1. Julgar provada a prática pelo arguido AA de factos integradores de um ilícito típico de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do C.P.; 2. Declarar o arguido AA como inimputável em razão de anomalia psíquica, ao abrigo do disposto no artigo 20.º, n.º 1 do Código Penal; 3. Absolver o arguido AA pela prática, como autor material, na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do C.P.; 4. Declarar o arguido AA como inimputável capaz de repetir os factos delituosos pelos quais vinha acusado; 5. Aplicar ao arguido AA uma medida se segurança de internamento num estabelecimento de cura, tratamento e segurança adequado à sua patologia pelo período máximo de 1 ano; 6. Suspender a medida de segurança aplicada ao arguido AA pelo período máximo de 1 ano, sob vigilância, acompanhamento e fiscalização da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, e subordinada à obrigação de: 1. - submissão a tratamento médico e medicamentoso/acompanhamento psiquiátrico, com periodicidade mensal, com especial atenção ao tratamento dos consumos excessivos de álcool, com frequência de consultas de alcoologia, com a periodicidade a indicar pelos médicos; 2. - obrigação de se submeter a exames e observações nos lugares que lhe foram indicados; 3. - não utilizar o velocípede quando tiver consumido álcool; 4. – não conduzir veículos motorizados por três meses, ainda que venha a tirar a carta e após fazê-lo.
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Sem custas (artigo 513.º, n.º 1 do CPP a contrario).»
Inconformado com tal decisão, o Arguido dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:
«1.ª Ao Arguido foi aplicada a medida de segurança de internamento, suspensa na sua execução, conforme consta na Sentença ora recorrida. 2.ª Para o efeito o douto Tribunal “a quo” considerou como provado no ponto n.º 1 da matéria de facto: “No dia 28.02.2020, pelas 18.30h, na Rua ..., em ..., o arguido circulava por essa via pública ao comando de um velocípede quando foi interveniente em acidente de viação, colidindo com um veículo ligeiro de passageiros”. 3.ª Para dar este Ponto como provado o douto Tribunal “a quo” relevou o depoimento da Testemunha DD (Militar da GNR) – constante em Ficheiro áudio 20211130112321_2955808_2871741 (01m09s a 06m42s). 4.ª Conjugando-o com o auto de notícia, de fls. 3 e 4, a participação de acidente de viação, de fls. 5 a 10, e o relatório toxicológico, de fls. 14. 5.ª No que respeita ao depoimento prestado, a Testemunha foi perentória em afirmar que não presenciou o acidente. 6.ª Pelo que não teve conhecimento das circunstâncias em que o mesmo sucedeu, inclusivamente não conseguiu afirmar quem seria o responsável pelo acidente nem tão-pouco confirmar que o Arguido circulava ao comando de um velocípede no momento do embate. 7.ª A pouca informação que teve acerca das circunstâncias do acidente foram unicamente as relatadas pela outra interveniente. 8.ª A trajetória (posição) dos veículos nem sequer consta no respetivo croqui da participação do acidente. 9.ª Isto porque quando a Testemunha (Senhor Militar da GNR) chegou ao local as viaturas já nem se encontravam no local do acidente. 10.ª Razão pela qual o Senhor Militar referiu que nas observações do croqui consta “ as viaturas não estão representadas no croqui em virtude das mesmas terem sido removidas antes da chegada das autoridades”. 11.