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PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
LIQUIDAÇÃO DO ACTIVO
MODALIDADE DE VENDA
LEILÃO ELETRÓNICO
Sumário
I - O Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas (CIRE), revela, como se extrai do respectivo Preâmbulo e de diversas normas que o integram, uma acentuada preocupação de “intensificação da desjudicialização do processo”, reduzindo a intervenção do juiz ao que, alegadamente, releva estritamente do exercício da função jurisdicional, “permitindo a atribuição da competência para tudo o que com ela não colida aos demais sujeitos processuais”. II - No que especificamente diz respeito à administração e liquidação da massa insolvente, essa preocupação manifesta-se, por um lado, em retirar ao juiz qualquer poder de decisão ou mesmo de intervenção, e, de forma ainda mais expressiva, no “desaparecimento da possibilidade de impugnar junto do juiz tanto as deliberações da comissão de credores [...] como os actos do administrador da insolvência (sem prejuízo dos poderes de fiscalização e de destituição sem justa causa”. III - Goza o administrador da insolvência de competência funcional autónoma para promover a liquidação do activo, dispondo dos amplos poderes para definir a modalidade da venda, não estando vinculado a quaisquer interferências do insolvente em tal matéria, o qual nem sequer tem de ouvir acerca da modalidade da venda, nem informar do valor base fixado ou do valor de alienação projectado, sem prejuízo dos deveres estatutários e funcionais com que deve desempenhar tal mister, respondendo pelos danos causados ao devedor e aos credores da insolvência e da massa insolvente pela inobservância culposa de tais deveres. IV - É ao administrador da insolvência que compete escolher a modalidade da venda dos bens apreendidos em sede de processo de insolvência e, embora a lei estabeleça, como regime preferencial, o leilão electrónico, pode o mesmo optar, justificadamente, por outra modalidade de venda, nomeadamente as previstas para o processo executivo. V - A venda em leilão electrónico prevista no artigo 164º, nº1 do CIRE não tem que ser feita através da plataforma “e-leiloes””.
Texto Integral
Processo n.º 718/22.7T8STS-D.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Comércio de Santo Tirso – Juiz 5
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I.RELATÓRIO
Na sequência da informação prestada pelo Sr. Administrador Judicial no processo que corre termos por apenso – Apenso D – ao processo de insolvência de pessoa singular, no qual, por decisão de 16.03.2022, transitada em julgado, foi decretada a insolvência de AA e de sua sua esposa, BB, acerca do estado da liquidação do activo, os insolventes apresentaram requerimento, a 14.06.2022, no qual, pelos fundamentos que nele fazem constar, concluem, pedindo: a) Devem ser conhecidas as nulidades invocadas, com as legais consequências; b) Devem ser dadas sem efeito as diligências de venda dos Imóveis apreendidos para a Massa Insolvente e determinadas pelo Exmo AI, determinando-se, outrossim, que a venda seja efectuada por Leilão Eletrónico como legalmente previsto, ou seja, ao abrigo do disposto no art.º 837.º do C. P. Civil conjugado com a Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto e com o Despacho da Ministra da Justiça n.º 12624/2015, de 09 de Novembro, na plataforma pública e regulamentada www.e-leiloes.pt; c) Deve ser dada sem qualquer efeito a “contratação” de sociedade A..., Lda, NIPC ..., como “encarregada da venda” remunerada, por violação do art.º 55.º n.º 2 do CIRE, ou seja, por ter sido determinada sem concordância da comissão de credores ou, na falta dela, do Juiz; d) Devem ser atribuídos como valores base da venda os valores descritos em 60 deste articulado”.
Respondeu o Sr. Administrador, por requerimento de 27.06.2022, impugnando o requerido pelos insolventes por falta de fundamento legal e requerendo o seu indeferimento, e defendendo não existir razão para a não prossecução da venda do activo.
A 6.07.2022 proferiu-se despacho a ordenar a notificação dos credores para, em 10 dias, querendo tomarem posição, determinando-se a suspensão das diligências de liquidação até ser proferida decisão.
A credora reclamante B... Company veio, por requerimento de 20.07.2022 pronunciar-se, pugnando para que seja “levantada a suspensão dos atos de liquidação da Massa Insolvente ora decretada e, consequentemente, retomadas as diligências de liquidação dos bens que compõem a Massa Insolvente, a fim de, ulteriormente, serem satisfeitos os créditos reclamados pelos Credores [...].
A 8.09.2022 foi proferido o seguinte despacho: “Referência 42917803 Tomei conhecimento.
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Os insolventes, em requerimento fundamentado referência 42546559, vieram requerer que: - Sejam declaradas sem efeito as diligências de venda dos imóveis em causa, promovidas pelo Exmo. Sr. Administrador de Insolvência; - As vendas judiciais em crise sejam promovidas junto da plataforma “E-Leilões”1, em detrimento da plataforma “C...”2 indicada pelo AI; - Seja dada sem efeito a nomeação efetuada pelo Exmo. Sr. Administrador de Insolvência da sociedade “A..., Lda.” como Encarregada de Venda; - Sejam atribuídos, no âmbito das referidas vendas, os valores base de venda indicados pelos Insolventes.
