Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO
NULIDADE DO CONTRATO
PRINCÍPIO DA RECIPROCIDADE
CIDADÃO BRASILEIRO
Sumário
I – Tratando-se de um trabalhador estrangeiro, o contrato de trabalho terá de ser celebrado por escrito e respeitar as condições elencadas no art. 5.º do Código do Trabalho, exceção feita aos cidadãos nacionais de países membros do Espaço Económico Europeu ou de outro Estado que consagre a igualdade de tratamento com cidadãos nacionais em matéria de livre exercício de atividade profissional. II – A República Federativa do Brasil é um dos Estados que consagra com Portugal a igualdade de tratamento entre cidadãos de ambos os Estados em matéria de livre exercício de atividade profissional, nos termos do art. 8.º do acordo celebrado entre ambos os Países em 11-07-2003 e aprovado pelo Decreto n.º 40/2003, de 19-09, pelo que quanto aos cidadãos brasileiros aplica-se a exclusão prevista no n.º 6 do art. 5.º do Código do Trabalho. III – Sendo os Autores cidadãos brasileiros, é de lhes aplicar o art. 8.º do Acordo entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil sobre a Contratação Recíproca de Nacionais, não se lhes aplicando, consequentemente, os nºs. 1 a 5 do art. 5.º do Código do Trabalho, por força do n.º 6 desse mesmo artigo. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Proc. n.º 15/22.8T8FAR.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]
♣
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório AA, BB e CC (Autores) intentaram a presente ação declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra “Onet Iberia Soluciones S.A.U. – Sucursal em Portugal” e “Vadeca Facility Services, S.A.” (Rés), solicitando, a final, que a ação seja julgada procedente por provada e, em consequência:
– Seja declarada a ilicitude do despedimento dos Autores;
– Sejam condenadas as Rés a pagar as retribuições que os Autores deixaram de auferir, no valor global de €400,71 (€160,72 + €106,72 + €79,27);
– Sejam condenadas as Rés a pagar indemnizações a cada um dos Autores, no valor global de €5.243,25 (€2.067,00 + €2.067,00 + €1.109,25);
– Sejam condenadas as Rés a pagar indemnizações a cada um dos Autores em quantia não inferior a €1.000,00, a título de danos não patrimoniais, no valor total de €3.000,00;
– Sejam condenadas as Rés a pagar os proporcionais dos subsídios de férias e Natal até ao dia 08-01-2021, totalizando o valor global de €1.562,32;
– Sejam condenadas as Rés a pagar juros de mora, relativos às importâncias que são devidas aos Autores, já vencidos e vincendos, calculados à taxa legal em vigor;
– Sejam condenadas as Rés a pagar aos Autores a quantia de €500,00 por cada dia de atraso no efetivo cumprimento da condenação na prestação peticionada no ponto anterior, após o trânsito em julgado da sentença, nos termos do disposto no art. 829.°-A do Código Civil.
– Sejam condenadas as Rés a pagar todas as custas e despesas do processo, nomeadamente custas de parte.
Alegaram, em síntese, que a relação laboral que tiveram com as Rés cessou por via de despedimento ilícito ocorrido em 08-01-2021, sendo que os Autores AA e BB foram admitidos ao serviço da Ré “Onet” em 09-06-2020 e a Autora CC foi admitida ao serviço da Ré “Onet” em 23-07-2020.
Mais alegaram que, no final do mês de dezembro de 2020, os Autores AA e BB receberam uma comunicação da Ré “Onet” a informá-los que, a partir de 01-01-2021, passariam a prestar os seus serviços de limpeza no mesmo posto de trabalho, mas para a Ré “Vadeca, S.A.”, sendo que, tendo os três Autores se apresentado no seu local de trabalho no início de janeiro de 2021, aí laboraram até tal lhes ser vedado pela Ré “Vadeca, S.A.” no dia 08-01-2021, data a partir da qual nunca mais puderam exercer as suas funções de limpeza no seu local de trabalho e nenhuma das duas Rés os reconhecia como seus trabalhadores.