ª Mesmo que assim não fosse, a Testemunha referiu que as únicas informações que teve sobre o acidente foram obtidas através das declarações da outra interveniente no acidente e que se encontram transcritas na respetiva participação. 12.ª Ou seja, trata-se obviamente de um depoimento indireto nos termos do disposto no artigo 129.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. de Proc. Penal. 13.ª E, como tal, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, nunca poderia tal depoimento ser valorado. 14.ª Com o devido respeito por opinião contrária, não foi assim produzida qualquer prova em sede de julgamento de que o Arguido circulava ao comando do velocípede. 15.ª Pois que as circunstâncias do mesmo não foram apuradas, por exemplo: o Arguido circulava ao comando do velocípede ou apeado, transportando-a com as mãos? 16.ª E, em consequência, atento os princípios do acusatório e do in dúbio pro reo, impunha-se a sua absolvição não só devido à sua inimputabilidade mas também por não terem sido provados os factos de que vinha acusado. 17.ª No próprio auto de notícia, a fls. 3 e 4, nada consta sobre as circunstâncias do acidente, confirmando-se apenas que houve um acidente entre um veículo automóvel e um velocípede, e que o Senhor Militar (Testemunha) não presenciou o acidente nem conseguiu descrevê-lo. 18.ª A questão circunscreve-se, assim, à seguinte análise: é suficiente para dar o ponto n.º 1 da matéria de facto, como provado, a declaração de outro interveniente do sinistro que consta apenas na participação do acidente? 19.ª E, com o devido respeito por opinião contrária, a resposta só pode ser uma: NÃO! 20.ª Não se pode considerar o Ponto n.º 1 da matéria de facto dada como provada simplesmente com base na declaração que consta em participação de acidente dada por um dos intervenientes. 21.ª Desde logo porque o interveniente em acidente sempre deverá ser considerado como parte interessada no apuramento das circunstâncias em que o mesmo sucedeu. 22.ª E depois porque não há nenhuma razão para uma declaração que consta em participação de acidente ter mais valor do que o depoimento de uma testemunha perante OPC. 23.ª Pois se nestes casos é necessário arrolar a testemunha na acusação que é deduzida para prestar o seu depoimento em sede de julgamento, porque numa situação como aquela que se encontra nos autos deveria ser diferente, dando-lhe mais valor probatório? 24.ª Na verdade constata-se nos autos que a outra interveniente no acidente nem sequer prestou depoimento em sede de inquérito. 25.ª Caso contrário, para que seria necessário uma acusação e a realização de uma audiência de discussão e julgamento? 26.ª Assim sendo, por inexistência de prova, deveria o Ponto n.º 1 ter sido considerado como não provado e, em consequência, não deveria ter sido aplicada qualquer medida de segurança ao Arguido. 27.ª Razão pela qual, e face ao supra exposto, deverão V.as Ex.as revogar a decisão ora recorrida, por violar manifestamente o disposto no artigo 129.º, n.ºs 1 a 3, do Cód. de Proc. Penal, e por se verificar os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova, previstos no artigo 410.º, n.º 2, respetivamente alíneas a) e c), do mesmo Diploma legal, substituindo-o por outro que considere o Ponto n.º 1 como não provado e, em consequência, não aplique qualquer medida de segurança ao Arguido. É, POIS, EM SUMA, O QUE NOS PARECE! MELHOR DECIDARÃO V. EXAS E ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA!»
O recurso foi admitido.
