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METADADOS
LOCALIZAÇÃO CELULAR
PROVA PROIBIDA
NULIDADE
Sumário
I - Nos termos dos artigos 187.º a 189.º do CPP é lícita, entre outras, a utilização dos dados de localização celular desde que a sua guarda e entrega resulte de despacho do juiz, no âmbito de uma investigação criminal, apenas se podendo utilizar como prova aqueles que forem registados e entregues após tal decisão, uma vez que este regime em nada foi beliscado pela publicação da Lei n.º 32/2008, de 17/06, nem pela sua declaração de inconstitucionalidade proferida no Acórdão do TC n.º 268/2022, de 19/04. II - O regime dos artigos 187.º a 189.º do CPP foi alargado e estendido por esta Lei 32/2008, de 17/06, tendo agora, com a declaração de inconstitucionalidade, ficado reduzido à sua inicial dimensão. III - A Lei 32/2008 referida não procedeu à revogação daquele regime, pois isso teria impedido, durante a sua vigência, a aplicação do art.º 189.º, n.º 2, do CPP aos outros crimes referidos no art.º 187.º não abrangidos pela definição de crimes graves de tal Lei, sendo certo que tal se não verificou. IV - O art.º 189.º, n.º 2, foi incluído no Código de Processo Penal pela Lei n.º 48/2007, de 29/08, para, precisamente, regular os termos em que estes dados poderiam ser requisitados e juntos ao processo, pois alguns de tais dados (metadados) já eram guardados temporariamente pelas operadoras para efeitos designadamente de faturação dos serviços prestado. V - Os dados de localização celular que sejam remetidos a um processo e que provenham de operações de conservação prévia (ao referido despacho) dos mesmos, estão abrangidos pela declaração de inconstitucionalidade do Acórdão do TC n.º 268/2022, de 19/04, pelo que constituem prova proibida, ainda que na data da sua conservação já estivesse pendente processo contra a pessoa em relação à qual os dados são solicitados. VI - Assim, a aludida imposição de armazenamento extenso, universal e indiscriminado foi objeto de declaração de inconstitucionalidade. Todavia, não foi julgado inconstitucional armazenar dados, desde que tal operação respeite a restante legislação em vigor. VII - Em relação aos dados relativos a registos de realização de conversações ou comunicações, poderão os mesmos resultar da prolação de decisão a esse respeito ou ser obtidos, mediante idêntica decisão, a partir dos registos efetuados nos termos e para os efeitos do art.º 6.º da Lei n.º 41/2004, de 18/08, os quais terão sempre o limite temporal previsto no n.º 3 deste artigo, uma vez que a decisão do TC não se pronunciou expressamente sobre esta questão; a mencionada Lei n.º 41/2004 contém um regime extremamente restritivo em relação aos dados sobre localização, constante do seu artigo 7.º, o que, só por si, constituiu uma das justificações para o regime estabelecido pela Lei n.º 32/2008, de 17/06, que impôs a sua guarda por um ano. VIII - O artigo 189.º, n.º 2, do CPP, prevê expressamente a possibilidade de obtenção de localizações celulares quanto aos crimes previstos no art.º 187.º e em relação às pessoas referidas no n.º 4 do mesmo artigo (incluindo, portanto, a alínea b – intermediário). IX - Independentemente da qualificação como intermediário ou suspeito de determinada pessoa, o n.º 2 do art.º 189.º do CPP não procede a qualquer distinção neste campo, afirmando peremtoriamente que o seu regime é aplicável “(…) em relação às pessoas referidas no n.º 4 do mesmo artigo”, onde se incluem os intermediários. X - Sendo proferida decisão para cujo teor contribuiu prova proibida prevista no art.º 126.º, n.º 3, do CPP, ocorre nulidade, que apenas é sanável mediante consentimento do visado. XI - Caso falte tal consentimento, a nulidade deve considerar-se insanável. A situação assim criada cai assim sob a alçada do disposto no art.º 410.º, n.º 3, do CPP, e tem como consequência a anulação da decisão e a sua repetição pelo mesmo tribunal, mas desta feita sem a ponderação da prova proibida.
Texto Integral
RELATÓRIO
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No processo n.º 849/20.8PBCSC.L1, que correu termos no Juízo Central Criminal de Cascais – J1, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, teve lugar a audiência de julgamento, na qual foi proferido acórdão com o seguinte dispositivo: A) Absolver o arguido A da prática em coautoria material do crime por que vinha pronunciado; B) Absolver os arguidos B e C como coautores materiais, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. nos termos do disposto nos art.ºs 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas c), e), g) e j), ambos do Código Penal (ofendido E); c) Absolver o arguido B da prática como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º 21º, nº1 do Decreto-Lei nº 15/93 de 22-1, por referência à Tabela I-C anexa; D) condenar o arguido B pela prática, em concurso real e forma consumada, de: • em coautoria (com o arguido C) material de um crime de roubo agravado, p. e p. nos termos do disposto nos art.ºs 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao disposto no art.º 204.º, n.º 1, alínea d) e f) do Código Penal (ofendida F), a pena de 9 (nove) anos de prisão; • em coautoria (com o arguido C) material de um crime de roubo agravado também pelo resultado morte, p. e p. nos termos do disposto nos art.ºs 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao disposto no art.º 204.º, n.º 1, alínea d) e f) e nº 3 do mesmo art.º 210º do Código Penal (ofendido E), a pena de 12 (doze) anos de prisão; • em autoria material de um crime de roubo agravado, p. e p. nos termos do disposto nos art.ºs 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao disposto no art.º 204.º, n.º 1, alínea d) e f) do Código Penal (ofendida D), a pena de 7 (sete) anos de prisão; • em autoria material de um crime de roubo agravado, p. e p. nos termos do disposto nos art.ºs 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao disposto no art.º 204.º, n.º 1, alínea d) e f) do Código Penal (ofendida G), a pena de 7 (sete) anos de prisão; • em autoria material de um crime de sequestro, p. e p. pelo artigo 158.º, n.º 1 e 2, alínea e) do Código Penal (ofendida G), a pena de 5 (cinco) anos de prisão; • em autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º com refª ao art.º 21º, nº1 do Decreto-Lei nº 15/93 de 22-1, por referência à Tabela I-C anexa, a pena de 2 (dois) anos de prisão; • em autoria material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º n.º 1 al. c), por referência aos artigos 2º n.º 1 aad) e 3º n.º 5 al. d), da Lei n.º 5/2006 de 23.02, em concurso aparente com a contraordenação, prevista e punida pelos artigos 97º n.º 1, do mesmo diploma legal (entendendo-se que a detenção simultânea pelo mesmo agente de objectos, sendo que uns integram a prática de crime e outros a prática de contraordenação é susceptível de um único juízo de censura, integrando os factos o crime de detenção de arma proibida como ilícito mais grave), a pena de 2 (dois) anos de prisão; Fixando a este arguido a pena única de prisão em 18 (dezoito) anos; E) condenar o arguido C pela prática, em concurso real e forma consumada, de: • em coautoria (com o arguido B) material de um crime de roubo agravado, p. e p. nos termos do disposto nos art.ºs 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao disposto no art.º 204.º, n.º 1, alínea d) e f) do Código Penal (ofendida F), a pena de 9 (nove) anos de prisão; • em coautoria (com o arguido B) material de um crime de roubo agravado também pelo resultado morte, p. e p. nos termos do disposto nos art.ºs 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao disposto no art.º 204.º, n.º 1, alínea d) e f) e nº 3 do mesmo art.º 210º do Código Penal (ofendido E), a pena de 12 (doze) anos de prisão; Fixando a pena única de prisão a este arguido em 16 anos e 6 meses de prisão. f) absolver o arguido A do pedido de indemnização que contra si foi deduzido; g) condenar ainda os arguidos quanto a pedidos de indemnização nos seguintes termos: - o arguido B vai condenado a pagar a quantia de 196,07€ ao Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE, acrecida de juros vencidos desde a data para contestar o pedido e vincendos até integral pagamento, calculados à taxa legal em vigor; - o arguido B vai condenado a pagar à demandante H o valor do respectivo pedido, ou seja, a quantia de 7.200€ (sendo 5.000€ relativos a danos não patrimoniais e 2.200€ relativos a danos patrimoniais), acrescendo-se-lhe os juros vencidos sobre o valor dos danos patrimoniais e vincendos relativamente a ambos, até integral pagamento; - os arguidos B e C, solidariamente, vão condenados no pagamento do pedido de indemnização da demandante I, sendo o total de 179.350€ (100.000€danos não patrimoniais sofridos pelo marido de que é herdeira única + 50.000€ a título de danos não patrimoniais próprios + 29.350€ a título de danos patrimoniais decorrentes para a ofendida da morte do marido, liquidando-se o restante oportunamente em liquidação de sentença) procedente, e sendo os juros vencidos e vincendos nos termos fixados para os restantes pedidos, e bem assim do que se vier a fixar em liquidação de sentença quanto aos danos patrimoniais ainda não liquidados. H) Arbitrar a favor da ofendida ... a compensação indemnizatória de 5.000€, nos termos do art.º 82ºA do CPP, que o arguido B vai condenado a pagar; I) julgar procedente o incidente de perda de vantagens do crime deduzido contra o arguido B e, em conformidade, declarando-se a perda da quantia apreendida de 4.080€ (quatro mil e oitenta euros) que teve origem nas actividades ilícitas desenvolvidas pelo arguido e aqui provadas - artigos 110.º, n.ºs 1, alínea b) e 4 do Cód. Penal e 36.º, n.º e 2 do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
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Não se conformando com a decisão, os arguidos B e C interpuseram recurso da decisão, formulando as seguintes conclusões:
- B ... 1.ª Entende, o recorrente, ressalvando o devido respeito por melhor entendimento, que o Acórdão reclama a superior correção de Vossas Excelências porque: (1) Padece da nulidade prevista na al. b) do n.º 2 do art.º 410º do Cód. do Processo Penal – Contradição insanável da Fundamentação; (2) Padece da nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do art.º 379º do Cód. do Processo Penal – Omissão de Pronúncia; (3) Convocou, para a formação do juízo probatório em que se alicerça, prova proibida, nos termos do n.º 3 do art.º 126º do Código do Processo Penal, qual seja, por um lado a análise dos metadados obtidos no âmbito da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho e, por outro, o resultado do reconhecimento feito em plena audiência de julgamento; (4) Não fez uma correta interpretação da prova globalmente considerada – da pré-adquirida e da produzida em julgamento – assentando matéria que não resulta demonstrável com os elementos probatórios que se coligiram nos autos e, bem assim, desconsiderou elementos probatórios constantes nos autos com pertinência para a formação do juízo probatório; (5) Operou, incorretamente, ao estabelecimento da relação concursal relativa ao crime e à contraordenação pela posse de distintas armas, sobrecarregando injustamente a punição do crime, cuja pena foi, por essa razão, agravada; e (6) Consequentemente, alcançou uma pena única – portanto, uma pena final - desconforme, evidentemente alicerçada em erros de direito penal adjectivo e substantivo. 2.ª Resulta do Acórdão recorrido uma contradição insanável da fundamentação, nos termos do n.º 2 do art.º 410º do Código de Processo Penal, mais concretamente entre os factos 48 e 57, relativamente ao crime de roubo praticado no dia 09/09/2020, que aqui se transcrevem: [ponto 48] Devido ao choque emocional associado a este evento, em que foi vítima de diversas pancadas que os arguidos lhe desferiram, o ofendido E sofreu um enfarte que lhe causou a morte, por insuficiência de aporte de sangue ao coração. [ponto 57] Os arguidos C e B ..., em comunhão de esforços, sabiam e quiseram também sujeitar o ofendido E a agressões físicas que, tendo em conta a idade avançada deste último, seriam sempre idóneas a causar-lhe perigo para a vida, o resultado que daí pudesse advir para o mesmo, desde logo a sua morte. 3.ª Esta contradição insanável impede a cabal verificação dos pressupostos relativos à imputação subjetiva do resultado morte, enquanto resultado agravado do crime de roubo, pelo que desde já se arguiu a sua nulidade, nos termos da al. b) do n.º 2 do art.º 410º do Código de Processo Penal. 4.ª Foi alegado pela Defesa, em sede de contestação no seu ponto 29º, que as transcrições de concretos trechos das interceções não eram fiéis reproduções escritas daquilo que os escutados falaram uns com os outros, motivo pelo qual requereu que as mesmas fossem ouvidas em sede de julgamento. 5.ª Acontece que, nem as escutas foram ouvidas em sede de julgamento, nem tão-pouco o Tribunal a quo se pronunciou, em momento algum, acerca daquela desconformidade, pelo que, nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal, é nulo o Acórdão, quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. 6.ª Com efeito, desde já, se deixa arguida a nulidade do Acórdão recorrido, por omissão de pronuncia, nos termos e por força da al. c) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal. 7.ª Para além dos vícios resultantes do Acórdão recorrido – e aqui já arguidos - entende o arguido, ora recorrente, antes de mais, que parte da sua condenação assentou numa base probatória proibida. 8.ª Desde logo, a posterior recolha das localizações celulares com referência aos crimes praticados em 08/09/2019 e em 04/02/2020 - processos n.ºs 694/19.3COER e 122/20.1PBOER, respetivamente, porquanto fora do âmbito de uma autorização judicial, enquadra-se integralmente naquela que foi a decisão proferida pelo Tribunal Constitucional, Acórdão n.º 268/202243, de 19/4/2022, relativamente à recolha de metadados, configurando uma proibição de valoração probatória da informação de fls. 854 a 865, e, claro está, do conteúdo integral do correspetivo suporte magnético remetido pela operadora, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 126º do Código do Processo Penal. 9.ª No cumprimento e para efeitos do preceituado no artigo 412º n.º 3 alínea a) do Código de Processo Penal, o arguido, ora recorrente, considera terem sido incorretamente julgados os pontos 17 a 33 (relativamente ao roubo praticado no dia 04/02/2020), os pontos 34 a 48, 50 a 59, 73 a 74, 76 e 79 (relativamente ao roubo praticado no dia 09/09/2020) e os pontos 60 a 67 (relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes), pontos 61, 68 a 71 (relativamente ao Crime de detenção de arma proibida) da matéria de facto tida como provada no douto acórdão recorrido. 10.ª No cumprimento do preceituado no artigo 412º n.º 3 alínea b) do Código de Processo Penal, na ótica do recorrente, merece censura a interpretação e análise elaborada pelo Meritíssimo Tribunal a quo dos elementos de prova produzidos e descritos no Acórdão recorrido a fls. 44. 11.ª Relativamente à autoria do crime praticado no dia 04/02/2020, a condenação do recorrente assentou nos dados das localizações celulares, cuja proibição de valoração acima invocámos, bem como no reconhecimento feito em audiência de julgamento. 12.ª Para poder valer como prova e sustentar uma condenação, seja qual for a fase do processo em que ocorreu, a prova por reconhecimento terá imperativamente de obedecer às formalidades exigidas e descritas no artigo 147º do Código de Processo Penal, sob pena de nulidade e consequente impossibilidade de valoração da prova. 13.ª Acontece que, o Tribunal a quo, não logrou garantiu o formalismo legalmente exigível na realização da prova por reconhecimento de pessoas, porquanto não enquadrou o recorrente num painel de sujeitos fisicamente semelhantes e vestidos de forma idêntica, pelo que a identificação positiva feita pela testemunha, redundou num meio de prova proibida, insuscetível de qualquer valoração, nos termos do n.º 3 do artigo 126º do Código do Processo Penal. 14.ª No entanto, mesmo que Vossas Excelências assim não o entendam, e considerem que aquela identificação poderá ser livremente apreciada enquanto da prova testemunhal, então sempre se dirá que as concretas circunstancias que se verificavam naquele momento eram propicias a induzir a testemunha em erro e sob o efeito de pressão na sua resposta, o chamado “yes effect”, pois, de entre os três arguidos sentados no banco dos réus, o recorrente era o único arguido de tez clara, com traços eminentemente caucasianos; já os outros dois, ou seja, o C e o A têm tez escura e fisionomias faciais marcadamente africanas, o que inquinaria sempre uma identificação descondicionada e, por conseguinte, propicia ao seu enviesamento. 15.ª Para alem disso, a testemunha, já havia assumido duas distintas posições – em reconhecimento fotográfico, diz-se que identificou o recorrente, mas em reconhecimento pessoal, já não o conseguiu identificar, pelo que, não poderá merecer aquela identificação um nível mínimo de credibilidade para considerar esse depoimento capaz de ilidir a presunção de inocência do recorrente. 16.ª Em reforço, vislumbra-se (i) o significativo tempo decorrido desde a data dos factos, tendo, então, passado cerca de dois anos e dois meses, e (ii) a própria idade da testemunha associada ao stress pós-traumático que lhe determinará, naturalmente, falhas de memoria. 17.ª Por tudo isto, parece-nos que o pedido de identificação e consequente apreciação e valoração pelo Tribunal a quo, atropela as regras do processo penal, na medida em que, os limites da liberdade-responsabilidade conferida pelo Princípio da Livre Apreciação da Prova foram, claramente, ultrapassados, não podendo, desta forma concorrer para dar como provados os factos constantes dos pontos 17 a 33 da matéria de facto provada. 18.ª Relativamente às localizações celulares, caso Vossas Excelências entendam que a sua recolha e apreensão operou dentro dos formalismos legalmente exigíveis, estamos em crer que, não sendo capazes de determinar com exatidão a localização do aparelho, nem tão-pouco, demonstrar quem era o utilizador que estava na sua posse naquelas circunstâncias de tempo e lugar, serão insuficiente per se, ou conjugadamente com outros meios de prova, para sustentar a condenação do recorrente. 19.ª Pois, do ponto de vista técnico as antenas de rede apenas permitem determinar que certo equipamento se encontra dentro do seu raio de alcance e jamais demonstram a sua exata e concreta localização, não permitindo, em meio urbano, localizar a permanência no prédio X ou Y, muito menos o piso e, de todo, a fração. 20.ª Aliás, poderá sempre questionar-se a aptidão das localizações celulares para demonstrar que foi efetivamente o recorrente a estar naqueles sinalizados locais - uma vez que em reforço desta tese, as mesmas não foram seguidas de vigilância. 21.ª Pelo que, na ausência de outro meio de prova mais seguro e menos questionável, parece-nos que a condenação do recorrente, neste como no crime que seguidamente se abordará, não poderá assentar essencialmente neste impreciso meio de prova, pois demonstra-se incapaz de, com razoável (in)certeza, sustentar a presença do recorrente nos exatos locais do crime, naquelas circunstâncias. 22.ª No que toca ao crime praticado no dia 09/09/2020, dos elementos probatórios concretamente atinentes aquele episodio parece-nos não ser possível imputar ao recorrente a autoria daquele crime, porquanto, excluindo desde logo: o Relatório de autópsia de fls 592 e ss, os Exames médicos de fls. 906 e os Elementos clínicos de fls. 282 e 51, que apenas demonstram a morte e as ofensas físicas sofridas por E e por F; o Relatório de inspecção judiciária de fls 37 e ss, complementado pelo relatório pericial de fls 337 e ss, que apesar de serem capazes de identificar o autor dos crimes através da recolha de vestígios lofoscópicos ou biológicos, nada foi obtido; o Auto de apreensão de fls. 70 que respeita a vestígios apreendidos no local do crime, bem como o de fls. 130 referente às imagens de videovigilância de um estabelecimento denominado “bar barão vermelho, que revelaram-se totalmente infrutíferos, resta apenas na base da condenação do recorrente o resultado das interceções telefónicas, com enfoque nas localizações celulares. 23.ª Sucede, porém, que, a visão que o Tribunal a quo faz das localizações celulares juntamente com as escutas telefónicas, perspetivando aquela que foi a lógica cronológica da prática do crime, faz assentar a sua decisão em prova proibida e, portanto, insuscetível de ser valorada. 24.ª Ora, o Tribunal a quo coadjuvado com os dados extraídos das localizações celulares, a fls.197 e ss. e com as escutas telefónicas, sessões n.ºs 39137, 39254 e 39379, colocou o recorrente no exato local do crime, presumindo e convencendo-se que fora ele o autor material do crime em apreço, posteriormente, baseado nesta prova indireta, porquanto já presumida, o Tribunal a quo, auxiliado pelas localizações celulares e escutas telefónicas sessões n.ºs 39389, 39393, 39395, 39462 e 39651, deduziu que o recorrente prontamente diligenciou pela entrega dos objetos roubados, com vista à sua venda, ao arguido ..., ressalvando que, em reforço disto, os objetos foram identificados na posse do arguido .... 25.ª O Tribunal a quo, sustenta os factos constantes dos pontos 51, 52 e 74 da matéria de facto provada, em presunções, percorrendo um caminho completamente proibido e reprovável de prova indireta sob prova indireta, pois estes factos não emergem de um facto direto conhecido, mas sim surgem em consequência de uma anterior presunção – a autoria material do crime – pelo que, parece-nos que deste exercício não poderá resultar a prova de qualquer facto, nomeadamente a imediata entrega com vista à venda dos objetos fruto do roubo. 26.ª Não é a prova indireta que no nosso ordenamento jurídico está proibida, pois desde que assente em prova direta e auxiliada pelas regras da ciência, da experiência e da normalidade, é perfeitamente legitimo ao julgador, ponderando um juízo de probabilidades, presumir a sequência lógica de determinado acontecimento. O que se encontra completamente vedado e proibido, foi exatamente aquele caminho que o Tribunal a quo trilhou, de admitir como prova factos oriundos de presunções, ou seja, presunções em cima de presunções. 27.ª Nesse sentido, abandonando todo aquele que foi o entendimento do Tribunal a quo quando interligou o contacto do recorrente ao arguido ... ao roubo ocorrido no dia 09/09/2020 e consequentemente tudo o que com ele se deu como provado, parece-nos que, a condenação do recorrente terá apenas de assentar nas imprecisas e duvidosas localizações celulares, bem como nas discutíveis escutas telefónicas, anteriores e durante as horas do crime. 28.ª Assentando a condenação do recorrente apenas nestes dois insuficientes meios de prova, porquanto as localizações revelam-se insuficientes para colocar o recorrente no exato local do crime, bem como as escutas per se, alem de não determinarem com certeza o autor das conversações, não são claramente especificas no seu teor, é entendimento da Defesa, que não alcançaram os autos atingir um nível mínimo de certeza acerca da autoria do recorrente naquele crime, ilidindo a presunção da inocência e ultrapassando o próprio in dúbio pro reo , pois a verdade é que, nada de substancial ao nível probatório coloca o arguido dentro daquela habitação, nas mencionadas circunstâncias de tempo, modo e lugar, o que, com todo o devido respeito, implicará que se considerem como não provados os factos 34 a 48, da matéria de facto assente e, claro está, que se o absolva do crime em causa, portanto do crime de roubo agravado ocorrido no dia 09/09/2020. 29.ª Porém, admitindo por mera cautela e dever de patrocínio que Vossas Excelências assim não o entendam, parece-nos que todavia, o resultado morte, ocorrido aquando da prática do crime de roubo no dia 09/09/2020, não poderá ser imputado ao recorrente, porquanto, de acordo com a chamada teoria da adequação, para que haja uma imputação objetiva da ação, de acordo com as regras da experiência comum, a conduta que lhe deu origem a um determinado facto, tem de ser abstratamente adequada a produzir um específico e determinado resultado, mostrando-se como uma consequência natural e previsível daquela ação. 30.ª É ainda necessário que, numa prévia análise, aquela conduta se apresente como idónea e previsível para alcançar uma determinada consequência, que, sendo juridicamente relevante, e –de acordo com as regras da experiência comum - se mostre adequada à produção daquele resultado. 31.ª Posto isto, tendo resultado do Relatório de Autópsia de fls. 592 que a causa da morte de E, foi o embate emocional causado por todo aquele contexto em que o roubo ocorreu, parece-nos - não desconsiderando o nexo de causalidade (objetiva) entre a tipicidade objetiva atinente ao roubo e a morte – que não poderá ficar demonstrado que o ou os autores daquele roubo soubessem ou pudessem saber que uma da suas vitimas encontrava-se incapaz para gerir o choque emocional que um roubo daqueles provoca. 32.ª Pelo que, não sendo certo e portanto perspetivável que as vitimas de roubo tenham enfartes e morram, parece-nos que contrariamente do decidido em Primeira Instância, não poderá haver a imputação subjetiva do resultado morte ao ou aos autores daquele roubo, ou seja, terá de considerar-se como não provado o ponto 57 da matéria de facto, na parte em que se considerou que os arguidos C e B ... (...) sabiam e quiseram (...) causar-lhe perigo para a vida, negligenciando o resultado que daí pudesse advir para o mesmo, desde logo a sua morte. 33.ª O recorrente foi, ainda, condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p.e p. pelo artigo 25º, por referência do artigo 21º do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de janeiro, na modalidade típica de posse. 34.ª Sucede, porém, que tendo em conta a quantidade de droga apreendida, entendeu o Tribunal a quo que a posse daquele produto estupefaciente era destinada à venda/cedência a terceiros. 35.ª Acontece que, a escassa prova - pois consta unicamente dos autos a apreensão - sobre este crime conflui mais no sentido de que aquele produto estupefaciente era destinado ao consumo exclusivo do recorrente do que a qualquer outra finalidade, pois: (i) verificou-se a apreensão de quantidades estupefacientes diminutas das chamadas drogas leves – canábis; (ii) a droga apreendida, encontrava-se compacta, ou seja, não se encontrava partida em doses individuais ou porções para venda; (iii) apesar de se tratar de duas variedades, tratava-se do mesmo produto estupefaciente (resina e folhas) e encontrava-se acondicionada no mesmo sítio (ou melhor não se encontrava acondicionada para efeitos de venda); (iv) existiam no quarto do recorrente, utensílios ligados ao consumo; (v) não foram demonstrados quaisquer atos de venda; e (vi) consta do relatório social que o recorrente é regular consumidor de canábis desde os seus 25 anos, com especial enfoque para o período antes da reclusão onde se verificou um aumento desse consumo. 36.ª Por tudo isto, entende o recorrente, que as concretas circunstâncias em que a apreensão se desenvolveu, concatenadas com o teor do relatório social e a par da ausência de qualquer prova que demonstre atos de venda, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, levam a crer que, efetivamente, aquela droga era para o seu próprio e exclusivo consumo, ainda que por largos dias. 37.ª Assim, ressalvando o douto suprimento de Vossas excelências, errou o Tribunal a quo na qualificação jurídica dos factos cuja prática lhe foi imputada, pela prática de crime de tráfico de menor gravidade nos termos do artigo 25º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, o qual, salvo melhor opinião, devia ter sido integrada nos termos do disposto do artigo 40º, n.º 2 do referido Decreto-Lei, configurando um crime de posse para consumo. 38.ª Por fim, no que toca à condenação pela prática do crime de detenção de arma proibida, entende o recorrente que, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, a apreensão de um revolver, de marca Astra, calibre .22 Long Rifle, contendo seis munições de calibre 0,22 no interior do tambor, bem como de uma replica de gladio (espada curta), com 517 mm de comprimento de lamina, tendo em conta os exatos moldes da apreensão não poderá o Tribunal a quo assumir a sua punição pelo concurso aparente de consunção. 39.ª (...) existe concurso aparente, de consunção, punindo-se a conduta no quadro do respectivo crime, quando estão em causa, em relação ao mesmo agente, a detenção, no âmbito da mesma resolução criminosa, de armas que subsumem a conduta no tipo de crime do artigo 86.º do Regime Jurídico das Armas e Munições e outras armas que, dada a sua tipologia, integram a acção no tipo contraordenacional do artigo 97.º do dito regime.44 40.ª Ora, na verdade apesar das armas terem sido apreendidas nas mesmas circunstâncias de tempo, no dia 26/09/2021, a verdade é que foram apreendidas em diferentes locais, tendo a replica de gladio sido encontrada no quarto do recorrente encostada a uma parede como se de um objeto decorativo se tratasse, e o revolver na mala do seu veículo, levando a crer que que efetivamente os intentos da sua posse eram distintos. 41.ª Assim, não se tendo verificado a apreensão das diferentes armas nas mesmas circunstância de lugar, mas tão só de tempo, estamos em crer que não poderá configurar como uma só unidade de resolução criminosa, pelo que, salvo todo o devido respeito e douto suprimento de Vossas Excelências, deverá o recorrente ser punido pela prática de um crime de detenção de arma proibida e uma contraordenação, em concurso real e nesse sentido ser a pena parcelar aplicada revista com vista à sua diminuição. 42.ª Com tudo, concedendo que Vossas Excelências não dêem integral provimento às invalidades, nem procedência à impugnação da matéria de facto, vimos perante Vossas Excelências, pugnar por uma reponderação da pena única de 18 (dezoito) longos anos aplicada ao arguido, que mais servirá a estigmatização e a marginalização familiar e social que a reintegração. Pelo exposto, Ressalvado o doutíssimo suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores deste Tribunal da Relação de Lisboa, deverá: I. Ser reconhecido que o Acórdão recorrido padece do vício a que alude al. b) do n.º 2 do art.º 410º do Cód. do Processo Penal e ordenada a repetição do julgamento; Cumulativamente, II. Ser reconhecida a nulidade do Acórdão recorrido e ordenada a sua reformulação em conformidade, nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 379º do Cód. do Processo Penal; III. Serem declaradas proibições de prova, nos termos do n.º 3 do art.º 126º do Código do Processo Penal, a valoração da análise dos metadados e do reconhecimento feito em julgamento; Subsidiariamente, IV. Ser alterado o juízo probatório e considerarem-se como não provados os factos atinentes à autoria dos crimes de 04/02/2020 e 09/09/2020, sendo deles o arguido absolvido; Alternativamente, V. Ser alterado o juízo probatório e considerarem-se como não verificados os pressupostos de que depende a imputação subjectiva do resultado morte, enquanto resultado agravado do crime de roubo de 09/09/2020; VI. Ser alterada a qualificação jurídica dos factos relativos à posse de estupefacientes, desqualificados para a letra do n.º 2 do art.º 40º do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro; VII. Ter-se por verificado um concurso efectivo quanto à posse das várias armas, sendo a punição criminal desagravada por com ela, afinal, não se operar à consumpção da punição contraordenacional. Em todo o caso, VIII. Considerar-se que a pena de 18 (dezoito) anos aplicada é excessivamente estigmatizante.