…
Realizada a audiência de partes, não foi possível resolver o litígio por acordo.
…
A Ré “Vadeca – Facility Services, S.A.” apresentou contestação, requerendo, a final, que a ação fosse julgada improcedente e, em consequência, a Ré absolvida do pedido.
Alegou, em súmula, que, após a Ré “Onet” lhe ter enviado a documentação relativa à transmissão dos contratos de trabalho dos seus trabalhadores, constatou que três deles, ou seja, os aqui Autores, não tinham documentos válidos para trabalhar em Portugal, pelo que comunicou àquela que recusava a transferência desses trabalhadores.
Concluiu, assim, que nunca a Ré “Vadeca, S.A.” rescindiu os contratos com os Autores, uma vez que não aceitou a transferência desses contratos.
…
A Ré “Onet Iberia Soluciones S.A.U. – Sucursal em Portugal” apresentou contestação, solicitando, a final, que a ação fosse julgada improcedente, por não provada, e em consequência, fosse absolvida de todos os pedidos formulados.
Para o efeito alegou, resumidamente, que deixou de prestar serviços de limpeza no local de trabalho dos Autores em 01-01-2021, tendo enviado atempadamente à Ré “Vadeca, S.A.” a documentação e informação necessária para que viesse a ocorrer a transmissão das posições contratuais dos Autores para esta Ré, sendo que nenhuma situação impeditiva dessa transmissão lhe foi comunicada antes de tal transmissão vir a ocorrer, pelo que em 01-01-2021 tal transmissão verificou-se e cessou a relação laboral dos Autores para consigo.
Concluiu, assim, que todos os factos ocorridos a partir de 01-01-2021 apenas dizem respeitos aos Autores e à Ré “Vadeca, S.A.”.
…
Proferido despacho saneador, foi dispensada a audiência prévia e a enunciação dos temas da prova, sendo fixado o valor da causa em €10.206,28.
…
Após realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença em 19-05-2022, com a seguinte decisão:
Por tudo o exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente e, consequentemente, absolvendo-se a ré “ONET IBERIA SOLUCIONES S.A.U – Sucursal em Portugal” do peticionado pelos autores e a ré “VADECA FACILITY SERVICES S.A.” do demais peticionado e decide-se:
a) Declarar ilícito o despedimento dos autores AA, BB e CC promovido pela ré “VADECA FACILITY SERVICES S.A.”;
b) Condenar a ré “VADECA FACILITY SERVICES S.A.” a pagar aos autores:
i. AA:
a. A quantia líquida de €1.995,00 (mil, novecentos e noventa e cinco euros), a título de a indemnização;
b. A quantia ilíquida de €128,52 (cento e vinte e oito euros e cinquenta e dois cêntimos) a título de créditos salariais;
c. Os juros de mora contados à taxa legal sobre essas quantias e desde 5 de Janeiro de 2021 até integral pagamento;
d. A sanção pecuniária compulsória de €500,00 (quinhentos euros) por dia, sendo caso disso e em conformidade com o disposto no artigo 829º-A, nºs 3 e 4, do Código Civil (ou seja, em partes iguais para o Estado e para a autora), desde o trânsito em julgado da decisão até integral pagamento.
ii. BB:
a. A quantia líquida de €1.346,64 (mil, trezentos e quarenta e seis euros e sessenta e quatro cêntimos), a título de a indemnização;
b. A quantia ilíquida de €114,05 (cento e catorze euros e cinco cêntimos) a título de créditos salariais;
c. Os juros de mora contados à taxa legal sobre essas quantias e desde 5 de Janeiro de 2021 até integral pagamento;
d. A sanção pecuniária compulsória de €500,00 (quinhentos euros) por dia, sendo caso disso e em conformidade com o disposto no artigo 829º-A, nºs 3 e 4, do Código Civil (ou seja, em partes iguais para o Estado e para o autor), desde o trânsito da decisão até integral pagamento.
iii. CC:
a. A quantia líquida de €1.995,00 (mil, novecentos e noventa e cinco euros), a título de a indemnização;
b. A quantia ilíquida de €162,25 (cento e sessenta e dois euros e vinte e cindo cêntimos) a título de créditos salariais;
c. Os juros de mora contados à taxa legal sobre essas quantias e desde 5 de Janeiro de 2021 até integral pagamento;
d. A sanção pecuniária compulsória de €500,00 (quinhentos euros) por dia, sendo caso disso e em conformidade com o disposto no artigo 829º-A, nºs 3 e 4, do Código Civil (ou seja, em partes iguais para o Estado e para a autora), desde o trânsito da decisão até integral pagamento.