Respondeu o Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
«1. Inconformado com a aludida Sentença, onde o Tribunal decidiu julgar provada a prática pelo arguido AA de factos integradores de um ilícito típico de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do C.P., declarar o arguido AA como inimputável em razão de anomalia psíquica, ao abrigo do disposto no artigo 20.º, n.º 1 do Código Penal, absolver o arguido AA pela prática, como autor material, na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do C.P., declarar o arguido AA como inimputável capaz de repetir os factos delituosos pelos quais vinha acusado, aplicar ao arguido AA uma medida se segurança de internamento num estabelecimento de cura, tratamento e segurança adequado à sua patologia pelo período máximo de 1 ano e suspender a medida de segurança aplicada ao arguido AA pelo período máximo de 1 ano, sob vigilância, acompanhamento e fiscalização da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, e subordinada determinadas obrigações, dela veio interpor recurso. 2. O Recorrente alega que por inexistência de prova, deveria o ponto n.º 1 dos factos provados ter sido considerado como não provado e, em consequência, não deveria ter sido aplicada qualquer medida de segurança ao arguido, razão pela qual deverá ser revogada a decisão recorrida, por violar manifestamente o disposto no art.º 129 n.º1 a 3 do CPP, e por se verificar os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova, previsto no art.º410º n.º2 al. a) e c), do CPP, substituindo por outra que considere o Ponto n.º1 como não provado e, em consequência, não aplique qualquer medida de segurança ao arguido. 3. No nosso entendimento a Douta Sentença não padece de qualquer vício, obedecendo a todos os requisitos previstos no artigo 374.º do Código de Processo Penal, pelo que, não merece qualquer censura. Vejamos: 4. O Recorrente alega nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 410.º que existiu um erro notório na apreciação da prova, todavia, o aqui se prevê é a crítica dos factos provados, e não a apreciação dos factos provados, em ordem a aplicar o direito, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1991, A.J., n.º 15/ 16, 7, citado por Maia Gonçalves, na obra supra referida, «se o recorrente alega vícios da decisão recorrida a que se refere o n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, mas fora das condições previstas nesse normativo, afinal impugna a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos adquiriu em julgamento, esquecido da regra da livre apreciação da prova inserta no artigo 127.º». (sublinhado nosso) 5. O vício tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum, não sendo por isso admissível recorrer a declarações ou a quaisquer outros elementos que eventualmente constem do processo. 6. A Mm.ª Juiz considerou as seguintes provas para dar o ponto n.º 1 dos factos provados: o depoimento da testemunha DD, o Auto de Noticia, a Participação do acidente de viação e o relatório toxicológico. 7. O requerente veio alegar que a testemunha no seu depoimento declarou que não presenciou o acidente, porém, o habitual é que os Militares da GNR sejam chamados ao local após o acidente, e não que o tenham presenciado, e por isso, elaboram a participação de acidente, como foi o caso, com base nas declarações dos intervenientes, sendo que o outro interveniente no acidente declarou (declaração que ficou registada na participação), que “Circulava no sentido ... quando o senhor guinou para cima de mim e bateu no meu veículo, na lateral direita. O senhor caiu ao chão, eu desviei o carro, parei mais á frente e fui ver o estado do senhor”. 8. Quanto ao aqui Recorrente, e como à data não estava em condições de prestar declarações, estas não foram logo vertidas na participação, todavia, e posteriormente, como aliás se refere no item “Observações” da referida Participação, deslocou-se ao Posto Territorial da GNR ..., na manhã do dia 29.02.2020, onde prestou as seguintes declarações: “Ia a entrar na Rua ... a partir da Rua ..., quando um carro lhe bateu, não se lembra de mais nada a partir desse momento, apenas de posteriormente acordar no hospital” 9. Mas o aqui recorrente vem ainda alegar que a testemunha declarou que não sabia as circunstâncias em que ocorreu o acidente, todavia, e com o devido respeito, que é muito, o que aqui está em causa não é saber quem foi o culpado no acidente e em que circunstâncias o mesmo ocorreu, porquanto o crime em causa é o de condução de veículo em estado de embriaguez. 10. Como tal, no nosso entendimento, a Mm.ª Juíz andou bem, ao considerar, o depoimento da testemunha DD, o Auto de Noticia, a Participação do acidente de viação e o relatório toxicológico como as provas que sustentaram o ponto n.º1 dos factos provados. 11. O Recorrente também refere que existe o vício previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, uma insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, ao considerar que não foi produzida qualquer prova que o arguido fosse ao volante do velocípede, alegando que o outro interveniente no acidente não prestou depoimento em sede de inquérito. 