DOENÇA PROFISSIONAL
COMPETÊNCIA SEGURANÇA SOCIAL
REPARAÇÃO DOS DANOS
CIRURGIA
Sumário


I - Compete à Segurança Social - Departamento de Protecção Contra os Riscos Profissionais, não só o pagamento das prestações devidas por doença profissional, mas também, providenciar pelo seu tratamento e tal resulta não só da NLAT, mas do próprio Estatuto da Segurança Social no qual se prevê a sua competência para tratar os trabalhadores portadores de doença profissional.
II – Uma vez que a Segurança Social é a entidade responsável pela reparação dos danos provenientes de doença profissional, cabe a esta entidade designadamente ao seu Departamento de Protecção Contra os Riscos Profissionais, providenciar por essa reparação, em espécie e em dinheiro, razão pela qual compete à Ré proceder à marcação da cirurgia de correcção da síndrome do canal cárpico de que carece o sinistrado.

Texto Integral


Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

APELANTE – INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL – IP - CENTRO NACIONAL DE PROTECÇÃO CONTRA OS RISCOS PROFISSIONAIS
APELADO –  AA
Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo do Trabalho ..., Juiz ...

I – RELATÓRIO

AA intentou a presente acção declarativa com processo especial para efectivação de direitos resultantes de doença profissional contra o Réu INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP - CENTRO NACIONAL DE PROTECÇÃO CONTRA OS RISCOS PROFISSIONAIS, pedindo que:

a) Seja declarado que o Autor se mostra afectado de doença profissional; e, por tal via, ser o Réu condenada a pagar ao Autor:
b) Uma indemnização em capital de remição ou uma pensão, de acordo com as retribuições referidas nesta peça e com a incapacidade que lhe vier a ser atribuída, a partir da data em que lhe vier a ser certificada a doença;
c) A indemnização por incapacidade temporária e absoluta pelos períodos de incapacidade temporária e absoluta que vierem a ser fixados desde a data da manifestação da doença até à data da sua certificação;
d) Juros de mora sobre tais prestações, desde as datas dos seus vencimentos e até integral e efectivo pagamento, à taxa anual de 4%.
O Autor requereu a realização de EXAME POR JUNTA MÉDICA, para que os Srs. Peritos Médicos esclarecessem se está ou não afectado de doença profissional e, em caso afirmativo, qual o grau de I.P.P. que tal doença lhe acarreta segundo a T.N.I; quando é que tal doença deve ser certificada e quais os períodos de ITA ou ITP e respectivos graus de que esteve afetado desde o surgimento da doença, que deve ser estabelecido e a sua certificação.

O Instituto de Segurança Social, I.P. apresentou contestação, na qual pugna pela improcedência dos pedidos formulados pelo autor e formulou os seguintes quesitos para junta médica:

a) Quais as queixas apresentadas pelo Autor?
b) Que lesões apresentadas são possíveis de serem consideradas como doença profissional?
c) Em caso afirmativo ao quesito anterior, qual a IPP a atribuir segundo a TNI?

*
Foi proferido despacho saneador, fixado o objecto do litigio, os temas da prova e foi determinado o desdobramento do processo para fixação do grau de incapacidade.
No apenso de fixação de incapacidade para o trabalho teve lugar a realização de Junta Médica, no âmbito da qual os Srs. Peritos Médicos por unanimidade disseram o seguinte:
“foi pedido um exame por electromiografia do membro superior direito, cujo exame com data de 28 de Dezembro de 2020 referiu estarmos perante um quadro de um Síndrome do Túnel Cárpico, cuja patologia deverá ser corrigida por cirurgia, com consentimento do sinistrado e acordo por unanimidade dos peritos médicos.”
O Autor notificado do auto de Junta Médica apresentou reclamação, insurgindo-se quanto ao facto dos Srs. Peritos Médicos não terem respondido aos quesitos.
O Tribunal a quo determinou que os Srs. Peritos Médicos que integraram a Junta Médica prestassem esclarecimentos, o que fizeram tendo junto ao auto o seguinte requerimento.
(…)