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O Sr. AI tomou posição sobre o requerido (referências 42522232, 42681568 e 42707145). A credora D... COMPANY tomou posição sobre o requerido (referência 42917803). Cabe decidir: Conforme resulta dos autos, o Sr. AI veio esclarecer os valores de venda indicados e justificar as diligências efetuadas nos requerimentos apresentados em 08.06.2022, 27.06.2022 e 28.06.2022 (referências 42522232, 42681568 e 42707145). Tal como sucedeu com a credora garantida D... COMPANY (único credor que tomou posição sobre o requerido após serem notificados), o Tribunal acompanha e adere aos esclarecimentos e fundamentos apresentados pelo Sr. AI em tais requerimentos de resposta. Com efeito, não assiste razão aos insolventes, porquanto compete ao Sr. AI a promoção, de forma autónoma, das diligências de liquidação dos bens que compõem a Massa Insolvente. Refere, nessa sede, o Sr. AI: “Dispõe o n.º 1 do artº 164º do CIRE que o administrador da insolvência escolha a modalidade da alienação dos bens, podendo optar por qualquer uma das que são admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente. E só nos casos em que exista credor com garantia real sobre o bem a vender, obriga o nº 2 do artº 164º do CIRE a ouvir este credor sobre a modalidade da alienação, devendo ainda ser informado do valor base fixado ou do preço da alienação projetada a entidade determinada. […] O CIRE apenas exige que o administrador de insolvência dê conhecimento ao devedor insolvente nos casos em que pretende vender bens por negociação particular e quando este negócio jurídico constitua, em si, ato de especial relevo, como dispõe o n.º 4 do artº 161º do CIRE.” […] Fora destes casos, como é o caso dos autos, dispõe o n.º 1 do art.º 164.º do CIRE que o administrador da insolvência escolhe a modalidade da alienação dos bens, podendo optar por qualquer das que são admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente. Acompanha-se também a jurisprudência citada pela credora garantida: o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09/05/2017, proferido no âmbito do Proc. n.º 1735/16.1T8CBR-C.C13: http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/f5d940b1e64d939380258133004a61bc?OpenDocument3 “1. Cabendo ao administrador da insolvência (AI) promover a alienação dos bens que integram a massa insolvente (art.º 55º, n.º 1, a) do CIRE) a sua autonomia só fica limitada quanto à prática de actos jurídicos que assumam especial relevo para o processo de insolvência, para os quais necessita do consentimento prévio da comissão de credores ou, se esta não existir, da assembleia de credores (art.º 161º, n.ºs 1 e 2 do CIRE). 2. A escolha pelo AI de uma qualquer modalidade de venda em que a fixação dos respectivos elementos dependa do acordo que ele possa estabelecer com o potencial adquirente impõe a submissão dessa venda ao regime do art.º 161º, n.º 4 do CIRE. 3. Nos demais casos de venda, face ao preceituado no n.º 1 do referido art.º, o consentimento da comissão ou da assembleia de credores é apenas para a alienação, sendo desejável que sejam previamente informadas dos elementos possíveis do negócio (v. g., base de licitação/valor base). 4. A faculdade prevista no n.º 5 do art.º 161º do CIRE cinge-se às modalidades de venda em que a fixação dos respectivos elementos dependa do acordo entre o AI e o potencial adquirente. 5. O regime previsto no art.º 161º, do CIRE, aplica-se às insolvências em geral.” Note-se que nenhum dos credores se pronunciou favoravelmente à pretensão dos insolventes, mormente quanto à existência de um claro prejuízo para os mesmos quanto à modalidade da venda e valor bases das verbas n.º I a V. O Sr. AI veio, no âmbito dos requerimentos referências 42522232, 42681568 e 42707145, fundamentar as razões pelas quais optou pelas modalidades de venda em causa, valores base, e escolheu os respetivos encarregados de venda. Atento o exposto, não se vislumbra que o Sr. AI, ao decidir como decidiu quanto à venda dos bens apreendidos a favor da Massa Insolvente, tenha violado a lei ou as “boas práticas” mencionadas pelos insolventes, porquanto, no âmbito dos poderes que lhe foram processualmente conferidos, é ao mesmo que compete promover e decidir sobre tais diligências, sendo certo que, no mais, encontram-se devidamente esclarecidas as motivações do Sr. AI, quer quanto à promoção das vendas na plataforma “C...”, quer quanto à nomeação de Encarregado de Venda e valores base de venda estipulados. Nessa medida, inexiste qualquer nulidade, mormente a invocada pelos insolventes, decorrente do art.º 195.º, n.º 1 do CPC. Por outro lado, não existe a inconstitucionalidade invocada no art.º 88.º do requerimento dos insolventes, pois o Sr. AI teve oportunidade de atender ao requerimento apresentado pelos insolventes ao Sr. AI em 06.06.2022 e justificar a razão pela qual não foi considerado (vd. requerimento apresentado pelo Sr. AI em 08.06.2022 – referência 4252232). Pelo exposto, não existindo qualquer fundamento para colocar em causa as diligências de liquidação levadas a cabo até à data pelo Sr. AI, patentes nos requerimentos referências 42522232, 42681568 e 42707145, indeferindo in totum o requerido pelos insolventes no requerimento referência 42546559, em consequência são mantidas e retomadas as todas as diligências de liquidação promovidas pelo Sr. AI. Notifique.