12. Ora, para ser insuficiente para a decisão a matéria de facto apurada no seu conjunto (abarcando factos provados e não provados, portanto) há-de ser incapaz de a suportar em abstrato, isto é, seja ela condenatória ou absolutória. Quando se afirma apenas que a matéria de facto provada é insuficiente para a condenação proferida, não se está a proceder à invocação deste vicio, antes, em suma, a afirmar que o Tribunal errou na aplicação do direito aos factos provados, o que nada tem a ver com os vícios da matéria de facto. (…) Importa, sim, que todos estes factos pertinentes ao objeto do processo tenham sido indagados em julgamento. (Neste sentido, Pereira Madeira in Código do Processo Penal Comentado, Almedina, 2ª edição atualizada, 2016, pág.1273, 1274) 13. No nosso entendimento, toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento foi bastante para dar os factos que o Recorrente vem impugnar como provados, pois, com o devido respeito, através das declarações do outro interveniente no acidente se retira que o arguido vinha a conduzir o velocípede, quando refere que ele “guinou”, e em momento algum o arguido o negou. 14. Aliás, tendo oportunidade de o fazer em audiência de discussão e julgamento, e esclarecer o Tribunal, optou por não prestar declarações. 15. Alega ainda o Recorrente que o outro interveniente no acidente de viação não prestou depoimento em sede de inquérito, mas, a verdade é que o outro interveniente, já tinha prestado declarações perante o órgão de polícia criminal, que ficaram a constar da Participação. 16. Ademais, não existiu nenhuma contradição na prova coligida, que levasse à aplicação do principio in dúbio pro reo, porquanto e como referiu a Mm.º Juiz “ (…) O depoimento produzido pela testemunha mostrou-se claro, coerente e objetivo, contando os factos sem qualquer hesitação ou contradição, e sendo consonante com a factualidade constante do auto de notícia e da participação de acidente de viação, pelo que mereceu a credibilidade do Tribunal.Com efeito, não obstante a testemunha não ter assistido ao acidente, ouviu a outra interveniente no acidente de viação, que o descreveu de forma clara perante o referido agente, do modo descrito na participação, pelo que se mostrou desnecessária a sua inquirição em Tribunal - já tendo prestado declarações perante o agente da autoridade, como documentado nos autos, não existia necessidade de nova inquirição, por as suas declarações estarem documentadas na participação. Uma vez que se encontra documentado o acidente, e também a quantidade de álcool no sangue que o arguido apresentava, o Tribunal não teve dúvidas em dar como provados os factos que o foram, da acusação.(…)” 17. A Douta Sentença deu todos os factos vertidos na Douta Acusação como provados, pelo que, diversamente do que entende o Recorrente, temos por líquido que da conjugação de toda a prova resulta evidente que foi acertada a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal. Com efeito, o que resulta dessas declarações e depoimentos, conjugados com os apontados elementos documentais e periciais, não deixa dúvidas relativamente à autoria do crime. 18. Assim, dúvidas não restam, atentos os factos que foram dados como provados, nomeadamente que o arguido conduziu um velocípede na via pública sob o efeito de álcool, tendo tido um acidente e tendo sido testado o teor de álcool no seu sangue, que era superior ao referido mínimo legal, que se encontram preenchidos os requisitos para a imputação objetiva do ilícito ao arguido. 19. Assim, da leitura da Sentença recorrida facilmente se constata que a prova produzida foi corretamente apreciada, valorada e julgada, apreciou criticamente e de forma racional, todas as provas de acordo com as regras da experiência e fixou a matéria de facto de forma correta, pelo que, não merece a Sentença qualquer censura. Concluindo, dir-se-á, pois, que se nos afigura que o recurso do arguido/Recorrente não merece provimento em qualquer das suas vertentes, pelo que, deverá manter-se integralmente a Douta Sentença recorrida. Assim, deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida. V. Ex.as , porém, e como sempre, farão JUSTIÇA!»
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Enviados os autos a este Tribunal da Relação, o Senhor Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Observou-se o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal.
Na resposta que apresentou, o Arguido manteve a posição anteriormente assumida nos autos.
Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[[1]], o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379.º do mesmo diploma legal.[[2]]
Posto isto, e vistas as conclusões dos recursos, a esta Instância são colocadas as questões:
- da incorreta valoração da prova produzida em julgamento;
- da valoração de prova proibida;
- da insuficiência da matéria de facto para a decisão;
- do erro notório na apreciação da prova.
