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PROCESSO DE INVENTÁRIO
RECLAMAÇÃO DE BENS
NOTIFICAÇÃO ELECTRÓNICA
EFEITO COMINATÓRIO SEMIPLENO
APLICAÇÃO
Sumário
1.–A notificação eletrónica, efetuada nos termos do art.º 221º do CPC, do requerimento de reclamação à relação de bens, é válida não se impondo uma nova notificação oficiosa pela secretaria, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 1105º, nº 1 do CPC.
2.–Não se descortina qualquer razão plausível ou ponderosa que justifique, para o processo de inventário, o afastamento do efeito cominatório estabelecido no Código de Processo Civil para os processos e incidentes em geral, pelo que, por aplicação das regras supletivas, a falta de impugnação determina a aplicação do efeito cominatório semipleno, nos termos conjugados dos artigos 549º nº 1 e 574º do Código de Processo Civil.
Texto Integral
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa
I.–Relatório.
Nos presentes autos de inventário judicial que L., solteiro, maior, advogado, NIF ........., titular do cartão de cidadão n.º ........ .ZX., válido até .../.../..., emitido pelos serviços competentes da República Portuguesa, com domicílio profissional na Rua de ..... ....., n.º ..., ...º dtº, freguesia de São ....., ....-..., concelho de ..... ..... e residente na Rua de ..... ..... da ....., n.º ..., rc - dtº, da freguesia de São ....., .....-..., concelho da ..... ..... ....., intentou para fazer cessar a comunhão hereditária por óbito de Maria …… o Tribunal “a quo” proferiu o seguinte despacho:
“Prosseguimento dos autos:
* O cabeça de casal L apresentou a competente relação de bens (junta com documento com referência citius 4618664). O interessado LC apresentou reclamação à mesma (cf. documento com referência citius 4691708), notificando da referida apresentação o Ilustre Mandatário do cabeça de casal. O cabeça de casal não apresentou resposta (nos termos e para os efeitos do disposto no artº 1105º, nº 1 do Código de Processo Civil). Temos assim que, quer se configure a reclamação à relação de bens como um incidente da instância (nos termos e para os efeitos do disposto nos artº 293º, nº 3 do Código de Processo Civil) quer como um trâmite normal do processo de inventário (nos termos e para os efeitos do disposto nos artºs 549º e 573º do Código de Processo Civil), a falta de contestação/oposição/pronúncia por parte do cabeça de casal tem o efeito cominatório resultante das ante citadas disposições legais1. 1 Vide ainda, quanto à notificação entre mandatários, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 2 de Junho de 2022, proc. nº 374/20.7T8PTB-B.G1, disponível emwww.dgsi.pt. Pelo que Determina-se, Antes de mais, Notificar o cabeça de casal para juntar relação de bens rectificada de acordo com a reclamação apresentada pelo interessado LC. (…)”
*
Inconformado com o citado despacho veio L. interpor recurso, pedindo que deve ser concedido provimento ao presente recurso, sendo o despacho recorrido revogado e, em consequência, ser determinada a notificação do cabeça-de-casal para responder à reclamação contra a relação de bens, cfr. o disposto no artigo 1105.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, seguindo os autos os seus ulteriores termos, tendo para o efeito, após alegações, apresentado as seguintes conclusões: I.–O despacho de que ora se decorre e o entendimento nele vertido quanto à notificação da reclamação contra a relação de bens enfermam de nulidade por constituírem uma decisão-surpresa e por materializarem uma preterição do direito ao contraditório, nomeadamente violando o disposto, de forma conjugada, nos artigos 1105.º, n.ºs 1 e 2, e 220.º, n.º 2, todos do CPC. II.–Perante uma reclamação contra a relação de bens determina o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 1105.º do CPC que os interessados são notificados para responder em 30 dias, devendo as provas serem apresentadas com a resposta. III.