Não se conformando com tal decisão, dela interpuseram os insolventes recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso colocar em causa Despacho de 08-09-2022 (Ref.ª 439680051) que indeferiu o que havia sido requerido pelos Insolventes em 14-06-2022 pelo Requerimento Ref.ª Citius 32546333. 2. Como é sabido, o processo de insolvência, no que respeita ao devedor, tem como principal objetivo a sua eventual recuperação ou reabilitação do mesmo, já no que respeita aos credores, a estes importa a maximização da massa insolvente, para obterem o pagamento que lhes é devido. 3. Nestes autos, atento o património em causa para liquidação e o valor do passivo, a reabilitação dos Insolventes por via do pagamento integral aos credores é bem possível, haja vontade para tal. Ora: 4. O Exmo Administrador de Insolvência optou pela venda através da modalidade de “Leilão Eletrónico” que, como se sabe, é a modalidade que o legislador preferencialmente indicou no art.º 164.º n.º 1 do CIRE e está regulada no art.º 837.º do C. P. Civil, Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, regulamentada pelo Despacho da Ministra da Justiça n.º 12624/2015, de 09 de Novembro que, para o efeito, criou a plataforma eletrónica www.e-leiloes.pt e atribuiu a sua gestão à Câmara dos Solicitadores, entretanto transformada em Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução pela Lei n.º 154/2015, de 14 de setembro. 5. Ou seja, trata-se de uma plataforma pública, independente e gerida por uma associação pública profissional, criada pelo próprio Estado. 6. A coberto da designação de “Leilão Eletrónico”, o Exmo AI determinou que a venda dos bens imóveis dos Insolventes seria promovida pela sociedade A..., Lda, na plataforma www.D....pt 7. A utilização desta plataforma ao invés da plataforma pública www.e-leiloes.pt suscita-nos desde logo alguma “confusão”, atenta até as características da denominação, porém, que não se confunda uma coisa com a outra, pois, ao contrário da plataforma pública www.e-leiloes.pt a plataforma www.D....pt é uma plataforma de natureza privada, criada pela ... -Associação ..., NIPC ..., associação essa que, segundo a sua própria página da Internet, tem o “fantástico” número de 10 associados. 8. A plataforma www.e-leiloes.pt tem 66 vezes mais acessos de potenciais compradores do que a plataforma www.D....pt (dados de Maio de 2022) 9. A plataforma www.D....pt trata-se de uma obscura plataforma de nicho, “povoada” (dizemos nós), pelas habituais sanguessugas do mercado imobiliário que buscam por “pechinchas” à custa das desgraças alheias. 10. Não existe, pois, qualquer razão válida para o Exmo AI preterir a plataforma www.e-leiloes.pt em “curioso” beneficio da www.D....pt. 11. Ao fazê-lo está claramente a optar pela solução que mais prejudicará a massa insolvente, os credores e os próprios insolventes, pois está a preterir uma plataforma com milhares e milhares de potenciais licitantes, para escolher uma plataforma que, com o devido respeito, “ninguém conhecia” até ela ser apresentada nestes autos pelo próprio AI. 12. Sob a capa de Leilão Eletrónico, o que o Exmo AI está a promover é uma verdadeira “Venda em estabelecimento de Leilões”, no caso operada de forma virtual, vina Internet, o que manifestamente não foi compreendido pelo tribunal “a quo”. 13. O “leilão eletrónico” não “é uma modalidade de venda que tanto pode ser promovida pela PLATAFORMA E-LEILÕES, como por qualquer estabelecimento de leilões, técnica e legalmente habilitado para o efeito.”. 14. O “Leilão Eletrónico” está regulado por lei, tem características próprias e legalmente fixadas pelo art.º 837.º do C.P.C. e pela Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto regulamentada pelo Despacho da Ministra da Justiça n.º 12624/2015, de 09 de Novembro de 29 de Agosto e não está sujeito a interpretações e “enviesadas” e “distorcidas” como a que foi dada pelo Exmo AI e secundada pelo Tribunal de forma quase acrítica. 15. Ou seja, conclui-se com mediana clareza que o Exmo AI optou por uma modalidade da venda (Leilão Eletrónico) e operou por outra (Venda em estabelecimento de Leilões). 16. O Exmo. AI decidiu “contratar” um suposto “encarregado da venda” que, do anúncio em causa, se constata tratar da sociedade “A..., Lda”, N.I.P.C. ..., com sede na Rua ..., Lisboa. 17. Sucede que, tal posição do Exmo AI foi tomada à revelia de qualquer decisão da “comissão de credores” ou, na falta dela, do M.º Juiz, em contravenção do disposto no art.º 55.º n.º 3 do CIRE. 18. Exmo AI nunca, em momento algum, solicitou autorização ao Tribunal para se socorrer dos serviços remunerados de um “encarregado da venda” e por tal, nunca o Exmo AI foi autorizado a recorrer esses serviços. 19. Omitiu ostensivamente do seu relatório a que alude o art.º 155.º que pretendia contratar tal entidade, agindo assim à revelia do legalmente previsto e determinado. 20. Foi então cometida NULIDADE nos termos do disposto no art.º 195.º n.º 1 do C.P.Civil, o que expressamente se invocou naquele nossos Requerimento de 14-06-2022 pelo Requerimento Ref.ª Citius 32546333 e que foi indeferido no Despacho recorrido. 21. A omissão em causa constitui acto que influi, e muito, no procedimento de liquidação, pois ao contratar um “encarregado da venda, está a atribuir-lhe uma comissão de 5% do valor da venda o que por si só representa apenas e somente uma condição que desvaloriza o potencial valor de venda naqueles exatos 5%. 22. A decisão do Exmo AI em “socorrer-se” de um “encarregado de venda” e de este colocar os prédios à venda na plataforma www.D....pt é claramente ilegal e altamente prejudicial quer para a Massa, quer para os credores, quer para os próprios insolventes. 23. Subsistindo ainda a Nulidade invocada, cujo conhecimento se impõe. 24. Parece lógico que se a alienação dos bens que compõe a massa insolvente for feita pelo mais elevado preço, melhor se satisfarão os interesses dos credores e mais facilitada estará a recuperação dos devedores. 