Seguidamente pelo Tribunal a quo foi proferido o seguinte despacho:
“Convergindo as conclusões unanimes Exmºs Senhores Peritos que intervieram na junta médica, em sede de esclarecimentos, com a posição assumida pelo autor, determina-se a suspensão dos autos até ao resultado da operação cirúrgica a que o Autor se deve submeter, para que logo que clinicamente curado, possam ser fixados pelos peritos os respetivos períodos de Incapacidade Temporários, quer Totais quer Parciais, Profissionais e, eventualmente, se for o caso, então se determinar a propor a fixação de uma eventual Incapacidade Parcial Permanente Profissional.”
O Autor veio requerer que seja determinado que a Ré designe médico responsável e determine local e data para realização da referida operação cirúrgica.
A Ré pronunciou-se no sentido de que fosse agendada nova Junta Médica para se proceder à avaliação do Autor ou em alternativa que seja o Autor junto do sistema nacional de saúde a marcar a cirurgia de que eventualmente possa necessitar.
E por fim foi proferido pelo Tribunal o seguinte despacho.
“Notifique ao réu, para em 20 dias, designar médico responsável e determine local e data para realização da operação cirúrgica decidida por unanimidade na junta médica realizada nos autos.”

Inconformada com este despacho veio a Ré, interpor recurso de apelação em separado, no qual formulou as seguintes conclusões que passamos a transcrever:
“CONCLUSÕES