–O n.º 2 do artigo 220.º do CPC impõe à secretaria do Tribunal que notifique oficiosamente as partes quando, por virtude da disposição legal, possam responder a requerimentos, oferecer provas ou, de um modo geral, exercer algum direito processual que não dependa de prazo a fixar pelo juiz nem de prévia citação, no que se enquadra as normas referidas na conclusão anterior. IV.–Daqui decorre, no entender do recorrente, que, independentemente de ter sido efectuada a notificação entre mandatários (do reclamante e do cabeça-de-casal), sempre teria a secretaria de proceder à notificação do cabeça-de-casal para responder à reclamação, por obediência ao disposto no n.º 2 do artigo 220.º do CPC. V.–Esta notificação não se mostra redundante, nem constitui a prática de acto inútil, pois que a lei determina as cominações que têm que constar da notificação feita pela secretaria e que não se mostram presentes na notificação realizada entre mandatários. VI.–Esta notificação a cargo da secretaria é um garante do efectivo respeito pelo direito ao contraditório num incidente como a reclamação contra a relação de bens que, muitas vezes, pode transfigurar por completo o modo como a partilha se concretiza. VII.–Este incidente constitui uma verdadeira causa nova, com uma causa de pedir e um pedido próprios materializados na reclamação, sendo a resposta uma verdadeira contestação que os demais interessados têm o direito de apresentar, após serem notificados para tanto, o que não se verificou nestes autos. VIII.–A decisão recorrida constitui uma verdadeira decisão-surpresa, pois põe termo à reclamação sem que tenha sido dada oportunidade ao ora recorrente de responder, ignorando o Tribunal ad quo inclusivamente um requerimento expresso do recorrido para que o recorrente fosse notificado pelo Tribunal para responder à reclamação! IX.–Perante a aparente mudança de entendimento no Tribunal ad quo quanto à notificação do cabeça de casal representado por mandatário diz respeito, a secretaria deveria ter aberto conclusão ao Juiz para que este decidisse sobre o requerimento constante na reclamação para que o cabeça-de-casal fosse notificado para responder (em obediência ao disposto no artigo 162.º do CPC) e o Juiz deveria ter decidido, ainda que indeferindo o requerido. X.–Nada disto foi feito, tendo decorrido 43 dias entre a reclamação contra a relação de bens, deu entrada a 14/06/2022, e a próxima movimentação processual: a notificação, realizada pela secretaria, do outro interessado na partilha para responder à reclamação, sem nunca o Tribunal ad quo se pronunciar sobre o requerimento feito pelo reclamante. XI.–Pelo contrário, é o cabeça-de-casal apanhado de surpresa com a notificação do despacho recorrido, onde se considera que o mesmo não respondeu à reclamação, dando por assente os factos da reclamação, determinando a alteração da relação de bens em conformidade! XII.–É tanto mais surpreendente a decisão recorrida quando se constata que a mesma constitui uma inversão total em relação à prática corrente do Tribunal ad quo no que à notificação em causa diz respeito. XIII.–Como se atesta pelos documentos n.º 1 a 3 juntos em anexo e que aqui se dão por reproduzidos, o Juízo Local Cível da Ribeira Grande promoveu a notificação oficiosa da apresentação da reclamação contra a relação de bens ao cabeça-de-casal, na pessoa do mandatário, nos processos n.º 384/21.7T8RGR (a 02/02/2022), 289/20.9T8RGR (a 17/07/2021) e 335/20.6T8RGR (a 01/07/2022), sendo estes uma pequena amostra do acontecia em todos os inventários até, tanto quanto sabe o recorrente, o ocorrido nestes autos. XIV.–Do acima exposto, verifica-se, igualmente, que a decisão recorrida é nula por violação do disposto no n.º 3 do artigo 3.º do CPC, com prejuízo para o exercício do contraditório no que à reclamação contra a relação de bens diz respeito.