25. O Exmo AI colocou os imóveis à venda por um valor claramente inferior ao valor de mercado, socorrendo-se de “pareceres” sem qualquer razoabilidade fática. 26. Ao contrário, os Insolventes atribuíram aos imóveis valores recolhidos tendo “por base a informação produzida pela Confidencial Imobiliário (Ci), que é uma revista independente, especializada na produção de indicadores de mercado.” [Cfr. Requerimento do próprio A.I. de 08/06/2022 Ref.ª Citius 32507015;] 27. Ao contrário dos “Estudos de Mercado que o Exmo AI nos presenteou também não foram elaborados por nenhum “perito acreditado pela CMVM”, antes, dois deles, relativos às Verbas Um e Dois, foram elaborados pela sociedade E..., SA, NIPC ...” cujo objecto é apenas “a prestação, a investidores institucionais e a instituições financeiras, de serviços especializados de aconselhamento, de gestão de risco de crédito e de gestão de carteiras de créditos; e atividades de programação (software), de consultoria em informática, de edição e de licenciamento de programas informáticos” 28. Ou seja, nem sequer se trata de uma empresa cujo objecto seja a avaliação de Imóveis. 29. E, os outros três, relativos às Verbas Três, Quatro e Cinco, pelos logotipos que dos mesmos constam, foram produzidos pela “Encarregada da Venda” em parceria com a sociedade F..., LDA , NIPC ..., e cujo objecto é “Mediação imobiliária, com acções de prospecção e recolha de informações que visem encontrar o bem imóvel pretendido pelo cliente, acções de promoção de bens imóveis, sobre os quais o cliente pretenda realizar o negócio jurídico, designadamente através da sua divulgação, a publicitação ou a realização de leilões; e actividade de administração de imóveis por conta de outrem.” 30. Ou seja, mais uma vez, nem sequer se trata de uma empresa cujo objecto seja a avaliação de Imóveis. 31. Anota-se apenas que tendo em conta os valores de mercado locais, só podemos concluir que a decisão do Exmo AI representa uma “vender ao desbarato” os imóveis arrolados para a massa, chegando ao cúmulo de, relativamente à Verba 3, o valor base da venda ser inferior ao valor patrimonial do prédio em € 1.678,66, o que, com o devido respeito, é impensável, resultando ainda em prejuízo financeiro para os credores, que pretendem ver satisfeito o seu crédito, ou pelo menos uma parte deste, por via da venda dos bens dos Insolventes. 32. Impunham as boas práticas que o Exmo AI promovesse a venda pelo maior valor proposto e, só caso os imóveis não fossem vendidos, é promoveria nova venda por valores mais baixos, com desvalorizações e 20%, até chegar assim ao real valor de mercado de cada um dos bens. 33. Por último, importa acrescentar que não se desconhece o teor do art.º 164.º n.º 1 e 2 do CIRE, que dispõe que a competência para a escolha da venda compete ao AI. 34. Porém, importa recordar que essa competência deverá ser exercida dentro dos deveres do próprio AI, nomeadamente: Evitar o agravamento da situação económica do insolvente (art. 55 n.º 1 al b do CIRE); 35. Ora, a decisão do Exmo AI, secundada pelo Despacho Recorrido, viola claramente pelo menos este dever. 36. A decisão recorrida viola, entre outros, o disposto no art. 55.º n.º 1 al. b) e n.º 3 do CIRE, art.º 837.º do C. P.C. e Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto regulamentada pelo Despacho da Ministra da Justiça n.º 12624/2015, de 09 de Novembro, Termos em que, deve o recurso ser julgado provado e improcedente e, em consequência, deve ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que: a) Julgue procedentes as nulidades invocadas, com as legais consequências; b) Devem ser dadas sem efeito as diligências de venda dos Imóveis apreendidos para a Massa Insolvente e entretanto determinadas pelo Exmo AI a coberto do despacho recorrido, determinando-se, outrossim, que a venda seja efectuada por “Leilão Eletrónico” como legalmente previsto, ou seja, ao abrigo do disposto no art.º 837.º do C. P. Civil conjugado com a Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto e com o Despacho da Ministra da Justiça n.º 12624/2015, de 09 de Novembro, na plataforma pública e regulamentada www.e-leiloes.pt; c) Deve ser dada sem qualquer efeito a “contratação” de sociedade A..., Lda, NIPC ..., como “encarregada da venda” remunerada, por violação do art.º 55.º n.º 2 do CIRE, ou seja, por ter sido determinada sem concordância da comissão de credores ou, na falta dela, do Juiz; d) Devem ser atribuídos como valores base da venda os valores indicados pelos Insolventes, a saber: > Verba I: € 310.000,00; > Verba II: € 140.000,00; > Verba III: € 43.062,00; > Verba IV: € 124.323,00; > Verba V: € 124.323,00; Tudo com o que se fará a mais elementar ... JUSTIÇA”.
A apelada Massa Insolvente apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da decisão recorrida.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
II.OBJECTO DO RECURSO
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar:
- se existe nulidade processual decorrente da promoção pelo administrador judicial da venda dos bens apreendidos para a Massa Insolvente e nomeação de encarregado de venda;
- valores dos imóveis.
III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Os factos/incidências processuais relevantes ao conhecimento do objecto do recurso são os narrados no relatório introdutório.
IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Dispõe o n.º 1 do artigo 158.º do CIRE que “Transitada em julgado a sentença declaratória da insolvência e realizada a assembleia de apreciação do relatório, o administrador da insolvência procede com prontidão à venda de todos os bens apreendidos para a massa insolvente, independentemente da verificação do passivo, na medida em que a tanto se não oponham as deliberações tomadas pelos credores na referida assembleia, apresentando nos autos, para o efeito, no prazo de 10 dias a contar da data de realização da assembleia de apreciação do relatório, um plano de liquidação de venda dos bens, contendo metas temporalmente definidas e a enunciação das diligências concretas a encetar”.