Custas por autores e ré “VADECA FACILITY SERVICES S.A.”, em função do respectivo decaimento que se fixa em 43,75/100 para os primeiros e 56,25/100 para a segunda.
Registe e notifique.
Após trânsito comunique à Autoridade para as Condições do Trabalho, com certidão da presente sentença.
…
Não se conformando com a sentença, veio a Ré “Vadeca – Facility Services, S.A.” interpor recurso de apelação, porém, por as conclusões apresentadas serem manifestamente prolixas e de difícil perceção, foi a Ré notificada para sintetizar tais conclusões, o que veio a fazer[2], apresentando as conclusões que aqui se reproduzem:
A. A Sentença ora recorrida conclui pela procedência parcial da ação intentada pelos Autores e nessa medida foi a Recorrente condenada a pagar as quantias indicadas na sentença a título de crédito salarial; juros de mora contados à taxa legal sobre tais quantias e desde 05 de janeiro de 2021 até integral pagamento e ainda na sanção pecuniária compulsória de €500,00 por dia nos termos e para os efeitos do artigo 829.º-A n.ºs 3 e 4 do Código Civil, o que o Recorrente não pode aceitar.
B. O presente recurso visa uma reapreciação da matéria de facto dada como, por parte do Tribunal “a quo”.
DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
C. Refere o Tribunal “a quo” na factualidade dada como provada, no que ao presente recurso importa, o seguinte:
1.8 No dia 15 de Dezembro de 2020 a Ré VADECA solicitou à Ré ONET o envio da relação de pessoal afeto à prestação de serviços referente ao local onde os autores prestavam a sua laboração.;
1.9 A ré ONET remeteu à ré VADECA vários documentos, como lista dos trabalhadores, mapa de férias e mapa de horário de trabalho.;
1.14 No dia 4 de Janeiro de 2021 a ré VADECA comunicou à ré ONET que os ora autores não tinham título de residência que lhes permitisse trabalhar em Portugal e, como estavam em situação ilegal, recusava a passagem/transferência dos trabalhadores em causa.
1.18 À data de 31/12/2020:
1.18.1 A autora AA era requerente de autorização de residência, efetuada aos 26/09/2019;
1.18.2 O autor BB era requerente de autorização de residência, efetuada aos 21/02/2020; e
1.18.3 A autora CC era requerente de autorização de residência, efetuada aos 07/04/2020.
D. Por outro lado, da factualidade dada como não provada, no que ao presente recurso importa, resulta o seguinte:
f). Após o contacto com os trabalhadores identificados na documentação enviada pela ré ONET, verificou a Ré VADECA que existiam 3 trabalhadores que não tinham documentos válidos para trabalhar em Portugal
E. Com efeito, com o presente recurso pretende a Recorrente que o facto f da factualidade dada como não provada seja incluído na factualidade provada e ainda a inclusão de alguns dos factos por si alegados e que, face à prova produzida, deveria ter sido carreados para a factualidade dada como provada.
F. Pretende assim a Recorrente a inclusão da factualidade infra transcrita e que se encontra vertida na contestação apresentada:
23. Nunca os trabalhadores, aqui Autores, ou mesmo a Ré ONET, tentaram junto da aqui Ré reverter tal situação ou mesmo apresentaram à aqui Ré os documentos comprovativos de que se encontravam em situação que permitisse o exercício de atividade profissional.