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Na sentença recorrida foram considerados como provados os seguintes factos [transcrição]: 1 – No dia 28.02.2020, pelas 18.30h, na Rua ..., em ..., o arguido circulava por essa via pública ao comando de um velocípede quando foi interveniente em acidente de viação, colidindo com um veículo ligeiro de passageiros. 2 – Na sequência da referida colisão, o arguido sofreu ferimentos que determinaram o seu transporte para o Hospital ... onde foi assistido e realizada a recolha de amostra de sangue para análise toxicológica. 3 – O arguido registou uma TAS de 1,71 g/l, correspondente à TAS de 1,49 g/l, deduzido o erro máximo admissível. 4 – O arguido foi condenado, por sentença de 27.01.2006, transitada em julgado em 13.02.2006, pela prática em 27.01.2006, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º do D.L. n.º 2/98, de 03.01, na pena de 45 dias de multas à taxa diária de 2,00€, no total de 90,00€, no âmbito do Processo Sumário n.º 69/06...., do Tribunal Judicial ..., pena essa extinta pelo cumprimento em 22.12.2007. 5 - O arguido foi também condenado, por sentença de 05.06.2006, transitada em julgado em 21.06.2006, pela prática em 05.06.2006, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º do D.L. n.º 2/98, de 03.01, na pena de 45 dias de multas à taxa diária de 2,00€, no total de 90,00€, no âmbito do Processo Sumário n.º 400/06...., do Tribunal Judicial ..., pena essa extinta pelo cumprimento em 13.02.2009. 6 - O arguido voltou a ser condenado, por sentença de 29.01.2007, transitada em julgado em 14.02.2007, pela prática em 23.01.2007, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º do D.L. n.º 2/98, de 03.01, na pena de 70 dias de multas à taxa diária de 3,00€, no total de 210,00€, no âmbito do Processo Sumário n.º 57/07...., do Tribunal Judicial ..., pena essa extinta pelo cumprimento em 22.07.2010. 7 - O arguido ainda foi condenado, por sentença de 09.06.2010, transitada em julgado em 29.06.2010, pela prática em 13.08.2006 e 10.04.2007, de dois crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º do D.L. n.º 2/98, de 03.01, na pena de 120 dias de multas à taxa diária de 5,00€, no total de 600,00€, no âmbito do Processo Comum Singular n.º 275/07...., do Tribunal Judicial ..., pena essa extinta por prescrição em 29.06.2014. 8 - O arguido foi novamente condenado, por sentença de 21.12.2011, transitada em julgado em 02.02.2012, pela prática em 22.01.2006 e 23.01.2006, de quatro crimes de extorsão, p. e p. pelo artigo 223.º do Código Penal, na medida de segurança de internamento de inimputáveis por 3 anos no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 59/06...., do Tribunal Judicial ..., medida essa que foi substituída pela de suspensão da execução do internamento com sujeição a regras de conduta, por 4 anos e 8 meses, medida essa que foi extinta pelo cumprimento em 02.10.2016. 9 - O arguido foi mais uma vez condenado, por sentença de 09.04.2014, transitada em julgado em 19.05.2014, pela prática em 06.01.2013, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º do D.L. n.º 2/98, de 03.01, na medida de segurança de suspensão da execução do internamento por um ano com sujeição a regras de conduta, no âmbito do Processo Abreviado n.º 6/13...., do Tribunal Judicial ..., medida essa extinta pelo cumprimento em 22.09.2015. 10 - O arguido foi mais uma vez condenado, por sentença de 20.05.2014, transitada em julgado em 19.06.2014, pela prática em 25.02.2014, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º do D.L. n.º 2/98, de 03.01, na medida de segurança de suspensão da execução do internamento por um ano com sujeição a regras de conduta, no âmbito do Processo Sumário n.º 163/14...., do Tribunal Judicial ..., medida essa extinta pelo cumprimento em 03.11.2015. 11 - O arguido foi ainda mais uma vez condenado, por sentença de 10.07.2014, transitada em julgado em 25.09.2014, pela prática em 28.09.2009, de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 143.