A fase da liquidação destina-se à conversão do património que integra a massa insolvente em valor pecuniário, a distribuir posteriormente pelos credores.
A mesma é da competência do administrador da insolvência, dispondo o artigo 55.º, n.º 1, a) do CIRE que “Além das demais tarefas que lhe são cometidas, cabe ao administrador da insolvência, com a cooperação e sob a fiscalização da comissão de credores, se existir: a) Preparar o pagamento das dívidas do insolvente à custa das quantias em dinheiro existentes na massa insolvente, designadamente das que constituem produto da alienação, que lhe incumbe promover, dos bens que a integram”, podendo o mesmo “...contratar a termo certo ou incerto os trabalhadores necessários à liquidação da massa insolvente”, nos termos da 1.ª parte do n.º 4 do mesmo normativo.
Como se extrai do Preâmbulo do diploma que aprovou o Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, e encontra também expressão em algumas das soluções nele consagradas, nele se detecta uma inquestionável preocupação de “intensificação da desjudicialização do processo”, reduzindo a intervenção do juiz ao que, alegadamente, releva estritamente do exercício da função jurisdicional, “permitindo a atribuição da competência para tudo o que com ela não colida aos demais sujeitos processuais”[1].
No que especificamente diz respeito à administração e liquidação da massa insolvente, essa preocupação manifesta-se, por um lado, em retirar ao juiz qualquer poder de decisão ou mesmo de intervenção, e, de forma ainda mais expressiva, no “desaparecimento da possibilidade de impugnar junto do juiz tanto as deliberações da comissão de credores [...] como os actos do administrador da insolvência (sem prejuízo dos poderes de fiscalização e de destituição sem justa causa”[2].
Paralelamente, certamente com o objectivo de imprimir ao processo maior agilidade e eficiência – assim garantindo de forma mais imediata a satisfação, tanto quanto possível, dos interesses dos credores, fim prosseguido pelo instituto da insolvência -, foram reforçados os poderes funcionais do administrador, dispensando-o da permanente necessidade de obter dos outros órgãos da insolvência a sua anuência para a concretização dos actos de administração e, sobretudo, de liquidação da massa insolvente, com a correspondente responsabilização pessoal perante os credores.
Neste contexto, é ao administrador, que, por regra, cabe em exclusivo a competência para promover os actos da liquidação da massa insolvente, tendo o mesmo, também em exclusivo, competência para a determinação da modalidade da venda, dispondo o n.º 1 do artigo 164.º do CIRE[3] que “O administrador da insolvência procede à alienação dos bens preferencialmente através de venda em leilão eletrónico, podendo, de forma justificada, optar por qualquer das modalidades admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente”.
Com a aprovação do CIRE, o legislador concedeu ao administrador da insolvência mais amplos poderes para proceder à liquidação dos bens apreendidos para a massa insolvente.
Como anotam Carvalho Fernandes e João Labareda[4], “No âmbito do CPEREF, a liquidação da massa falida constituía uma atribuição do liquidatário judicial, com a cooperação e sob a fiscalização da comissão de credores (ex vi dos art.ºs 134.º e 180.º).
Mas a comissão, para além da competência geral de vigilância e controlo da actuação do liquidatário e de colaboração com ele na promoção da liquidação, dispunha ainda de importantes poderes específicos que o condicionavam fortemente e a ela conferiam um decisivo papel em todo o processo.
Naquilo que aqui particularmente interessa, destacam-se a necessidade da concordância prévia da comissão para a prática de certos actos fundamentais da liquidação – nomeadamente a determinação da modalidade de venda e a concretização da alienação por negociação particular mesmo depois de já escolhido esse meio de actuação – e a faculdade de impugnação dos actos do liquidatário, nos termos do art.º 136.º.
Note-se, aliás, que a própria administração da massa falida estava, é certo, confiada ao liquidatário judicial, mas sob a direcção do juiz (art.º 141.º).
Quanto aos credores, o colectivo não estava constituído como órgão institucional do processo e, por isso, não havia lugar a reuniões nem deliberações da assembleia. Mas eles podiam individualmente, tal qual, de resto, sucedia também com o falido, reagir contra as irregularidades da liquidação segundo o que expressamente se reconhecia no art.º 184.º (pronunciámo-nos sobre o alcance do preceito na anotação que lhe fizemos, in Código dos Processos Especiais, 3.ª ed., nota 4, págs. 460 e 461)”.
Na sua anterior redacção[5], dispunha o n.º 1 do artigo 164.º, n.º 1 do CIRE que “O administrador da insolvência escolhe a modalidade da alienação dos bens, podendo optar por qualquer das que são admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente”..
Com a alteração resultante da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30/06, passou a dispor o referido normativo: “O administrador da insolvência procede à alienação dos bens preferencialmente através de venda em leilão eletrónico, podendo, de forma justificada, optar por qualquer das modalidades admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente”.
Não obstante os amplos poderes de que, neste domínio, dispõe o administrador, facultando-lhe a lei a possibilidade de, em exclusivo, determinar a modalidade da alienação dos bens[6], existindo credor com garantia real sobre o bem a alienar exige-lhe a lei que proceda à sua audição sobre a modalidade da venda e que o informe do valor base fixado ou do preço da alienação projectada. É o que resulta do n.º 2 do referido artigo 164.º, quando dispõe: “o credor com garantia real é sempre ouvido sobre a modalidade da alienação, e informado do valor base fixado ou do preço da alienação projectada a entidade determinada”.