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C: 1.ª Entende, o arguido, ressalvando o devido respeito por melhor entendimento, que o Acórdão reclama a superior correção de Vossas Excelências porque: (1) Padece da nulidade prevista na al. b) do n.º 2 do art.º 410º do Cód. do Processo Penal – Contradição insanável da Fundamentação; (2) Padece da nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do art.º 379º do Cód. do Processo Penal – Omissão de Pronúncia; (3) Convocou, para a formação do juízo probatório em que se alicerça, prova proibida, nos termos do n.º 3 do art.º 126º do Código do Processo Penal, qual seja a análise dos metadados obtidos no âmbito da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho; (4) Não fez uma correta interpretação da prova globalmente considerada – da pré-adquirida e da produzida em julgamento – assentando matéria que não resulta demonstrável com os elementos probatórios que se coligiram nos autos e, bem assim, desconsiderou elementos probatórios constantes nos autos com pertinência para a formação do juízo probatório; e (5) Consequentemente, alcançou uma pena desconforme, evidentemente alicerçada em erros de direito penal adjectivo e substantivo. 2.ª Resulta do Acórdão recorrido uma contradição insanável da fundamentação, nos termos do n.º 2 do art.º 410º do Código de Processo Penal, mais concretamente entre os factos 48 e 57, relativamente ao crime de roubo praticado no dia 09/09/2020, que aqui se transcrevem: [ponto 48] Devido ao choque emocional associado a este evento, em que foi vítima de diversas pancadas que os arguidos lhe desferiram, o ofendido E sofreu um enfarte que lhe causou a morte, por insuficiência de aporte de sangue ao coração. [ponto 57] Os arguidos C e B ..., em comunhão de esforços, sabiam e quiseram também sujeitar o ofendido E a agressões físicas que, tendo em conta a idade avançada deste último, seriam sempre idóneas a causar-lhe perigo para a vida, o resultado que daí pudesse advir para o mesmo, desde logo a sua morte 3.ª Esta contradição insanável impede a cabal verificação dos pressupostos relativos à imputação subjetiva do resultado morte, enquanto resultado agravado do crime de roubo, pelo que desde já se arguiu a sua nulidade, nos termos da al. b) do n.º 2 do art.º 410º do Código de Processo Penal. 4.ª Foi alegado pela Defesa, em sede de contestação no seu ponto 29º, que as transcrições de concretos trechos das interceções não eram fiéis reproduções escritas daquilo que os escutados falaram uns com os outros, motivo pelo qual requereu que as mesmas fossem ouvidas em sede de julgamento. 5.ª Acontece que, nem as escutas foram ouvidas em sede de julgamento, nem tão-pouco o Tribunal a quo se pronunciou-se acerca daquela estranha irregularidade, pelo que, nos termos do disposto na al. c) do n.º1 do artigo 379º do Código de Processo Penal, é nulo o Acórdão, quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. 6.ª Com efeito, desde já, se deixa arguida a nulidade do Acórdão recorrido, por omissão de pronuncia, nos termos e por força da al. c) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal. 7.ª Para além dos vícios resultantes do Acórdão recorrido – e aqui já arguidos - entende o arguido, ora recorrente, que a sua condenação assentou numa base probatória proibida. 8.ª Ora, desde logo, os despachos de autorização das interceções telefónicas a fls. 255, 281 e 344, padecem de insuficiente fundamentação, verificando-se a omissão de cumprimento de um formalismo exigido pelo n.º1 do artigo 187º do Código de Processo Penal, quando assenta as interceções telefónicas num prévio despacho fundamentado, pelo que, por força do artigo 190º do Código de Processo Penal, tais despachos e por consequência, todos os dados dai recolhidos, terão de considerar-se nulos, configurando prova insuscetível de valoração, nos termos do n.º3 do artigo 126º do Código de Processo Penal. 9.ª Seguidamente, vislumbra-se que as respetivas interceções telefónicas, mais concretamente a fls. 255 e 281, foram autorizadas ao recorrente, na qualidade de suspeito, sucede, porém, que, numa lógica cronológica tal suspeição era impossível, uma vez que à data da prática dos factos o recorrente encontrava-se recluído. 10.ª Parecendo-nos que nesse sentido as interceções telefónicas a fls. 255 e 281, ao recorrente, foram na qualidade de pessoa que servia de intermediário, nos termos da al. b) do n.º4 do artigo 187º do Código de Processo Penal, entendemos que dessa forma, a extensão e abrangência com que foram autorizadas, revela-se excessiva, desproporcional e desnecessária face aos fins da investigação, bem como contrária ao espirito da lei. 11.ª Acompanhando aquela que foi a intenção do legislador, bem como a Jurisprudência deste Venerando Tribunal, no seu Acórdão proferido em 06/12/2007, no âmbito do processo n.º 10278/07-9, quando não esteja em causa a captura do principal suspeito, as interceções telefónicas a pessoa que sirva de intermediário, ter-se-ão de encontrar limitadas às escutas telefónicas e jamais, englobar a geolocalização, sob pena de violação do direito à reserva da vida privada, previsto no artigo 26º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. 12.ª Com efeito, tendo as interceções telefónicas sido autorizadas em clara violação dos requisitos impostos no artigo 187º do Código de Processo Penal, mais concretamente por terem sido autorizadas para alem do legalmente estabelecido na al. b) do n.º4 do respetivo artigo, extravasando injustificadamente o seu âmbito de aplicação, tais localizações celulares terão de considerar-se nulas, por força do artigo 190º do Código de Processo Penal e, em consequência toda a prova daí recolhida, terá de ser considerada prova proibida, nos termos do n.º 3 do artigo 126º do Código de Processo Penal. 13.ª Aliás é inconstitucional, por violação dos artigos 24º, n.º 1 e 34º, n.º 4 da Constituição da Republica Portuguesa, a interpretação do artigo 187º, n.º 4, al. b,) do Código de Processo Penal, segundo a qual a autorização das interceções e gravações telefónicas, contra a pessoa que sirva de intermediário, permite legitimamente a monitorização, através da localização celular, de todos os passos dessa pessoa, quando não é a própria a visada pela investigação e não se procura com essa monitorização localizar o suspeito cujo paradeiro se desconheça. 14.ª Procedendo todas as apresentadas invalidades, na senda da recente jurisprudência do Tribunal Constitucional ínsita no Acórdão n.º 268/2022, verifica-se que até à data de 18/9/2020 as autorizações para o rastreamento das localizações celulares relativas ao arguido C são nulas porque ele era um simples intermediário das comunicações cuja interceção se justificava na relação de intimidade que tinha com o suspeito e não como veiculo de localização do suspeito, por foragido ou em paradeiro incerto. 15.ª Pelo que, encontrava-se vedado às operadoras, por força daquela jurisprudência constitucional entretanto proferida, o armazenamento de todo e qualquer dado respeitante ao período anterior a esta data, incluído está, claramente, os respetivos dados de localização celulares do dia 09/09/2020, pelo que a transmissão dos dados referente ao período solicitado pela Juiz de Instrução, em 22/09/2022, de 01/07/2020 a 15/09/2020, é inadmissível porque sustentada em diploma legislativo considerado inconstitucional, pelo que essas consultas às bases de dados das operadoras telefónicas consubstanciam, igualmente, prova proibida, nos termos n.º 3 do artigo 126º do Código do Processo Penal. 16.ª Igualmente por referência ao crime praticado no dia 09/09/2020, cuja interceção telefónica foi autorizada em 18/09/2020, por Despacho de fls. 344, por promoção do Ministério público, veio o Juiz de Instrução a 15/12/2020, oficiar à operadora NOS o envio de dados de tráfego e localizações celulares, pelo período entre 01/09/2020 a 11/09/2020, os quais vieram a ser efetivamente enviados a 15/01/2021. 17.ª Verifica-se que é nestas precisas situações que se alicerçou o Tribunal a quo para determinar a condenação do recorrente pelos factos descritos sob os pontos 34 a 59 do Acórdão, porem, salvo melhor opinião, a conservação, pela operadora telefónica, e o posterior tratamento, pelo OPC, daqueles dados de tráfego reflete aquela que em que assentou a decisão do Tribunal Constitucional, no Acórdão supra citado, provocando, no nosso caso, a proibição de valoração probatória da informação de fls. 866 a 873, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do art.º 126º do Código do Processo Penal. 18.ª Mas, improcedendo todas as nulidades e inconstitucionalidade invocadas, que desde logo, levariam à absolvição do recorrente, no cumprimento e para efeitos do preceituado no artigo 412º n.º 3 alínea a) do Código de Processo Penal, o arguido, ora recorrente, considera, ainda, terem sido incorretamente julgados os pontos 34 a 48, 50 a 59 da matéria de facto tida como provada no douto acórdão recorrido. 19.ª Para tanto, o recorrente socorre-se dos elementos probatórios constantes da página 44 e 45 do Acórdão recorrido, entendendo que após uma análise atenta e criteriosa sobre os mesmos, estes impõe decisão diversa da adotada pelo Tribunal a quo, com especial enfoque sobre os seguintes meios de prova: (i) Relatório de autópsia de fls 592 e ss; (ii) Exames médicos de fls. 906; (iii) Elementos clínicos de fls. 282 e 51; (iv) Autos de apreensão de fls 70, 130, 139, 150; (v) Relatório de inspecção judiciária de fls 37 e ss, complementado pelo relatório pericial de fls 337 e ss; (vi) Autos de transcrição de fls. 132, 133, 134, 136, 137, 299 e ss (Proc. 694/19.3PCOER), 306 e ss (Proc. 694/19.3PCOER); (vii) Registo de acionamento de antenas de telecomunicações de fls 134, 135, 197, 868 e 873; (viii) CRC do arguido e relatório social; (ix) Relatório da PJ de fls.1445 e ss; 20.ª Assim, assente, naqueles concretos meios de prova, veio o Tribunal a quo determinar a condenação do recorrente, sucede, porém, que de entre todos aqueles, somente as localizações celulares e as escutas telefónicas concorrem efetivamente para essa condenação, pois todos os demais revelaram-se infrutíferos na cabal identificação do autor material daquele crime. 21.ª Porem, parece-nos, salvo diversa opinião que aqueles dois concretos meios de prova que concorrem para a condenação do recorrente, jamais, quer per se ou conjugadamente terão aptidão para sustentar uma decisão condenatória, porquanto: (i) os dados das localizações celulares, não permitem determinar a exata localização de certo equipamento, mas apenas o coloca dentro de uma vasta área geográfica, munida de diversos pontos e sítios, pelo que, devido à imensidão de lugares que podem ser obtidos e observados através do raio de alcance de uma antena de rede, jamais se poderá afirmar que o recorrente esteve, sem qualquer margem para duvidas, naquelas moradas, naqueles prédios, e naqueles concretos e específicos apartamentos; (ii) poderá sempre questionar-se a aptidão das localizações celulares para demonstrar que foi efetivamente o recorrente a estar naqueles sinalizados locais - uma vez que em reforço desta tese, as mesmas não foram seguidas de vigilância, bem como a aptidão das escutas telefónicas de forma a comprovar que os telefonemas em causa foram efetuados pelos arguidos, nomeadamente pelo recorrente; e (iii) da detalhada analise das escutas telefónicas não se retira, sem qualquer margem de duvida razoável, o planeamento e prática conjunta do crime, havendo fortes probabilidades de tais conversas serem em tom de desabafo e confidencia por parte do arguido B, os quais mantinham uma forte relação de amizade e sustentou o primário despacho de autorização de interceção telefónica ao recorrente; 22.ª Para alem da insuficiência das localizações celulares e do teor das escutas telefónicas, em reforço, vislumbra-se que (i) nos minutos antes do crime os arguidos não se encontravam juntos, motivo pelo qual houve necessidade de ser efetuada uma chamada telefónica, cfr. Sessão 39379; (ii) não existe qualquer ligação do recorrente com o recetador e (iii) aquando das buscas domiciliárias à residência do recorrente não foram apreendidos quaisquer objetos que pudessem evidenciar qualquer tipo de ligação ao roubo. 23.ª Assim, parece-nos que as imprecisas localizações celulares, quer per se ou conjugadas com as escutas telefónicas, a par da ausência de apreensão de qualquer indicio da pratica do crime, não reúnem sustento probatório suficiente e apto a ilidir a presunção da inocência do recorrente, pelo que nesse sentido, jamais poderá o recorrente ser condenado, sendo que, no limite, o Tribunal a quo jamais poderia ter ultrapassado a dúvida razoável, relativamente a quem e em que concreto local. 24.ª Porem, admitindo por mera cautela e dever de patrocínio que Vossas Excelências assim não o entendam, parece-nos que todavia, o resultado morte, ocorrido aquando da prática do crime de roubo no dia 09/09/2020, não poderá ser imputado ao recorrente, porquanto, de acordo com a chamada teoria da adequação, para que haja uma imputação objetiva da ação, de acordo com as regras da experiência comum, a conduta que lhe deu origem a um determinado facto, tem de ser abstratamente adequada a produzir um específico e determinado resultado, mostrando-se como uma consequência natural e previsível daquela ação. 25.ª É ainda necessário que, numa prévia análise, aquela conduta se apresente como idónea e previsível para alcançar uma determinada consequência, que, sendo juridicamente relevante, e – de acordo com as regras da experiência comum - se mostre adequada à produção daquele resultado. 26.ª Posto isto, tendo resultado do Relatório de Autópsia de fls. 592 que a causa da morte de E, foi o embate emocional causado por todo aquele contexto em que o roubo ocorreu, parece-nos - não desconsiderando o nexo de causalidade (objetiva) entre a tipicidade objetiva atinente ao roubo e a morte – que não poderá ficar demonstrado que o ou os autores daquele roubo soubessem ou pudessem saber que uma da suas vitimas encontrava-se incapaz para gerir o choque emocional que um roubo daqueles provoca. 27.ª Pelo que, não sendo certo e portanto perspetivavel que as vitimas de roubo tenham enfartes e morram, parece-nos que contrariamente do decidido em Primeira Instância, não poderá haver a imputação subjetiva do resultado morte ao ou aos autores daquele roubo, ou seja, terá de considerar-se como não provado o ponto 57 da matéria de facto, na parte em que se considerou que os arguidos C e B ... (...) sabiam e quiseram (...) causar-lhe perigo para a vida, negligenciando o resultado que daí pudesse advir para o mesmo, desde logo a sua morte. 28.ª Por fim, apesar de estarmos em crer que o presente recurso terá o devido provimento e o recorrente será absolvido, mas admitindo, por mera cautela e dever de patrocínio, que isso poderá, no limite, não suceder, considerando Vossas Excelências que a condenação do recorrente assentou num correto e suficiente acervo probatório, cumpre-nos, por esse motivo, pugnar por uma medida concreta da pena mais diminuída, porquanto a pena aplicada ao recorrente reclama um juízo de censura e culpa mais atenuado. 29.ª Esta nossa posição tem assento no facto de a intervenção do recorrente na prática e desenvolvimento do crime em apreço, ter-se verificado bastante mais delimitada e enfraquecida, pois o recorrente: (i) limitou-se a aderir naquele mesmo dia a um plano já previamente estabelecido e delimitado pelo arguido B; (ii) não efetuou qualquer vigilância à casa das vítimas em dias anteriores, demonstrando a premeditação do crime; (iii) o recorrente não guardou/armazenou objetos fruto desse crime na sua casa, como se verifica pelo resultado das apreensões feitas à sua residência; (iv) das escutas telefónicas não se retira qualquer incentivo à prática do crime, muito pelo contrário, o recorrente adota sempre uma atitude passiva e sem grande conteúdo de relevo; e (v) o recorrente não teve qualquer contacto com o recetador. 30.ª O que desde logo, ao nível da determinação das penas parcelares concretamente aplicáveis, resulta numa obvia atenuação da medida da sua culpa. 31.ª Para além, disto, tratou-se de apenas de um desígnio criminoso, um único ato, executado e ocorrido no imediato lapso temporal, correspondendo a uma única vontade e intenção, pelo que, igualmente ao nível da determinação e fixação da pena única, também terá de considerar-se uma mitigação do juízo de censura e culpa. 32.ª Aliás, numa ótica de justiça distributiva, denota-se evidente a desproporcionalidade da condenação do recorrente, na pena que lhe foi aplicada de dezasseis anos e seis meses de prisão, revelando-se excessiva e altamente castigadora. 33.ª Com efeito, parece-nos que, na operação, quer de determinação das penas parcelares, quer posteriormente na fixação da pena única, não pode olvidar-se que o grau de culpa do recorrente, aquando da participação do crime, revela-se manifestamente atenuado, pelo que, deverão Vossas Excelências nesta nova rigorosa apreciação, refletir, na operação de determinação da pena concretamente aplicável, um juízo de censura e de culpa mais baixo, reduzindo, por consequência a pena de prisão. Pelo exposto, Ressalvado o doutíssimo suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores deste Tribunal da Relação de Lisboa, deverá: I. Ser reconhecido que o Acórdão recorrido padece do vício a que alude al. b) do n.º 2 do art.º 410º do Cód. do Processo Penal e ordenada a repetição do julgamento; Cumulativamente, II. Ser reconhecida a nulidade do Acórdão recorrido e ordenada a sua reformulação em conformidade, nos termos da al. c) do n." 1 do art.º 379º do Cód. do Processo Penal; III. Ser declarada a inconstitucionalidade, por violação dos artigos 24.º, n.º 1 e 34.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, a interpretação do artigo 187º, n.º 4, al. b), do Código de Processo Penal, segundo a qual a autorização das interceções e gravações telefónicas, contra a pessoa que sirva de intermediário, permite legitimamente a monitorização, através da localização celular, de todos os passos dessa pessoa - quando não é a própria a visada pela investigação - e não se procura com essa monitorização localizar o suspeito cujo paradeiro se desconheça; IV. Ser declarada proibição de prova, nos termos do n.º 3 do art.º 126º do Código do Processo Penal, da valoração da análise dos metadados; Subsidiariamente, V. Ser alterado o juízo probatório e considerarem-se como não provados os factos atinentes à autoria do crime de 09/09/2020, sendo deles o arguido absolvido; Alternativamente, VI. Ser alterado o juízo probatório e considerarem-se como não verificados os pressupostos de que depende a imputação subjectiva do resultado morte, enquanto resultado agravado do crime de roubo de 09/09/2020; Em todo o caso, VII. Considerar-se que a pena de 16 (dezasseis) anos e 6 (seis) meses aplicada é excessivamente estigmatizante.
3
O Ministério Público respondeu, pugnando pela improcedência dos recursos.
4
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Ministério Público emitiu parecer aderindo à posição já expendida na resposta, mantendo a proposta de improcedência dos recursos.
5
Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP, tendo os recorrentes respondido.
6
Colhidos os vistos, forma os autos à conferência.
II FUNDAMENTAÇÃO
1 Objeto do recurso:
A
Ocorre contradição insanável na fundamentação da decisão recorrida, nos termos do art.º 410.º, n.º 2, alínea b), do CPP?
B
Existe omissão de pronúncia no acórdão, nos termos do art.º 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP?
C
O julgamento da matéria de facto fundamentou-se, pelo menos em parte, em prova proibida, nos termos do art.º 126.º, n.º 3, do CPP?
D
Ocorre erro de julgamento da matéria de facto?
E
Em relação ao arguido B ..., estabelecimento de uma relação concursal incorrecta relativa ao crime e à contrardenação pela posse de distintas armas, sobrecarregando injustamente a punição do crime, cuja pena foi, por essa razão, agravada?
F
Ainda em relação ao arguido B ..., é errada a imputação do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade?
G
As penas únicas devem ser reduzidas?
2 Decisão recorrida (excertos relevantes): II. OS FACTOS resultaram provados os seguintes factos, Proc. 694/19.3PCOER 1. Em data não apurada, mas anterior a 8 de Novembro de 2019, o arguido B ... tomaram conhecimento de que, na morada sita na Rua ..., em Algés, residia a vítima ..., nascida a 24 de Outubro de 1946, e tendo à data 73 (setenta e três) anos, tendo decidido que iria aceder ao interior da residência da mesma e apoderar-se de bens de valor de propriedade dela, concretamente de ourivesaria, utilizando violência física e ameaças, fazendo-se valer da idade avançada e especial vulnerabilidade da vítima e sendo-lhes indiferente o efeito que tal pudesse produzir na pessoa da mesma. 2. Durante período não apurado, o referido arguido montou vigilância à morada da vítima, tendo-se inteirado das suas rotinas, periodicidade de visitas, dificuldades de locomoção e genérica fragilidade física da mesma. 3. No dia 8 de Novembro de 2019, pelas 12h45m, sabedor de que a vítima D se encontraria sozinha na sua residência, os arguidos B ... acompanhado de um indivíduo cuja identidade se não apurou em concreto deslocaram-se à residência da vítima e tocaram à campainha da mesma, enquanto se afastavam da área de visão do óculo da porta, para não serem vistos. 4. A vítima D, julgando tratar-se da sua neta, abriu a porta, sendo imediatamente surpreendida pelos dois, arguido e acompanhante, que a empurraram de encontro ao chão e entraram no interior da residência, enquanto lhe diziam para não gritar. 5. Em acto contínuo, manietaram e imobilizaram a vítima D, tendo um deles, sem que se apurasse qual, envolvido o pescoço da mesma com um braço, enquanto colocava o segundo braço por detrás da cabeça, fazendo pressão em frente, manobra vulgarmente designada como “mata-leão”. 6. Enquanto isso, o outro percorreu as diversas divisões da residência, remexendo-a, em busca de objectos de ouro ou numerário. 7. Em momento não concretamente apurado, trocaram de posições, tendo o indivíduo que realizava o “mataleão” passado a vasculhar a residência, ficando o outro a agarrar a ofendida. 8. Enquanto vasculhavam a residência, o arguido B ... e o seu acompanhante foram-se apoderando dos seguintes objectos, que fizeram seus e que eram propriedade da vítima D: a. Uma aliança em ouro amarelo, com a inscrição “Joaquim António 1966”, com o valor aproximado de €500,00 (quinhentos euros); b. Um fio em ouro amarelo, com o valor aproximado de €400,00 (quatrocentos euros); c. Dois relógios de marca Tissot, um deles com bracelete dourada, de valor não apurado, mas certamente superior a €102,00. 9. Por fim, arrancaram, com recurso à força física das mãos, a aliança de ouro amarelo que a vítima D tinha aposta no seu dedo anelar, com a inscrição “H 1966”, em ouro amarelo, e com valor aproximado de €500,00 (quinhentos euros). 10. O arguido B ... e o seu acompanhante pegaram então na vítima, conduziram-na ao quarto e atiraram-na bruscamente para cima da cama, posto o que fecharam a porta do quarto da mesma e abandonaram o local. 11. Como resultado e consequência directa do referido evento, a vítima D sofreu um traumatismo facial, na zona do lábio superior, o qual exigiu 4 (quatro) dias para a cura, todos com afectação da capacidade de trabalho geral. 12. Ao actuar do modo descrito, e em comunhão de esforços entre si, o arguido B ... e o acompanhante sabiam e quiseram apoderar-se de objectos de ouro pertencentes à vítima D, fazendo-os seus e agindo contra vontade da vítima. 13. Para esse efeito, mais sabiam e quiseram servir-se da força física e de agressões para lograr essa apropriação, tendo em vista quebrar qualquer eventual resistência da vítima e constrangê-la a permitir a retirada dos objectos em causa. 14. Sabiam também que a vítima era pessoa especialmente vulnerável, por força da idade avançada que tinha à data dos factos, circunstância que não apenas não os coibiu de agir do modo descrito, como até os motivou a concretizar a sua intenção de atentar contra a mesma e seu património. 15. Sabiam e quiseram ainda introduzir-se na residência da vítima, sem autorização da mesma. 16. Agiram de forma livre, voluntária e consciente, pese embora soubessem que o seu comportamento é censurado por lei como crime. Proc. 122/20.1PBOER 17. No dia 04 de Fevereiro de 2020, cerca das 10h00m, o arguido B ... deslocou-se à residência de G, nascida a 02.10.1929, sita na Rua ... Oeiras, sabendo, porque previamente acompanhou a sua rotina, que aquela se encontraria sozinha. 18. Ali chegado, e uma vez que aquela ali não se encontrava, o arguido aguardou pela mesma, mantendo-se nas escadas entre o 1.º e o 2.º pisos. 19. Cerca das 10h, G chegou à sua residência e, no momento em que abria a porta do seu apartamento, o arguido, aproveitando que aquela se encontrava de costas para si, saltou para o patamar atrás dela, agarrou-a e, usando a força física, puxou-a para o interior daquela residência. 20. De seguida, batendo-lhe na cabeça e dando-lhe um pontapé com força abaixo do joelho, exortou que lhe indicasse onde guardava o dinheiro e bens de valor. 21. G respondeu que não guardava dinheiro em casa, tendo o arguido então conseguido que a ofendida lhe desse a aliança em ouro amarelo com as inscrições “25/02/51” que tinha no dedo, no valor de €350,00, e uns brincos de bijutaria que trazia nas orelhas, dizendo-lhe que os arrancaria se lhos não desse. 22. De seguida, o arguido, prendendo G com os braços, e tapando-a com uma manta, encaminhou-a para a casa-de-banho, trancando-a no seu interior com a chave. 23. Após, deslocou-se ao quarto de G e subtraiu a aliança em ouro do falecido marido daquela, com as inscrições “25/02/51”, no valor de € 350,00, um relógio de senhora, de valor não concretamente apurado e € 50,00 em numerário. 24. Na posse daqueles artigos, que fez seus, o arguido retirou-se daquela habitação, deixando G trancada à chave na casa de banho, enrolada numa manta e deitada no chão. 25. G manteve-se trancada naquela divisão até ao fim do dia, cerca das 17h30m, altura em que ..., seu filho, ali se deslocou e abriu a porta. 26. G deu entrada nesse dia no Hospital São Francisco Xavier, apresentando hematomas na zona da cabeça e no joelho esquerdo. 27. Ao actuar do modo descrito, o arguido B ... sabia e quis apoderar-se de objectos de ouro, relógio e numerário pertencentes à vítima G, fazendo-os seus e agindo contra vontade da vítima. 28. Para esse efeito, mais sabia e quis servir-se da força física e de agressões para lograr essa apropriação, tendo em vista quebrar qualquer eventual resistência da vítima e constrangê-la a permitir a retirada dos objectos em causa. 29. Sabia também que a vítima era pessoa especialmente vulnerável, por força da idade avançada que tinha à data dos factos, circunstância que não apenas não o coibiu de agir do modo descrito, como até o motivo a concretizar a sua intenção de atentar contra a mesma e seu património. 30. Sabia e quis ainda introduzir-se na residência da vítima, sem autorização da mesma. 31. O arguido, após subtrair os artigos acima indicados, manteve G privada da sua liberdade, o que sucedeu durante cerca de 7 horas. 32. O arguido agiu com o propósito conseguido de privar a ofendida G de toda e qualquer liberdade de movimentos, bem sabendo que o fazia contra a sua vontade, impedindo-a de sair da casa-de-banho, mesmo após abandonar o local, bem sabendo que a mesma ficava impossibilitada de se mover para procurar a ajuda de terceiros. 33. Agiu de forma livre, voluntária e consciente, pese embora soubesse que todo o seu comportamento é censurado por lei como crime. Proc. 849/20.8PBCSC 34. Em data não apurada, mas anterior a 9 de Setembro de 2020, o arguidos C e B ... acordaram e planearam que iriam, em comunhão de esforços, aceder ao interior da residência sita na Travessa ... Cascais, onde residiam os ofendidos ... (nascido a 20-02-1930) e ... (nascida a 04-11-1932), casados entre si, e apoderar-se de bens de valor de propriedade dos mesmos, concretamente de ourivesaria, utilizando violência física e ameaças, fazendo-se valer da idade avançada e especial vulnerabilidade das vítimas e causando, se necessário, a morte dos ofendidos em caso de resistência. 35. Com vista à concretização desse plano, e nos dias que antecederam a aludida data de 9 de Setembro de 2020, o arguido B ... montou uma vigilância discreta à residência dos ofendidos, tendo a isto aderido o arguido C quando disso teve conhecimento, no mesmo dia, inteirando-se dos seus hábitos, apercebendo-se de que residiam sozinhos, de que tinham dificuldades de locomoção e também da periodicidade com que se deslocavam à residência uma empregada de limpeza e uma massagista. 36. No dia 9 de Setembro de 2020, pelas 10h32, os arguidos C e B ... deslocaram-se até às imediações da residência dos ofendidos, onde montaram uma vigilância discreta, como havia sido feita em dias anteriores. 37. Na tarde do mesmo dia, e sabendo que no dia seguinte os ofendidos receberiam visitas, os arguidos acordaram que iriam agir nesse momento. 38. Pelas 16h00 do mesmo dia, os arguidos, conhecedores de que nesse momento os ofendidos se encontravam sozinhos em casa, deslocaram-se até junto da residência daqueles [acima indicada] e acederam ao interior da mesma, de modo não apurado. 39. Estando o ofendido ..., na sala-de-estar, os arguidos acercaram-se do mesmo e exigiram-lhe a entrega de objectos de ouro que tivesse em sua posse, ameaçando que o agrediriam se não o fizesse. 40. Como o ofendido recusou, os arguidos desferiram-lhe diversas pancadas, de natureza não concretamente apurada, que lhe visaram e atingiram a cabeça, os braços, as pernas e tórax, até lograrem superar a resistência do ofendido, tendo o mesmo ficado caído no chão. 41. Os arguidos muniram-se então de objecto de características não apuradas, com o qual cortaram as duas alianças de casamento, em ouro e com gravação do nome da sua mulher e da data do casamento, que o ofendido ... trazia no dedo anelar da sua mão esquerda, apoderando-se dos referidos objectos, propriedade do ofendido e de valor não apurado, mas seguramente superior a €102,00. 42. De seguida, os arguidos percorreram as demais divisões da residência, e aperceberam-se de que a ofendida F se encontrava no interior da casa-de-banho, não se tendo apercebido do que sucedera. 