Contra-alegou o Requerente/L.C. pedindo que deverá manter-se o despacho recorrido tendo para tanto, após alegações apresentado as seguintes conclusões: 1.–Conforme têm decidido os Tribunais Superiores, no caso da reclamação à relação de bens e para os efeitos do art. 1105º, nº 1 do CPC, deverá considerar-se devidamente notificado o cabeça de casal, com advogado constituído, quando a notificação teve lugar na pessoa do mandatário. 2.–A Portaria 280/2013, de 26 de Agosto, define os termos a que devem obedecer as notificações entre os mandatários realizadas por transmissão eletrónica 3.–De acordo com o regime em vigor, não há que fazer qualquer distinção entre notificações da secretaria e notificações entre mandatários, nos processos em que há advogado constituído, porquanto todos os atos processuais escritos das partes devem ser notificados entre advogados por via eletrónica. 4.–Assim, conforme decidiu o Tribunal da Relação de Guimarães, em Acórdão proferido em 02/06/2022, disponível em www.dgsi.pt: “não tendo sido apresentada resposta pelo cabeça de casal à reclamação contra a relação de bens, têm-se por admitidos os factos da reclamação nos termos gerais (art. 549º e 574º CPC), com a consequente obrigação de relacionar os bens objeto da reclamação. 5.–Pelo que, deve manter-se o despacho recorrido por ser de JUSTIÇA!
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O Tribunal “a quo” conheceu da nulidade processual invocada, julgando improcedente a pretensão do requerente L. e admitiu o recurso.
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Recebido o recurso e preparada a deliberação, importa apreciar e decidir.
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II–Mérito do recurso. 1.–Objeto do recurso.
Este objeto, como é sabido, é, em regra e ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente [artigos 608.º, n.º 2, “in fine”, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC)].
Assim, observando aquele critério, a questão que se coloca no presente recurso é a de saber se o entendimento vertido no despacho sob recurso - quanto à notificação da reclamação contra a relação de bens - enferma de nulidade por constituir uma decisão-surpresa e por materializar uma preterição do direito ao contraditório, nomeadamente violando o disposto, de forma conjugada, nos artigos 1105.º, n.ºs 1 e 2, e 220.º, n.º 2, todos do CPC.
2.–Fundamentação de facto. 2.1.–O despacho sob recurso assentou nos seguintes factos: 2.1.1.-O presente processo de inventário para partilha do acervo hereditário de Maria ……foi requerido pelo interessado LC (cf. documento com referência citius 4511375). 2.1.2.-Por despacho com referência citius 52825699 foi designado cabeça de casal L. 2.1.3.-L juntou aos autos a competente relação de bens mediante documento com referência citius 4618664. 2.1.4.-O interessado LC apresentou (nos termos do disposto no artº 1104º, nº 1 d) do Código de Processo Civil) reclamação à relação de bens (cf. documento com referência citius 4691708). 2.1.5.-A apresentação da reclamação, subscrita por Ilustre Mandatária, foi por esta notificada ao Ilustre Mandatário do cabeça de casal (cf. documento com referência citius 4691708).
3.–Fundamentação de direito.
O tribunal “a quo”, decidiu ordenar a notificação do cabeça de casal para juntar relação de bens retificada de acordo com a reclamação apresentada pelo interessado L..
Fundamentou a decisão sob recurso nos factos provados e com o seguinte fundamento jurídico e jurisprudencial “…, quer se configure a reclamação à relação de bens como um incidente da instância (nos termos e para os efeitos do disposto nos artº 293º, nº 3 do Código de Processo Civil) quer como um trâmite normal do processo de inventário (nos termos e para os efeitos do disposto nos artºs 549º e 573º do Código de Processo Civil), a falta de contestação/oposição/pronúncia por parte do cabeça de casal tem o efeito cominatório resultante das ante citadas disposições legais 1.
1 Vide ainda, quanto à notificação entre mandatários, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 2 de Junho de 2022, proc. nº 374/20.7T8PTB-B.G1, disponível em www.dgsi.pt”. “
Na tese do Recorrente, o despacho em crise acolheu uma violação do disposto no n.º 2 do artigo 220.º do CPC, porquanto, versando a decisão sobre a reclamação apresentada contra a relação de bens e a putativa ausência de resposta por parte do cabeça-de-casal, há que ter em atenção o disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 1105.º do CPC:
“1-Se for deduzida oposição, impugnação ou reclamação, nos termos do artigo anterior, são notificados os interessados, podendo responder, em 30 dias, aqueles que tenham legitimidade para se pronunciar sobre a questão suscitada. 2-As provas são indicadas com os requerimentos e respostas.”