I. Vem o presente Recurso interposto do despacho notificado com a Referência: ...40 ao Recorrente que seguidamente se transcreve «Notifique ao Réu, para em 20 dias, designar médico responsável e determine local e data para realização da operação cirúrgica decidida por unanimidade na junta médica realizada nos autos.». A marcação da operação cirúrgica foi decidida numa Junta Médica, na qual tinha sido nomeado um perito substituto pelo Tribunal, e, que deveria desconhecer que o ISS. I.P. não tem competência para proceder à marcação de operações cirúrgicas.
Sobre a admissibilidade do Recurso do despacho
(…).
Sobre a violação das competências do ISS. I.P.
XVI. Ora, o presente recurso interposto funda-se precisamente numa invocada violação de lei, nomeadamente a violação das competências atribuídas ao ISS. I.P.
XVII. Dispõe o artigo 9.º da Portaria n.º 135/2012, que definem os Estatutos do Instituto da Segurança Social I.P., que:
«1 - Compete ao Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais, abreviadamente designado por DPRP, a responsabilidade pela gestão do tratamento, reparação e recuperação de doenças ou incapacidades emergentes de riscos profissionais.
2 - Compete, ainda, ao DPRP:
a) Avaliar e fixar as incapacidades das lesões, perturbações funcionais ou doenças emergentes de riscos profissionais;
b) Assegurar a prestação de cuidados médicos e medicamentosos necessários ao tratamento de doenças ou incapacidades resultantes de riscos profissionais;
c) Propor o pagamento de indemnizações por incapacidade temporária e pensões por incapacidade permanente;
d) Propor a concessão de prestações por morte aos familiares dos beneficiários com doença profissional;
e) Propor a compensação dos restantes danos emergentes de riscos profissionais;
f) Promover a recuperação clínica e a reclassificação profissional dos beneficiários com doença profissional;
g) Promover a colocação dos trabalhadores reabilitados em ocupações compatíveis com o seu estado físico e a sua capacidade de trabalho;
h) Assegurar a atribuição das prestações devidas por aplicação dos regulamentos comunitários e convenções internacionais aos trabalhadores migrantes vítimas de acidente de trabalho e de doenças profissionais;
i) Participar na interpretação e atualização da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais e da Lista das Doenças Profissionais;
j) Participar, na sua área de intervenção, na negociação de convenções e de acordos internacionais.».
XVIII. Ora, se o Departamento de Proteção Contra os Riscos Profissionais (DPRP), não possui competência para proceder à marcação de operações cirúrgicas, o cumprimento de tal obrigação ofende o princípio da legalidade a que o Recorrente está obrigado.
XIX. Os médicos do DPRP são médicos contratados especificamente para avaliações médicas apenas, e, avaliações realizadas nas instalações próprias do ISS I.P..
XX. Para mais, nem pode o ISS I.P. responsabilizar-se por uma operação cirúrgica. O legislador nunca quis acometer a prossecução de tal ao ISS. I.P.. O ISS. I.P. está somente obrigado às prestações sociais previstas na lei. A lei não prevê tal prestação do ISS. I.P..
XXI. Por tudo exposto, deve tal despacho ser revogado.
Termos em que, e com o sempre douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento às presentes Alegações de Recurso, e, o despacho sindicado ser revogado, e assim, com o que, uma vez mais, se fará a costumada
Justiça!”
O Autor apresentou contra-alegação na qual pugna pela improcedência do recurso.
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Tal parecer não mereceu qualquer resposta.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento
Cumpridos os vistos, cumpre apreciar.
*
II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do Recorrente (artigos 608º n.º 2, 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), a única questão que se coloca à apreciação deste tribunal consiste em apurar se o despacho recorrido viola as competências do Instituto de Segurança Social, IP.
*
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos relevantes para a decisão da causa são os que resultam do relatório supra.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Insurge-se o Recorrente quanto ao facto de o tribunal ter determinado que designasse médico responsável e determinasse o local e data para realização da operação cirúrgica decidida por unanimidade na junta médica realizada nos autos, já que na sua opinião o Departamento de Proteção Contra os Riscos Profissionais (DPRP), não possui competência para proceder à marcação de operações cirúrgicas, pois os seus médicos são contratados especificamente para avaliações médicas.
Vejamos se lhe assiste razão.
Prescreve o art.º 283.º do Código do Trabalho que “1 - o trabalhador e os seus familiares têm direito à reparação de danos emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional
E do n.º 7 do citado preceito resulta que “A responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de doenças profissionais é assumida pela segurança social, nos termos da lei.”
Daqui resulta que em caso de doença profissional, a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes é assumida pela Segurança Social.
A reparação das doenças profissionais é, assim, assegurada pelo Sistema de Segurança Social, através do Centro Nacional de Proteção Contra os Riscos Profissionais – CNPRP - que é, precisamente, o organismo do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e que tem por missão assegurar a prevenção, o tratamento, a recuperação e a reparação de doenças ou incapacidades resultantes de riscos profissionais.
Por outro lado, resulta da Portaria n.º 135/2012, de 8/05, que aprova os Estatutos da Segurança Social, IP., designadamente do seu art.º 9.º que estabelece as competências do Departamento de Protecção contra os Riscos Profissionais, que a este compete, além do mais, avaliar e fixar as incapacidades das lesões, perturbações funcionais ou doenças emergentes de riscos profissionais (al. a)), assegurar a prestação de cuidados médicos e medicamentosos necessários ao tratamento de doenças ou incapacidades resultantes de riscos profissionais (al. b)) e promover a recuperação clínica e a reclassificação profissional dos beneficiários com doença profissional (al. f)).