º e 145.º do C.P., na medida de segurança de suspensão da execução do internamento por 4 anos com sujeição a regras de conduta, no âmbito do Processo Comum Singular n.º 633/09...., do Tribunal Judicial ..., medida essa extinta pelo cumprimento em 25.09.2018. 12 – O arguido encontra-se reformado, auferindo de reforma o valor de 418,00€ mensais. 13 – Faz alguns biscates, nomeadamente limpando quintais, auferindo dessa atividade cerca de 50,00€ a 60,00€ mensais. 14 – Vive em casa própria, sozinho. 15 – Possui o 4.º ano de escolaridade, declarando que sabe ler e escrever mal. 16 – O arguido tem antecedentes de patologia psiquiátrica, sofrendo de atraso mental com imaturidade da personalidade e consumo excessivo de bebidas alcoólicas. 17 – O arguido tem pouca capacidade para avaliar o carácter proibido dos atos que pratique e de se determinar de acordo com essa avaliação. 18 – A ingestão do álcool, em conjugação com a anomalia de que o arguido sofre, diminui sensivelmente a capacidade do arguido de se determinar de acordo com a avaliação do carácter proibido dos seus atos.
Relativamente a factos não provados, consta da sentença que [transcrição]:
«Não foram dados como provados os seguintes factos, com interesse para a boa decisão da causa: A- O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo quando começou a conduzir o supra referido veículo, em via cuja natureza pública conhecia, que ingerira previamente bebidas alcoólicas em quantidade suficiente para revelar uma TAS igual ou superior a 1,2 g/l e, não obstante, não se absteve de o fazer. B – O arguido sabia que a sua conduta era ilícita e penalmente punível detendo plena capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.»
A convicção do Tribunal recorrido, quanto à matéria de facto, encontra-se fundamentada nos seguintes termos [transcrição]:
«O Tribunal formou a sua convicção relativamente à matéria de facto provada e não provada com base na prova produzida em julgamento, apreciada de acordo com regras de razoabilidade, experiência e bom senso. Valorou essencialmente o depoimento prestado pela testemunha DD, em conjugação com o auto de notícia de fls. 3 e 4, a participação de acidente de viação de fls. 5 a 10 e o relatório toxicológico de fls. 14. O depoimento produzido pela testemunha mostrou-se claro, coerente e objetivo, contando os factos sem qualquer hesitação ou contradição, e sendo consonante com a factualidade constante do auto de notícia e da participação de acidente de viação, pelo que mereceu a credibilidade do Tribunal. Com efeito, não obstante a testemunha não ter assistido ao acidente, ouviu a outra interveniente no acidente de viação, que o descreveu de forma clara perante o referido agente, do modo descrito na participação, pelo que se mostrou desnecessária a sua inquirição em Tribunal - já tendo prestado declarações perante o agente da autoridade, como documentado nos autos, não existia necessidade de nova inquirição, por as suas declarações estarem documentadas na participação. Uma vez que se encontra documentado o acidente, e também a quantidade de álcool no sangue que o arguido apresentava, o Tribunal não teve dúvidas em dar como provados os factos que o foram, da acusação. Os factos dados como provados quanto à situação social e económica do arguido foram-no por apelo às declarações do mesmo, que se tiveram em conta na falta de outros elementos sobre o mesmo assunto, nos autos. Quanto aos seus antecedentes criminais foi tido em conta o certificado de registo criminal que se mostra junto aos autos. Acresce que se juntou certidão de outro processo quanto à imputabilidade do arguido, de onde se retirou a convicção para dar como provados os factos 17 e 18, em virtude das conclusões atingidas pelo perito médico e permitiu dar como não provados os factos que o foram.»