Da conjugação do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 1105.º com o disposto no n.º 2 do artigo 220º do CPC conclui-se que é devida a notificação, a realizar pela secretaria, da reclamação contra a relação de bens a todos os interessados para que estes respondam e ofereçam provas, independentemente dos interessados estarem, ou não, representados por mandatário no processo.
A questão concreta que se coloca no presente recurso é a de saber se a notificação eletrónica, efetuada nos termos do art.º 221º do CPC, do requerimento de reclamação à relação de bens (cf. documento com referência citius 4691708), é válida como se defendeu no despacho sob recurso ou é necessário, conforme é sustentado pelo recorrente, que tivesse sido efetuada uma notificação oficiosa pela secretaria, tudo para os efeitos do disposto no art.º 1105º, nº 1 do CPC, o que, se assim for entendido, invalida o despacho ora recorrido e baseado numa notificação válida.
Estabelece o nº 1 do art.º 1105º do CPC “Se for deduzida oposição, impugnação ou reclamação, nos termos do artigo anterior, são notificados os interessados, podendo responder, em 30 dias, aqueles que tenham legitimidade para se pronunciar sobre a questão suscitada.”.
A reclamação à relação de bens, não obstante seguir uma tramitação de cariz incidental (artigos 1105º e 1106º do CPC), não é qualificada como incidente, estando antes inserida na tramitação normal do processo de inventário, como direito de defesa, nos termos gerais.
No despacho sob recurso considerou-se ter ocorrido a notificação do cabeça-de-casal e, não tendo o mesmo respondido à reclamação, tirou as consequências no sentido de entender ter ocorrido o efeito cominatório semipleno da falta de resposta pelo cabeça de casal, considerando-se admitidos os factos alegados pelo reclamante (artigos 549º e 574º do CPC).
Por respeito do principio do contraditório e para evitar decisões surpresa a regra é os interessados serem notificados dos atos praticados em juízo, pela forma e trâmites previstos na lei, na pessoa do respetivo mandatário, cf. artºs 3º e 247 nº 1 do CPC.
Estipula o art.º 221º do CPC “Notificações entre mandatários das partes”
“1-Nos processos em que as partes tenham constituído mandatário judicial, os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes após a notificação da contestação do réu ao autor são notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte através do sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, nos termos previstos no artigo 255.º. 2-Sem prejuízo da informação sobre a alteração do patrocínio constante do sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, o mandatário judicial que assuma o patrocínio na pendência do processo comunica o seu domicílio profissional e endereço de correio eletrónico ao mandatário judicial da contraparte.”
Os termos a que devem obedecer as notificações entre mandatários realizadas por transmissão eletrónica, estão definidos no art.º 26º da Portaria nº 280/13 de 26-08, que estipula seguinte:
“1-O sistema informático de suporte à atividade dos tribunais assegura, mediante indicação do mandatário notificante, a notificação por transmissão eletrónica de dados automaticamente apôs a apresentação de qualquer peça processual ou documentos através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais. 2-Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o mandatário notificante fica dispensado do envio de qualquer cópia ou duplicado à contraparte da peça processual ou documento entregue através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais e de juntar aos autos documento comprovativo da data de notificação à contraparte. 3-Quando o ato processual a notificar contenha documentos entregues em suporte físico, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 6.º ou do n.º 4 do artigo 10.º, deve ser disponibilizada cópia dos mesmos à contraparte, no prazo máximo de cinco dias, por um dos meios previstos no n.º 7 do artigo 144.º do Código de Processo Civil, aplicável com as necessárias adaptações. 4-A declaração feita pelo mandatário, nos formulários, da data em que procedeu ou vai proceder ao envio dos documentos referidos no número anterior dispensa o envio de documento comprovativo desse envio, sem prejuízo de o juiz poder determinar a sua apresentação, caso a data declarada seja contestada ou exista outro motivo que o justifique. 5-Nos casos em que o mandatário declare, nos formulários, que vai proceder ao envio da notificação à contraparte, esse envio deve ser feito no prazo máximo de um dia útil.”