Não se trata de um poder discricionário, cujo exercício fica ao critério do administrador, mas antes de um dever, vinculando-o a lei à observância de tal formalidade, como resulta do elemento literal do preceito e do uso da expressão “sempre”.
Segundo o n.º 3 do mesmo normativo, “se no prazo de uma semana, ou posteriormente mas em tempo útil, o credor garantido propuser a aquisição do bem, por si ou por terceiro, por preço superior ao da alienação projectada ou ao valor base fixado, o administrador da insolvência, se não aceitar a proposta, fica obrigado a colocar o credor na situação que decorreria da alienação a esse preço, caso ela venha a ocorrer por preço inferior”.
Carvalho Fernandes e João Labareda[7], em anotação ao artigo 164.º do CIRE, esclarecem: “Mais importante que o de ouvir o credor com garantia real quanto à modalidade da alienação do bem sobre o qual incide o seu direito é, no entanto, o dever de o informar previamente sobre o valor base fixado ou, se for o caso, do preço da venda projectada a entidade determinada, que o n.º 2 consagra na sua parte final, em disposição que é inovatória.
Do que fundamentalmente se trata é de criar um procedimento peculiar de tutela do credor assistido de garantia para, em primeira mão, melhor lhe permitir cuidar da satisfação do seu crédito, embora isso se possa traduzir na possibilidade de aquisição do bem onerado, para si próprio ou terceiro”.
E acrescentam os mesmos autores: “Saliente-se que, pelo modo como o preceito se acha formulado, resulta que, em qualquer circunstância, há o dever de informação, porquanto, ou se trata de uma alienação a uma entidade determinada, e impõe a fixação do preço de venda pela melhor oferta, e isso deve pressupor o estabelecimento de um valor mínimo. Ainda assim, na eventualidade de, pura e simplesmente, se prescindir de um valor base, essa situação não pode também deixar de ser previamente comunicada ao credor, por maioria de razão relativamente às hipóteses concretamente previstas, permitindo-lhe que ofereça o que entender, como forma de protecção do seu crédito, que é o escopo fundamental visado pela norma”.
Não resulta dos autos que tais deveres hajam sido ignorados pelo administrador da insolvência em exercício da sua competência no âmbito da liquidação do activo.
Pelo contrário: notificada do requerimento apresentado pelos insolventes de 14.06.2022, a única credora garantida veio expressamente manifestar a sua concordância não só quanto à modalidade da venda escolhida pelo Sr. Administrador da Insolvência, quer ainda quanto ao facto de haver optado pela promoção das vendas na plataforma “C...”, e de haver nomeado encarregado de venda, concordando igualmente com os valores base de venda por aquele determinados, reputando “cabalmente esclarecidas as motivações – pertinentes – do Exmo. Sr. Administrador de Insolvência” quanto àquelas decisões.
Tendo o Sr. Administrador da Insolvência incumbido a plataforma “C...” de promover a venda dos bens apreendidos para a massa insolvente e nomeado encarregado de venda para o coadjuvar nessa tarefa, vieram os insolventes insurgir-se veementemente quanto a tais opções, que consideram contrárias à lei, e argumentando que tal se traduz em nulidade processual prevista no artigo 195.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, que expressamente invocam.
Discordam ainda os insolventes dos valores base determinados para a alienação dos bens, alegando haver desvalorizado os imóveis de forma grosseira, e pretendendo que a venda seja efectuada através da plataforma www.e-leilões.pt e de dê sem efeito a “contratação” da empresa encarregada de venda.
Refira-se, antes de mais, que tendo o administrador da insolvência competência funcional autónoma para promover a liquidação do activo, dispondo dos amplos poderes já referidos, nomeadamente, para definir a modalidade da venda, não está vinculado a quaisquer interferências do insolvente em tal matéria, o qual nem sequer tem de ouvir acerca da modalidade da venda, nem informar do valor base fixado ou do valor de alienação projectado.
O administrador da insolvência exerce com autonomia os poderes cuja competência a lei expressamente lhe reserva nesta matéria, sem prejuízo, é claro, dos deveres estatutários e funcionais com que deve desempenhar tal mister, respondendo pelos danos causados ao devedor e aos credores da insolvência e da massa insolvente pela inobservância culposa dos deveres que lhe incumbem, sendo a sua culpa apreciada pela diligência de um administrador da insolvência criterioso e ordenado, respondendo igualmente pelos danos causados aos credores da massa insolvente se esta for insuficiente para satisfazer integralmente os respectivos direitos e estes resultarem de acto do administrador, conforme dispõem os n.ºs 1 e 2 do artigo 59.º do CIRE.
Assente que nem o administrador da insolvência tinha que ouvir os insolventes acerca da modalidade da venda ou informá-los dos preço base fixado para a alienação dos bens, e que a estes não assistia o direito de questionaram o administrador da insolvência acerca de actos específicos da sua competência funcional, e, menos ainda, de se oporem à prática desses actos, sempre se dirá que as críticas formuladas pelos insolventes são totalmente desprovidas de razão, não se configurando a prática de qualquer acto que redunde na nulidade processual que invocam.
Como refere o acórdão da Relação de Évora de 21.11.2019[8], “Só nos casos em que exista credor com garantia real sobre o bem a vender, obriga o nº 2 do preceito ouvir este credor sobre a modalidade da alienação, devendo ainda ser informado do valor base fixado ou do preço da alienação projetada a entidade determinada.