43. Um dos arguidos, não se tendo apurado qual, introduziu-se então no interior da casa de banho e, de imediato, dirigiu-se à ofendida dizendo-lhe “a senhora não grita, não faça nada que eu não lhe faço mal”. 44. O referido arguido começou então a observar as alianças que a ofendida tinha no seu dedo anelar e a mostrar interesse em apoderar-se das mesmas, tendo a ofendida rogado que não o fizesse. 45. Nesse momento, o outro arguido que não entrara na casa de banho inicialmente, entrou na aludida divisão, aproximou-se da ofendida e, ignorando as súplicas desta, retirou-lhe, pela força, as duas alianças que trazia no dedo anelar da mão esquerda, ambas de ouro e cravadas com o nome do marido da ofendida e a data de casamento, de valor não apurado, mas seguramente superior a €102,00. 46. Posto isto, os arguidos abandonaram o local, levando consigo os bens de que se haviam apoderado. 47. Os arguidos, antes de saírem do interior da residência, não se inteiraram, nem manifestaram qualquer preocupação pelo estado de saúde do ofendido .... 48. Devido ao choque emocional associado a este evento, em que foi vítima de diversas pancadas que os arguidos lhe desferiram, o ofendido ... sofreu um enfarte que lhe causou a morte, por insuficiência de aporte de sangue ao coração. 49. O ofendido ... sofreu as seguintes lesões na cabeça: congestão cianótica; equimose arroxeada na região frontal; escoriação na região parietal direita; equimose arroxeada bipalpebral direita; duas sufusões hemorrágicas nas conjuntivas palpebrais à esquerda; equimose fortemente avermelhada no dorso do nariz; equimose arroxeada na região labial superior; equimoses arroxeadas na face inferior da língua; equimose arroxeada na região mentoniana; no membro superior direito: equimose avermelhada na face lateral do cotovelo; escoriação apergaminhada na face lateral do cotovelo; no membro superior esquerdo: equimose arroxeada no terço médio da face posterior do antebraço; equimose arroxeada na região da articulação metacarpofalângica do 4º dedo com mobilidade anómala da articulação adjacente; escoriação apergaminhada na região da articulação interfalângica proximal do 4º dedo; no membro inferior direito: escoriação apergaminhada na face anterior do joelho; duas escoriações apergaminhadas no terço médio da região anterior; no membro inferior esquerdo: escoriação apergaminhada no dorso do pé; no tórax: infiltração sanguínea na face anterior, ao nível do 3º e 4º músculos intercostais; fractura pelo arco anterior da 2ª à 6ª costela; fractura pelo arco posterior da 3ª à 4ª costelas, todas elas provocadas directamente por acção dos arguidos. 50. Após saírem do referido local, os arguidos acordaram que o arguido B ... ficaria em posse dos objectos furtados, incumbido de os guardar em local seguro, para que posteriormente se procedesse à sua venda e repartição do produto entre ambos. 51. No mesmo dia 9 de Setembro de 2020, pelas 17h24, o arguido B ..., agindo sempre com o acordo do arguido C, contactou com L, que sabia ser adquirente e «passador» regular de objectos furtados, e marcou um encontro com o mesmo. 52. Pelas 17h36m do mesmo dia, o arguido B ... encontrou-se com L no Largo do Rossio - Lisboa, a quem entregou os objectos que havia subtraído, juntamente com o arguido C, para que L os guardasse, tendo em vista uma posterior venda a terceiros, com entrega do produto ao arguido. 53. Ao actuar do modo descrito, os arguidos C e B ..., em comunhão de esforços, sabiam e quiseram apoderar-se de objectos de ouro pertencentes aos ofendidos F e ..., fazendo-os seus e agindo contra vontade das vítimas. 54. Para esse efeito, mais sabiam e quiseram servir-se da força física e de agressões para lograr essa apropriação, tendo em vista quebrar qualquer eventual resistência dos ofendidos e constrangê-los a permitir a retirada dos objectos em causa. 55. Sabiam também que as vítimas eram pessoas especialmente vulneráveis, por força da idade avançada que tinham à data dos factos, circunstância que não apenas não os coibiu de agir do modo descrito, como até os motivou a concretizar a sua intenção de atentar contra as mesmas e seu património. 56. Sabiam e quiseram ainda introduzir-se na residência dos ofendidos, sem autorização dos mesmos. 57. Os arguidos C e B ..., em comunhão de esforços, sabiam e quiseram também sujeitar o ofendido E a agressões físicas que, tendo em conta a idade avançada deste último, seriam sempre idóneas a causar-lhe perigo para a vida, negligenciando o resultado que daí pudesse advir para o mesmo, desde logo a sua morte. 58. A actuação dos arguidos foi determinada por avidez, com vista à apropriação de bens de propriedade do ofendido e agindo com esse propósito. 59. Em todo o descrito circunstancialismo, os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, pese embora soubessem que o seu comportamento é censurado por lei como crime. 60. Desde data não concretamente apurada, o arguido B ..., com intenção de obter proventos económicos, decidiu dedicar-se à venda e/ou cedência a terceiros de produtos estupefacientes, designadamente canábis, a troco de dinheiro. 61. Para tanto, no dia 26.09.2020, pelas 07h no interior do seu quarto, na habitação sita na Rua ... Lisboa, o arguido B ... tinha na sua posse: a) 5,085 gramas de canábis (resina), com o grau de pureza de 26,5%, do seu princípio activo (THC), suficiente para produzir 26 doses de consumo; b) 27,014 gramas de canábis (resina), com o grau de pureza de 26,6%, do seu princípio activo (THC), suficiente para produzir 143 doses de consumo; c) 1,272 gramas de canábis (folhas), com o grau de pureza de 7,7%, do seu princípio activo (THC), suficiente para produzir 1 dose de consumo; d) uma réplica de um gládio (espada curta), com 517mm de comprimento de lâmina, sem gume (arma da classe F). 62. Mais tinha o arguido na sua posse uma balança de precisão, bem como a quantia global de € 4080,00. 63. À data dos factos o arguido não desempenhava qualquer actividade profissional, nem dispunha de qualquer outra fonte de rendimentos lícita, que lhe permitisse assegurar a sua subsistência. 64. O arguido destinava o produto estupefaciente, em partes não determinadas, à entrega/cedência a terceiros, a troco de dinheiro. 65. A quantia de dinheiro acima indicada, apreendida na posse do arguido, era produto das vendas do dito produto estupefaciente a terceiros e dos artigos em ouro que obtinha de forma ilícita, que eram, àquela data, as únicas fontes de rendimento deste arguido. 66. O arguido conhecia a natureza e as características daquelas substâncias estupefacientes, bem sabendo que não podia detê-las consigo, nem cedê-las ou vendê-las a ninguém e, não obstante, não se eximiu de actuar do modo descrito de modo a obter vantagens económicas. 67. O arguido agiu sempre livre, deliberada e conscientemente bem sabendo que a sua conduta era punida por lei penal. 68. No dia 26.09.2020, pelas 08h30m, no interior do veículo automóvel de matrícula ..., parqueado na Rua ... Lisboa, o arguido B ... tinha: a) um revolver, de marca Astra, calibre .22 Long Rifle, contendo seis munições de calibre 0,22 no interior do tambor e um invólucro de uma munição deflagrada, encontrando-se os mecanismos de percussão e segurança do revolver em boas condições de funcionamento e as munições em boas condições de utilização. 69. O arguido não é titular de licença de uso e porte de arma, nem possui qualquer manifesto de arma de fogo ou autorização para a posse de armas. 70. O arguido previu e quis ter consigo os objectos referidos em 61. d) e 68. a), apesar de conhecer a sua natureza e características e, bem assim, que a respectiva detenção apenas é permitida às pessoas que são titulares de licença/autorização, habilitação de que bem sabia não ser titular. 71. O arguido agiu sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era punida por lei penal. 72. L, desde data não concretamente apurada aqui, mas, pelo menos, anterior aos primeiros destes factos, tem-se dedicado à venda de bens que foram objecto de actos ilícitos contra o património, procedendo à sua venda, repartindo o valor obtido com a pessoa que os entregou, estando referenciado pelo OPC com essa actividade. 73. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 08.11.2019, o arguido B entrou em contacto com L e, sabendo que aquele tinha meios para vender os produtos em ouro que subtraía em residências, combinou com o mesmo que lhos entregaria para que este procedesse à sua venda. 74. O que sucedeu, pelo menos, após os dias 08.11.2019, 04.02.2020 e no dia 09.09.2020, quando o arguido B entregou a L as alianças em ouro, o fio em ouro amarelo, os dois relógios da marca TISSOT que subtraiu a ..., as duas alianças em ouro que subtraiu a G e, entre outros, as quatro alianças de casamento, propriedade dos ofendidos F e ..., respectivamente. 75. No dia 26.09.2020, pelas 07h00m, L guardava na sua residência [sita na Calçada ...Lisboa] diversos objectos em ouro e de outros metais preciosos, três relógios das marcas SEIKO e OMEGA, nove telemóveis das marcas HUAWEY, SAMSUNG, APPLE, ALCATEL e NOKIA e um IPAD da APPLE, melhor descritos a fls. 455 a 463, para que se remete e que aqui se dão por integralmente reproduzidas. 76. Artigos que L ia vender e que lhe foram entregues por indivíduos cuja identidade se desconhece, mas também pelo arguido B, e cujo valor é superior a €10.000,00. 77. Nessa ocasião, o mesmo L possuía a quantia de €290,00. 78. O referido L não tem actividade profissional conhecida, dedicando-se à venda dos artigos que lhe são entregues após a prática de actos ilícitos contra o património, sendo essa a sua fonte de rendimento conhecida e referenciada pelo OPC. 79. L permitia, com a actividade a que se dedicava, que indivíduos como os arguidos B e C a ele recorressem para escoar os produtos da sua actividade ilícita. 80. L está referenciado pelo OPC, desde logo pela PJ, com a actividade de receptação de artigos, desde logo joelharia, subtraídos. 81. O arguido A foi condenado, entre outros, no processo comum colectivo n.º 887/15.2PASNT do Juízo Central Criminal de Sintra – Juiz 3, por acórdão proferido em 19.01.2016, transitado em 19.02.2016, pela prática em 17.07.2015, de crime de roubo, na pena de 4 anos de prisão efectiva. 82. Pela prática de tal crime, o arguido esteve privado da liberdade desde 25.07.2015, data em que lhe foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, à ordem daqueles autos, mantendo-se ininterruptamente preso até ter sido libertado no fim da pena em 24.07.2019. 84. O arguido C foi condenado, entre outros, no processo comum colectivo n.º 637/15.3PCCSC do Juízo Central Criminal de Cascais – Juiz 2, por acórdão proferido em 1.03.2016, transitado em 11.04.2016, pela prática em 28.05.2015, entre o mais, de crime de roubo qualificado tentado, na pena de 3 anos e 4 meses de prisão efectiva. 85. Pela prática de tal crime, o arguido esteve privado da liberdade em prisão preventiva, desde 29.05.2015 a 10.04.2016, à ordem daqueles autos, e após em cumprimento de pena até data não concretamente apurada. 86. Não obstante a pena de prisão que lhe foi aplicada e apesar de poder e dever actuar de forma a respeitar a Lei, o arguido optou por continuar a praticar factos ilícitos, deixando claro que as condenações anteriores não lhe serviram de advertência suficiente contra o crime. Resulta ainda provado que, 87. O arguido C tem antecedentes criminais averbados no CRC emitido pelas Autoridades nacionais, tendo sido condenado – por crime de receptação e roubo [proc. 1617/04.0PASASNT – decisão de 02.07.2007]; roubos [proc. 464/07.1PCLSB – decisão de 30.04.2009]; furto qualificado [proc. 225/06.5GFOER – decisão de 05.01.2010]; roubo [proc. 72/07.7PDSNT – decisão de 26.04.2010]; condução ilegal [proc. 40/11.4PAOER – decisão de 07.07.20112]; roubo [proc. 557/12.3PASNT – decisão de 15.05.2013]; tráfico de estupefacientes [proc. 8/12.3PJSNT – decisão de 03.12.2014]; roubo [proc. 887/15.2PASNT – decisão de 19.02.2016]. 88. Das suas condições pessoais, apurou-se que: C nasceu na Guiné-Bissau, sendo o filho mais velho de uma fratria de quatro irmãos, mencionando ter mais nove irmãos consanguíneos, dedicando-se os progenitores à agricultura, sendo o pai reformado das forças armadas portuguesa e a mãe doméstica tendo a mesma ficado a viver no país de origem. O processo de socialização do arguido desenvolveu-se na Guiné-Bissau onde permaneceu até aos onze anos de idade, altura em que vem viver para Portugal com o progenitor e os irmãos mais velhos. A nível escolar, iniciou em idade própria, tendo dificuldades de adaptação à língua portuguesa na altura que integrou o sistema de ensino em Portugal. Neste período, reprovou no 5.º ano de escolaridade, descrevendo-se um percurso pautado por diminuto investimento, tendo concluído o 9.º ano de escolaridade. Ainda se inscreveu num curso de tipografia, mas acabou por desistir. Após o abandono escolar, e com o regresso do progenitor para a Guiné, o arguido foi residir com um dos seus irmãos para a cidade de Manchester, em Inglaterra com a intenção de aprender a língua inglesa. Após ter aprendido inglês foi residir sozinho para Londres com ajuda governamental, estadia que se revelou problemática pelos comportamentos desviantes que passou a evidenciar e que culminaram numa primeira condenação. Durante esse período, o arguido cometeu outro ilícito criminal tendo regressado a Portugal em Março de 2015, referindo ter sido expulso para com interdição de entrada em Inglaterra devido aos contactos judicias com o sistema judicial naquele país. Quanto ao seu percurso laboral, em contexto de entrevista perante a DGRSP, refere no período que esteve em Inglaterra alguns trabalhos temporários, como empregado num hotel e na lavagem de automóveis. No seu regresso a Portugal integrou o agregado familiar de origem constituído pelo progenitor e um primo, passando o progenitor maior parte do tempo na Guiné – Bissau. Entretanto, em termos judiciais, o arguido deu entrada no Estabelecimento Prisional de Caxias, em 29 de Maio de 2015, data em que regista a sua primeira prisão em Portugal, tendo sido colocado, primeiro, sob medida de coação de prisão preventiva à ordem do processo 637/15.3PCCSC, da Comarca de Lisboa Oeste – Cascais – Juízo Central Criminal – Juiz 2, indiciado pela prática dos crimes de roubo e detenção de arma proibida. Posteriormente veio a ser condenado na pena de 3 anos e 4 meses de prisão. Em 19.05.2017 foi desligado destes autos e colado à ordem do processo n.º 528/13.2PASNT, da Comarca de Lisboa Oeste – Sintra – Juízo de Pequena Criminalidade - J2, que foi condenado numa pena de prisão de 2 anos e 4 meses, suspensa na sua execução, pelo prático de um crime de furto qualificado, tendo a mesma sido revogada. No decurso do seu percurso prisional anterior, o arguido teve um longo registo disciplinar onde se salientam várias medidas de permanência obrigatória no alojamento por resistir a ordens legitimas tendo sido transferido do Estabelecimento Prisional do Linhó para o Estabelecimento Prisional de Monsanto para o regime de segurança, tendo, entretanto, beneficiado da lei do perdão em 11 de abril de 2020. Não se conhecem problemas de saúde ou registo de conduta aditiva do arguido. No período que antecedeu à actual prisão preventiva, encontrava-se integrado no agregado de origem, coabitando com o pai e um primo, tratando-se de uma habitação do pai do arguido, passando este vários períodos, longos, na Guiné, onde reside a mulher e outros filhos. A nível laboral, à data dos factos, estava sem emprego, desculpando-se naquele mesmo contexto de entrevista com o facto de os seus documentos de identificação estarem caducados, privilegiando um quotidiano gerido em torno do grupo de pares. Do ponto de vista das suas características pessoais, o arguido mostra-se como um indivíduo imaturo, com manifestas dificuldades do foro reflexivo e consequencial, subjacentes às anteriores medidas a que foi condenado, que aliadas ao seu envolvimento com indivíduos com comportamentos anti normativos se configuram como relevantes fatores de risco a ter em conta. Em liberdade, não tem assegurado qualquer projeto nem dispõe de perspetivas de emprego. 89. O arguido B tem antecedentes criminais averbados no seu CRC emitido pelas Autoridades nacionais, tendo sido condenado por crimes de: roubos qualificados [proc. 1381/09.6PULSB – decisão de 15.03.2011]; detenção de arma proibida [proc. 51/13.5PJAMD – decisão de 06.09.2018]. 90. Das suas condições pessoais, apura-se que: B ..., mais novo de 2 irmãos, nasceu na Alemanha, onde permaneceu até aos 2 anos de idade, altura em que o pai, de nacionalidade alemã, abandonou o agregado familiar, situação que levou a que o arguido passasse a viver com a mãe e irmã em Portugal, onde a mãe veio a reconstituir família com o padrasto do arguido, também de nacionalidade alemã. Não mais contactou com o progenitor. O agregado familiar do arguido é descrito como detendo uma condição económica equilibrada, com existência de transmissão de valores socialmente normativos, embora se destacando, falhas por parte da mãe em exercer as suas funções maternas ao nível da transmissão de afecto, do acompanhamento educativo e escolar e no apoio do quotidiano do arguido, situação que teve impacto negativo no processo de crescimento deste. A função laboral do padrasto, como engenheiro em embarcações, permanecendo este cerca de 7/8 meses por ano fora do agregado, levou a que a mãe, empregada de balcão num bar, se constituísse como a principal figura parental, pelo que o quotidiano do arguido se revelou sem controlo parental, gerindo o próprio o seu quotidiano que se revelou pouco funcional em alguns aspetos. Embora integrado na escola e em actividades desportivas no seu bairro como federado em atletismo e futebol, o arguido começou, a partir da adolescência, a apresentar comportamentos desajustados ao nível de incumprimento de regras familiares e a associar-se a grupo de pares que o influenciaram negativamente. Veio a cumprir uma Substituição de Multa por Trabalho, no âmbito de um processo de 2013. Em termos escolares, o arguido concluiu o 9º ano de escolaridade em contexto de ensino profissionalizante, no curso profissional de restauração/instalação de computadores, tendo abandonado os estudos com cerca de 17 anos quando frequentava o 11º ano de escolaridade, também em contexto de curso profissionalizante. Ainda viveu um período no agregado da avó e tio maternos até se autonomizar, passando a viver sozinho num quarto arrendado, numa altura em que trabalhava na área da restauração, actividade que durou cerca de 2 anos, vindo posteriormente a iniciar uma curta relação marital com a mãe da sua filha, após a filha ter nascido. Em 2013, com cerca de 21 anos, o arguido emigra sozinho para Inglaterra integrando o agregado familiar da sua irmã mais velha. Após um período de meses, em que exerceu alguns trabalhos indiferenciados com o companheiro da irmã, o arguido passou a viver com amigos com estilos de vida pouco convencionais, alguns dos quais seus amigos de infância, em contexto de vida pouco funcional, com manifestação de comportamentos associais que implicaram a sua condenação a pena de prisão efetiva de 3 anos por roubos, cumpridos em instituição para jovens reclusos, vindo a ser extraditado para Portugal em 2017. Durante a sua reclusão, o arguido completou um curso profissional de nutricionismo e “Manager“de pesos. Em Portugal, integrou o agregado familiar de origem durante cerca de duas semanas, saindo incompatibilizado com a mãe e padrasto, vindo a reintegrar o agregado da avó e tio maternos e a trabalhar, de forma não concretamente apurada, num ginásio do bairro como instrutor e “personal trainer”, e por tempo não concretamente apurado. No período que antecedeu a presente reclusão, o arguido residia sozinho num quarto em Lisboa em contexto de maior instabilidade emocional e dificuldades socioeconómicas, desconhecendo-se qualquer actividade profissional regular exercida nessa ocasião, de onde tirasse rendimentos lícitos, para além de umas sessões, em número não apurado, de treinos que a testemunha que indicou contratou com o mesmo. Mantinha uma relação próxima com a ex-companheira e filha. Em reclusão, tem vindo a beneficiar de apoios da irmã e companheira, que restabeleceu a relação afectiva com o arguido. Verbaliza perante a DGRSP que, quando liberto da presente situação jurídico-penal, vir a constituir família com a companheira e filha no agregado actual desta e pretender retomar os estudos em horário noturno com a finalidade de vir mais tarde a concluir um curso superior, que seja compatível com o exercício da sua actividade como “personal trainer” ou instrutor de “fitness”. Em termos pessoais, avalia a DGRSP aspetos ligados à eventual dificuldade do arguido em efectuar uma avaliação autocrítica de aspetos disfuncionais seus, caso das duas condenações a que foi sujeito. Ficaram, por fim, provados ainda os seguintes factos, 91. O Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, na assistência prestada à ofendida G e pelas lesões provocadas pela acção directa do arguido B, gastou recursos que importaram um custo de 196,07€ que ainda não lhe foram ressarcidos. 92. Como consequência directa dos factos de que foi vítima, a ofendida H foi subtraída da posse e propriedade dos objectos que acima se deram como provados, diminuída do valor patrimonial deles, sendo que a acção do arguido teve um forte impacto físico e emocional na mesma, que sofreu lesões no rosto, pescoço, braços e pernas, sofrendo ainda psicologicamente com esses acontecimentos e em pânico e temor cada vez que lhe tocam à campainha, vivendo atemorizada desde então, tendo, após os factos, sido transportada para o Hospital, onde ficou internada. 93. O casal ... vivia em harmonia, sendo muito dedicados um ao outro, vivendo um em função do outro, sobretudo o falecido que tratava de todos os assuntos da sua mulher que tinha menos capacidade física para o conseguir realizar. 94. Tendo casado em comunhão de bens em 08.12.1956, não tinham filhos, sendo a demandante a única herdeira do falecido. 95. Tinham um relacionamento sólido, com muito amor e carinho reciprocamente, com muita cumplicidade, há mais de 63 anos, sendo esse afecto recíproco notado por todos. 96. O falecido era coronel do exército na reforma, com longa carreira militar, condecorado e louvado pelos serviços prestados, tendo feito diversas campanhas nas ex colónias portuguesas, como Índia (onde foi preso de guerra vários meses) e Moçambique, entre outras, onde esteve sempre acompanhado da mulher. 97. Era pessoa alegre, de fácil trato, estimada e considerada por todos, devotando todos os cuidados à mulher que, com a sua morte, se viu sem a pessoa que mais a amava e dela tratava diariamente. 98. O falecido vivia com autonomia, fazendo as voltas diárias pelas compras e bancos, lendo o jornal, conduzindo a sua viatura, e tratando de todos os assuntos do casal. 99. Da forma como ocorreram os factos e das lesões infligidas antes da morte, retira-se que teve angústia e sofrimento, antes de falecer. 100. A ofendida, sua mulher, fez a vida em função do marido e, muito embora fosse professora, acompanhou sempre aquele em todas as comissões militares. 101. Sofreu as lesões físicas com a acção dos arguidos que lhe tiraram pela força as alianças que tinha no dedo, de enorme valor simbólico e emocional, tendo entrado em pânico e em choque com a violência usada nos factos pelos arguidos, tendo sido confrontada com a imagem do seu marido no chão, ensanguentado, com diversos ferimentos, sem dar de si sinal. 102. Foi conduzida para o Hospital após os factos, onde foi assistida, ficando internada. 103. Porque era o seu marido que provia todas as suas necessidades, e devido também ao choque emocional que a morte do mesmo lhe causou, teve de ser integrada num Lar/Residência Sénior, onde todas as suas necessidades são providas por terceiros, vivendo no desgosto de ter perdido o marido e sem vontade de viver sem ele, e com o temor de voltar a encontrar os autores dos factos, com o que sonha frequentemente. 104. Paga 2.300€ mensais para estar no referido Lar [Clube Sénior Santo António, no Estoril], a que acrescem medicamentos e tratamentos, entre o mais, tendo já pago, até à junção do PIC a estes autos, o total de 29.350€ a esse título. 105. A ofendida G, na sequência dos factos, foi levada para o Hospital, sofrendo as lesões decorrentes das agressões do arguido B na cabeça e joelho esquerdo, que lhe provocaram dor, angústia e temor, vivendo ainda com o medo permanente de sair à rua, o que lhe causa angústia permanente. 106. Na data da busca que foi realizada à sua casa, o arguido B tinha na sua posse a quantia de 4.080,00€ que lhe provinham dos ilícitos que cometia, contra o património de terceiros e de venda de estupefaciente. 107.O arguido A tem antecedentes criminais averbados no seu CRC, tendo sido condenado por crimes de receptação [proc. 1617/04.0PASNT], roubo [proc. 464/07.1PCLSB], furto qualificado [proc. 225/06.5GFOER], roubo [proc. 72/07.7PDSNT], condução ilegal [proc. 40/11.4PAOER], roubo [proc. 557/12.3PASNT], tráfico de estupefacientes [proc. 8/12.3PJSNT], roubo [proc. 887/15.2PASNT]. 108. O mesmo arguido não compareceu atempadamente na DGRSP para elaboração do seu relatório social. (…) III. MEIOS DE PROVA E RAZÕES DA CONVICÇÃO DO TRIBUNAL (…) A nulidade suscitada pela defesa A Defesa dos arguidos B e C veio, em alegações finais, alegar que a recente jurisprudência saída do Tribunal Constitucional assenta neste caso como uma luva, referindo-se às localizações celulares e transcrições de escutas neste processo. Muito embora se desconheça a razão da alegação quanto às transcrições, e com o perdão antecipado de o podermos ter mal-entendido, não resulta dos autos qualquer irregularidade ou nulidade que diga respeito ao deferimento das escutas, realização das mesmas, fiscalização das mesmas e transcrição das mesmas. Como se referirá abaixo com mais pormenor, em sede de fundamentação, as escutas nestes autos (incorporados sucessivamente) estão activas desde 17.07.2020 (fls. 194 e 195 do proc. 694). No entanto, no âmbito de outros processos, identificados a fls. 165 e 178 do mesmo processo, estavam já a investigar-se factos de natureza semelhante, envolvendo outro suspeito e os contactos dele com o aqui arguido B, estando activas escutas desde data que desconhecemos (porque não é aqui relevante), mas tendo sido através dessas que o número do arguido B chegou a este processo. Ora, estando as escutas activas noutros processos, desde logo num dos que depois foi aqui incorporado (694 aqui incorporado relativamente à ofendida D), e, antes dele, noutro processo que estava também a ser investigado (434/20.4PBSNT – veja-se fls. 165), as escutas em simultâneo com o registo de trace back que estava a ser efectuado não permitem concluir que os dados respectivos estiveram armazenados nas condições em que a Directiva comunitária considera inadmissível e, por maioria de razão, o nosso Tribunal Constitucional também. Ou seja, enquanto os dados estão a ser recolhidos em tempo real, já ao abrigo de decisão judicial que assim determinou, o conhecimento contemporâneo a essa investigação que seja transmitido a outro processo, também em investigação, não constitui a base em que assenta o juízo de censura constitucional que visa a decisão do TC. Mais do que isso, se bem interpretamos a decisão do Tribunal Constitucional, mesmo que essas informações não transitassem de processo para processo, a partir do momento em que, num deles, os dados estão a ser coligidos ao abrigo de decisão judicial, não estamos perante armazenamento de dados sem finalidade definida que é, se bem interpretamos a decisão, a questão que envolve violação de privacidade não se coloca. É o que resulta, salvo melhor opinião, das informações de fls. 157 do proc. 694, conjugada com a de fls. 854 do proc. principal. As informações constantes destes autos, diversas (conferindo-se no proc. 694 fls. 165, 177, 365, 421, 541 e 559, e fls. 81 e 197 do proc. 849), são de molde a concluir-se nesse sentido, neste último se referindo expressamente que é das intercepções activas num processo 674/19.3PCOER que parte dessas informações são retiradas também. Ou seja, aquilo que resulta deste processo é que, havendo diversas investigações activas por crimes de roubo, procuraram-se as semelhanças, confirmaram-se contactos comuns e/ou recíprocos e chegou-se à conclusão de que os aqui arguidos eram suspeitos noutros processos ou contactos de suspeitos de outros processos, partilhando-se as informações. Isto decorre também do depoimento da primeira testemunha da PJ ouvida em julgamento. Depois, com a paciência toda do mundo, há que cruzar a informação que está no processo e que, porque ainda não havia decisão do TC, não foi tratada e nem condensada na perspectiva de que seria precisa. Posto que assim se nos afigura, vejamos a decisão do TC em causa no Acórdão de Abril passado. O TC, no acórdão de 19 de Abril, declarou inconstitucionais as normas da chamada lei dos metadados, que determinam que os fornecedores de serviços telefónicos e de internet devem conservar os dados relativos às comunicações dos clientes, entre os quais a origem, destino, data e hora, tipo de equipamento e localização, pelo período de um ano, para eventual utilização em investigação criminal. A chamada lei dos metadados, de 2008, transpôs para o ordenamento jurídico nacional a directiva europeia de 2006 que, entretanto, o Tribunal de Justiça da União Europeia declarou inválida já em 2014. O artº 6º da Lei nº 32/2008 de 17.07 prevê que os fornecedores de serviços de comunicação electrónica devem conservar [a expressão é ter o dever de] os dados de tráfego e localização das comunicações referidas no artº 4 pelo período de um ano. Esta Lei transpôs para a ordem interna a Directiva 2006/24/CE do Parlamento e Conselho. No acórdão de 08.04.2014, porém, o TJUE declarou a invalidade dessa directiva [Digital Rights Ireland Lda e outros] por violação do princípio da proporcionalidade e porque o princípio da Directiva impunha uma restricção inadmissível dos direitos ao respeito pela vida privada e familiar e protecção de dados pessoais, consagrados nos arts. 7 e 8 da CDFUE. Em face disto, a nossa CNPDP decidiu, logo em 2017 [Deliberação 1008/2017]. Os dados que aqui estão em causa não abrangem o conteúdo das comunicações, dizendo apenas respeito às suas circunstâncias. Razão pela qual são designados por metadados ou dados sobre dados. Assim, o conjunto de metadados a que refere o art.