No caso dos autos, não está posto em causa que o mandatário do cabeça de casal foi notificado nos termos do art.º 221º do CPC.
Assim, temos por assente que o cabeça-de-casal foi notificado da reclamação contra a relação de bens, aliás, que o mandatário foi notificado não foi posto em causa no recurso, o que está posto em causa é que essa notificação seja válida, pois, no entendimento do cabeça-de-casal, impunha-se a notificação pela secretaria do tribunal.
Não se aceita a tese sustentada pelo Cabeça-de-casal.
Comprovada a notificação eletrónica entre mandatários, não faz qualquer sentido a repetição da notificação pela secretaria, tratar-se-ia de um ato inútil.
No sistema de notificações eletrónicas, não há que fazer qualquer distinção entre notificações da secretaria e notificações entre os mandatários.
O art.º 26º da citada Portaria (“Notificações eletrónicas entre mandatários”) não afasta ou exceciona as regras das “notificações eletrónicas “, plasmadas no art.º 25º, enquanto disposições gerais, e, por isso mesmo, aplicáveis a todas as notificações eletrónicas, designadamente as realizadas entre mandatários judiciais.
Já assim era entendido pela jurisprudência, STJ, de 5.5.2005: Proc. 04B419.dgsi.Net), em face da redação do art. 229ºA do CPC “O art.º 229.°-A, teleologicamente orientado, pois, no sentido de «desonerar os tribunais da prática de actos de expediente que possam ser praticados pelas partes», tem aplicação, além do mais, relativamente a todos os «requerimentos autónomos», ou seja, àqueles cuja admissibilidade não depende de despacho prévio do juiz.
No mesmo sentido a doutrina, (Lebre e Freitas, CPC Anotado, volume 1º, 2ª edição, p. 404), (…) a alteração introduzida pelo DL 303/2007 visou perfilhar a interpretação mais ampla que ao preceito vinha, embora com hesitações, sendo dada: todos os actos processuais escritos das partes são por ele abrangidos.
Em conclusão, o atual sistema de notificações eletrónicas, não há que fazer qualquer distinção entre notificações da secretaria e notificações entre os mandatários, nos processos em que há advogado constituído, pois todos os atos processuais escritos das partes devem ser notificados entre os advogados por via eletrónica.
Conclui-se assim que, tendo o mandatário do cabeça-de-casal sido notificado pelo mandatário do reclamante, temos por validamente notificado o cabeça-de-casal e, por consequência, estava este em condições de responder à reclamação, não lhe sendo legítimo defender que se impunha uma nova notificação do mesmo ato pela secretaria.
A prática deste ato pela secretaria traduzir-se-ia na prática de um ato inútil e, como é sabido, a prática de atos inúteis é proibida, cf. art.º 130º do CPC.
Em suma, a decisão recorrida, ao contrário do defendido pelo apelante, não é nula por violação do disposto no n.º 3 do artigo 3.º do CPC, o cabeça-de casal não exerceu o contraditório no que à reclamação contra a relação de bens diz respeito, porque não quis, porquanto, tendo sido notificado da reclamação, estava em condições de o fazer.
Mais defende o apelante que faltou na notificação do mandatário a cominação expressa do efeito cominatório, nem a mesma foi corrigida pelo juiz, pelo que não poderia ser considerada.
O efeito cominatório tem sido afirmado pela jurisprudência e doutrina, cf. acórdão da Relação de Guimarães de 13/01/2011, proc. nº 401/2005, disponível em www.dgsi.pt: “Na verdade, encontramo-nos no âmbito de processo especial de inventário, ao qual são aplicáveis, por força do disposto no artº 463º, nº 1, as disposições que lhe são próprias e as disposições gerais e comuns; em tudo quanto não estiver prevenido numas e noutras, observar-se-á o que se acha estabelecido para o processo ordinário”.
“Daí que, constituindo a reclamação contra a relação de bens um incidente, sejam aplicáveis as regras gerais e comuns próprias dos incidentes, constantes dos artºs 302º a 304º”.
“De acordo com este artº 303º, nº3, “a falta de oposição no prazo legal determina, quanto à matéria do incidente, a produção do efeito cominatório que vigore na causa em que o incidente se insere”.