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Conhecendo.
Dispõe o artigo 410.º do Código de Processo Penal, reportando-se aos fundamentos do recurso:
«1 – Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida. 2 – Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável entre a fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova. (...)»
Tais vícios, que se encontram taxativamente enumerados no preceito legal acabado de mencionar, terão de ser evidentes e passíveis de deteção através do mero exame do texto da decisão recorrida [sem possibilidade de recurso a outros elementos constantes do processo], por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada constitui «lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, ocorrendo quando se conclui que com os factos considerados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato que é preciso preencher. Porventura melhor dizendo, só se poderá falar em tal vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o Tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final. Ou, como vem considerando o Supremo Tribunal de Justiça, só existe tal insuficiência quando se faz a “formulação incorreta de um juízo” em que “a conclusão extravasa as premissas” ou quando há “omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão”.»[[3]]
A contradição insanável da fundamentação ou entre os fundamentos e a decisão ocorre quando se deteta «incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão. Ou seja: há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente.» [[4]]
O erro notório na apreciação da prova constitui «falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o Tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.» [[5]]
Não pode incluir-se no erro notório na apreciação da prova a sindicância que os recorrentes possam pretender efetuar à forma como o Tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si em audiência – valoração que aquele Tribunal é livre de fazer, ao abrigo do disposto no artigo 127.º do Código Penal.
Interessa-nos a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Nos presentes autos formulou o Ministério Público acusação com vista a punir o Arguido pela prática de um crime de condução de veículo eme estado de embriaguez.
Feito o julgamento, a sentença proferida declarou o Arguido inimputável e perigoso e aplicou-lhe medida de segurança.
Na sentença consta como provado:
- o arguido tem pouca capacidade para avaliar o carácter proibido dos atos que pratique e de se determinar de acordo com essa avaliação – ponto 17;
- a ingestão de álcool, em conjugação com a anomalia de que o arguido sofre, diminui sensivelmente a capacidade de o arguido do arguido de se determinar de acordo com a avaliação do caráter proibido dos seus atos – ponto 18.
Tais factos alicerçam a declaração de inimputabilidade e de perigosidade do Arguido e a imposição de medida de segurança.
«I – No artigo 20.º, n.º 2 do Código Penal, o legislador ofereceu ao juiz uma norma flexível, que lhe permite optar pela imputabilidade [caso em que a imputabilidade diminuída vai influenciar na determinação da pena (artigo 71.º)] ou pela inimputabilidade do sujeito (sendo-lhe aplicada uma medida de segurança, de acordo com o artigo 91.º). II - Assim, uma de três:
· Ou temos uma perfeita e inequívoca imputabilidade – artigo 14.º do Código Penal;
· Ou temos uma inequívoca inimputabilidade por anomalia psíquica (artigo 20.º, n.º 1 do Código Penal) - para que um agente seja considerado inimputável, de acordo com o artigo 20.º n.º 1 do Código Penal, é necessário que ele sofra uma anomalia psíquica, de tal forma grave que, no momento da prática do facto, o impeça de compreender /avaliar a ilicitude do facto ou de se determinar em conformidade com essa avaliação;
· Ou temos uma anomalia psíquica grave que pode acarretar dois juízos sentenciais: - a declaração de uma inimputabilidade, ao abrigo do n.º 2 do artigo 20º do CP; [não uma inimputabilidade “natural” mas uma inimputabilidade jurídica (…)]; ou - a declaração de uma imputabilidade diminuída. III. A imputabilidade diminuída não é objeto de qualquer preceito legal no Código Penal vigente, quer a nível de definição, quer a nível de efeitos que podem surgir com a sua aplicação. IV. À imputabilidade diminuída não corresponde necessariamente uma culpa diminuída - ela tanto pode conduzir a uma culpa agravada, como a uma culpa atenuada, tudo dependendo das características da personalidade do agente refletidas no facto. V. Em suma, o agente imputável diminuído:
· pode ser sancionado com uma medida de segurança quando seja declarado como inimputável e perigoso;
· pode ser condenado em pena a executar em estabelecimento prisional comum, não verificados os pressupostos do artigo 104º do CP;
· pode ser condenado em pena a executar em estabelecimento destinado a inimputáveis, verificados os pressupostos do artigo 104º do CP;
· pode ser condenado em pena relativamente indeterminada, quando seja declarado imputável e a sua anomalia psíquica coincida com uma tendência para o crime (artigo 83º do CP);
· pode ser condenado em pena atenuada quando seja declarado imputável e não perigoso.»[[6]]
Na situação que nos ocupa, a afirmação de inimputabilidade constitui conclusão a extrair de factos de onde decorra a existência de anomalia psíquica e a existência de relação causal entre tal anomalia e o comportamento de quem a suporta, por forma a poder concluir-se que a prática dos atos integradores de crime ocorre por incapacidade de avaliar a sua ilicitude ou de se determinar de acordo com essa avaliação.