Por fim, o modo de fazer valer os inerentes direitos resultantes de doença profissional está previsto na Lei n.º 98/2009 de 04/09 (doravante NLAT), designadamente nos seus artigos 1.º n.º 2 e 93.º a 153.º.
Estabelece o art.º 1º, nº 2 NLAT) que “Sem prejuízo do disposto no capítulo III, às doenças profissionais aplicam-se, com as devidas adaptações, as normas relativas aos acidentes de trabalho constantes da presente lei e, subsidiariamente, o regime geral da segurança social”.
Decorre da NLAT, designadamente do art.º 98.º n.º 1 e 2 que a protecção nas doenças profissionais é assegurada, designadamente pela atribuição de prestações pecuniárias e em espécie, revestindo estas, com as devidas adaptações, as modalidades referidas no capitulo anterior, bem como as previstas no artigo seguinte, o qual estabelece que “Constituem ainda prestações em espécie o reembolso de despesas de deslocação, de alimentação e de alojamento indispensáveis à concretização das prestações previstas no art. 25º, bem como  quaisquer outras, seja qual for a forma que revistam, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do trabalhador e à sua recuperação para a vida activa.”
Como é consabido o direito à reparação quer do acidente de trabalho, quer da doença profissional compreende as prestações em dinheiro e em espécie, abrangendo estas as prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e outras, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do/a trabalhador/a com doença profissional e à sua recuperação para a vida ativa. Acresce dizer que o sinistrado deve submeter ao tratamento e observar as prescrições clinicas e cirúrgicas do médico designado pela entidade responsável, cfr. art.º 23.º da NLAT.
Em matéria de prescrições clínicas e cirúrgicas estabelece também o artigo 28.º n.º 1 da NLAT que “A entidade responsável tem o direito de designar o médico assistente do sinistrado”. E ainda neste âmbito o art.º 30.º nº 1 da NLAT, prescreve que “O sinistrado em acidente deve submeter-se ao tratamento e observar as prescrições clínicas e cirúrgicas do médico designado pela entidade responsável, necessárias à cura da lesão ou doença e à recuperação da capacidade de trabalho, sem prejuízo do direito a solicitar o exame pericial do tribunal.”
Por fim, no que respeita às prestações em espécie decorrente de doença profissional prescreve o art.º 104.º da NLAT
Prestações em espécie
1 - As prestações em espécie são asseguradas, em regra, através de reembolsos das respectivas despesas, nos termos dos números seguintes.
2 - Os reembolsos das despesas com cuidados de saúde destinam-se a compensar, na totalidade, os gastos efectuados pelo beneficiário com assistência médica, cirúrgica, de enfermagem, medicamentosa e farmacêutica, decorrentes de doença profissional.
3 - Os reembolsos das despesas com deslocações destinam-se a compensar, nos termos prescritos, as despesas de deslocação efectuadas pelo beneficiário, resultantes de recurso a cuidados de saúde, a exames de avaliação de incapacidade e a serviços de reabilitação e reintegração profissional, bem como de frequência de cursos de formação profissional.
4 - Os reembolsos das despesas com alojamento e alimentação destinam-se a compensar, nos termos prescritos, os gastos efectuados pelo beneficiário decorrentes do recurso a prestações em espécie que impliquem deslocação do local da residência.
E estabelece o art.º 109 do mesmo diploma também sob a epigrafe “Prestações em espécie” que:
1 - O reembolso das despesas com prestações em espécie, previsto no artigo 104.º, depende, conforme o caso:
a) De prova da impossibilidade de recurso aos serviços oficiais e de autorização do serviço com competências na área da protecção contra os riscos profissionais para acesso a serviços privados;
b) Da necessidade de deslocação e permanência fora do local habitual da residência do beneficiário;
c) De parecer de junta médica, quanto à necessidade de cuidados de saúde e da sua impossibilidade de tratamento no território nacional.
2 - O reembolso, quando devido, deve ser efectuado pelo serviço com competência na área de protecção dos riscos profissionais, no prazo máximo de 30 dias a partir da data da entrega pelo beneficiário de documento comprovativo da despesa.”
Tal como acima já deixámos expresso, em caso de doença profissional a sua reparação é da responsabilidade da Segurança Social e nela se incluem as prestações em espécie, designadamente a assistência médica e cirúrgica geral ou especializada, elementos de diagnóstico, tratamentos médicos, ou o reembolso de tais despesas, que só ocorre nas condições previstas na lei, como resulta das citadas e transcritas disposições, designadamente dos art.º 25.º, 99.º, 104.º e 109.º da NLAT.
Podemos assim afirmar que compete à Segurança Social não só o pagamento das prestações, mas também, providenciar pelo tratamento dos trabalhadores com doença profissional e tal resulta evidente não só da NLAT, mas do próprio Estatuto da Segurança Social no qual se prevê a sua competência para tratar os trabalhadores portadores de doença profissional.
Ora, a cirurgia para correcção da síndrome do túnel cárpico de que carece o sinistrado, tem por fim a recuperação da eventual doença de que aquele padece, razão pela qual inserindo-se na reparação em espécie de dano eventualmente proveniente de doença profissional, incumbe à Ré e não ao Autor proceder à marcação da cirurgia.
Em suma, sendo a Segurança Social a entidade responsável pela reparação dos danos provenientes de doença profissional cabe a esta entidade designadamente ao seu departamento de Protecção Contra os Riscos Profissionais providenciar por essa reparação, em espécie e em dinheiro, razão pela qual bem andou o Tribunal ao determinar que o Réu procedesse à marcação da cirurgia
Em face do exposto mais não resta do que manter a decisão recorrida a qual não merece qualquer censura, negando consequentemente provimento ao recurso.

V - DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se o despacho recorrido
Custas a cargo do Recorrente.
Notifique.
Guimarães, 16 de Fevereiro de 2022

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Francisco Sousa Pereira