º 4 da citada Lei abrange mais do que uma categoria de dados, o que tem relevância na medida em que a tutela constitucional não é a mesma para todas as categorias de dados potencialmente abrangidos, isto mesmo se dizendo no Acórdão. No entanto, a questão que se suscita não é relativa à forma como é ordenada a recolha de dados em si, mas relativa, neste caso, ao armazenamento desses dados, pelo prazo de um ano, da generalidade indeterminada dos sujeitos, quando sabemos que, por exemplo, pelo menos para efeitos de facturação, os dados terão de ficar recolhidos, de alguma forma, pelo menos por 90 dias, atentos os prazos fixados nas normas que regulam a prestação de serviços ao consumidor. Ora, mostrando-se aqui salvaguardadas as exigências dos art.ºs 2º e 9º da citada lei, como evidencia o processado, e as normas inerentes à determinação das intercepções e localizações do CPP, o que resta apurar é se o Acórdão do TC coloca em causa as informações aqui recolhidas, de modo a torná-las inválidas e imponderáveis para efeito de prova, tanto mais quando, como vemos, estamos perante uma criminalidade muitíssimo grave e em que as localizações celulares ajudam a consolidar os restantes elementos de prova. Se nos factos relativos aos processos 694 (em que existem vestígios lofoscópicos que colocam o arguido B na casa da ofendida a mexer no seu guarda-jóias, entre os outros elementos de prova que se verão) e 849 (em que as intercepções colocam os dois arguidos nos factos e as jóias apreendidas a L consolidam o resto dos elementos de prova, também como adiante veremos), as localizações celulares são apenas mais um elemento de prova entre vários outros, já no proc. 122, as localizações celulares assumem maior relevo, pelo que não é aqui indiferente esta decisão do TC, caso seja aqui aplicável. A certo passo, diz-se no Acórdão o seguinte: (…) 142- Com efeito, tendo em conta o caráter sensível das informações que os dados de tráfego e os dados de localização podem fornecer, a sua confidencialidade é essencial para o direito ao respeito da vida privada. Assim, e tendo em conta, por um lado, os efeitos dissuasivos no exercício dos direitos fundamentais consagrados nos artigos 7.º e 11.º da Carta, referidos no n.º 118 do presente acórdão, que a conservação desses dados pode produzir e, por outro, a gravidade da ingerência que tal conservação implica, é necessário, numa sociedade democrática, que esta seja a exceção e não a regra, como prevê o sistema instituído pela Diretiva 2002/58, e que esses dados não possam ser objeto de uma conservação sistemática e contínua. Esta conclusão impõe-se mesmo em relação aos objetivos de luta contra a criminalidade grave e de prevenção das ameaças graves contra a segurança pública, bem como à importância que lhes deve ser reconhecida. Daqui resultam duas coisas fundamentais e distintas: em primeiro lugar, que o que está em causa é o armazenamento dos dados em causa (por um ano e de número indeterminado de pessoas) e, em segundo lugar, mesmo nos casos de criminalidade grave, como este, a preservação desses dados, para efeitos de investigação criminal, deve ser excepcional. Ora, de acordo com o que acima já referimos e resulta do processado, esta investigação, que começou por serem três em separado, terminando num único processo (ainda que se não perceba o critério da incorporação do 122 e da manutenção em separado do 694, determinadas pela investigação), foi feita com recurso a diversas informações recolhidas de outros processos que estavam em fase activa de investigação, como aliás refere a testemunha ..., da PJ, sendo que num deles o suspeito investigado era também o irmão do aqui arguido C, que chegou a ser aqui considerado e foi descartado porque estava preso à data do cometimento dos factos aqui investigados. Conforme resulta das informações de serviço acima referidas [e esta informação não se mostra condensada porque não se adivinhava que podia vir a ter a sua importância], as informações juntas a estes autos provieram de outras investigações. Isso aconteceu relativamente ao proc. principal com o 694 (que acabou apenso), e com o 122 que já estava referenciado no mesmo 694 e acabou aqui incorporado. Mas também se recolheram informações de outros processos, como acima se viu e se deixaram anotadas as respectivas informações de serviço. É desses processos que chegam, ao que parece resultar do processado, as informações das localizações anteriores ao início das aqui determinadas e que, estando a ser feitas em tempo real, nenhuma questão quanto ao respectivo armazenamento suscita, pois que estão a ser armazenadas neste processo, ao abrigo da respectiva ordem judiciária. Resultando do processado que assim estava também a acontecer noutros processos que estavam a ser investigados e estão ali indicados, também nenhuma questão se coloca a esse nível, não sendo aplicável a jurisprudência do TC, o que permite concluir pela validade das localizações celulares que constam deste processo (única prova que estava vulnerável a esta jurisprudência). O que resulta do presente acórdão é que só é possível impor um período de conservação de dados de tráfego relativamente a pessoas em relação às quais existam indícios de que o seu comportamento possa ter algum nexo com os crimes graves enunciados na alínea g) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei nº 32/2008. A ser assim, os fornecedores de serviços de telecomunicações apenas podem conservar os dados quando a autoridade judiciária competente os solicitar no decurso de uma investigação criminal, como aliás aqui aconteceu. Ora, estando activas intercepções e localizações ordenadas noutros processos em investigação, a conservação dos dados não está a ser feita em violação do direito à privacidade, mas no âmbito de uma compressão a esse direito determinada judicialmente, nos termos de decisão que ponderou, desde logo, a necessidade da excepcionalidade e a proporcionalidade da medida, salvaguardando-se assim a Constituição da República Portuguesa e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. E também se não coloca a questão aqui da segunda inconstitucionalidade declarada, por falta de notificação ao visado da consulta de dados, uma vez que, como decorre dos autos e até da decisão de manter sucessivamente o segredo de justiça, como decorre dos factos, essa comunicação, não apenas resultaria num prejuízo irremediável para a investigação, como colocaria em risco, em face da gravidade do que aqui se julga, a integridade pessoal dos ofendidos. Não há outras nulidades, excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer. * Para que se explicite totalmente o leque de recursos probatórios à disposição do Tribunal para o efeito de sustentar a convicção quanto à matéria de facto, para além dos depoimentos e declarações, foi possível atender aos elementos de prova, todos eles ponderados, recolhidos durante a investigação e após ela. Destacando-se os seguintes elementos, apresentados pela investigação, além dos demais documentais, bem como depoimentos e declarações: Pericial: - Relatório de autópsia de fls. 592 e ss; - Exame laboratorial toxicologia de fls. 617; - Exames médicos de fls. 661, 906 e 187 (Proc. 694/19.3PCOER); - Relatório de exame de fls. 122 (Proc. 694/19.3PCOER); - Exame pericial de fls. 1352 e ss; - avaliação dos objectos de ourivesaria/relojoaria – Apenso I Documental: - elementos clínicos de fls. 282, 51 e 171 (Proc. 694/19.3PCOER); - autos de apreensão de fls. 70, 130, 139, 150, 455 e ss, 1183, 370 e ss (Proc. 694/19.3PCOER), 395 e ss (Proc. 694/19.3PCOER) e 455 (Proc. 694/19.3PCOER); - autos de exame directo de fls. 584 e ss (Proc. 694/19.3PCOER); - relatório de inspecção judiciária de fls. 37 e ss, complementado pelo relatório pericial de fls. 337 e ss; - autos de transcrição de fls. 132, 133, 134, 136, 137, 299 e ss (Proc. 694/19.3PCOER), 306 e ss (Proc. 694/19.3PCOER), 660 e ss (Proc. 694/19.3PCOER); - registo de acionamento de antenas de telecomunicações de fls. 134, 135, 197, 854 e ss, 860, 868 e 873; - vestígios lofoscópicos de fls. 22, 30 e ss e 122 e ss (Proc. 694/19.3PCOER); - informação de fls. 508; - situação fiscal e patrimonial do arguido L de fls. 1196 e ss; - certidões de fls. 933 e 1256; - relatório da PJ de fls. 1445 e ss. - CRC’s dos arguidos e relatórios sociais; - ficha biográfica actualizada pelo EP; - todos os juntos em fase de julgamento, seja com os pedidos de indemnização, contestações ou posteriormente. * • Documentos, informações e relatórios de diligências: Foram ponderados pelo Tribunal os documentos recolhidos durante a investigação, designadamente autos e mandados, fichas informativas, diagramas, prints, informações policiais e relatórios de diligência externa. Várias das informações recolhidas foram também ponderadas, algumas porque decorrentes dos depoimentos, outras porque esclarecem os procedimentos da investigação e outras, ainda, porque a Defesa a elas se referiu. Estão neste rol, designadamente, as informações sobre localização de pessoais ou viaturas, das operadoras telefónicas, etc. Os relatórios de diligência externa (RDE) foram ponderados, na medida em que serviam para documentar as diligências respectivas, como reportagens fotográficas, e a colocação dos depoentes no respectivo acto. * • Prova por declaração dos arguidos: Os arguidos usaram da faculdade de não prestarem declarações em julgamento, apenas referindo, a final, que os relatórios sociais quanto às suas condições pessoais estão correctos. ** Declarações prestadas para futura memória Foram ponderadas no seu conteúdo integral, muito embora se deixe aqui apenas a súmula delas. Quanto a estas declarações, como consta da gravação, o Tribunal teve de esclarecer que é o conteúdo integral delas que é ponderado, uma vez que a Defesa suscitou a questão, por razão que se desconhece, não tendo sido reproduzidas em audiência, como não têm de ser, e por constituíres prova pre adquirida nos autos. Temos, coimo tal, em consideração as declarações para memória futura das ofendidas e testemunhas: - G (ofendida no proc. 122/20.1PBOER); - D (ofendida no proc. 694/19.3PCOER); - F (ofendida no proc. 849/20.8PBCSC). Estes depoimentos reflectem a situação de susto e pânico das ofendidas, descrevendo aquilo de que se lembram, como consta da respectiva gravação, nenhum deles sendo determinante para a identificação de suspeitos. ** • Prova testemunhal: A testemunha M, consultora imobiliária, veio dizer que a ofendida G é sua vizinha há cerca de 20 anos, do mesmo prédio. Em data que não recorda, a que se reportam os factos, a declarante ia a sair de casa, cerca das 10 horas da manhã, e cruzou-se com um indivíduo na escada do prédio, que não era ali morador. Sentiu algum desconforto, mas cumprimentou-o e seguiu caminho. Mais tarde, quando regressou ao prédio, soube do ocorrido. A sua vizinha, aqui ofendida G, tem mais de 90 anos de idade ao que pensa e foi muito mal tratada. Os factos ocorreram, como tal, enquanto esteve fora de casa. Dias mais tarde, a polícia foi ao seu trabalho, levando umas fotografias, tendo reconhecido nesse conjunto a pessoa com que se cruzou naquele dia no prédio. No entanto, dias depois disto, num reconhecimento pessoal na esquadra, não conseguiu fazer o reconhecimento. Cruzou-se com o referido indivíduo entre o 1º andar e o r/c, quando ia a descer porque o prédio não tem escadas. Só viu a ofendida alguns meses depois, quando a mesma regressou a casa, ainda de muletas, que ainda hoje usa [sendo que, antes dos factos, não as usava]. Pedido que o fizesse, em sala de julgamento, identificou o arguido B como sendo essa pessoa com quem se cruzou dentro do prédio nesse dia, logo imediatamente antes de a vizinha ser assaltada e agredida. A testemunha N, reformado da função pública de 69 anos de idade, veio dizer que é filha da ofendida/demandante G, e que a mãe tem, actualmente, 92 anos de idade. Que a mãe foi vítima de assalto no dia referenciado nos autos, 04.02.2020. Tem o hábito de visitar a mãe todos os dias ao fim da tarde, usando a chave que tem, que apenas ele usa por causa da idade avançada da mãe. Nessa data, chegado a casa da mãe, encontrou-a fechada na casa-de-banho, trancada por fora à chave [a chave da casa-de-banho estava por fora, onde foi deixada depois de trancada]. Chamou por ela, tendo-lhe a mesma respondido com uma fraca voz do interior da casa-de-banho, enrolada a um canto, com uma perna [a esquerda, pensa] magoada, com hematomas na perna e na cabeça; estava magoada do joelho para baixo, ao que recorda, porque na aflição apernas quis socorrer a mãe, pelo que pegou logo nela, levou-a para a sala de jantar, sentou-a e chamou o 112. A casa-de-banho não tem janela para o exterior. A luz dessa divisão estava apagada. A mãe estava muito fraca. Terá tentado pedir ajuda, mas não foi ouvida, esteve lá muitas horas fechada. A casa estava toda remexida, sobretudo o quarto da mãe, onde remexeram gavetas e tudo, tal como fizeram na casa de jantar. As coisas, no quarto, estavam todas tiradas dos sítios. A mãe só usava com ela a aliança, e que já não tinha no dedo quando chegou. No quarto guardava a aliança do pai que tinha falecido e que tinha também gravada a data de casamento deles [25.02.1952, pensa]. Actualmente, cada aliança dessas vale para cima de 400€. Levaram de casa também um relógio, mas não sabe se estava guardado em casa ou com a mãe. A mãe tinha em casa cerca de 50€ em dinheiro para as compras, guardados numa gaveta do quarto. Puseram-lhe um cobertor na cabeça e deixaram-na na casa-de-banho. Foi o declarante que chamou a polícia e o 112. A mãe ficou internada no hospital na sequência do ocorrido. Depois destes factos, mesmo regressada a casa, deixou de fazer as rotinas diárias, tendo deixado de sair à rua na maioria das vezes. Nunca, antes dos factos, a mãe precisou de usar muletas. Usou duas até estar recuperada. A mãe vive com medo, não se sente tranquila em casa. A testemunha O, esteticista de 53 anos, veio dizer que conhecia o casal ... [F, ofendida nestes autos e marido, falecido na sequência dos mesmos], frequentando a casa com regularmente, porque fazia massagens à ofendida pelo menos uma vez por semana, no domicílio da mesma ofendida. Quando o marido da ofendida estava vivo, do que sabe da vida deles pelo convívio que tinham naquele âmbito e das conversas feitas, a própria ofendida saía várias vezes de casa, com o marido, mas ele saía diariamente para fazer as coisas de que precisava. A declarante ia fazer massagem lá a casa às segundas ou quartas feiras, tendo mesmo estado lá em casa no dia dos factos, da parte da manhã. A casa é em Cascais, até perto de Tribunal. Pensa que a ofendida terá cerca de 87/88 anos de idade e o marido teria cerca de 90/92 anos de idade, mas não tem certeza. Esteve na casa do casal na manhã dos factos. Recorda-se que tinham perdido umas das chaves de casa, o que muito os preocupava, pelo que os ajudou e telefonou para a empresa das chaves que ficou de ir lá a casa cerca das 17 horas desse mesmo dia. Mais tarde, na tarde desse dia, o homem da casa das chaves ligou para a testemunha a dizer que estava junto ao prédio e as pessoas não abriam a porta. A testemunha ligou aos ofendidos e ninguém atendeu, pelo que voltou a falar com a empresa das chaves e combinou irem lá no dia seguinte. No entanto, como ficou preocupada com as pessoas, continuou a ligar para eles sem que atendessem. Depois de insistir várias vezes, ligou para uma colega que lá costuma ir também fazer umas tarefas a casa do casal (pedicure) e esta pessoa contactou a sua filha e disse à declarante que lá iam ver o que se passava porque nada daquilo era normal. Ligou depois mais tarde a saber como estavam, tendo sabido do ocorrido. Soube que o assalto se deu cerca das 15 horas, mas acha que foi depois dessa hora, uma vez que às 15 horas o marido da ofendida ligou para si por causa do assunto da chave. As chaves que se tinham perdido eram da casa, pensa que seriam as da ofendida ou as da empregada, o que os estava a deixar bastante intranquilos, por isso ajudou e ligou para a casa das chaves. Das vezes que foi ao prédio nunca se apercebeu de nada de estranho, e nunca reparou em viatura nenhuma em especial. O prédio dos ofendidos não tem visor de imagem para a porta do prédio, razão pela qual o marido vinha sempre ao patamar do andar para ver quem era que entrava no prédio quando tocavam. Para a ofendida era mais difícil, porque tinha dificuldades na mobilidade. A declarante só ia a casa do casal com marcação prévia. Eram pessoas muito cautelosas. Por norma, quando lá ia, a porta de baixo de prédio estava fechada, muito raramente a encontrou aberta e a ideia que tem, nem certeza absoluta, é de que, nesse dia, estava fechada quando entrou e saiu. O casal era reformado, não tinham filhos e a única família eram os sobrinhos. O casal tinha um relacionamento muito bom, dando-se “maravilhosamente”, muito preocupados um com o outro. O marido ia às compras e tratar das cousas dele diariamente e tinham, há muitos anos, uma senhora que fazia lá as limpezas, que vai ser ouvida [porque estaria lá fora à espera para ser ouvida], não recordando o nome da mesma. Só o sobrinho lá ia às vezes, por norma ao sábado, almoçando desde logo com o casal. Depois disto, a ofendida foi para um Lar no Estoril, onde se mantém. Muito embora a visite algumas vezes, não falam dos factos e pensa que a ofendida não quer recordar o que se passou e, por isso, respeita, e tenta não falar do assunto. No entanto, refere, sempre que a ofendida fala do marido chora. Das idas à casa do casal nunca se apercebeu das coisas em ouro que teriam, apercebendo-se, no entanto, de que tinham muitas coisas antigas em casa, cujo valor desconhece, desde logo algumas peças em prata. A ofendida tinha duas alianças, e o marido também, segundo recorda uma amarela e uma branca, ambas em ouro. A declarante não tinha a chave da casa do casal. Sempre que ia, estava marcado e tocava à campainha. Pensa que a senhora que fazia a limpeza tinha a chave. Não sabe de quem era a chave que se perdeu. A ofendida tinha pouca mobilidade. A testemunha OP, doméstica de 72 anos de idade, disse que conhece o casal … porque trabalhou na casa deles, em limpezas, durante muitos anos. Não presenciou os factos porque no dia 8 de Setembro de 2020 não trabalhou lá em casa, tendo lá estado no dia anterior. Tinha desaparecido uma das chaves de casa do casal, não sabe de quem em concreto. Umas chaves estavam sempre na porta, por dentro. As chaves eram da casa, do prédio e do correio, ao que recorda. A ofendida tinha ido ao médico no dia anterior e a declarante retirou a chave da parte de dentro da porta para evitar que se fechasse a porta e foi esperar a ofendida à porta do prédio para a ajudar a subir para casa. Muito embora tenha dado logo por falta das chaves, não as encontrou mais, tendo procurado inclusivamente no prédio, para a eventualidade de ter caído. Depois disso andou a fazer as limpezas e depois foi embora. Ia àquela casa trabalhar às terças, quintas e sextas feiras. No dia em que a massagista ia à casa do casal, por norma, eles não saíam. Por isso, falou à ofendida do desaparecimento das chaves, mas como não iria lá mais ninguém a ofendida disse que depois tratariam do assunto. Nesse dia em que a chave se perdeu, data anterior aos factos, não se apercebeu de nada estranho no prédio. E nem nos restantes dias deu nota de nada de estranho. No dia seguinte, cerca das 21 horas, a massagista da ofendida telefonou para si e disse que estava farta de ligar para casa dos ofendidos e ninguém atendia, o que não era normal. Por isso, a declarante começou também a ligar, sem que lhe atendessem o telefone também, o que adensou a sua estranheza. Como tudo isto não era comum, telefonou à sua filha e, como tinha a chave, decidiu ir a casa do casal. Chegando lá, tocou à campainha e ouviu a voz da ofendida, muito baixinho, dizendo que estava mal e tinham sido assaltados, pelo que pegou na sua chave e tentou abrir a porta, muito embora não o tenha conseguido porque a chave [porventura do falecido] estava por dentro da porta, como era habitual. Chamou logo a polícia, que acabou por chegar depois. Quando a polícia abriu a porta já não a deixou entrar na casa, tendo visto, no entanto, de fora, que o corredor estava todo remexido. Só viu a ofendida depois, quando saiu com os bombeiros para o hospital, estando muito nervosa, não tendo sequer a declarante percebido se estava ferida ou não. A ofendida usava anéis e alianças, tendo-os a testemunha identificado já na polícia, o que mantém. E a sua filha, que também conhecia bem as jóias da ofendida, também reconheceu vários objectos na polícia. A porta do prédio estava muitas vezes aberta, sem estar fechada no trinco. O casal tinha coisas boas em casa e jóias em ouro. Usava duas alianças, do casamento e de 25 anos de casados. Tinham casado em 8 de Dezembro, há mais de 60 anos talvez. E o falecido também usava duas alianças iguais. A ofendida tinha limitações físicas, desde logo de mobilidade. Ao contrário, o falecido era muito activo e saía muitas vezes, tratando de tudo, desde logo das compras que eram precisas, que ia comprar, como o pão, e conduzia ainda muito bem e estava muito bem de saúde. O prédio não tinha elevador e ele fazia sempre a pé o percurso, subindo e descendo três andares, duas vezes por dia, pelo menos. Era um homem saudável, desconhecendo-lhe qualquer doença. Não tinham filhos e davam-se muito bem, dependendo um do outro, sobretudo a ofendida, que tinha menos mobilidade, vivendo um para o outro. A ofendida ficou muito mal com estes acontecimentos. Não voltou para casa depois de sair do hospital. Está num lar (de Santo António), no Estoril. Ficou muito deprimida com o ocorrido, teve muito desgosto. Recorda-se que o falecido tomava medicação, mas pensava que não era para o coração porque não tinha qualquer doença. A testemunha Q, consultora financeira de 46 anos de idade, filha da testemunha anterior, veio dizer que a mãe trabalhou muitos anos na casa do casal, tantos que ela ia consigo, em pequenina, para lá, sendo que a ofendida era a sua madrinha. Conhecia muito bem o casal. No dia dos factos, cerca das 21 horas, a mãe ligou para si a dizer que a massagista da ofendida ligara para si, contando que não os conseguia contactar, o que estranharam todos porque nunca acontecera. A massagista disse também à sua mãe que a Chaves do Areeiro chegaram lá e voltaram para trás porque não lhes abriram a porta, o que também não fazia sentido relativamente àquelas pessoas em concreto. Por causa de perceberem que alguma coisa podia ter acontecido, decidiu ir com a mãe à casa deles, chegando já de noite. O carro deles estava na rua, pelo que perceberam que não teriam saído. As luzes da casa, vendo-se de fora (sobretudo a da sala onde estavam sempre), estavam apagadas, o que também era muito estranho. Como a mãe tinha a chave, abriram a porta do prédio e subiram, indo já as duas nervosas a pensar no que pudesse ter acontecido. Bateram à porta do vizinho de baixo para que fosse com elas porque tinham medo do que pudesse acontecer. A mãe tentou abrir a porta da casa com a chave que tinha, não conseguindo porque estava uma chave por dentro na fechadura. A declarante ia à casa do casal levar comida na altura do covid e tinha sempre de dizer que lá ia antes de ir, e o falecido só lhe abria a porta depois de a declarante dizer que era ela quem tocava. Quando tentaram abrir a porta, ouviram a voz da ofendida, sua madrinha, ao longe, muito fraca, a pedir ajuda porque tinham sido assaltados e estava mal. Foram, a declarante e a mãe, que chamaram o 112 e a polícia. O corredor, visível de onde estavam, estava todo remexido. Perceberam logo que tinha havido um assalto com muita movimentação de coisas porque estava tudo remexido. Depois viram a ofendida passar já na maca a caminho do hospital. Vinha muito assustada, meia “tresloucada”, não tendo sequer percebido se, e onde, estava ferida, até porque não era para isso que estavam a olhar. A ofendida era sua madrinha. Tinham uma relação próxima desde que era criança. Sabe as jóias que tinha porque as viu lá em casa a vida inteira, conhecendo-as bem. Exibidas as folhas 829 a 853, diz reconhecer as peças constantes de fls. 829 (n.ºs. 4 e 5 com certeza), 830 (nº 10 com certeza), 831 (nº 13 com certeza), 832 (nº 26 com reservas), 833 (nº 30 com reservas), 834 (nº 39 com reservas), 835 (nº 47 com reservas), 836 (o nº 53 com certeza; nº 55 com reservas), 837 (nº 60 com certeza; nº 57 com reservas; nº 62 com certeza), 838 (n.ºs. 71, 67, 69, 70 com certeza; nº 65 com reservas), 839 (nº 71-A com reservas), 840 (n.ºs 76, 77, 81 com certeza; nº 75 com reservas); 842 (nº 98 com reservas), 843 (nº 101 com certeza), 844 (nº 108 com reservas), 846 (nº 120 com reservas; nº 126 com certeza), 848 (n.ºs 134, 137 e 138 com reservas), 850 (nº 151 com reservas), 852 (nº 160 com certeza, as cruzes e alfinete), desejando esclarecer que as reservas se devem, exclusivamente, ao facto de, num contexto de peças muito semelhantes, não conseguir distinguir as que eram e não eram da sua madrinha. A declarante era afilhada da ofendida, mas também do falecido, de crisma e de casamento. Conheciam-se bem, privando com eles frequentemente. E quando era miúda passava o dia com eles, porque a mãe ali trabalhava. O casal tinha muitos objectos de valor. O falecido era muito cauteloso e muito cuidador da mulher. A ideia que tem é de que a porta do prédio estava sempre fechada, e nesse dia também estaria. O casal deixava sempre a porta de casa fechada e uma chave por dentro da porta e trancada. Pensa que a única coisa que faria o ofendido abrir a porta era pensar que eram as Chaves do Areeiro a chegar. O falecido, além de muito cuidadoso com o resto, olhava sempre pelo óculo da porta, mas nesse dia pode ter aberto porque ia receber pessoas que não conhecia, da casa das chaves. O casal viveu muitos anos fora do País, na Índia, África, antes de virem viver definitivamente para Portugal. A ofendida era professora, mas tinha acompanhado o marido a vida inteira; ele ia como militar e ela ia com ele. O falecido era muito cuidador relativamente à mulher. Ele conduzia, subia e descia as escadas do prédio várias vezes, tinha muita resistência, o que não seria alheio ao facto de ter passado muito na vida, tendo estado preso ao serviço do País em novo, tendo sido até condecorado pelo Estado. Tem ido visitar sempre a ofendida ao Lar onde se encontra. E está sempre muito triste, ainda muito confusa com o que aconteceu e sobrevive com grande desgosto. Há factos que baralha, que bloqueia dentro dela. Tem insónias, de que se queixa, está deprimida e triste, tem medo e pânico de ser assaltada. Era um casal de detalhes – todos os objectos que tinham e compravam tinham uma história. Paga cerca de 3.000€ por mês no Lar. Não sabe que o ofendido tenha tido enfarto antes. Se o teve foi antes de os conhecer. Desconhece detalhes sobre medicação que fizessem, ou não. O ofendido era uma pessoa extremamente calma e ponderada e muito protector da mulher. A testemunha R, inspector da PJ, veio dizer que, na data referida nos autos, foi acionada a PSP de Cascais pela morte do falecido e porque a mulher dizia terem sido vítimas de roubo. A PJ dirigiu-se ao local e viram, à esquerda da sala pela entrada, o marido da ofendida, já morto, deitado de lado. A placa dentária estava a uns passos do corpo. Eram imediatamente visíveis várias escoriações no falecido. A mulher tinha já sido encaminhada para o hospital e tinha dado a informação de que dois indivíduos tinham entrado na casa e a tinham fechado na casa-de-banho, tendo só visto depois o marido morto na sala. Perceberam que tinha sido um assalto. Como andavam a verificar e investigar diversos factos semelhantes, e grupos que actuavam da mesma forma, fizeram pesquisas e foram informados por outros colegas de que estavam a ser investigados dois indivíduos, eventualmente suspeitos desses factos, sendo o B e o C. Pediram a consulta do sistema (na investigação que estava em curso) e verificaram que as antenas de localização celular davam indicação de que os telemóveis escutados (dos arguidos) os colocava no local deste crime. O arguido B vivia perto da PJ e o C em Massamá. Desses contactos, cujas escutas estavam em simultâneo a ser feitas, resultava também que o B teria estabelecido contactos com um receptador, que já estava também referenciado há muitos anos por essa actividade, sendo que das conversas resultava que o B, após estes factos, teria dito ao receptador que se preparasse “para comer muito”. Resultando também dessa investigação que o telemóvel do B accionara a antena do Rossio que coincidia com a combinação de encontro entre ambos, que estava nas escutas. Dessas intercepções resultava também que, na véspera destes factos, o B ligara para o C a dizer que tinha já pessoas marcadas e era bom irem lá de manhã. Nesse dia, de manhã, resultava dessas localizações determinadas noutro processo, o B tinha ido buscar o C a casa e tinham seguido para o local dos factos, na sequência da conversa em que dissera que tinha de ser feito pela manhã. Na altura, estavam a ser investigados na PJ dois casos semelhantes, de 2019 e 2020, sendo que, no primeiro, os suspeitos teriam entrado na casa da idosa, teriam tirado a aliança da mão da vítima, de modo semelhante; e, no segundo caso, havia mesmo vestígios identificativos do B no local do crime. O que perceberam da investigação é que o B rotinava as vítimas, estudando-as, projectando depois o assalto com violência na cassa das vítimas. Há um roubo em Março/Abril de 2020 em que o B iria sozinho e deixa a vítima fechada na casa-de-banho, e em que uma vizinha da vítima até se cruzou com ele nas escadas e depois o reconhece por fotografia, mas não pessoalmente, até porque ele já estava fisicamente diferente, desde logo mais gordo. Quer o caso de Oeiras, quer o de Algés estavam em relação com os factos também por via das localizações celulares que estavam activas – no caso de Oeiras a antena acionada é a da zona da residência da vítima e, no caso de Algés, em que o arguido B ria com o co arguido A, também é acionada a antena junto da casa da vítima. A identificação do arguido A foi demorada, uma vez que tiveram de analisar todo o tráfego de chamadas das escutas que estavam a ser feitas, e é nessa