“Não se prevendo nas normas próprias do inventário, em que o incidente se inscreve, qualquer efeito cominatório para a falta de contestação, há que aplicar no seu âmbito e como manda o citado artigo 463º, nº 1, as regras próprias do processo ordinário”.
“Chega-se, assim, à disciplina dos arts. 484º, nº 1 e 490º, nº 2, pelo que, nada tendo dito o cabeça-de-casal quanto à acusada falta de relacionação daquele bem, tem de concluir-se que a existência do mesmo é por ele confessada, estando, por isso, obrigado a relacioná-lo”.
Como referem A. Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires, in ob cit, p. 572, “regra geral, e sem embargo das exclusões legais (prova documental necessária), ocorre a admissão dos factos que não tenham sido impugnados por qualquer dos requeridos diretamente interessados na resposta ou antecipadamente”.
Entendemos que não se descortina qualquer razão plausível ou ponderosa que justifique, para o processo de inventário, o afastamento do efeito cominatório estabelecido no nosso Código para os processos e incidentes em geral, pelo que, por aplicação das regras supletivas, a falta de impugnação determina a aplicação do efeito cominatório semipleno, nos termos conjugados dos artigos 549º nº1 e 574º.
É que, se assim não se entender, quer a norma do artigo 574º e quer a norma do artigo 587.º, nº 1 2ª parte, ficam esvaziadas de qualquer conteúdo e, portanto, passam a ser letra morta, coisa que, certamente, não terá estado na intenção do legislador.
Ora, no presente caso, bem andou o tribunal a quo ao julgar admitidos os factos alegados na reclamação e que não foram impugnados em qualquer requerimento posterior àquela reclamação impondo-se confirmar a decisão recorrida.
O Apelante, sustenta ainda que é tanto mais surpreendente a decisão recorrida quando se constata que a mesma constitui uma inversão total em relação à prática corrente do Tribunal ad quo no que à notificação em causa diz respeito, como se atesta pelos documentos n.º 1 a 3 juntos em anexo e que aqui se dão por reproduzidos, o Juízo Local Cível da Ribeira Grande promoveu a notificação oficiosa da apresentação da reclamação contra a relação de bens ao cabeça-de-casal, na pessoa do mandatário, nos processos n.º 384/21.7T8RGR (a 02/02/2022), 289/20.9T8RGR (a 17/07/2021) e 335/20.6T8RGR (a 01/07/2022), sendo estes uma pequena amostra do acontecia em todos os inventários até, tanto quanto sabe o recorrente, o ocorrido nestes autos.
Ou seja, apelando para a prática do tribunal “a quo”, o Apelante está a invocar uma espécie de “decisão surpresa”, pois viu violada a sua expectativa de que seria notificado de novo, pela secretaria, da reclamação.
Não tem qualquer suporte legal a tese defendida pelo Apelante.
Desde logo, como o M.mº Juiz do Tribunal recorrido afirmou, quando conheceu da nulidade da decisão sob recurso “Consigna-se, antes de mais, que no que toca à alegada “prática neste Juízo Local Cível”, e com referência aos documentos juntos pelo ora Requerente, o presente signatário iniciou funções no Juízo Local Cível de Ribeira Grande em Setembro de 2021, pelo que as notificações juntas com datas de 17-06-2021 (proc. nº 289/20.9T8RGR) e 01-07-2021 (proc. nº 335/20.6T8RGR) ocorreram quando outro Ilustre Magistrado tramitava os processos de inventário…”.
Por outro lado, o facto de em determinados processos um juiz ter prosseguido uma prática processual menos correta, não pode criar no mandatário uma justa expectativa de que esse ou outro magistrado, continuarão a ter essa prática processual.
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III–Decisão.
Por tudo o que se deixou exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso interposto por L. e, em consequência, mantem-se a decisão recorrida.
Custas pelo Apelante.
Notifique.
Lisboa, 9/2/2023
Octávio dos Santos Moutinho Diogo Cristina da Conceição Pires Lourenço Carla Maria da Silva Sousa Oliveira.