Ora, interpretando sistematicamente estes preceitos chegamos à conclusão de que o legislador pretendeu afastar o devedor dos procedimentos a adotar para a venda dos bens que integram o acervo da massa insolvente – porque se quisesse a notificação do devedor teria previsto expressamente tal possibilidade, como previu no artº 161º/4 – numa clara intenção de celeridade do processo e de proteção dos interesses dos credores”.
Prevê o artigo 164.º, n.º 1 do CIRE, já antes citado, que o administrador procede à alienação “preferencialmente através de venda em leilão electrónico” e, por outro, a sua opção, de forma justificada, “por qualquer das modalidades admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente”.
De acordo com o acórdão da Relação de Lisboa, de 28.01.2020[9], “É ao AI que compete a opção pela modalidade da venda dos bens apreendidos em sede de processo de insolvência, sendo que não há dúvida que a lei estabelece como regime preferencial o leilão electrónico regulado pela Portaria 282/2013.
No entanto, é lícito ao AI optar por outra modalidade de venda, nomeadamente, pelas que estão previstas para o processo de execução, nos termos do art.º 811º do Código de Processo Civil”.
E, comungando do mesmo entendimento, pode ler-se no acórdão da Relação de Guimarães de 23.09.2021[10]: “No que se refere à liquidação, em particular, o administrador da insolvência procede à alienação dos bens, preferencialmente através de venda em leilão eletrónico, sendo certo que, atualmente, tem poderes para escolher, justificadamente, qualquer uma das modalidades admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente (art. 164º, n.º 1, do CIRE).
Como dá conta a decisão sob recurso, o Sr. Administrador da Insolvência fundamentou, por mais de uma vez, a modalidade de venda escolhida e o facto de recorrer a encarregado de venda.
Apenas os insolventes se insurgiram contra as opções tomadas pelo Sr. Administrador, sendo que, notificados os demais credores para, querendo, se pronunciarem, nenhum alinhou nas críticas formuladas por aqueles e, ao invés, a credora garantida avalizou as decisões do Sr. Administrador.
Refere o recente acórdão desta Relação, de 28.11.2022[11], onde é tratada questão cuja similitude com a que nestes autos se discute é notória: “as modalidades de venda admitidas em processo executivo são as referidas sob o nº1 do art. 811º do CPC, onde sob a alínea g) se conta também a venda em leilão electrónico, este a efectuar nos termos previstos no nº1 do art. 837º do CPC – preceito este onde se prevê que aquele leilão electrónico será o definido pela portaria ali aludida e que, no caso, é a Portaria 282/2013, de 29/8, e, face ao disposto nos arts. 20º e 21º desta Portaria, tendo em atenção o Despacho da Ministra da Justiça nº12624/2015 de 9/11 (publicado na II série do DR desta data), que criou a plataforma de leilão eletrónico www.e-leiloes.pt e definiu como sua entidade gestora a Câmara dos Solicitadores.
Deste modo, da redacção daquele preceito do CIRE, por comparação com a previsão e regime da venda em leilão electrónico no processo executivo ora aludido, decorre que a venda em leilão electrónico prevista naquele preceito do CIRE, embora integre modalidade de venda também prevista para o processo executivo, não tem que ser efectuada nos termos em que esta o é, podendo pois, designadamente, ser efectuada sem o recurso à plataforma www.e-leiloes.pt.
Note-se que se naquele art. 164º nº1 se quisesse prever que a venda em leilão electrónico ali referida era a prevista no art. 811º do CPC, e portanto a ser efectuada nos termos do nº1 do art. 837º do CPC, remeter-se-ia, na segunda parte daquele preceito, para as outras modalidades de venda admitidas em processo executivo – o que inculcaria que aquela modalidade de venda era a mesma a que se refere o art. 811º do CPC – mas não para “qualquer das modalidades”, como ali consta.
O entendimento que se vem se expor resulta aliás claro das regras do sistema www.e-leiloes.pt, constantes do Anexo àquele Despacho da Ministra da Justiça nº12624/2015 de 9/11.
No nº2 do seu art. 1º prevê-se que “A www.e-leiloes.pt tem por principal objetivo a venda, em leilão eletrónico, de bens penhorados no âmbito de processos de execução em que tenha sido designado agente de execução”, do que decorre que aquela modalidade de venda, a efectuar através de tal plataforma, está em princípio traçada só para aquele tipo de processos.
No seu art. 17º, com a epígrafe “Utilização da plataforma no âmbito de outros processos”, sob o seu nº1, prevê-se que “A plataforma www.e-leiloes.ptpodeainda ser utilizada em processos distintos dos previstos no n.º 2 do artigo 1.º ou noutros âmbitos em que se justifique a utilização de uma plataforma de leilões eletrónicos, designadamente: a) Processos de execução em que tenha sido designado oficial de justiça; b) Processos de execução tramitados por outras entidades com capacidade executiva; c) Processos de insolvência” (sublinhados e negrito nossos) – do que decorre que o recurso à referida plataforma não é obrigatório para os processos de insolvência.
Deste modo, é de concluir que a venda em leilão electrónico prevista no art. 164º nº1 do CIRE, diferentemente do que decorre dos termos da previsão do art. 837º do CPC para aquela modalidade de venda em processo executivo, não tem que ser feita através da plataforma “e-leiloes””.
Por outro lado, nos termos do n.º 3 do artigo do artigo 55.º do CIRE, “O administrador da insolvência, no exercício das respetivas funções, pode ser coadjuvado sob a sua responsabilidade por advogados, técnicos ou outros auxiliares, remunerados ou não, incluindo o próprio devedor, mediante prévia concordância da comissão de credores ou do juiz, na falta dessa comissão”.