sequência que o vêm a identificar e descobrem depois as conexões com os factos de Cascais. Resulta da análise dos elementos, desde logo das intercepções que estavam a ser feitas, que no dia dos factos ocorridos em Algés, o B liga para o A e activa a mesma célula, sendo convicção da investigação que estiveram juntos no cometimento desses factos. Nessa sequência, foram pedidas buscas às casas dos três arguidos (B, C e A), na sequência dos factos ocorridos com as vítimas Almeida. Relativamente ao (ex arguido) ..., são identificados vários dos objectos que ele tentou esconder, na busca, de entre elas as alianças do casal Almeida (dois pares, brancas e amarelas), que o ligam a estes factos também como receptador. Das escutas, desde logo das conversas com o C, resultava que o B andava também armado. Apreenderam no carro do B o aspirador a que também se faz referência nas escutas. Porventura, deduz a investigação, o aspirador era usado pelo arguido eventualmente como demonstração de funcionamento para eventual venda, servindo de engodo. Na busca à casa do B foi apreendida droga e um revolver. Confirma fls. 137 e 131, a informação de fls. 161 e do auto de fls. 180 (muito embora o declarante tenha estado na busca à casa do receptador e não nessa habitação, tomando depois conhecimento das apreensões), fls. 37 a 56, 854 a 873 (que reportam as localizações de 8/9 e 4/9 de 2020), 860 e seguintes (desde logo o email de confirmação das localizações), 862 (das localizações do NUIPC 694 quanto ao B), 863 (quando ao NUIPC 122 quanto ao B), 864 (quanto ao C), 868 (10h27m o telefone do C aciona a antena perto do local dos factos, bem como a da área da sua residência antes disso), 873, 877 a 879 e 883 e 884. Refere, ainda, que relativamente ao crime de 8/11, a operadora enviou aos autos informação sobre o B e de onde decorria que, nesse dia, o B contacta três vezes o número terminado em 854 (do A), sendo que os últimos dois contactos já o colocam nas antenas da zona de residência do mesmo A. Esteve na busca do ... mas não sabe se o seu nome consta do auto (que depois verifica estar e constar a sua assinatura), confirmando o mesmo e fls. 165 a 180, sendo que quando o mesmo ... tenta esconder da polícia alguns objectos o declarante ainda não tinha chegado ao local da busca, tendo chegado logo após isso. O C também tinha objectos em ouro, mas o declarante não esteve nessa busca, confirmando fls. 150 e 151 apenas porque disso teve conhecimento no âmbito da investigação. Foram apreendidos ao B e C os telefones que estavam a ser interceptados nas escutas, e que tinham na sua posse. Também foram apreendidos os telemóveis do .... Recorda que, para além da placa dentária do falecido projectada a uns passos do corpo, também o aparelho auditivo do falecido estava longe do corpo do mesmo. Em autópsia viu-se que o dedo do falecido estava lesado de antes da morte. A casa do falecido tinha peças em marfim também. Mas percebe-se pelos indícios e do decurso da investigação que o alvo era a obtenção de ouro. Na casa de Cascais não há vestígios lofoscópicos dos arguidos. Confirmando fls. 133 das transcrições, 868 e seguintes relativamente às antenas (a fls. 873 vem a morada da localização exacta da antena), conforme ao que consta de fls. 88. Confirma também o teor de fls. 199 e seguintes. A testemunha S, também inspector da PJ, veio dizer que esteve na busca a casa do B, no quarto do mesmo, e viatura do mesmo, na Rua Bernardo Lima, nº 17, 1º direito em Lisboa, que refere ser um apartamento dividido, morando lá também o locatário, tendo falado também com o proprietário do mesmo. Enquanto iniciavam os procedimentos da busca ouviram barulho e verificaram que era o arguido B a tentar fugir, tendo os seus colegas dito para parar e seguindo no seu encalço, sendo ele detido mesmo antes de a busca ser finalizada. Não recorda já se o Talf esteve na busca porque se feriu num pé a tentar fugir e mal se mexia, tendo sido chamada a ambulância. Foi feita busca ao quarto do B, depois de os presentes identificarem o B (que estava a fugir) como morador naquele quarto, sendo o quarto pequeno e confuso, porque estava desarrumado. Encontraram no quarto dinheiro (que parcialmente deixou cair na tentativa de fuga), ouro (brincos, pulseiras, medalhões) e droga, mas também apreenderam telemóveis e cartões telefónicos. Confirma fls. 370 e seguintes do apenso 694, referindo que a casa em causa é um r/c e não um 1º andar; confirmando também a busca à viatura do arguido, mercedes preto, estacionada perto da casa, conforme fls. 395. * Foram ouvidas as testemunhas dos assistentes e demandantes. A testemunha T, médico, veio dizer conhecer o casal Almeida, de quem o seu pai foi médico em Moçambique, tendo depois passado com o seu pai a exercer essas funções relativamente ao casal, para além de serem muito amigos, ambos, do casal. O coronel ... tinha 90 anos de idade. Na sua qualidade de médico frequentava a casa do casal, sobretudo por causa da mulher daquele que tinha muitos problemas osteoarticulares, sendo que o marido precisava de menos acompanhamento. O coronel tinha sido um grande fumador, tendo uma doença crónica nessa altura adquirida, mas tinha uma vida perfeitamente normal, sem problemas. Muitos anos antes tinha tido tuberculose renal e tinha cólicas por via disso, tendo a última ocorrido há 20 anos, tendo sido o declarante a assisti-lo. Não tem conhecimento de que o falecido tenha tido qualquer ataque cardíaco [enfarte] antes. Era hipertenso e tomava medicação para a tensão e Lexotan para dormir. Tinha a preocupação de fazer as vacinas todas, até as sazonais. O relatório de autópsia refere cicatriz antiga no coração. No entanto, não concorda com a causa de morte dali constante, uma vez que na parte final diz que terá sofrido enfarte aguado, notando-se a obstrução da artéria em cerca de 75% [visto o relatório de fls. 592 e seguintes]. O que quer salientar é que não concorda com o facto de se dizer que a causa de morte se relaciona com a referida obstrução, pensando, no seu juízo, que a morte se ficou a dever às lesões produzidas com os factos e as seis horas que esteve sem assistência em casa. Tinha medo do Covid, tinha medo de assaltos. Viviam um para o outro, eram muito chegados, sem filhos. Chegava, por vezes, a tomar 3 comprimidos de Lexotan por dia, muito embora o declarante lhe dissesse que o evitasse porque podia aumentar a falta de ar. Ia todos os dias ao café e fazia as voltas normais de farmácia, etc. e lia sempre o jornal, conduzindo sempre a sua viatura sem restricções. Quando ia a casa do casal era sempre com combinação prévia. O falecido foi militar na Índia, onde esteve preso na guerra, tendo feito comissões também em Macau e Moçambique, onde viria a conhecer o declarante e o pai, que foi lá médico do casal também. O falecido tinha sempre uma chave colocada na fechadura por dentro da porta de casa e trancava sempre a porta com ela. Daquilo que o conhecia, não crê que abrisse a porta para uma demonstração de aspiradores. Soube pela empregada do casal do ocorrido, já após a morte dele. A ofendida foi para um Lar depois disso, no Estoril, falando com a mesma algumas vezes, estando com depressão, fazendo terapêutica. A ofendida era completamente dependente do marido, física e psicologicamente. Esteve com ela no dia em que foi para o lar. Parece reviver o sucedido e ter sofrimento por via disso. Desde a ida da ofendida para o lar, falou com ela 3 ou 4 vezes por telefone também. A testemunha U, diretora do Lar de Santo António no Estoril, onde se encontra a ofendida/demandante, veio dizer que a conhece desde 2020, da sua entrada para o lar, em data que não recorda. Paga 2.300€ de mensalidade. Tem de ter assistência, pois tem mobilidade reduzida e problemas na coluna, graves, caminhando com auxílio de muleta e é muito curvada. As razões que a levaram para o lar prendem-se com a perda do marido nas circunstâncias em que isso ocorreu. Tem sido um processo muito complicado. Foi muito trágico e violento o acontecimento que envolveu a morte do marido e ela sofre muito essa perda, chora, diz que quer morrer, tem muitas saudades do marido. Acha que estão sempre a roubá-la, por vezes mesmo quando a roupa vai para a lavandaria. Muito embora se tenha adaptado ao lar, é uma pessoa bastante triste e solitária, tendo que ser convocada a participar nas actividades com outros. Tem episódios psicóticos à noite. Ainda um destes dias telefonou a dizer que tinham estado homens no quarto dela. O lar faz rondas pelos 20 clientes toda a noite, de 20 em 20 minutos. E, muito embora sabendo disso, tem medo. Dorme mal, tem insónias e esses episódios são frequentes. Esta situação vem piorando com o passar do tempo, certamente também por via do início da demência que atravessa agora, sendo por isso seguida por um neurologista. A testemunha V, sobrinho do casal ..., de 68 anos e arquitecto, veio dizer que estava de férias fora de Lisboa quando foi contactado por causa do acontecido, tendo vindo para Lisboa no dia 10, logo imediato ao dia em que lhe telefonaram, tendo estado com a tia no hospital de Cascais. Depois de sair do hospital a sua tia ficou uns dias consigo, e foi depois para o lar porque um acontecimento destes deixa consequências traumáticas muito graves e não estava nada bem, tendo havido a necessidade de lhe prestar cuidados especiais e que o lar prestava. A tia tem limitações físicas e ficou mal do ponto de vista mental/emocional com estes factos. A sua tia já dependia do marido para quase tudo de há alguns anos para cá. Ele já tinha muita idade, e já era difícil [à tia] subir as escadas para o 4º andar onde viviam. A tia não voltou para a casa do casal, tendo ido, depois de estar consigo, para o Clube Sénior do Estoril onde está ainda. Paga 2.300€ de mensalidade no lar. O declarante gere o património dela. A esta mensalidade somam-se, ainda, os medicamentos, fraldas, fisioterapia e outras prestações de cuidados. Vê a tia todas as semanas praticamente, excepto no tempo de pandemia em que não o podia fazer. Está constantemente presente na vida da ofendida a morte do marido, vivendo com esse episódio muito presente e com medo que volte a acontecer em qualquer contexto, até no lar em que está. Recorrentemente diz que lhe mexeram nas coisas, que tem alguém dentro do seu quarto, etc. É acompanhada por neurologista neste momento que dá assistência ao lar, e que é contratado pela própria instituição. A ofendida tem uma tristeza profunda e vontade de “partir” também. O casal era muito católico, como ela se mantém, e a vontade de ir “para junto do marido” é muito grande. Quando a visita está algumas horas com a tia e vai sentindo todos estes problemas. O casal era muito próximo, com muita partilha entre ambos, eram “dois em um”. O tio não teve uma vida fácil. Esteve preso na Índia cerca de um ano por causa da guerra e fez comissões em Angola, Moçambique Guiné, e a mulher seguia-o sempre. Todos estes riscos eram partilhados entre ambos. O relacionamento deles foi sempre muito intenso. Não sabe totalmente que objectos foram subtraídos. Os tios tinham muito ouro em casa, pratas, do que sabe até por outras pessoas que lá iam com frequência. Usavam aliança de casados e de 25 anos de casamento, cada um deles. Tinham casado há mais de 60 anos. Só viu a casa depois dos factos. Estava tudo desfeito em casa, tudo tirado das estantes, dos armários. Falaram com o senhorio e pediram algum tempo para tirarem as coisas de casa e depois entregaram-na. Era o tio que tratava de tudo, da gestão do dinheiro da casa, de tudo, fazia a sua vida e tratava da vida de ambos. Ele tratava das coisas deles fora de casa, por vezes, quando era preciso, levava a mulher. Ele conduzia, via notícias, comprava regularmente jornais e lia, geria tudo da casa do casal. O tio tinha condecorações por ter estado no exército: a cruz da Ordem de Avis e de Comendador dadas pelo Presidente da República, e outras que estão documentadas nos autos. Era um homem de um humanismo muito grande. Do que lhe conhecia, não acredita que fizesse frente a uma pessoa que entrasse na sua casa. Não havia qualquer registo de doença dele. Tinha sido um grande fumador no passado, tinha deixado o tabaco há anos. Não tem ideia de que o tio tenha tido problemas de saúde, desde logo no coração, mas admite que possa ter havido alguma coisa no passado que desconheça. Esteve no dia 10, subsequentemente aos factos, com a tia, alguns minutos, quando ela estava no hospital, tendo-a encontrado muito debilitada. Dias depois disse ao declarante que o marido ali tinha estado junto dela. Vistas fls. 284 a 286, refere que tem ideia de que, nessa altura, a tia ainda não saberia da morte do marido. Quando a viu depois dos factos, a tia queixava-se de dores de cabeça e tinha marcas visíveis de agressões, tendo-lhe relatado o que se passara. A testemunha X, reformado do exército de 87 anos de idade, amigo do casal, veio dizer que conheceu o falecido em Moçambique, bem como a mulher, tendo ele ainda feito comissões na Índia, Guiné e Angola, tendo sido prisioneiro de guerra na Índia, durante uns meses. Não sabe se teve louvores, nunca falaram disso. O falecido era de artilharia, o declarante era de infantaria. O falecido era Comendador da Ordem de Avis, mérito militar de 1ª, 2ª e 3ª classe, e medalha do exército. O casal adorava-se, não tinham filhos, eram extraordinários. Ele era uma pessoa muito calma, sensata, mas pelo amor que tinha à mulher não se admirava se tivesse reagido no caso de ver algum mal acontecer à mulher. No sábado anterior aos factos esteve com o casal, foram os três almoçar. Desconhece doenças ao falecido, não se dava por nada, não tem ideia de que tivesse qualquer problema de saúde. O falecido ia às compras, tratava das coisas do casal, conduzia a sua viatura, tudo com normalidade. Foi à casa do casal muitas vezes. Era um 3º andar sem elevador. A ofendida tinha várias limitações, foi operada várias vezes. Não tem tanto contacto com ela agora por causa do Covid, mas ainda a foi visitar duas vezes ao lar onde está, vendo-se através da janela. A ofendida está num lar no Estoril, não tendo voltado à casa do casal, segundo sabe o declarante. Conhece o sobrinho da ofendida com quem, no entanto, nunca falou sobre o ocorrido. O casal tinha objectos de valor em casa, entre eles uma tapeçaria de Castelo Branco que destaca e de que muito gostava, sabendo que o ofendido comprava jóias que dava à mulher. Usavam alianças de casamento e bodas. Pelas contas que faz à sua categoria militar, até por comparação à do próprio declarante, presume que a pensão/reforma da vítima rondasse os 2.600/2.700 euros, e da mulher rondará os 1.500/1.700 euros a pensão por morte do marido. A testemunha Z, estudante de criminologia de 23 anos, neta da demandante e ofendida ..., veio dizer que não assistiu ao assalto, muito embora almoce sempre com a avó. Só que, após os factos, a avó ficou aterrorizada, como está, e só abre a porta depois de a declarante, já à porta, lhe telefonar a dizer que é ela. A avó ainda vive aterrorizada com o que aconteceu, pensando que os assaltantes andam atrás de si. Antes destes factos a avó saía de casa normalmente, ia ao ginásio. Agora, pelo contrário, só sai de casa se for necessário. Há dois meses foi ao supermercado e acredita que viu um dos assaltantes e ficou ao pé do segurança até a declarante chegar. Todas as noites dorme com a luz acesa. Nesse dia esteve em casa com a avó. Quando estava a chegar ela ligou-lhe a chorar, horrorizada, tendo-a encontrado sentada na sala, de porta aberta, com a cara negra e inchada, tendo sido chamada a polícia. Teve traumatismo na cara e tinha a dentadura partida. Os hematomas ficaram visíveis mais de duas semanas, e o lábio superior tinha sido aberto com as agressões. Em termos físicos recuperou, mas não emocionalmente. Foram subtraídas as alianças dela e do avô (usava a do falecido marido e tinha, ao que pensa, a sua própria guardada), dois relógios de ouro [um da mãe e outro da avó]. Os assaltantes arrancaram-lhe a aliança do dedo. A avó está sempre a reviver os factos e acha que está sempre a ver os assaltantes. A testemunha Y, filha da demandante H, veio dizer que a sua mãe tem 73 anos de idade presentemente, cerca de 1,60 metros de altura. A declarante soube dos factos por telefone. Quando chegou junto da mãe encontrou-a em choque, desesperada, só chorava, tinha a boca a deitar sangue, estava aleijada na boca e nariz, nos dentes, tendo sido atirada contra o chão. Teve de ir para o hospital, ficou negra das lesões. Antes disso era uma pessoa bem disposta, ia à hidroginástica, ao supermercado, o que agora se recusa a fazer, por medo. Refere que agora, quando lhe tocaram à campainha (a porta tem código numérico para entrar), têm de telefonar antes a dizer quem são, senão nem abre, dorme de luz acesa, não fala do assunto, anda sempre cheia de medo. Vai às compras com medo, tem medo de tudo e todos. Quando chegou à casa da mãe encontrou tudo revirado, mais o quarto da mãe, no entanto. Contou-lhe que primeiro a empurraram para o chão do hall, depois foi levada para o quarto ou casa-de-banho [já não recorda com exactidão] onde a fecharam. Levaram as alianças de casamento dos pais, um fio A mãe usava a aliança do pai e tinha a sua guardada, tendo sido ambas levadas, tendo aquela que tinha posta sido arrancada, e a outra, que estava guardada numa gaveta, foi levada também. Foi ainda levado um fio de ouro que arrancaram do pescoço da ofendida e dois relógios, um tinha sido da avó da declarante e outro da outra avó que, mais do que o valor, tinham muito valor sentimental para a ofendida. Pensa que não foi subtraído dinheiro. A placa dentária da mãe ficou destruída e os óculos de ver também, sendo que os usava sempre. As testemunhas de defesa foram ouvidas. Apresentada pela defesa dos arguidos B e C: A testemunha MO, consultor forense, que disse não conhecer os arguidos, veio dizer que fez o parecer que foi junto aos autos pela Defesa, tecendo as considerações que se lhe mostraram adequadas sobre o que seja modus operandi e como deve ser interpretado e avaliado em processo crime. A testemunha W, investigadora da faculdade de medicina do Porto e geneticista molecular, que disse não conhecer os arguidos, veio dizer que tem conhecimentos médico-legais e considera que a morte da vítima Almeida não teve relação com os factos ocorridos, mas tem causa na arteroesclorose que consiste no depósito de placas de gordura nos grandes vasos que interfere no fluxo sanguíneo para o coração e que é a principal causa de enfarte. O estudo histopatológico faz parte do protocolo no caso de morte e aqui confirma a doença isquémica crónica do falecido. Refere que o termo “enfarte” é a falta de afluxo sanguíneo e, nos casos em que são controlados a tempo, deixam ainda assim cicatriz. O enfarte também pode ter causa aguda num choque emocional. No entanto, os estudos que existem referem que apenas 15% das pessoas sujeitas a essas circunstâncias sofrem enfarte. Pode acontecer, mas depende das restantes comorbilidades. O falecido tomava bromazepam, que é um ansiolítico, prescrito a quem sofre também de cardiopatias e doenças obstrutivas pulmonares e outras. Não é a violência que provoca a arteroesclerose. Só teve acesso ao relatório de autópsia e, através dele, ao estudo de histopatologia, antes destas declarações. Segundo entende, a causa de morte foi a arteroesclerose e o enfarte que pode ocorrer em qualquer momento, porque há uma obstrução na artéria, que nem era recente neste caso. A ansiedade, agitação, tendências para a depressão, tudo isto pode levar à prescrição médica da bromazepam. Perguntada pelo Tribunal se, numa situação de choque violento, destas dimensões, uma pessoa com as características físicas do falecido podia ter sofrido um enfarte, respondeu que, neste caso, não, porque o falecido não integra os 15% de pessoas a quem isso pode suceder, estando, antes, nos restantes 85%. Tendo em conta que estamos perante uma pessoa de 90 anos, ansiosa, com uma obstrução ainda que seja de 75% de artéria, mas que faz a vida normal, subindo e descendo escadas diariamente, fazendo uma vida normal, foi perguntado pelo Tribunal se, numa situação grave, violenta, de choque, não poderia esta situação provocado o enfarte, respondeu que não. Perguntada porque razão disse que não e integra a vítima fora dos 15% de pessoas a quem isso podia acontecer, respondeu que era a sua opinião, sem outras justificações. A testemunha AB, técnica de assistência de escala de 26 anos, veio dizer que é amiga dos dois arguidos que eram vizinhos há mais de dez anos da sua irmã, muito embora tenham começado a dar-se mais em adultos. Refere que o B é boa pessoa, trabalhando pelo personal trainer, vivendo dos rendimentos dessa actividade, muito embora estivesse, antes de preso, à procura de emprego. Considerando-o um bom amigo. Estiveram ambos os arguidos emigrados, pelo que nessa altura não se relacionavam. Viu o B trabalhar, tendo mesmo vídeos publicados nas redes sociais. A testemunha AC, doméstica de 33 anos de idade, é irmã do arguido B e conhece o arguido C de serem amigos, bem como o A de andar junto com os mesmos que, cumprido o art.º 134º CPP, quis prestar declarações. Diz que os arguidos cresceram na mesma zona, conhecendo-se desde crianças. Que o B sempre foi o filho preferido, sobrinho preferido, neto preferido, pelo que tem sido muito difícil para a família encarar esta situação toda. A filha do arguido não sabe que o mesmo está preso. Foi a declarante que contou à mãe e o resto da família soube pela televisão e foi tudo um choque. Não revê o irmão nesses factos noticiados. O arguido esteve emigrado na Inglaterra. Voltou depois para Portugal e ficou como personal trainer, tirando um curso para isso, fazendo sempre bom ambiente no ginásio. Subsistia dessa actividade. Antes de ir para Inglaterra, estava a trabalhar com a tia em restauração. A filha do arguido tem 9 anos, sendo o arguido um pai dedicado, maravilhoso, um tio maravilhoso e um neto maravilhoso para a avó que teve um AVC e a quem ajudava. Relativamente ao arguido C, refere que nunca o viu fazer nada de negativo, apesar de em adultos não terem convivido muito. O A só conhece de criança, não sabendo muito a seu respeito. É a única irmã do B, tendo o mesmo estado na sua casa em Inglaterra. O B veio de Inglaterra em 2017. Acha que começou a trabalhar em 2018, mas o ginásio fechou em 2020 por causa do Covid. A testemunha AD, recepcionista de 30 anos, veio dizer que só conhece o B, há cerca de dois anos. Teve aulas com o B durante a gravidez, treinos. Acha-o super carinhoso e ajudou-a várias vezes. Considera-o respeitador e não acredita no que aqui dizem dele. A testemunha AE, empregada de mesa de 26 anos de idade, namorada do arguido C [perguntada para os efeitos do artº 134º CPP, respondeu ser só namorada do arguido, não vivendo em união de facto com o mesmo], veio dizer que o seu namorado é uma pessoa simples, que ama a família, bom namorado e respeitador, nunca lhe tendo “levantado um dedo” e com bom coração. Professa a religião muçulmana e, ainda nessa sequência, é respeitador das pessoas idosas. Esteve preso e quando saiu da prisão andou à procura de emprego, tendo tirado a carta de condução nessa altura. Têm planos de vida em conjunto. Também conhece o B, mas através do seu namorado. O B e o C são amigos e, como andam juntos, a testemunha conheceu o B nesse contexto. Foram prescindidas as restantes testemunhas indicadas. ** • A avaliação da prova em concreto, Tendo em conta a ordem cronológica dos factos como foram trazidos à acusação e pronuncia, comecemos por ver que prova sustenta os factos que se deram por provados quanto ao NUIPC 694/19.3PCOER. Estes factos, de que é ofendida D, ocorreram em 08.11.2019, conforme resulta da respectiva participação criminal, elaborada pelo OPC. Conforme resulta do mesmo NUIPC, foi pedida a inspecção ao local após os factos (fls. 8), que foi ordenada e realizada (fls. 12), tendo sido recolhido vestígios que, analisados pelo LPC, concluíram serem pertencentes ao aqui arguido B – veja-se fls. 30, 22 e 23, com o resultado a fls. 120, 122. Este vestígio foi retirado de um guarda-jóias, de onde desapareceram as jóias que guardava, no dia dos factos e não sendo este arguido frequentador da casa, num local onde apenas a vítima ali mexia (junto da roupa da mesma, na cómoda). O OPC, após isto, começou a investigar, recolhendo informações sobre o suspeito e eventuais co-autores, desde as fontes abertas na internet (fls. 71), à identificação da sua viatura, proprietário dela e morada, com recurso a elementos constantes do registo de uma infracção de trânsito praticada pelo mesmo anteriormente (fls. 130, 131). Nessa recolha de elementos, como consta da cota de fls. 156, com recurso a informações que já existiam noutros processos que estavam a ser investigados, o OPC concluiu que o arguido B teria actuado com um indivíduo de apelido C num outro processo anterior, no âmbito de cujos factos foi roubado um telemóvel onde está o cartão telefónico através do qual o mesmo C fala com o arguido B (nº 9....). Na sequência desse conhecimento, foi pedida pela PJ a intercepção telefónica e localização celular que o MP requereu (fls. 177) e o JIC deferiu (fls. 181), vindo a NOS a identificar o IMEI, conforme informação também a fls. 193. O início das intercepções telefónicas dá-se em 17.07.2020, conforme autos a fls. 194 e 195. É de notar e esclarecer desde já - uma vez que a Defesa também sugeriu algum tipo de irregularidade nas intercepções sem, contudo, esclarecer qual ou indicar qualquer nulidade – que não há qualquer irregularidade ou nulidade no procedimento destas intercepções e localizações, conforme resulta da oportuna revalidação/ampliação de fls. 218, 219, 222, 224, 227, 231, 271, 278, 281, 312, 332, 344, entre os restantes. Temos, como tal, escutas deferidas dentro dos limites da legalidade, validadas dentro desses mesmos limites, acompanhadas, transcritas e analisadas dentro desses mesmos limites. Por outro lado, temos também neste processo – o que é de crucial importância como acima se viu – a circunstância de as intercepções passarem a ser acompanhadas em tempo real, com os respectivos registos de localizações celulares a serem recolhidos em tempo real, o que significa que, neste caso, não há armazenamento de dados nas condições em que o TC, na sua recente decisão acima referida, considerou em desconformidade com a Constituição por desconformidade à directiva europeia também acima identificada. Como tal, temos claramente um procedimento legal adoptado e de muito fácil acompanhamento, uma vez que resulta escorreito do processo. Enquanto se recebiam e analisavam as escutas em tempo real, por analise dos elementos resultantes da acima referida autuação rodoviária ao arguido B, o OPC chegou à morada do mesmo. Do acompanhamento das escutas, surgiu a informação de que o mesmo arguido B tinha uma amizade estreita com um indivíduo de nome CC (irmão do co arguido C), com quem o mesmo B teria praticado roubos, como decorria das conversas interceptadas, em que o B «goza» inclusivamente com aquele porque, enquanto levavam a cabo um roubo como estes que aqui estão em causa (a pessoas de idade provecta) o referido CC terá beijado uma vítima, o que, aparentemente, constitui um facto cómico para pessoas como o arguido B e o referido CC (as intercepções constam destes autos transcritas, pelo que podem ser apreciadas em concreto – sessão 29186). Na troca de informações entre o OPC e outras instituições, percebe-se, no entanto, que o referido CC estava preso na data dos factos aqui investigados, ficando, como tal, excluído da lista de suspeitos (fls. 239 e 241, 242). Destas escutas percebe-se, também, que o arguido B não trabalha sozinho nestes assaltos, recorrendo a outros indivíduos que o acompanham, sendo que das mesmas intercepções se percebe que o arguido B continua a praticar esses factos, evidenciando-se inclusivamente que andam a seguir potenciais alvos para futuros assaltos (veja-se fls. 247), tendo o OPC apurado que o irmão do referido CC (o aqui arguido C) estava nesse grupo, andando todos juntos, pelo menos, desde 2011, sendo co arguidos noutro processo (929/11.0PHSNT) por factos da mesma natureza. O aqui arguido C saiu da prisão em 11 de Abril de 2020. Na sequência do apurar destes factos, é sugerida ao MP a necessidade de interceptar as comunicações e localização celular do arguido C (nº 9....), que o MP solicita ao JIC e é deferido nos autos (fls. 252, 255, 263, 264, 266). Das intercepções juntas aos autos (sessão 389 a 39891 que também estão em resumo a fls. 299 e seguintes) percebe-se perfeitamente que as conversas giram em torno de assaltos que estão a ser preparados e combinados entre o arguido B e o arguido C. É facto que a Defesa, depois de atacar a validade das intercepções e localizações, para o caso de não proceder essa alegação, referiu que das intercepções não se tira o que a PJ diz que resulta. E é facto, também de que estas intercepções, tiradas do contexto desta investigação, daquilo que resulta evidente que estes arguidos faziam há vários anos, perdem a relevância que têm. Precisamente porque, quando se descontextualiza determinado discurso, ele deixa de fazer sentido, como em todas as circunstâncias da vida [se se retirar do contexto geográfico e histórico, das especiais e melindrosas circunstâncias políticas da altura, a afirmação de Kennedy «eu sou um berlinense!», muito provavelmente a afirmação soa a brincadeira ou incapacidade acidental do mais conhecido presidente dos EUA. Mas se não se perder o contexto, percebe-se que essa afirmação fez mais pela Europa democrática do que qualquer outro discurso de duzentas páginas]. Ora, o que resulta desta investigação é que o contexto de amizade destes arguidos, a que se junta o referido CC, é o mesmo, e passa pela prática de factos desta natureza. Relativamente a este NUIPC 694, importa ainda referir que, tendo os factos ocorrido em 11 de Novembro de 2019, a informação de fls. 884 e 897 faz a ligação do telemóvel do arguido B com o do arguido A, resultando também de fls. 1116 que o mesmo B (nº 9….) liga para o telefone do segundo (nº 9….) antes dos factos ocorrerem. Feita esta ligação, apurou ainda a PJ que, na altura desse contacto, o arguido B estava na antena correspondente à morada do arguido A, pelo que este arguido foi indicado como suspeito e investigado. Foi ordenada busca à sua residência que, realizada, nada veio