E a afirmação da perigosidade do Arguido constitui também conclusão resultante do fundado receio da prática de outros factos típicos da mesma espécie, decorrente da ponderação conjunta da anomalia psíquica, da natureza e da gravidade do facto típico cometido e da demais factualidade apurada que contribua para a revelação da apontada probabilidade de recidiva.
A sentença recorrida omite qualquer referência à doença – que apelida de “anomalia” – que acomete o Arguido.
E considerando o que provado ficou a tal propósito, é evidente que a factualidade provada não consente qualquer juízo acerca da inimputabilidade do Arguido, mais parecendo apontar para uma situação de imputabilidade diminuída.
Neste contexto, com os factos considerados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo um hiato que é preciso preencher – determinando a patologia psiquiátrica/ anomalia psíquica que afeta o Arguido.
Ocorre, assim insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Sendo o vício prevenido na alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.
O assinalado defeito da sentença não pode por esta Relação ser sanado, por ausência de elementos a tanto necessários e para que não se suprima um grau de jurisdição.
E determina o reenvio do processo para novo julgamento, relativo à sua totalidade, dada a importância da matéria em questão – artigos 426.º, n.º 1, e 426.º-A, ambos do Código de Processo Penal.
Com o propósito de colaborar com a realização da justiça, afigura-se-nos ajustado deixar expresso: (i) Que um relatório pericial realizado em 7 de março de 2014 não será o mais adequado a avaliar a situação de eventual doença mental do Arguido na atualidade.
Afigura-se-nos necessária a realização de novo exame às faculdades mentais do Arguido.
Tenha-se presente que a ausência deste exame pode constituir inobservância do disposto no artigo 340.º do Código de Processo Penal, na vertente da produção de prova indispensável à boa decisão da causa.
E que a omissão de diligência probatória necessária à boa decisão da causa – visando aferir da imputabilidade do Arguido em fase de julgamento – pode constituir irregularidade que afeta o valor do ato praticado e dos subsequentes, de conhecimento oficioso – n.º 2 do artigo 123.º do Código de Processo Penal. (ii) A alteração da factualidade constante da acusação, decorrente da menção à situação de saúde mental do Arguido, exige o cumprimento do disposto no artigo 358.º do Código de Processo Penal.
A inobservância desta regra acarreta a nulidade da sentença.
III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, decide-se ordenar o reenvio do processo para novo julgamento, relativo à sua totalidade.
Sem tributação.
û
Évora, 2023 fevereiro 7
Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz
Renato Amorim Damas Barroso
Maria de Fátima Cardoso Bernardes
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[1] ] Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.
[2] ] Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt [que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria].
[3] 3] Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 7ª Edição – 2008, Editora Reis dos Livros, página 72 e seguintes.
[4] 4] Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada, página 75.
[5] ] Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada, página 77.
[6] ] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 31 de agosto de 2022, proferido no processo n.º 441/20.7PBLRA.C1, e acessível em www.dgsi.pt