Não existindo, no caso, comissão de credores que pudesse conceder a sua concordância para o Administrador da Insolvência poder ser coadjuvado por encarregado de venda, esse assentimento teria de ser prestado pelo juiz.
E o mesmo foi concedido, se não antes, pelo menos através do despacho de 8.09.2022.
Também quanto à determinação do valor base fixado pelo Sr. Administrador da Insolvência para a alienação dos imóveis, também sobre tal matéria não tinha ele que auscultar a opinião dos insolventes e, muito menos, de a ela se vincular, não se afastando, todavia, a possibilidade de responder por eventuais danos que daí advenham.
O Sr. Administrador da Insolvência informou o credor garantido dos valores base fixados para a alienação dos bens, e fundamentou a determinação de tais valores.
A mais não estava obrigado.
Como se retira do já citado acórdão da Relação de Évora de 21.11.2019, “são os credores quem mais está interessado na melhor venda possível, tudo para que o valor dos bens a alienar permita a satisfação tão completa quanto possível do seu crédito, pressupondo-se que o administrador da insolvência se conduz sempre na prossecução dos interesses dos credores, porque, de outro modo, será afastado e responsabilizado por danos provocados – Artigos 56º a 59º, 168º e 169º do CIRE.
Este pensamento legislativo teve clara concretização no regime legal acima descrito, que se afasta claramente do regime previsto no CPC.
É também este o entendimento da doutrina, com especial relevância para Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, Quid Juris, 3ª. Ed., 215, pág. 616/7: (…) a decisão quanto à escolha (da modalidade da venda) é cometida, em exclusivo, ao administrador da insolvência, segundo o seu critério e tendo em conta o que entenda ser mais conveniente para os interesses dos credores, quando antes o liquidatário judicial necessitava de prévia concordância da comissão e credores (…) e mais adiante (…) o facto de o nº 2 limitar a audição ao credor com garantia real afasta a necessidade de auscultar o devedor insolvente, que decorreria da aplicação subsidiária do dito nº 1 do artº 812º, legitimada pelo artº 17º do CIRE.”
Numa outra perspetiva, onde se realça a autonomia do administrador da insolvência para decidir acerca da modalidade da venda e do valor base dos bens sem intervenção de outros interessados, mormente do juiz, Ana Prata e outros, in CIRE Anotado, Almedina, Coimbra, 2013, pág. 464: “a decisão do administrador de insolvência a que alude o n.º 1 do art.º 164.º do CIRE é insindicável, sem prejuízo das sanções de que o administrador pode ser alvo, se tiver atuado culposamente em detrimento dos interesses da massa insolvente”, e que, na escolha deste regime pelo legislador, “terá sido privilegiado o interesse da celeridade em detrimento da maior segurança que se obteria mediante a exigência de aprovação por parte de outros intervenientes processuais (a comissão de credores ou o juiz).”
Também a jurisprudência tem decidido nesta conformidade como é exemplo o Ac. TRC de 20-06-2017, Vítor Amaral, Procº 55/14.0TBMIR-F.C1: “I - Cabe ao administrador da insolvência o poder legal de decidir quanto à escolha da modalidade da alienação dos bens (art.º 164.º, n.º 1, do CIRE), incluindo a definição dos respetivos valores base.”
E Ac. TRG de 15-09-2011, Isabel Rocha, Procº 4771/07.5TBBCL-H.G1: I - O art.º 164.º do CIRE visa a tutela do direito de crédito, e não a tutela de qualquer interesse do insolvente. II - Tal normativo limita a audição sobre a venda dos bens da massa ao credor com garantia real, afastando a necessidade de ouvir o devedor insolvente. III - Assim sendo, não se verifica qualquer nulidade decorrente da omissão da audição do insolvente relativamente à venda de bem da massa”.
Do que se conclui, assim, que não foi cometido ou omitido acto ou formalidade que possa traduzir a existência de qualquer vício de nulidade, nos termos do artigo 195.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, designadamente, o invocado pelos recorrentes, e, dispondo o Sr. Administrador da Insolvência de autonomia e competência para determinar os valores da venda, não podem os mesmos interferir nessa determinação, nem sequer sendo admissível, neste contexto, ao juiz fazê-lo.
Não merecendo reparo a decisão recorrida, é de manter a mesma, com a consequente improcedência do recurso.
Nestes termos, acordam os juízes desta Relação, na improcedência da apelação, em confirmar a decisão recorrida.
Custas: a cargo dos apelantes.
Porto, 26.01.2023
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
Francisca Mota Vieira
________________ [1] N.º 10 do Preâmbulo. [2] Preâmbulo citado. [3] Na redacção introduzida pelo DL n.º 79/2017, de 30/06. [4] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 2009, pág. 532. [5] Introduzida pelo DL n.º 200/2004, de 18 de Agosto. [6] Preferencialmente através de venda em leilão electrónico, mas podendo optar, desde que o faça justificadamente, por outra das modalidades de venda admitidas em processo executivo ou mesmo por outra que tenha por mais conveniente, [7] “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, reimpressão, ed. Quid Juris, págs. 547, 548. [8] Processo 441/17.4T8OLH-K.E1, www.dgsi.pt. [9] Processo 7688/16.9T8SNT-I.L1-1, www.dgsi.pt. [10] Processo 1218/12.9TJVNF-AJ.G1, www.dgsi.pt. [11] Processo 2674/21.0T8OAZ-C.P1, www.dgsi.pt.