trazer de outros indícios (fls. fls. 1026). É facto que o arguido A, ouvido na PJ (fls. 1030 já do NUIPC 849), confessou a prática desses factos em co-autoria com o arguido B. No entanto, ouvido em interrogatório judicial, remeteu-se ao silêncio, pelo que não podem aquelas declarações ser sequer ponderadas e as do interrogatório, por não prestadas, por maioria de razão. Por outro lado, como se percebe das declarações da vítima/ofendida, nada de substancial se retira que permita concretizar quem era o segundo elemento (o primeiro sabemos que é o arguido B porque deixou prova das suas mãos na manipulação do cofre onde estavam as jóias) nesta ocorrência. Assim, sem outro aporte de prova no que à participação do arguido A respeita, muito embora existam indícios de que actuou conjuntamente com o arguido B no cometimento dos factos, esses indícios não se consolidaram em julgamento. Pode perguntar-se então: podem ter apenas conversado nesse encontro estes arguidos? Pode esta não ser a única ocorrência em que estiveram ambos envolvidos? Enquanto houver perguntas a fazer com resposta alternativa, a convicção não se pode estabelecer sem dúvidas. Assim, pelo exposto, e em obediência ao princípio in dubio pro reo, importa absolver o arguido A destes factos. Aliás, como requereu o Ministério Público em alegações finais. Na busca à casa do ex arguido L foram apreendidas as alianças, o fio de ouro, dois relógios que os arguidos subtraíram da casa da ofendida D, entregues certamente pelo arguido B, uma vez que, como resulta das escutas, era L o seu contacto para receptar as jóias que roubava. Assim, pelo contrário, dos elementos de prova resulta à evidência que os vestígios de lofoscopia (fls. 1179) encontrados na casa da vítima D, pertencentes ao arguido B, colocam este arguido no cometimento desse roubo sem qualquer dúvida, sendo quanto a ele procedente sem qualquer hesitação a imputação de factos renovada pela pronúncia. Também resulta que os arguidos B e C têm planos conjuntos para cometerem outros actos da mesma natureza, como é evidente das escutas que se encontram nos autos, desde logo, no que aqui releva, daquelas registadas a partir de 06.09.2020. No entanto, importa anotar que, por via das intercepções que estavam a ser realizadas no referido proc. 694, por haver indícios que as testemunhas da PJ referiram em audiência, da similitude de procedimentos entre aqueles factos e os que foram participados no proc. 122 e 849, acabaram por ser juntos os três processos [assumindo o nº do 849], tendo em atenção, também, que as escutas permitiam indiciar a mesma forma de actuar e suspeitos. Ora, no dia 04.02.2020 regista-se a ocorrência dos factos do referido proc. 122, de que é vítima G. Estes factos ocorreram pela manhã, quando a vítima chegava a casa das compras, como a mesma refere nas declarações, tendo sido surpreendida no patamar de casa, quando abria a porta da mesma, por um indivíduo que lhe tapou o rosto, apertando-lhe o pescoço e obrigando-a a entrar em casa, onde a levou ao quarto, agredindo-a (com pontapé e agarrando-lhe e pressionando a cabeça e dando-lhe socos) enquanto perguntava por dinheiro e ouro, arrancando-lhe a aliança do dedo e os brincos das orelhas da vítima, que rasgou. Depois pegou numa manta, cobriu a ofendida e atirou-a para dentro da casa-de-banho, onde a mesma ficou até ao fim do dia, quando o filho ali se dirigiu. O assaltante fechou a porta da casa-de-banho por fora, trancando-a à chave, deixou a chave por fora para manter o trinco, e abandonou ali a ofendida que tinha, àquela data, já 90 anos de idade. O filho da vítima, ouvido como testemunha, não tendo assistido ao assalto, esclarece apenas como encontrou a mãe, como estava lesionada, fraca e em pânico e como se mantém hoje com medo e sem mobilidade, uma vez que o seu andar nunca mais foi o mesmo com a lesão que sofreu. A ofendida confirma estes factos. A aliança que a vítima tinha no dedo, igual à do marido que guardava no quarto e também desapareceu, era em ouro e tinha a inscrição «25/02/51», data do casamento. Ora, a testemunha M, vizinha da ofendida G, diz que no dia dos factos, pela manhã, cerca das 10h, ia a sair do prédio e cruzou-se com um indivíduo que dali não era, nas escadas, sentindo um desconforto que não explica mas que, ainda assim, se cumprimentaram com «bom dia», tendo ela depois saído. Soube quando regressou ao prédio, mais tarde, o que tinha acontecido. Esta testemunha refere que a polícia a procurou dias depois com umas fotografias que lhe exibiu (fls. 60), tendo reconhecido essa pessoa. No entanto, quando foi fazer o reconhecimento pessoal, meses depois, já não conseguiu identificar a pessoa com certeza (veja-se fls. 39, 88, 50, 91, 114, 1247, 1428 a 1432). Donde resulta que a testemunha, confrontada primeiro (note-se, os factos são de Fevereiro de 2020) com album de fotos de onde consta uma do arguido B, reconheceu o mesmo sem hesitações (fls. 66 do apenso 694). Mais de um ano depois (veja-se a cota de fls. 1428 – 26.07.2021), foi chamada ao reconhecimento pessoal e não reconheceu o arguido, explicando agora em julgamento que a diferença da aparência era muita e não conseguiu. No entanto, em sala de julgamento, na data do mesmo e do seu depoimento, olhando para os arguidos, não tem dúvidas em indicar, como indicou, o arguido B. É facto que esta é uma fragilidade no reconhecimento do arguido, como a Defesa sabe, e por isso diz que não há reconhecimento. No rigor dos princípios não há, de facto, reconhecimento positivo nos autos do arguido. Esse específico acto que serve para fazer corresponder a descrição que se guarda à pessoa que se vê não foi conseguido. Como, no entanto, se percebe, se atendermos às fotografias do arguido B que estão no processo e em que é evidente a transformação do mesmo arguido ao longo de tempo – veja-se fls. 1211 [tirada da imprensa britânica sobre a onda de assaltos da mesma natureza, a pessoas idosas, em que o arguido esteve envolvido naquele País, tendo aí sido julgado e condenado por esses factos], 1429 [do Serviço de Identificação Civil], 1430 (as duas fotos) e 1431 (as duas de cima) [do cliché da PJ] e fls. 1431 (foto de baixo) e 1432 [idem] -, estando o mesmo muito diferente de umas para outras. Assim, muito embora a testemunha tenha identificado por fotografia o arguido B (fls. 66 do proc. 694, em 28.02.2020) dias depois dos factos, uma vez que esse reconhecimento só vale se houver reconhecimento pessoal posterior e, havendo-o, confirme a conclusão do primeiro, podemos dizer, em rigor, que não temos reconhecimento pessoal válido para ponderar. De facto, esse reconhecimento de fls. 66 data de 28.02.2020, escassos dias após os factos. Muito embora isso, o Tribunal aprecia com livre convicção a identificação do arguido na sala pela testemunha, apreciação esta que, não valendo per se, impõe a conjugação com outros meios de prova. Acontece, porém, que quanto a estes factos do proc. 122 o processo conta ainda com outro elemento que permite colocar o arguido B no local dos factos. De acordo com a informação do trace back e registo de antena que estava a ser feito em tempo real ao arguido B, o mesmo esteve, na data dos factos, no período que a ofendida indica como sendo o do assalto na antena da zona de residência daquela, conforme resulta da informação junta a fls. 857 e 863 dos autos. Nas suas declarações, a ofendida G refere ter sido um único indivíduo que a assaltou. Que rondou a sua casa dois dias, sendo que no dia anterior aos factos andou a saber as suas rotinas junto das vizinhas. Que no dia dos factos, voltando ela a casa das compras, cerca das dez da manhã, quando abriu a porta da sua casa do 1º andar, saltou-lhe para o patamar, estando escondido entre aquele andar e o de cima, o indivíduo que a meteu dentro de casa, sempre apertando-lhe o pescoço, foi a um quarto buscar uma colcha com que lhe tapou a cabeça enquanto lhe apertava o pescoço e queria era o dinheiro e ouro, tendo-lhe batido na cabeça e continuando mesmo quando lhe pedia para parar porque doía, e deu-lhe um forte pontapé com as botas que levada na perna, logo abaixo do joelho que ainda hoje a incomoda. Que só queria ouro e não descansou enquanto não lhe deu a sua aliança de casamento (uma de ouro e outra de prata) e os brincos que eram de fantasia, tendo ameaçado que lhe cortava o dedo e arrancava os brincos. Andou por casa dela a remexer tudo, tendo-a fechado antes do almoço na casa-de-banho e deixando-a ali, fechada à chave por fora, magoada, até ao fim do dia quando o filho lá chegou. Ora, se atendermos ao registo de fls. 857, vemos que a antena da casa da vítima, Oeiras (como a mesma refere viver ali, e até ter uma ourivesaria de Oeiras onde costuma ir), é precisamente aquela em que se encontra o telefone do arguido B, aquando da saída do local dos factos (coincidindo com o que refere a vítima, 12h18m está o arguido a sair já da zona de Oeiras, tendo, porventura, desligado o telefone a partir do início dos factos, como resulta desse mesmo registo, cerca das 10h26m – fls. 857) e já em direcção a Lisboa, onde a antena o localiza às12h32m. Entretanto, muito embora sem necessidade de o fazer, porque já tinha assustado a vítima e já a debilitara fisicamente, o arguido B, depois de remexer tudo enquanto apertava o pescoço àquela, que ainda tinha a cabeça tapada enquanto ele ia procurando o que queria, colocou a vítima na casa-de-banho e trancou-a por fora. Quis impedir a vítima de se movimentar, de pedir socorro, de sair de casa, e deixou-a nesse tratamento até ao fim do dia, que foi a hora a que chegou o filho a casa, ao fim da tarde, muitas horas depois. A forma de actuação genericamente é a mesma, sendo que o traço distintivo da forma de agir deste arguido B é o grau de violência de que é capaz contra as vítimas que são todos pessoas idosas. E esta foi mais uma circunstância em que actuou, desta vez sozinho, como calculamos agora que tenha feito diversas outras vezes, já que o arguido B não precisa de mais ninguém para fazer roubos a pessoas idosas, sobretudo sozinhas, porque a violência que usa é suficiente para garantir o medo e falta de reacção das suas vítimas. Esta forma de agir deste arguido é transversal a todos os factos. É a sua forma de agir enquanto delinquente. É a mesma das três situações. É a mesma que as Autoridades britânicas caracterizam na documentação sobre antecedentes que está junta (fls. 1182) e o levou à prisão anteriormente. Raras vezes se vê actuação com tanta violência, mesmo em roubos, sobretudo para com idosos que mal resistem já sem essa violência exacerbada. Essa é a marca deste arguido, é o que o distingue, como vemos, dos tantos outros roubos que se julgam diariamente – a capacidade e a frieza de estudar e rotinar as vítimas e depois as agredir, mesmo sem que isso seja necessário, sempre com muita e desproporcional violência, como estas circunstâncias demonstram, mesmo que seja só para lhes levar duas alianças e uns brincos. Este modo de actuar, ou modus operandi é, como nos restantes casos, também, a forma como determinada pessoa deixa a sua marca tendencialmente repetida em determinado contexto de actuação. Modus operandi significa isso mesmo, o modo de agir de determinada pessoa em determinado contexto criminoso, a forma peculiar de agir, aqueles traços modelares da sua actuação que, uma vez comparadas circunstâncias, permanecem, são tendencialmente estáveis. Não sendo prova, é o padrão que fica, composto de traços de singularidade, pequenas marcas num caminho que se repetem (porque são sucessivamente usadas com êxito) e rotinam as acções, conferindo ao autor desses comportamentos maior segurança, mas permitindo a quem investiga que, em certos casos, se chegue com facilidade ao actuante. Por isso, os investigadores estudam esses traços e fazem os perfis dos seus agentes – esse perfil acaba por distinguir o agente de um universo de vários, reduzindo as possibilidades ou, mesmo, indicando a identidade do suspeito, por exemplo, quando a singularidade o permite. Aqui, temos circunstâncias que caracterizam a actuação do arguido B, acompanhado ou sozinho, que o distinguem da maioria dos autores de roubos que se julgam – procura um segmento de idades muito altas (acima dos setenta anos porque, quanto mais velha a vítima menos resistência opõe – este traço caracteriza-o há anos, tendo sido o mesmo que o levou a ser expulso do Reino Unido – fls. 1430 do proc. 849), de pessoas que têm sobretudo hábitos caseiros (o que permite localizar melhor os bens e garantir o tempo necessário para isso sem que haja maiores ausências das vítimas notadas em qualquer outro lugar, porque era suposto estarem em casa, onde todos intuem que estejam bem), em alturas agitadas do dia em que toda a gente anda na sua vida e dificilmente se repara num sujeito ou dois que entram num prédio e podem ser vendedores de aspiradores ou sobrinhos «da velhote de cima» e, finalmente, procura jóias (que facilmente escoa através do seu compincha ..., havendo informações nos autos ainda de outros casos semelhantes, vendo-se fls. 1020 e 1145) ou dinheiro (cuja fungibilidade o torna irrasteável). Para além destas características, o seu modo de actuar caracteriza-se pelo grau de violência, como se dizia, a que expõe as vítimas. Claro que o modus operandi é importante, mas, por si só, nada prova. Não eram precisos “especialistas com estudos de criminologia” para o ensinar aos juízes do Tribunal, que bem sabem o que é prova e não é, que o modus operandi, só por si, nada prova. Tal como aqui acontece, pelo contrário, a prova aparece antes, evidencia os factos com muita clareza, e só depois o Tribunal conclui que o modus operandi deste arguido é o que se destaca por aqueles traços já expostos. Se olharmos às circunstâncias que estamos aqui a julgar, percebemos imediatamente que o arguido B encaixa perfeitamente naquele perfil, de onde decorrem ainda várias outras características de personalidade que serão ponderadas em lugar próprio. Ora, da conjugação destes elementos não ficam dúvidas de que foi o arguido B quem praticou estes factos também, procedendo, como tal, também nessa parte a instrução. Finalmente, no dia 09 de Setembro de 2020, ocorrem os factos do proc. 849 [que se assumiu como processo principal], indiciando-se na acusação e instrução que foram praticados pelos arguidos C e B, na sequência dos quais veio a falecer a vítima E e a sua mulher, ... ficou ferida e traumatizada. Já vimos acima, pelo depoimento das testemunhas que conheciam o casal, que eram de provecta idade também, muito dedicados um ao outro, muito autónomo o falecido, que tratava da vida de ambos com a destreza que a normalidade nessas idades permite se considere, sem que lhe fossem, a ele, reconhecidas doenças. Também ficámos a saber pelas testemunhas que este casal era muito cuidadoso, não abrindo a porta a estranhos, não atendendo em casa senão pessoas com aviso prévio. Este cuidado, no entanto, como explicou a testemunha que fazia as limpezas nessa casa, não impediu que se extraviasse uma das chaves de casa, no dia imediatamente antes dos factos, que a mesma pensou ter perdido nas escadas quando foi ajudar a patroa a subir para casa, tendo sido pedida a assistência da casa de chaves, que ficou de comparecer na casa do casal precisamente na data dos factos. Muito embora esta seja uma coincidência estranha, aliás, muito estranha, tanto mais que não existem sinais de arrombamento e o falecido era conhecido por nunca abrir a porta a ninguém, o que é certo é que não se apurou qualquer elemento que permita concluir que não se tratou de uma infeliz coincidência. A empregada, que era a única que tinha a chave, não perdeu a respectiva chave, pelo que se terá extraviado uma outra chave do casal [já que o falecido mantinha a sua]. Ora, o que sabemos, do que temos prova, é de que nesse dia, tendo a massagista e também aqui testemunha feito o seu trabalho habitual com a ofendida, deixou a casa como sempre fazia, sabendo que a casa das chaves ali iria mais tarde, conforme combinado com o falecido antes. Um pouco antes da hora combinada com a casa das chaves (cuja ida estava marcada para as 17 horas), entraram na casa do casal Almeida, por forma não concretamente apurada [mas que se evidencia possa ter sido o mesmo a abrir a porta na expectativa de que fosse a referida empresa de chaves, de quem estava à espera], os arguidos B e C que, depois de manterem à força a ofendida na casa-de-banho, agrediram o marido na sala, arrancaram-lhe as alianças do dedo, tendo-o atirado ao chão, de forma não concretamente apurada, onde viria a falecer antes de chegar ajuda a casa, já na noite desse dia [recorda-se que foi a casa das chaves que contactou a senhora da massagem (que os tinha contactado em nome do falecido para lá irem por causa da chave desaparecida) que, por seu lado, preocupada por não conseguir que lhe atendessem o telefone, estranhando isso mesmo, e porque ela não tinha chave de casa, contactou a senhora que fazia a limpeza naquela casa, que tinha chave, para que ali se deslocasse a saber o que se passara]. A casa estava toda remexida, foram subtraídos dali diversos bens e valores, parcialmente recuperados na busca à casa do ex arguido L, a quem o arguido B entregou o ouro para que lhe fosse receptado por aquele e pago o respectivo preço. Esta entrega, resultando isso evidenciado das escutas e localizações, foi imediata, tendo o arguido seguido, depois de deixar o arguido C, para resolver esta entrega do objecto do roubo ao referido .... Tudo isto fica demonstrado no processo com notada clareza. Evidenciam-no as declarações para futura memória, mas conjugadas com a restante prova testemunhal, desde logo, uma vez que a ofendida pouco ajuda na descrição do que se passou, sobretudo, sem que visse e já com as decorrências da idade que tem. As testemunhas O (a massagista da ofendida) e OP (que fazia limpezas na casa do casal) referem o desaparecimento das chaves, o contacto com a empresa de chaves e a marcação da deslocação destes à casa dos ..., o facto de os ... não terem aberto a porta à empresa das chaves, às 17 horas, tendo a empresa contactado a testemunha D que, depois de muitas insistências sem sucesso e já aflita, contactou a testemunha F que, com a filha, cerca das 21 horas, foram à casa do casal. Deram pela resposta da ofendida, muito debilitada, dizendo que tinham sido assaltados, pelo que chamaram a polícia que ali compareceu, entrando cerca das 22 horas, encontrando o marido já morto na sala e a mulher caída na casa-de-banho. Os depoimentos dessas testemunhas são muito claros, no que são secundados pelo da testemunha Q, filha da testemunha ..., que ali foi com a mãe e contou o que se passou. Esta testemunha ainda identificou várias das jóias [que conhecia há anos, porque a madrinha lhas mostrava, porque ali passou a infância a vê-las, tal como tinha feito durante o inquérito], apreendidas na casa do referido ..., que lhe foram entregues pelo arguido B. Todos estes factos, para além dos depoimentos destas três testemunhas e das da PJ, resultam dos documentos juntos a fls. 3 (auto de notícia), verificação do óbito (fls. 6, 7, 10 e 21 a 26, 32 a 35), a recolha de objectos e apreensão e inspecção ao local (fls. 38 e seguintes – notando-se, particularmente, as lesões no falecido, produzidas antes da morte, como se retira da autópsia e dos vestígios projectados para fora do corpo do seu utilizados, como o aparelho auditivo e a placa dentária – fls. 46, 48 e 57). Depois, como estavam a ser investigados factos semelhantes noutros processos, como começou por se dizer, intercambiaram-se informações e chegou a investigação à conclusão de que os autores dos factos eram os referidos arguidos B e C. Vejamos. Estes arguidos não têm por hábito [recorde-se que, à data destes factos, estavam escutas e localizações celulares em tempo real a serem feitas no proc. 694] deslocarem-se para ou em Cascais (morada dos ofendidos). No entanto, conforme resulta das localizações celulares documentadas nos autos (veja-se fls. 86 e seguintes), o arguido B, no dia antes dos factos (8/9) esteve na localização de antena daquela casa e no dia dos factos o seu percurso, registado pelas mesmas antenas, a sair de casa e ir buscar o arguido C à casa deste e seguirem para Cascais, para a localização da morada da casa dos ofendidos, sendo que, após os factos [que sabemos localizar sem dúvidas pouco antes das 17 horas, porque às 17 horas a empresa das chaves já não conseguiu contactar o casal e logo ligou para a senhora que com eles combinara a deslocação], o registo das localizações celulares dá-nos conta de que os arguidos abandonam aquele local. O auto de informação de fls. 197 e seguintes é muito esclarecedor e quando junto às escutas não deixa qualquer dúvida. O arguido B esteve na casa das vítimas com o arguido C, consumaram o roubo ambos. Estes factos resultam [para além das escutas, das apreensões, dos exames periciais] da localização celular feita em tempo real no proc. 694, que logo foi analisada e junta a este processo, mesmo antes da decisão de os tramitar conjunta ou incorporadamente. Mas não apenas as localizações, sendo que estas até se revelam de importância residual neste acervo probatório enorme existente. Das intercepções resulta que no dia anterior a este assalto, o B tem uma conversa telefónica com o C (produto 39137 do registo de sessões 38969 a 39891) em que refere ter umas pessoas de idade marcadas para fazer. Não é preciso grande locubração para entender que é disto que se trata. O facto de o arguido B dizer que «um gajo tem uns cotas marcados», no específico contexto em que tem de ser integrado no resto das conversas e dos elementos de prova, não é, como pretende a Defesa, um percalço nesta relação de elementos. De facto, o arguido B usou essa expressão, como resulta do registo áudio das intercepções, mas ela não significa mais do que o mesmo arguido a falar dele como na terceira pessoa [como quando se diz «um gajo está aqui a trabalhar quando os outros estão a passear», por exemplo], sendo que essa conversa conjugada com as restantes, esclarecem perfeitamente que era o arguido B quem tinha os «cotas» marcados [tanto mais, que ligou depois ao mesmo arguido C a reagendar os planos porque, na altura que estava pensada, haveria muita gente a entrar e sair daquela casa, pelo que sabia que movimento tinha a casa, porque a vigiara antes e a «marcara» - veja-se fls. 133]. Os arguidos falam, inclusivamente, na eventualidade de usarem um aspirador como engodo, aspirador esse que foi apreendido no carro do arguido B, de facto (fls. 393 do proc. 694). Ora, das mesmas escutas resulta que o arguido B vai buscar o arguido C a casa, dizendo-lhe «desce aí» quando lá chega, precisamente no dia dos factos (fls. 300 e respectivo registo áudio), sendo que, a essa hora [10h09m] o telemóvel do arguido B está na localização da casa do arguido C (fls 197 e seg., vendo-se ainda fls. 200 a 206), seguindo depois para Cascais, sendo localizado na antena da casa dos ofendidos às 10h32m (Bairro da Assunção, lote 18, localização da própria antena), onde permaneceu até às 16h21m, seguindo depois para o Estoril, accionando essa antena (16h27m), depois a do Tagus Park (16h47m), Cacém (16h55), percurso que é todo acompanhado pela localização de antenas do telemóvel do arguido C (veja-se as referências a fls. 197, 860, 866, 873, 134, 197, 134, entre o mais), depois seguindo o arguido B para Lisboa, tendo deixado o arguido C em casa, onde activou a antena do Rossio às 17h37m. Rossio esse que era o local onde se iria encontrar com o seu receptador (informação de fls. 197 e registos de transcrições), L, a quem vieram a ser apreendidos (fls. 152 e seguintes, maxime fls. 162 e seguintes) diversos artigos dali subtraídos, dentre eles as alianças dos ofendidos (fls. 161, 165, 175) – os contactos com o ... estão perfeitamente documentados, tendo mesmo havido vigilância do OPC em acompanhamento de uma deslocação – vejam-se as referências de fls. 136, 137, 660 do proc. 694, 662 idem, 363 idem. Depois dos factos, como resulta das escutas, o arguido B encontra-se com o referido ..., a quem entrega o produto do roubo na casa do casal Almeida, e que foi depois apreendido na posse do referido ..., conforme autos de apreensão (fls. 161, 165, 175), sendo que grande parte desses artigos em ouro, além das alianças que têm as data comemorativas do respectivo casamento, foram reconhecidas pela testemunha ... no processo e em sala de julgamento – veja-se o apenso I em especial, onde estão fotografadas as referidas alianças com identificação dos proprietários e data do casamento. Além disto, temos a apreensão no carro do arguido B do aspirador a que se refere na conversa com o arguido C que foi interceptada, temos a apreensão na casa do arguido B de uma luva de latex [que terá sido usada para praticar os factos e que, muito embora o exame não consiga concluir que é a que foi efectivamente usada, confirma que os vestígios deixados na casa do casal são compatíveis com o uso da mesma - fls. 38 e seguintes, 187, 1183, 1439 e volume III do NUIPC694]. As testemunhas da PJ, sobretudo a primeira, esclareceram a sequência dos factos. Os arguidos estiveram na casa deste casal, roubaram os mesmos, e a mulher que, outra coincidência, estava na casa-de-banho, lá ficou, com um deles a guardá-la (das suas declarações e do resto dos factos parece ter sido o arguido C), enquanto lhe tiravam vários artigos de joalharia (depois apreendidos ao ex arguido ..., com quem o B se encontrou nesse mesmo dia para os entregar, como resulta das escutas e localizações celulares e mesmo de uma vigilância/relatório de diligência externa junta ao processo que permite confirmar tais contactos) que levaram dali ao receptador. Ora, se quanto ao roubo por parte destes dois arguidos nenhuma dúvida se suscita - pelo contrário, da prova se concluindo que, em face dela, qualquer outra conclusão que não a que retiramos está frontalmente em violação da prova recolhida -, já quanto ao homicídio a clareza não é tanta. Vejamos. Não temos aqui dúvidas - ao contrário do que a Defesa terá pensado conseguir com o depoimento de uma testemunha (W) que em nada influenciou o Tribunal devido à avidez com que, mesmo em face de objectivações colocadas por nós, permaneceu na obtinada defesa da teoria segundo a qual a vítima mortal falecera porque tinha as artérias obstruídas -, de que a vítima mortal faleceu na sequência destes factos e por causa deles. Não temos dúvidas de que, como refere o relatório de autópsia, que é a perícia dos autos, a comoção dos acontecimentos terá provocado um efeito adrenalítico no corpo do agora falecido que lhe exigiu um aumento substancial de sangue/oxigenação, que não conseguiu aportar (por causa da artéria obstruída, ou por causa da medicação contra a ansiedade que fazia, ou por outra causa qualquer), tendo sido isso que provocou o ataque cardíaco que o levou à morte. Essa é a causa de morte. Além dela, existem as lesões que lhe foram provocadas pelos arguidos, seus agressores, que o mesmo relatório esclarece. Os acontecimentos terão sido tão violentos que a placa dentária da vítima foi expelida para metros do seu corpo, como o aparelho auditivo (fls. 46, 47, 48, 49, 50 e 51). As imagens valem aqui como mil palavras. Quem olha para elas não fica indiferente à violência que retratam. Todas provocadas em vida, numa pessoa de 90 anos de idade. De tudo isto se convenceu o Tribunal, quanto à vítima mortal e sua mulher, resultando provados todos os factos da prova reunida. Excepto um. E esse facto, que o Tribunal considera que não logrou provar-se (ou dois factos, para ser mais preciso) é o que respeita à circunstância de terem sido os arguidos a matar directamente o ofendido, querendo-o fazer. Esta questão não é de somenos, uma vez que é esta uma das imputações feitas, a mais grave, por sinal. O facto de concluirmos, como fazemos, decorrendo isso da autópsia, que a morte foi devida a enfarte, impõe que se exclua a possibilidade de qualquer das agressões a que a vítima foi sujeita (e foi-o, como resulta das fotografias e da autopsia) terem sido causa directa da sua morte. Se não foram, e não foram, então importa concluir que os arguidos, que quiseram produzir tais lesões e por isso o agrediram dessa forma, como quiseram, não pretenderam directamente visar o falecimento da vítima, mas atentar contra a sua integridade física, ainda que gravemente. E parece-nos que esta é a conclusão que mais se aproxima da verdade dos factos. Sabemos que quiseram agredir, isso é visível no corpo da vítima, nenhuma dessas lesões decorrendo do acaso ou de uma corrente de ar que se apanha. Essa pessoa, que ainda nesse dia, pela manhã, fez as suas rotinas habituais e ninguém o viu machucado, foi agredido, violentamente como decorre do relatório da autópsia, pelos assaltantes. E isto, eles quiseram. Porque se não quisessem não o teriam feito, porque é esta a forma de agirem (para neutralizarem as vítimas), porque ninguém agride dessa maneira sem querer fazê-lo. Mas disto tudo que os dois arguidos quiseram - porque actuaram em conjunto aceitando reciprocamente o comportamento do outro e interagindo no mesmo -, não resulta evidente que queriam também a morte da vítima. Nada retiravam os arguidos dessa morte que não retirassem do facto de ele se manter vivo, embora neutralizado pela violência das agressões que já lhe tinham provocado. Naquele que era o objectivo dos arguidos, mesmo gostando de violência como gosta o arguido B, este desfecho não faz sentido. Não decorre directamente das lesões físicas infligidas e nenhum elemento de prova permite concluir que a intenção dos arguidos era tirar a vida à vítima. Assim, a prova não permite consolidar os indícios de crime de homicídio doloso, devendo deles ser absolvidos os arguidos. No entanto, tal não significa que estes arguidos foram alheios a este desfecho. Como se viu, pelo contrário. Os arguidos agrediram violentamente [os traços da violência já acima se notaram] uma pessoa de 90 anos de idade, o que significa que sabiam que o uso dessa violência sobre essa pessoa o deixaria magoado, negligenciando o resultado para a vida do mesmo que daí pode-se advir. Ou seja, a exclusão da vontade de homicídio faz sobrevir a qualificação dos factos, neste particular, não como um crime de roubo agravado e um crime de homicídio [como imputados], mas como um crime de roubo agravado pelo resultado morte da vítima. O nº 3 do artº 210º CP é um crime agravado pelo resultado - crime de roubo agravado pelo resultado morte. Nos termos do artigo 18º do CP, do que aqui se trata é da fusão de um crime doloso (roubo) com um evento agravante negligente (homicídio) - Se do facto resultar a morte, o que significa que a morte deve provir do comportamento levado a cabo para roubar, ou seja, dos meios usados para subtrair ou constranger à entrega do bem e do específico perigo que lhe está associado, por aqui se estabelecendo a necessidade de unidade de acção. E a imputação do resultado morte é sempre feita a título de negligência, como neste caso decorre dos factos. De facto, é este o enquadramento legal que resulta mais adequado aos factos que se provam. Pelo que, desde já nos permitimos concluir que a matéria de facto provada assenta nesta avaliação da prova que antecede e que permite excluir da acção dos arguidos B e C a intenção directa, livre e determinada de também porem termo à vida da vítima E, mas que permite, aliás sem permitir sequer menos do que isso, concluir que estes arguidos tiveram a intenção de roubar, para o que exerceram violência sobre a vítima, negligenciando o efeito dessas agressões nela e descurando qualquer assistência ou socorro. Nestas condições, estamos perante uma alteração de factos não substancial, que importa a requalificação dos mesmos em termos de tipologia penal, que não carece de qualquer comunicação prévia porquanto importa o desagravamento da imputação inicial, num quadro de facto que já tinha de estar abrangido pelo expectro da Defesa pensada e exercida pelos mesmos arguidos. Nas alterações pontuais feitas, como nos artigos 20 e 21 dos provados, resultando elas directamente das declarações para memória futura prestadas pelas ofendidas, adquiridas no processo desde a data das mesmas, não constituem esses factos novidade, sendo previsível pelos arguidos que, na sequência das declarações das vítimas, tivessem que delas se defender, pelo que não constituem também alterações factuais que importe comunicar previamente. Tanto mais quando, de acordo com as consequências das acções que já constavam do art.º 26 da acusação/pronúncia, só os factos agora vertidos em 20 e 21 se mostram com adequação para produzirem tais consequências. No entanto, como se disse, era prova já adquirida nos autos, portanto, sem novidade que imponha a comunicação prévia à leitura. E também é facto que este arguido B tinha na sua posse, sem para tal estar autorizado, as armas descritas no processo (de fogo, arma branca e munições), pelo que essa factualidade também resulta provada, bem como a posse do estupefaciente (170 doses individuais) que, não se apurando o consumo por parte do arguido (que nada disse a esse respeito ao Tribunal), e tendo o mesmo já antecedentes por crime de tráfico, resulta ser para venda/cedência a terceiros – confª fls. 187, 369 do proc. 694, idem fls. 370, 568, 584, 393, 508, 635, entre o mais já indicado. Quanto às armas, a analise da prova documental é bastante e evidenciadora, nada se impondo mais acrescentar senão que, até pelas suas próprias características, o arguido sabia que as não podia ter, actuando com a vontade especificamente a isso dirigida (sendo mesmo que, quanto à arma, decorre também das intercepções que o arguido se vangloriar desse uso). No entanto, quanto à posse de estupefaciente, e muito embora não esteja em crise a convicção de que era para vender a terceiros (o arguido, podendo esclarecer, não o fez), e o número de doses exclui o consumo (droga equivalendo a 170 doses, como resulta do exame pericial), pelo que nenhuma outra finalidade está em causa senão a posse com destino à venda. No entanto, ainda assim, temos estupefaciente que vem identificado como canabis, em quantidade apta a individualizar, de acordo com os valores de referência, 171 doses individuais. Não estamos, como se afigura de razoável consideração, perante uma quantidade que, apesar de tudo, sobretudo atenta a natureza da matéria em causa (canabis), importe seja considerada dentro do padrão do artº 21º do DL nº 15/93, desde logo por confronto com a norma do artº 25 do mesmo diploma. A quantidade e natureza da droga apreendida colocam estes factos dentro do padrão do art.º 25º citado. Não mais do que isso. Aliás, tal como conta já o arguido B no seu CRC ter acontecido anteriormente. Assim, provando-se nos exactos termos que vêm da decisão instrutória quanto às armas – quer das características resultantes dos exames, quer decorrentes das normas indicadas -, já quanto ao estupefaciente se entende aqui que estamos perante um tráfico padrão de menores quantidades, importando acertar essa qualificação adiante. As condições pessoais dos arguidos, na falta de declarações pelos mesmos, foram apuradas de acordo com os relatórios juntos aos autos. A matéria dos antecedentes criminais resulta assente com base na análise dos CRCs e outras informações oficiais juntas aos autos, vendo-se ainda fls. 1182 do proc. 849. Os factos relativos a valores de objectos resultam provados dos depoimentos e autos juntos ao processo – por exemplo, vendo-se fls. 811 e seguintes e 829. A matéria relativa aos pedidos de indemnização resulta provada das declarações das ofendidas e das testemunhas ouvidas que depuseram sobre essas matérias e documentos juntos, entre o mais, a fls. 170 do proc. 694, 186 idem, 661 idem, 305 do proc. 849, entre o mais, destacando-se toda a documentação médica junta aos autos, e aquela que foi junta com os pedidos. A matéria relativa ao modo de vida dos arguidos à data dos factos resulta da conjugação dos relatórios sociais com as informações resultantes dos autos, recolhidas pelo OPC e referidas em audiência também. Concluindo, da prova analisada resulta à evidência a prática de factos pelos arguidos das seguintes tipologias criminais: * arguido B ..., na forma consumada, em concurso efectivo, em co-autoria: - de dois crimes de roubo agravados, sendo dois nos termos dos art.ºs 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao disposto no art.º 204.º, n.º 1, alínea d) e f) do Código Penal (ofendidos F e D); - e um outro nos termos dos art.ºs 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao disposto no art.º 204.º, n.º 1, alínea d) e f) e nº 3 do mesmo art.º 210.º do Código Penal (ofendido E); - ainda como autor material (praticado só pelo arguido B), um crime de roubo agravado, p. e p. nos termos do disposto nos art.ºs 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao disposto no art.º 204.º, n.º 1, alínea d) e f) do Código Penal (ofendida G); - e como autor material, um crime de sequestro, p. e p. pelo artigo 158.º, n.º 1 e 2, alínea e) do Código Penal (ofendida G); - e, ainda, como autor material, um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 25º, com ref.ª ao 21º, nº1 do Decreto-Lei nº 15/93 de 22-1, por referência à Tabela I-C anexa; - como autor material, um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86º n.º 1 al. c), por referência aos art.ºs 2º n.º 1 aad) e 3º n.º 5 al. d), da Lei n.º 5/2006 de 23.02, em concurso aparente com a contra-ordenação, prevista e punida pelos artigos 97º n.º 1, do mesmo diploma legal (mantendo-se o entendimento de que a detenção simultânea pelo mesmo agente de objectos, sendo que uns integram a prática de crime e outros a prática de contra-ordenação é susceptível de um único juízo de censura, integrando os factos o crime de detenção de arma proibida como ilícito mais grave);
* arguido C, na forma consumada e em co-autoria: - um crime de roubo agravado, sendo um deles p. e p. nos termos do disposto nos art.ºs 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao disposto no art.º 204.º, n.º 1, alínea d) e f) do Código Penal (ofendida F); - e outro nos termos dos art.ºs 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao disposto no art.º 204.º, n.º 1, alínea d) e f) e nº 3 do mesmo art.º 210.º do Código Penal (ofendido E); Do que antecede decorre também que os demandantes fizeram a prova do que alegaram nos PICs: O Hospital, tendo junto a factura respectiva (doc. 1 com o PIC), prova os recursos dispendidos por causa destas actuações. A demandante D faz também prova do valor dos objectos em causa e subtraídos, bem como dos danos não patrimoniais que ficaram bem esclarecidos com o depoimento, sobretudo decorrentes dos depoimentos das testemunhas que indicou e que tão bem caracterizaram o efeito destes factos na demandante, procedendo também a causa de pedir ali dendada. A demandante I veio também demonstrar, através dos depoimentos prestados, das suas próprias declarações, das testemunhas que apresentou, no que vai além da prova da matéria da acusação, toda a gravidade destes factos na sua vida, ficando também demonstrado o sofrimento do falecido antes de morrer (pelas agressões a que foi sujeito), bem como as perdas não patrimoniais que estes factos trouxeram à sua vida. Tal como no caso da ofendida D, a avaliação dos objectos decorre do alegado e das respectivas declarações e da prova documental junta a estes autos, como a avaliação feita. Também a causa de pedir deste pedido se encontra totalmente demonstrada, sendo procedente. Serão absolvidos, na decorrência da avaliação da prova: - os arguidos B e C do crime de homicídio imputado; - o arguido A, por dúvidas do Tribunal, quanto ao único crime que lhe vinha imputado; - o arguido B do crime de tráfico do artº 21º do DL nº 15/93, por se ter requalificado o mesmo no crime do artº 25º do mesmo diploma legal. Decorrendo disso, assim ocorrerá, total ou parcialmente, quanto aos pedidos de indemnização deduzidos.
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O direito.
C O julgamento da matéria de facto fundamentou-se, pelo menos em parte, em prova proibida, nos termos do art.º 126.º, n.º 3, do CPP?
Atendendo às questões suscitadas no recurso, e às consequências da sua eventual procedência, esta deve ser a primeira matéria a analisar.
Afirmam os recorrentes que: 8.ª Desde logo, a posterior recolha das localizações celulares com referência aos crimes praticados em 08/09/2019 e em 04/02/2020 - processos n.ºs 694/19.3COER e 122/20.1PBOER, respetivamente, porquanto fora do âmbito de uma autorização judicial, enquadra-se integralmente naquela que foi a decisão proferida pelo Tribunal Constitucional, Acórdão n.º 268/2022, de 19/4/2022, relativamente à recolha de metadados, configurando uma proibição de valoração probatória da informação de fls. 854 a 865, e, claro está, do conteúdo integral do correspetivo suporte magnético remetido pela operadora, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 126º do Código do Processo Penal.
A questão prende-se, portanto, com o valor legal da prova recolhida, e utilizada na formação da convicção do tribunal no juízo sobre os factos, nomeadamente através das chamadas localizações celulares, tendo em conta o decidido no recente Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022, de 19/04.
Nesse Acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional foi decidido:
“(…) a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o artigo n.º 18.º, todos da Constituição;
b) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem / ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição. (…)”.
O que resulta deste acórdão, em síntese, tal como se lê na douta declaração de voto do Exmo. Conselheiro Lino Ribeiro (único magistrado vencido na deliberação) é o seguinte: - no que respeita à obrigação dos fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas conservarem os dados de base que não pressupõem a análise de quaisquer comunicações (incluindo os endereços de protocolo IP que identificam a fonte da comunicação), «o direito da União Europeia não põe em causa a ponderação de proporcionalidade feita pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 420/2017, sendo esta conforme ao parâmetro europeu, cujo sentido foi clarificado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça»; - já quanto aos dados de tráfego e dados de localização, ainda que não gerados em virtude de uma comunicação pessoal, à luz dos parâmetros europeus aqui convocáveis (Acórdão do TJUE, la quadrature du net) «trata-se de uma solução legislativa desequilibrada, por atingir sujeitos relativamente aos quais não há qualquer suspeita de atividade criminosa. Ao conservar todos os dados de localização e de tráfego de todos os assinantes, abrangem-se as comunicações eletrónicas de quase toda a população, sem qualquer diferenciação, exceção ou ponderação face ao objetivo perseguido»; - o regime de acesso aos dados armazenados constante do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, ao não prever a notificação ao visado de que os seus dados foram acedidos, restringe de modo desproporcionado o direito à autodeterminação informativa e o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, uma vez que não se criam «as condições efetivas para não só saber da difusão dos seus dados como de exercer um controlo sobre a licitude e regularidade daquele acesso», tal como o TJUE decidiu no Acórdão Tele 2.
A Lei 32/2008, de 17 de julho, transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações.
Alegam os recorrentes, como já se disse, que as localizações celulares documentadas nestes autos e que fundamentam, em parte, a decisão sobre a matéria de facto constante do acórdão recorrido, resultam da posterior recolha das localizações celulares com referência aos crimes praticados em 08/09/2019 e em 04/02/2020 - processos n.ºs 694/19.3COER e 122/20.1PBOER, respetivamente, porquanto fora do âmbito de uma autorização judicial, pelo que tal meio de prova foi obtido de forma ilegal, face à referida declaração de inconstitucionalidade.
Como acima se viu, o acórdão recorrido abordou a questão, pelo que, para melhor compreensão, transcreve-se de novo a decisão nesta parte: A nulidade suscitada pela defesa A Defesa dos arguidos B e C veio, em alegações finais, alegar que a recente jurisprudência saída do Tribunal Constitucional assenta neste caso como uma luva, referindo-se às localizações celulares e transcrições de escutas neste processo. Muito embora se desconheça a razão da alegação quanto às transcrições, e com o perdão antecipado de o podermos ter mal-entendido, não resulta dos autos qualquer irregularidade ou nulidade que diga respeito ao deferimento das escutas, realização das mesmas, fiscalização das mesmas e transcrição das mesmas. Como se referirá abaixo com mais pormenor, em sede de fundamentação, as escutas nestes autos (incorporados sucessivamente) estão activas desde 17.07.2020 (fls. 194 e 195 do proc. 694). No entanto, no âmbito de outros processos, identificados a fls. 165 e 178 do mesmo processo, estavam já a investigar-se factos de natureza semelhante, envolvendo outro suspeito e os contactos dele com o aqui arguido B, estando activas escutas desde data que desconhecemos (porque não é aqui relevante), mas tendo sido através dessas que o número do arguido B chegou a este processo. Ora, estando as escutas activas noutros processos, desde logo num dos que depois foi aqui incorporado (694 aqui incorporado relativamente à ofendida D), e, antes dele, noutro processo que estava também a ser investigado (434/20.4PBSNT – veja-se fls. 165), as escutas em simultâneo com o registo de trace back que estava a ser efectuado não permitem concluir que os dados respectivos estiveram armazenados nas condições em que a Directiva comunitária considera inadmissível e, por maioria de razão, o nosso Tribunal Constitucional também. Ou seja, enquanto os dados estão a ser recolhidos em tempo real, já ao abrigo de decisão judicial que assim determinou, o conhecimento contemporâneo a essa investigação que seja transmitido a outro processo, também em investigação, não constitui a base em que assenta o juízo de censura constitucional que visa a decisão do TC. Mais do que isso, se bem interpretamos a decisão do Tribunal Constitucional, mesmo que essas informações não transitassem de processo para processo, a partir do momento em que, num deles, os dados estão a ser coligidos ao abrigo de decisão judicial, não estamos perante armazenamento de dados sem finalidade definida que é, se bem interpretamos a decisão, a questão que envolve violação de privacidade não se coloca. É o que resulta, salvo melhor opinião, das informações de fls. 157 do proc. 694, conjugada com a de fls. 854 do proc. principal. As informações constantes destes autos, diversas (conferindo-se no proc. 694 fls. 165, 177, 365, 421, 541 e 559, e fls. 81 e 197 do proc. 849), são de molde a concluir-se nesse sentido, neste último se referindo expressamente que é das intercepções activas num processo 674/19.3PCOER que parte dessas informações são retiradas também. Ou seja, aquilo que resulta deste processo é que, havendo diversas investigações activas por crimes de roubo, procuraram-se as semelhanças, confirmaram-se contactos comuns e/ou recíprocos e chegou-se à conclusão de que os aqui arguidos eram suspeitos noutros processos ou contactos de suspeitos de outros processos, partilhando-se as informações. Isto decorre também do depoimento da primeira testemunha da PJ ouvida em julgamento. Depois, com a paciência toda do mundo, há que cruzar a informação que está no processo e que, porque ainda não havia decisão do TC, não foi tratada e nem condensada na perspectiva de que seria precisa. Posto que assim se nos afigura, vejamos a decisão do TC em causa no Acórdão de Abril passado. O TC, no acórdão de 19 de Abril, declarou inconstitucionais as normas da chamada lei dos metadados, que determinam que os fornecedores de serviços telefónicos e de internet devem conservar os dados relativos às comunicações dos clientes, entre os quais a origem, destino, data e hora, tipo de equipamento e localização, pelo período de um ano, para eventual utilização em investigação criminal. A chamada lei dos metadados, de 2008, transpôs para o ordenamento jurídico nacional a directiva europeia de 2006 que, entretanto, o Tribunal de Justiça da União Europeia declarou inválida já em 2014. O art.º 6º da Lei nº 32/2008 de 17.07 prevê que os fornecedores de serviços de comunicação electrónica devem conservar [a expressão é ter o dever de] os dados de tráfego e localização das comunicações referidas no art.º 4 pelo período de um ano. Esta Lei transpôs para a ordem interna a Directiva 2006/24/CE do Parlamento e Conselho. No acórdão de 08.04.2014, porém, o TJUE declarou a invalidade dessa directiva [Digital Rights Ireland Lda e outros] por violação do princípio da proporcionalidade e porque o princípio da Directiva impunha uma restricção inadmissível dos direitos ao respeito pela vida privada e familiar e protecção de dados pessoais, consagrados nos art.ºs 7 e 8 da CDFUE. Em face disto, a nossa CNPDP decidiu, logo em 2017 [Deliberação 1008/2017]. Os dados que aqui estão em causa não abrangem o conteúdo das comunicações, dizendo apenas respeito às suas circunstâncias. Razão pela qual são designados por metadados ou dados sobre dados. Assim, o conjunto de metadados a que refere o art.º 4 da citada Lei abrange mais do que uma categoria de dados, o que tem relevância na medida em que a tutela constitucional não é a mesma para todas as categorias de dados potencialmente abrangidos, isto mesmo se dizendo no Acórdão. No entanto, a questão que se suscita não é relativa à forma como é ordenada a recolha de dados em si, mas relativa, neste caso, ao armazenamento desses dados, pelo prazo de um ano, da generalidade indeterminada dos sujeitos, quando sabemos que, por exemplo, pelo menos para efeitos de facturação, os dados terão de ficar recolhidos, de alguma forma, pelo menos por 90 dias, atentos os prazos fixados nas normas que regulam a prestação de serviços ao consumidor. Ora, mostrando-se aqui salvaguardadas as exigências dos art.ºs 2º e 9º da citada lei, como evidencia o processado, e as normas inerentes à determinação das intercepções e localizações do CPP, o que resta apurar é se o Acórdão do TC coloca em causa as informações aqui recolhidas, de modo a torná-las inválidas e imponderáveis para efeito de prova, tanto mais quando, como vemos, estamos perante uma criminalidade muitíssimo grave e em que as localizações celulares ajudam a consolidar os restantes elementos de prova. Se nos factos relativos aos processos 694 (em que existem vestígios lofoscópicos que colocam o arguido B na casa da ofendida a mexer no seu guarda-jóias, entre os outros elementos de prova que se verão) e 849 (em que as intercepções colocam os dois arguidos nos factos e as jóias apreendidas a L consolidam o resto dos elementos de prova, também como adiante veremos), as localizações celulares são apenas mais um elemento de prova entre vários outros, já no proc. 122, as localizações celulares assumem maior relevo, pelo que não é aqui indiferente esta decisão do TC, caso seja aqui aplicável. A certo passo, diz-se no Acórdão o seguinte: (…) 142- Com efeito, tendo em conta o caráter sensível das informações que os dados de tráfego e os dados de localização podem fornecer, a sua confidencialidade é essencial para o direito ao respeito da vida privada. Assim, e tendo em conta, por um lado, os efeitos dissuasivos no exercício dos direitos fundamentais consagrados nos artigos 7.º e 11.º da Carta, referidos no n.º 118 do presente acórdão, que a conservação desses dados pode produzir e, por outro, a gravidade da ingerência que tal conservação implica, é necessário, numa sociedade democrática, que esta seja a exceção e não a regra, como prevê o sistema instituído pela Diretiva 2002/58, e que esses dados não possam ser objeto de uma conservação sistemática e contínua. Esta conclusão impõe-se mesmo em relação aos objetivos de luta contra a criminalidade grave e de prevenção das ameaças graves contra a segurança pública, bem como à importância que lhes deve ser reconhecida. Daqui resultam duas coisas fundamentais e distintas: em primeiro lugar, que o que está em causa é o armazenamento dos dados em causa (por um ano e de número indeterminado de pessoas) e, em segundo lugar, mesmo nos casos de criminalidade grave, como este, a preservação desses dados, para efeitos de investigação criminal, deve ser excepcional. Ora, de acordo com o que acima já referimos e resulta do processado, esta investigação, que começou por serem três em separado, terminando num único processo (ainda que se não perceba o critério da incorporação do 122 e da manutenção em separado do 694, determinadas pela investigação), foi feita com recurso a diversas informações recolhidas de outros processos que estavam em fase activa de investigação, como aliás refere a testemunha ..., da PJ, sendo que num deles o suspeito investigado era também o irmão do aqui arguido C, que chegou a ser aqui considerado e foi descartado porque estava preso à data do cometimento dos factos aqui investigados. Conforme resulta das informações de serviço acima referidas [e esta informação não se mostra condensada porque não se adivinhava que podia vir a ter a sua importância], as informações juntas a estes autos provieram de outras investigações. Isso aconteceu relativamente ao proc. principal com o 694 (que acabou apenso), e com o 122 que já estava referenciado no mesmo 694 e acabou aqui incorporado. Mas também se recolheram informações de outros processos, como acima se viu e se deixaram anotadas as respectivas informações de serviço. É desses processos que chegam, ao que parece resultar do processado, as informações das localizações anteriores ao início das aqui determinadas e que, estando a ser feitas em tempo real, nenhuma questão quanto ao respectivo armazenamento suscita, pois que estão a ser armazenadas neste processo, ao abrigo da respectiva ordem judiciária. Resultando do processado que assim estava também a acontecer noutros processos que estavam a ser investigados e estão ali indicados, também nenhuma questão se coloca a esse nível, não sendo aplicável a jurisprudência do TC, o que permite concluir pela validade das localizações celulares que constam deste processo (única prova que estava vulnerável a esta jurisprudência). O que resulta do presente acórdão é que só é possível impor um período de conservação de dados de tráfego relativamente a pessoas em relação às quais existam indícios de que o seu comportamento possa ter algum nexo com os crimes graves enunciados na alínea g) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei nº 32/2008. A ser assim, os fornecedores de serviços de telecomunicações apenas podem conservar os dados quando a autoridade judiciária competente os solicitar no decurso de uma investigação criminal, como aliás aqui aconteceu. Ora, estando activas intercepções e localizações ordenadas noutros processos em investigação, a conservação dos dados não está a ser feita em violação do direito à privacidade, mas no âmbito de uma compressão a esse direito determinada judicialmente, nos termos de decisão que ponderou, desde logo, a necessidade da excepcionalidade e a proporcionalidade da medida, salvaguardando-se assim a Constituição da República Portuguesa e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. E também se não coloca a questão aqui da segunda inconstitucionalidade declarada, por falta de notificação ao visado da consulta de dados, uma vez que, como decorre dos autos e até da decisão de manter sucessivamente o segredo de justiça, como decorre dos factos, essa comunicação, não apenas resultaria num prejuízo irremediável para a investigação, como colocaria em risco, em face da gravidade do que aqui se julga, a integridade pessoal dos ofendidos.
Em face desta decisão e da posição do Ministério Público na resposta e no parecer, o recorrente C vem na sua resposta apresentada nos termos do art.º 417.º, n.º 2, do CPP, defender, reafirmando, que, as localizações celulares obtidas em relação a si no processo 649/19.3PCOER não respeitaram a lei porque foram solicitadas indicando o arguido como suspeito quando o mesmo só poderia ser intermediário, uma vez que se encontrava em reclusão.
Ora, não se percebe o alcance desta questão porque o artigo 189.º, n.º 2, do CPP, prevê expressamente a possibilidade de obtenção de localizações celulares quando aos crimes previstos no art.º 187.º (como é o caso – n.º 1, alínea a)) e em relação às pessoas referidas no n.º 4 do mesmo artigo ( alínea b – intermediário).
Na verdade, o rebuscado, mas muito inteligente, raciocínio do recorrente, e que já constava da sua motivação, se bem o entendemos, consiste no seguinte: atendendo à restrição constante da alínea b) do n.º 4 do art.º 187.º do CPP (no caso de intermediário apenas se podem ordenar escutas telefónicas se houver fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido) o n.º 2 do art.º 189.º não seria aqui aplicável caso se tratasse de um simples intermediário, pois a sua intervenção não justificaria a tão profunda devassa da sua privacidade, resultante das localizações celulares – isto é, se é só por receber ou transmitir mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido, não há necessidade de rastrear a sua localização sucessiva porque a sua intervenção seria só ao nível das comunicações e não de outra ações.
Ora, independentemente da qualificação como intermediário ou suspeito da pessoa em causa, há um dado que é objetivo: o n.º 2 do art.º 189.º do CPP não procede a qualquer distinção neste campo, afirmando perentoriamente que o seu regime é aplicável “ (…) em relação às pessoas referidas no n.º 4 do mesmo artigo”, onde se incluem os intermediários. E, já que falamos de intromissão na vida privada, não há qualquer dúvida de que é incomensuravelmente maior a medida da intromissão na vida privada nas escutas telefónicas do que nas localizações celulares. Assim, mal se compreenderia que a lei permitisse o mais e não permitisse o menos, quando não efetua sequer qualquer distinção a esse respeito, e afirma expressamente a sua possibilidade, como vimos.
Assim sendo, em relação às localizações celulares respeitantes a esta parte da decisão não se vislumbra qualquer utilização de prova proibida.
*
Voltemos à questão fundamental dos “metadados”.
Além da decisão acima transcrita, o Ministério Público refere ainda na sua resposta, que: É certo que neste âmbito foi então declarada a inconstitucionalidade com força obrigatória geral pelo Tribunal Constitucional da norma ínsita no artigo 4.º, da Lei n.º 32/2008, de 17.06. Todavia, aquela declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral não se dirigiu às demais normas aplicáveis à localização celular e designadamente as que permitiram o recurso àquele meio de prova nestes autos, concretamente os artigos 189.º, n.º 2 e 167.º, n.º 1, do Código de Processo Penal: entendimento que ainda assim sabemos não ser pacífico – neste sentido, vide o Acórdão da Relação do Porto de 07.09.2022, Rel. Des. José António Rodrigues da Cunha, P. n.º 877/22.9JAPRT-A.P1, disponível em www.dgsi.pt. Não se olvide ainda que nestes autos estamos perante crimes do catálogo do artigo 187.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, mantendo-se assim a aplicação daquele regime. Noutra perspectiva, seria ainda assim possível o recurso e conservação dos dados de localização celular por via da aplicação dos artigos 2.º, n.º 1, alínea e) e 6.º, n.º 3 da Lei n.º 41/2004, de 18 de Agosto, continuando a ser válida a conservação dos dados respeitantes à facturação por seis meses, podendo os mesmos ser utilizados para fins de investigação criminal – nesse sentido vide a Decisão Sumária do Tribunal da Relação de Coimbra de 10 de Julho de 2022, P. n.º 235/22.5JACBR, Des. José Eduardo Martins. Eventualmente também nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 3, da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, no que respeita à licitude de conservação destes dados. Ou seja, conquanto a conservação dos dados tenha sido operada dentro dos 6 meses e por isso poderiam ter sido obtidos nos moldes previstos nos artigos 2.º, n.º 1, alínea e) e 6.º, n.º 3 da Lei n.º 41/2004, de 18 de Agosto ou ainda do artigo 10.º, n.º 3, da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho e o acesso tenha sido autorizado no âmbito dos artigos 189.º, n.º 2 e 167.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Todavia, nestes autos falamos de localização celular em tempo real, pelo que à partida nem sequer estaríamos no âmbito da discussão acerca da conservação de dados; mas caso se entenda que assim não é, sempre existiriam as variáveis que mencionámos por ponderar também.
Ora, não obstante toda esta argumentação proferida, com denodo e determinação, pela acusação e pelo tribunal, podemos assentar no seguinte:
- nos termos dos artigos 187.º a 189.º do CPP é lícita, entre outras, a utilização dos dados de localização celular desde que a sua guarda e entrega resulte de despacho do juiz, no âmbito de uma investigação criminal, apenas se podendo utilizar como prova aqueles que forem registados e entregues após tal decisão, uma vez que, segundo entendemos, este regime em nada foi beliscado pela publicação da Lei n.º 32/2008, de 17/06, nem pela sua declaração de inconstitucionalidade; tal regime foi alargado e estendido por esta Lei, tendo agora, com a declaração de inconstitucionalidade, ficado reduzido à sua inicial dimensão; na verdade, a Lei 32/2008 referida não procedeu à revogação daquele regime, pois isso teria impedido, durante a sua vigência, a aplicação do art.º 189.º, n.º 2, do CPP aos outros crimes referidos no art.º 187.º não abrangidos pela definição de crimes graves de tal Lei, sendo certo que tal se não verificou;
- o art.º 189.º, n.º 2, foi incluído no Código de Processo Penal pela Lei n.º 48/2007, de 29/08, para, precisamente, regular os termos em que estes dados poderiam ser requisitados e juntos ao processo, pois alguns de tais dados (metadados) já eram guardados temporariamente pelas operadoras para efeitos designadamente de faturação dos serviços prestado;
- os dados de localização celular que sejam remetidos a um processo e que provenham de operações de conservação prévia (ao referido despacho) dos mesmos, estão abrangidos pela declaração de inconstitucionalidade do acórdão do TC acima mencionado, pelo que constituem prova proibida, ainda que na data da sua conservação já estivesse pendente processo contra a pessoa em relação à qual os dados são solicitados;
- em relação aos dados relativos a registos de realização de conversações ou comunicações, poderão os mesmos resultar da prolação de decisão a esse respeito, tal como acima se referiu, ou ser obtidos, mediante idêntica decisão, a partir dos registos efetuados nos termos e para os efeitos do art.º 6.º da Lei n.º 41/2004, de 18/08, os quais terão sempre o limite temporal previsto no n.º 3 deste artigo, uma vez que a decisão do TC não se pronunciou expressamente sobre esta questão; não esqueçamos que a mencionada Lei n.º 41/2004 contém um regime extremamente restritivo em relação aos dados sobre localização, constante do aseu artigo 7.º, o que, só por si, constituiu uma das justificações para o regime estabelecido pela Lei n.º 32/2008, de 17/06, que impôs a sua guarda por um ano.
É certo que, como alega a acusação e afirma a decisão recorrida, existe um complexo normativo nacional que regula e/ou possibilita o acesso à prova digital, a saber:
- O Código de Processo Penal e o regime previsto para as interceções telefónicas, em particular os artigos 187.º, 188.º e 189.º.
- A Lei n.º 41/2004, de 18 de agosto, Lei da Proteção de Dados Pessoais e Privacidade que transpôs a Diretiva 2002/58/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de julho, relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no setor das comunicações eletrónicas.
- A Lei 32/2008, de 17 de julho relativa à conservação de dados gerados ou tratados em contexto de oferta de serviços de comunicação eletrónicas e que define as regras de acesso aos dados conservados para efeitos criminais.
- A Lei 109/2009, de 15 de setembro, Lei do Cibercrime.
O que também é, igualmente certo, é que nenhuma das leis em vigor permitia a armazenamento de dados de localização celular (salvo as marginais exceções previstas no art.º 7.º da Lei n.º 41/2004), e que foi a Lei n.º 32/2008, de 17/07 que veio estabelecer, não essa possibilidade, mas essa imposição – mesmo na Lei do Cibercrime, o caso, como é consabido, é o do chamado “quick-freeze”, ou seja, armazenamento e entrega após decisão judicial e apenas os dados que forem obtidos após esta, e para os crimes mencionados naquele diploma.
Assim, a aludida imposição de armazenamento extenso, universal e indiscriminado foi objeto de declaração de inconstitucionalidade. Todavia, não foi julgado inconstitucional armazenar dados, desde que tal operação respeite a restante legislação em vigor, acima referida.
Vejamos o que tem decidido a mais recente Jurisprudência a este respeito (www.dgsi.pt):
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 07/12/2022, relatado pelo Exmo. Desembargador Pedro Vaz Pato: – Tendo o acórdão do Tribunal Constitucional declarado a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, dos artigos 4.º, 6.º e 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho (Lei relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto de oferta de serviços de comunicações eletrónicas), não podemos tentar tornear esse acórdão, “deixando entrar pela janela” aquilo a que ele “fechou a porta”; ou seja, não podemos recorrer a outras normas para obter o mesmo efeito que resultaria da aplicação das normas declaradas inconstitucionais sem que essas outras normas contenham aquelas garantias que faltam a estas e que levaram a essa declaração de inconstitucionalidade. II – Não é, por isso, legalmente possível recorrer para esse efeito aos regimes dos artigos 187.º e 189.º do Código de Processo Penal (relativo às comunicações em tempo real, não à conservação de dados de comunicações pretéritas), da Lei n.º 41/2004, de 18 de agosto (relativo à proteção contratual no contexto das relações entre empresas fornecedoras de serviços de comunicações eletrónicas e seus clientes, campo distinto do da investigação criminal) e da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro (Lei do Cibercrime). III – Não podem os tribunais substituir-se ao legislador suprindo omissões de onde resultam graves inconvenientes para a investigação criminal.
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/10/2022, relatado pelo Exmo. Desembargador Paulo Guerra: I - «Metadados» são dados referentes ao tráfego das comunicações electrónicas e de localização, bem como os dados conexos necessários para identificar o assinante e/ou utilizador, permitindo determinar todos os dados atinentes àquela forma de comunicabilidade, com excepção do seu teor ou conteúdo, onde se incluem as informações de localização, de identificação de fonte e destino, data, hora, duração da comunicação, tipo de comunicação e o equipamento utilizado. II – Os serviços de telecomunicações compreendem, fundamentalmente, os dados de base, os dados de tráfego e os dados de conteúdo. III – Os dados de base são os dados respeitantes à conexão à rede, ou seja, são os dados através dos quais o utilizador da rede de telecomunicações tem acesso à ligação. IV – Os dados de tráfego correspondem aos dados funcionais necessários ao estabelecimento de uma ligação ou comunicação e os dados gerados pela utilização da rede. V – Por último, os dados de conteúdo são os dados alusivos ao conteúdo da comunicação ou da mensagem. VI – Os dados de localização, inseridos no âmbito dos dados de tráfego, são os dados tratados numa rede de comunicações electrónicas que indicam a posição geográfica do equipamento terminal de um assistente ou de qualquer utilizador de um serviço de comunicações electrónicas acessíveis ao público. VII– Só cabem dentro dos dados de localização os autênticos dados de comunicação ou de tráfego, i.e., aqueles que se reportam a comunicações efectivamente realizadas ou tentadas/falhadas entre pessoas. VIII - O regime estabelecido pela Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, aplica-se à obtenção de dados correspondentes a comunicações já ocorridas e que se encontram preservados ou conservados. IX – Tratando-se de obter prova por “localização celular conservada”, isto é, concernente aos dados previstos no artigo 4.º, n.º 1, da Lei n.º 32/2008, o regime processual aplicável assume especialidade nos artigos 3.º e 9.º deste diploma, regime que, sendo especial, se sobrepõe ao de carácter geral instituído pelos artigos 12.º a 17.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro – Lei do Cibercrime –, a qual, de resto, expressamente ressalva, no artigo 11.º, n.º 2, que as suas disposições processuais não prejudicam o regime do outro corpo de normas referido. X – Já o artigo 189.º, n.º 2, do CPP, com a extensão do regime das escutas telefónicas nele consagrada, remetendo para os requisitos de admissibilidade fixados no artigo 187.º, n.ºs 1 e 4 do mesmo diploma, tem em vista os dados recolhidos em tempo real. XI – Por sua vez, a aplicação da Lei 41/2004, de 18 de Agosto, limita-se à protecção contratual, no contexto das relações estabelecidas entre as empresas fornecedoras de serviços de comunicações electrónicas e os seus clientes, não sendo lícito recorrer a ela para efeitos de investigação criminal. XII – Mesmo a considerar-se aplicável este diploma, à luz do artigo 6.º, n.º 2, ele não permitiria o pedido de dados de localização. XIII – A declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas a que se reporta o recente Acórdão n.º 268/2022 do Tribunal Constitucional, tendo por base a consideração de que as mesmas permitiam lesão desproporcionada da reserva da intimidade e da vida privada dos cidadãos, veda o acesso aos dados não permitidos com recurso à Lei 32/2008; de outro modo, a declaração de inconstitucionalidade permitiria o efeito contrário àquele que definiu. IVX – Não existindo qualquer identidade formal ou material entre a previsão legal do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 32/2008 e o catálogo de crimes delineado no artigo 187.º, n.º 1 e 189.º, do CPP – com a “virtual” excepção da alínea b) do n.º 1 do artigo 187.º –, não há revogação do segundo pelo primeiro dos dois regimes. XV – Se assim é, não se tem de aplicar, por repristinação, nenhuma norma do CPP. XVI – “Caída” a Lei 32/2008, e na impossibilidade de aplicação do CPP e da Lei 41/2004, recorrer, na questão da localização celular, às normas da Lei 109/2009 seria seguir um caminho espúrio, face à enunciada declaração de inconstitucionalidade e aos fundamentos que a determinaram. XVII – O que significa que no caso específico de obtenção por localização celular conservada, isto é, a obtenção dos dados previstos no artigo 4.º, n.º 1, da Lei 32/2008, o regime processual aplicável assume especialidade nos artigos 3.º e 9.º deste diploma (para estes casos ganhando relevo o conceito de «crime grave», já que nos termos do artigo 3.º, n.º 1, ainda do mesmo compêndio legislativo, a obtenção de prova da localização celular conservada só é prevista para crimes que caibam nesse conceito) - desaparecendo a especialidade, não é consentido recorrer à generalidade e permitir localização celular para além desses crimes é defraudar o espírito do legislador. XVIII – A facturação detalhada, integrando também dados de tráfego relativos às comunicações efectuadas – pelo menos, informações atinentes a todas as chamadas realizadas num determinado período, números de telefone chamados, data da chamada, hora de início e duração de cada comunicação –, inviabiliza a aplicação da norma do artigo 14.º, n.º 4, da Lei 109/2009, não sendo também de aplicar o preceito contido no artigo 18.º, apenas destinado a intercepções em tempo real, a exemplo das normas do CPP para que remete, anotando-se ainda que, no caso dos autos, o prazo de três meses, previsto no artigo 12.º, n.º 3, já se extinguiu.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25/10/2022, relatado pela Exma. Desembargadora Mafalda Santos: I - No acesso aos dados que não abrangem o conteúdo das comunicações, usualmente denominados de metadados (ou dados sobre dados), tem-se entendido ser esta matéria regulada pela Lei n.º 32/2008, de 17/7, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2006/24/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações. II - Na recolha de prova em meio digital é preponderante não só a ordem jurídica interna, como o direito da união europeia (DUE). Estamos aqui no domínio de aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE), da Diretiva 2002/58/CE, do Parlamento e do Conselho, de 12 de julho de 2002, que disciplina o direito à privacidade no sector das telecomunicações e da Diretiva 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações. III - A Lei n.º 32/2008, de 17/7, transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva 2006/24/CE, que o TJUE declarou inválida em 2014. IV - Este juízo de invalidade da Diretiva de 2006 que a Lei n.º 32/2008 transpôs não afeta, sem mais, a vigência normativa do diploma, que tem uma fonte autónoma de legitimidade. V - Mas o TJUE pronunciou-se nos Acórdãos Tele2 (proc. C-203/15 e C-698/15 de 21/12/2016) e La quadrature du net (6/10/2020, proc. C-511/18) considerando que o estabelecimento, pelo legislador nacional, de uma obrigação de conservação de todos os dados de tráfego de todos os utilizadores e assinantes padecia da mesma incompatibilidade com a CFDUE que havia sido assacada à diretiva em que se baseou. VI - Sublinhou que uma regulamentação que prevê a conservação generalizada e indiferenciada de dados de tráfego e de dados de localização abrange as comunicações eletrónicas de quase toda a população sem que seja estabelecida nenhuma diferenciação, limitação ou exceção em função do objetivo prosseguido. VII – O Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 268/2002), declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do art.º 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17/7, conjugada com o art.º 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos n.ºs. 1 e 4 do art.º 35.º e do n.º 1 do art.º 26.º, em conjugação com o n.º 2 do art.º 18.º, todos da Constituição e da norma do art.º 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17/7, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para a investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no n.º 1 do art.º 35.º e do n.º 1 do art.º 20.º, em conjugação com o n.º 2 do art.º 18.º, todos das Constituição. VIII – E os dados cuja transmissão pode ser autorizada nos termos do art.º 9.º da Lei 32/2008, de 17/7, norma cujos pressupostos o Ministério Público entende estarem preenchidos, são os conservados nos termos do art.º 4.º do mesmo diploma, declarado inconstitucional com força obrigatória geral. IX – A jurisprudência vem sufragando o entendimento de que a pessoa em concreto, relativamente à qual se visa a utilização do meio de obtenção de prova em causa, não pode ser uma mera abstração, ainda que não seja conhecida a sua identidade terá de ser identificável, determinável. Mas esta determinação, diríamos nós, tem de permitir uma delimitação, mínima que seja, dos dados a recolher. X – Mas, mesmo sem considerar a declaração de inconstitucionalidade, a recolha de prova nos moldes pretendidos pelo Ministério Público e o âmbito de abrangência do art.º 4.º (que prevê a conservação generalizada e indiferenciada de dados de tráfego e de localização) da Lei n.º 32/2008, de 17/7 já não respeitava o DUE, concretamente o art.º 15.º da Diretiva 2002/58/CE e os art.ºs 7.º, 8.º e 52.º da CDFUE, pelo que a pretensão do recorrente não poderia proceder
Em relação à Jurisprudência citada, divergimos apenas, como acima se viu, no que se refere ao “registo da realização de conversações ou comunicações”, uma vez que, sendo permitida a sua conservação para efeitos contratuais, designadamente nos termos e para os efeitos previstos na Lei n.º 41/2004, nada impede que tais informações possam e devam ser usadas na investigação criminal, tal como se utiliza outra informação disponível para tal fim. Já quanto às localizações celulares, o nosso acordo é total. Na verdade, o que o Tribunal Constitucional decidiu foi a inconstitucionalidade do armazenamento extenso indiscriminado e universal dos metadados pelo período de um ano, por violação desproporcionada do direito à privacidade, referindo apenas incidentalmente a Lei n.º 41/2004, na página 18, não lhe assacando, na sua extensa argumentação, qualquer óbice ou engulho de inconstitucionalidade.
Da mesma opinião é o Exmo. Conselheiro Lino Ribeiro, que na sua mui douta declaração de voto de vencido, acima mencionada, diz naquele acórdão do TC: De resto, a lei habilita os operadores a conservarem pelo prazo de seis meses grande parte desses dados para efeitos de faturação (n.º 3 do artigo 6.º da Lei 41/2004, de 18 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 46/2012, de 29 de agosto e artigos 9.º, n.º 2 e 10.º. n.º 1, da Lei n.º 23/96 de 26 de julho), sem que isso ponha em causa a privacidade dos utilizadores.
Assim sendo, e em síntese, e reconhecendo a dificuldade da questão, e o caráter ainda muito embrionário das eventuais certezas de tudo isto decorrentes, se bem interpretamos a questão em análise, a Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, veio criar um regime obrigatório de armazenamento massivo e indiscriminado de “metadados”, pelo prazo de um ano, para poder, eventualmente, vir a ser utilizado em investigações em relação aos crimes por si considerados “graves” – que, é certo, estão previstos também, em parte, no art.º 187.º do CPP, no seu n.º 1 -, sendo certo que foi este regime ciclópico que foi julgado inconstitucional, e apenas em relação aos dados de tráfego nos termos acima explicitados, deixando incólume a restante legislação nacional em vigor.
Ora, consta da decisão recorrida que as escutas, transcrições e localizações celulares em causa nos autos dizem respeito a dados obtidos em tempo real.
Todavia, o recorrente B ... afirma que: “Acontece que o Ministério Publico, por Despacho de 28/9/2020, a fls. 4874, do processo n.º 694/19.3COER, promoveu, com referência ao período que mediou 08/11/2019 e 04/02/2020, entre as 06h00 e as 18h00, a junção aos autos do registo detalhado de chamadas de voz e texto realizadas e recebidas, bem como a localização celular, com a indicação da hora e minuto da sua realização, numero chamador e numero chamado, duração das chamadas de voz e sentido da comunicação, do cartão com o n.º 926611753 (Alvo 114260060) bem como ao IMEI 356261107003340 (Alvo 114260070), cujas interceções foram autorizadas apenas em 15/07/2020. O Juiz de Instrução Criminal, em 28/09/2020, a fls. 499, daquele mesmo processo n.º 694/19.3COER, considerou que, a investigação dos crimes indiciados de roubo agravado e de receptação depende das informações pretendidas, pelo que o interesse publico em que se traduz o exercício da ação penal prevalece sobre o interesse subjacente ao sigilo profissional e das comunicações, verificando-se os pressupostos dos art.ºs 31.º, n.º 2 e 36.º, n.º 1 do C.Penal, pelo que, nesse sentido, tendo em conta o teor do requerimento da Digna Magistrada do Ministério Publico que antecede e por estarem reunidos os pressupostos legais, determino, ao abrigo do disposto nos art.ºs 187.º, n.º 1, al. a) e n.º 4, als. a) e c), 189.º, 190.º e 269.º, nº 1, al. e) do CPP e art.ºs 1.º, 2.º, 4.º e 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, que se oficie às operadoras “NOS”, “ALTICE” e “VODAFONE”, solicitando o envio urgente, dada a natureza da investigação e no prazo máximo de 10 dias, dos elementos pretendidos, elencados a fls. 487 e 488. Assim, por referência aos crimes praticados em 08/09/2019 e em 04/02/2020, foi determinada ao abrigo da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, a recolha, junto das respetivas operadoras, dos dados de tráfego relativos àquele número de cartão de telemóvel e IMEI de equipamento, cuja interceção telefónica foi autorizada apenas em 15/07/2020. Em 05/01/2021, fls. 7315, já após a apensação do processo n.º 694/19.3COER, no processo n.º 849/20.9PBCSC, a operadora telefónica NOS carreou aos autos em suporte digital, os dados de tráfego solicitados, cujo suporte digital está anexo ao volume III destes autos e o correspetivo relatório de tratamento e analise pela Polícia Judiciária, consta de fls. 854 a 865 do mesmo processo.”
Por outro lado, lê-se na fundamentação sobre a decisão de matéria de facto do acórdão o seguinte: De acordo com a informação do trace back e registo de antena que estava a ser feito em tempo real ao arguido B, o mesmo esteve, na data dos factos, no período que a ofendida indica como sendo o do assalto na antena da zona de residência daquela, conforme resulta da informação junta a fls. 857 e 863 dos autos.
Não é certo, portanto, que estas informações tenham sido obtidas em tempo real.
Na verdade, consultados os autos, constata-se que a promoção que as solicita é de 28/09/2020 (fls. 487 do processo 694/19.3PCOER), por referência ao pedido da PJ de fls. 482 dos mesmos autos, a informação pretendida refere-se aos períodos “ entre as 06H00 e as 18H00 do dia 08 de novembro de 2019 e entre as 06H00 e as 20H00 do dia 04 de fevereiro de 2020”, e a decisão que a defere é de 28/09/2020 (fls. 490 do processo 694/19), sendo tal decisão cumprida através do ofício de fls. 560 do processo 694/19.3PCOER, a qual, por não ter sido prontamente obedecida, foi alvo de insistência por promoção de fls. 667, desta feita já do processo 849/20.8PBCSC, despacho que foi cumprido por ofício de fls. 681 dos mesmos autos, tendo sido respondido pela NOS a fls. 731, estando os respetivos resultados documentados a fls. 854 e segs. ainda deste processo, com expressa referência de que o CD analisado contém as informações pedidas a fls. 560 do NUIPC 694/19.3COER, relativamente ao número utilizado pelo arguido B ..., sendo certo que ali se afirma poder inferir-se a partir de tais informações a localização do ora recorrente no dia 08/11/2019 (data do roubo que deu origem ao NUIPC 694/19.3COER) e no dia 04/02/2020 (data do roubo que deu origem ao NUIPC 122/20.1PBOER) – datas, evidentemente, anteriores à decisão (28/09/2020) que solicitou os elementos.
Além destes dados objetivos, deve ainda reconhecer-se que a fundamentação do acórdão a este respeito não é esclarecedora e contém vários trechos que se afastam do rigor devido de uma decisão judicial (reconhece-se, todavia, o denodado esforço do tribunal na realização do julgamento e na elaboração do acórdão, num processo complexo e cujo objeto diz respeito a factos de extrema gravidade).
Assim:
1) É facto que o arguido A, ouvido na PJ (fls. 1030 já do NUIPC 849), confessou a prática desses factos em coautoria com o arguido B. No entanto, ouvido em interrogatório judicial, remeteu-se ao silêncio, pelo que não podem aquelas declarações ser sequer ponderadas e as do interrogatório, por não prestadas, por maioria de razão.
É evidente que nada permite que estas afirmações relativas a uma confissão não utilizável em termos probatórios possam ser referidas na decisão, nem o tribunal as devia ter presentes no seu raciocínio sequer, porque tudo se passa como se não existissem.
2) As testemunhas da PJ, sobretudo a primeira, esclareceram a sequência dos factos.
Ora, é necessário ter em atenção que, nos termos do CPP, a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento direito e que constituam objeto da prova – art.º 128.º, n.º 1. Assim, a única pergunta que se deve fazer a uma testemunha é “o que viu (onde, quando, como, etc)?” – se não viu nada, nada sabe e não é testemunha. Se viu, responde apenas sobre isso. No máximo, poderá responder sobre o que ouviu nos apertados termos do art.º 129.º do CPP, e, caso se trate de órgão de polícia criminal (o que abrange certamente “autoridades de polícia criminal”, nos termos do art.º 1.º, alínea d), do CPP) ainda com as restrições do disposto no art.º 356.º, n.º 7, também do CPP, sejam as declarações “informais” ou formais, entendemos nós, mas reconhecendo que a Jurisprudência não é unânime neste último ponto. É o tribunal que tem de esclarecer a sequência dos factos, se tal for possível, de acordo com a prova coligida nos autos e não com o parecer de quem efetuou a investigação, cuja tarefa é importantíssima e imprescindível, é certo, mas não consiste em “explicar” o processo ao tribunal. Ora, como é que as testemunhas da PJ podem esclarecer a sequência dos factos se não os presenciaram? É realmente algo estranho que nos nossos tribunais estejam por vezes pessoas a falar durante horas sobre os factos em julgamento sem terem assistido a um único facto, fazendo, na verdade, um comentário ao processo, às provas nele coligidas, adiantando a sua análise e as suas conclusões, comentando escutas telefónicas e outros elementos de prova, como que “ensinando” ao tribunal o que fazer. Ora, isto deve ser evitado a todo o custo, pois todas essas tarefas são da competência e responsabilidade exclusiva do tribunal. A “investigação” procede à recolha dos meios de prova durante o inquérito, e, em julgamento, relata apenas o que viu (por exemplo, uma vigilância ou uma inspeção ao local onde ocorreram os factos). O resto, todo o resto, é com o tribunal, designadamente as apreciações, interpretações, análises, inferências, deduções e conclusões da prova recolhida, salvo questões de natureza científica, que sejam alvo de perícias, cujo resultado é, normalmente, nos termos da lei, aceite pelo tribunal. Ora, analisar e interpretar uma conversa telefónica, um dado de localização celular, um documento e o seu alcance, por exemplo, nada tem de científico, pelo que essa análise deve ser feita exclusivamente pelo tribunal, não se permitindo que quem recolheu essas provas se pronuncie sobre o seu alcance e interpretação, por mais nobre e reta que seja a sua intenção, sendo ainda consabido que só pode colher-se validamente uma opinião de uma testemunha com utilidade e eficácia probatória se ela for absolutamente incindível do seu depoimento, o que sucede raríssimas vezes, e isso terá sempre de ocorrer a partir de um “depoimento”, ou seja de conhecimento direto;
3) Ora, de acordo com o que acima já referimos e resulta do processado, esta investigação, que começou por serem três em separado, terminando num único processo (ainda que se não perceba o critério da incorporação do 122 e da manutenção em separado do 694, determinadas pela investigação), foi feita com recurso a diversas informações recolhidas de outros processos que estavam em fase activa de investigação, como aliás refere a testemunha ..., da PJ, sendo que num deles o suspeito investigado era também o irmão do aqui arguido C, que chegou a ser aqui considerado e foi descartado porque estava preso à data do cometimento dos factos aqui investigados.
Ora, o Sr. ... não é testemunha em relação à tramitação dos autos (que nem sequer é objeto da prova), cujas vicissitudes têm de ser completamente dominadas e entendidas pelo tribunal, e se há meios de prova importantes noutros processo, deverão ser juntos a estes autos (designadamente por meio de certidões ou apensação) para apreciação pelo tribunal, não bastando uma referência vaga a “informações”.
4) Conforme resulta das informações de serviço acima referidas [e esta informação não se mostra condensada porque não se adivinhava que podia vir a ter a sua importância], as informações juntas a estes autos provieram de outras investigações. Isso aconteceu relativamente ao proc. principal com o 694 (que acabou apenso), e com o 122 que já estava referenciado no mesmo 694 e acabou aqui incorporado. Mas também se recolheram informações de outros processos, como acima se viu e se deixaram anotadas as respectivas informações de serviço. É desses processos que chegam, ao que parece resultar do processado, as informações das localizações anteriores ao início das aqui determinadas e que, estando a ser feitas em tempo real, nenhuma questão quanto ao respectivo armazenamento suscita, pois que estão a ser armazenadas neste processo, ao abrigo da respectiva ordem judiciária.
Não é possível nem aceitável afirmar nesta sede, como se faz na decisão recorrida, “(…) ao que parece resultar do processado (…). Assim, das duas uma: ou o tribunal tem a certeza do que está a afirmar, e consegue demonstrá-lo documentalmente com certidões das decisões dos processos em causa, e torna a sua fundamentação esclarecedora, ou não pode usar esses elementos como meios de prova. Se não tem esses documentos, ordena a sua junção aos autos. O que não pode é estribar-se em informações de serviço e informações de informações. E se a informação não estava “condensada” (seja lá o que isso quer dizer) por não ser importante a “condensação” nessa altura, sendo seguro, portanto, “a contrariu”, que agora o é, ou se leva a cabo essa “condensação”, ou nada se poderá aproveitar nessa sede.
Nestes termos, duas conclusões se nos afiguram óbvias:
a) casos há na presente decisão em que dados de localização celular utilizados na formação da convicção do tribunal em relação ao julgamento da matéria de facto foram obtidos a partir de registos conservados pelas operadoras em data anterior à decisão que ordena a sua solicitação a essas mesmas operadoras e a sua junção ao processo, o que cai diretamente sob a alçada da declaração de inconstitucionalidade acima referida, não obstante o processo poder já estar pendente e sendo já dirigido contra as pessoas a quem os dados dizem respeito;
b) decisão contém uma fundamentação insuficiente (porque pouco esclarecedora) em relação aos elementos do processo ou processos (apensados ou outros) a partir dos quais foram obtidos dados desse jaez e que demonstrem cabalmente que a sua utilização é possível nos termos atrás referidos: assim, impõe-se que nessa fundamentação conste expressamente qual a decisão (e processo em que foi proferida) que determinou a obtenção de dados de localização celular, bem como a respetiva data, para poder concluir que o seu registo e envio apenas contém dados posteriores a essa ordem – caso contrário, ter-se-á de concluir que os dados estavam “conservados”; para tanto, tais elementos devem ser pedidos a esses processos e juntos aos presentes autos; caso não sejam juntos aos autos não podem ser tidos em conta, designadamente através de “informações de serviço”, que não servem para isso – note-se que a fundamentação da decisão também é relevante no processo de controlabilidade da decisão em sede de recurso, como afirma Maria João Antunes, in Direito Processual Penal, 4.ª Edição, Almedina, pág. 231.
A primeira das situações configura a nulidade prevista no art.º 126.º, n.º 3, do CPP: Métodos proibidos de prova (…) 3 - Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular. (…)
Tal nulidade apenas é sanável mediante consentimento do visado, o que manifestamente não ocorre no caso, uma vez que ambos os recorrentes invocam esta invalidade, não constando dos autos qualquer consentimento prestado em fase anterior. Assim, por falta do dito consentimento, esta nulidade deve considerar-se insanável. A situação cai assim sob a alçada do disposto no art.º 410.º, n.º 3, do CPP, e tem como consequência a repetição da decisão pelo mesmo tribunal recorrido, mas desta feita sem a ponderação da prova proibida – cfr. a este respeito Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, UCE, 2.ª Edição, atualizada, pág. 320, nota 4, e pág. 322, nota 10.
III DISPOSITIVO
Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar nula a decisão recorrida, nos termos do art.º 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, e ordenar a sua repetição, pelo mesmo tribunal, nos termos do art.º 410.º, n.º 3 do mesmo diploma legal, sem a ponderação da prova proibida, nos termos acima explicitados.
Sem tributação.
Lisboa, 26-01-2023
António Braúlio Alves Martins
Maria Carlos Duarte do Vale Calheiros
Maria Manuela Barroco Esteves Machado