G. Resulta assim do depoimento da testemunha da Ré, DD, que nunca a Ré Onet, os Autores ou mesmo a mandatária dos Autores comunicaram e/ou comprovaram à Recorrente de que os mesmos se encontravam legalmente em território nacional.
I. A corroborar tal facto temos ainda a evidência de ausência de qualquer prova documental, quer na petição inicial, quer mesmo na audiência prévia, quer ainda em todo o decurso de tempo até à audiência de discussão e julgamento, dado que foi apenas em tal diligência, que os Autores se dignaram a juntar aos autos prova da documentação atinente à sua situação de residência no território nacional.
J. Assim, a submissão de tais factos à factualidade dada como provada conduziria inevitavelmente a uma sentença diferente da que foi proferida pelo Tribunal “a quo”.
A testemunha DD em depoimento prestado no dia 12.05.22, entre as 15:03:31 e as 16:26:21 e que refere entre o minuto 00:00:01 e o minuto 00:19:00, o seguinte:
(…)
Testemunha: DD.
(…)
Testemunha: Eu sou diretor de recursos humanos. [00:02:00] Faço a coordenação e gestão em partilha com o ACT.
(…)
Mandatária 1: Sim, também pode ser! Ó Doutor DD, então eu perguntava-lhe o seguinte: no final do ano de 2020, o Doutor DD estava então em funções na VADECA? Certo?
Testemunha: Certíssimo. Sim.
Mandatária 1: Pronto! Olhe e então nós temos aqui a VADECA a ser julgada por conta de uma ação intentada aqui por três [00:03:00] trabalhadores, a senhora AA, o senhor BB e a senhora CC. O que é que o Doutor DD sabe acerca deste assunto? Que intervenção é que teve no mesmo que possa esclarecer?
Testemunha: Aquilo que eu sei é que estres três trabalhadores vieram passados na altura da empresa ONET. Nós ganhamos o condomínio Aqua Portimão, o centro comercial na zona de Portimão, ao encontrar com a Peltier, estes trabalhadores faziam parte de um grupo de trabalhadores que vieram transferidos do anterior prestador de serviços.
Testemunha: Isso ocorreu ma última quinzena de Dezembro, quando ocorreu a transferência de trabalhadores.
(…)
Testemunha: (…)O que aconteceu é que estes três trabalhadores nunca nos apresentaram a documentação em como estariam em situação legal para poder trabalhar em Portugal. Foi isso que aconteceu e é claro que em Janeiro fui informado pelo departamento operacional que estes trabalhadores não teriam esta documentação legal nem oportunidade de a entregar.
(…)
Testemunha: A diligência que fiz foi aquela que, do meu ponto de vista, estava ao meu alcance. Ou seja, a partir do momento em que os trabalhadores não apresentaram a documentação, contactamos logo o departamento operacional a informar os trabalhadores que sem essa documentação não poderiam continuar a trabalhar para a nossa empresa e que a recusa e que iriamos proceder à recusa da transferência junto da entidade empregadora por ter sido aquela que admitia que eles pudessem estar a trabalhar sem a referida documentação. Assim o fiz no próprio dia, dia 4 de Janeiro [00:11:00], enviei um email para o que foi sempre o veículo de comunicação que existiu entre a VADECA e a ONET em todos os documentos, comunicações anteriores e posteriores, portanto, neste caso, estávamos sempre em comunicação, eu e o André e enviei para a ONET que esses três trabalhadores não tinham apresentado documentação, não estariam legais, e como tal nós recusávamos a passagem. E eles teriam que assumir a posição contratual destes trabalhadores para resolverem com eles a situação destes trabalhadores.
(…)
Testemunha: (…) Posteriormente, passado uns dias, não lhe sei precisar a 8 de Janeiro fui contactado pela advogada de dois Autores, neste caso de duas Autoras. Na altura, eram apenas duas das constituintes da Doutora, da Advogada que falou comigo a perguntar efetivamente os motivos da recusa, o que é que se tinha passado e na altura falei com a Advogada [00:16:00] o motivo da recusa, por que é que nós o fizemos. Eu expliquei-lhe. Ela pediu-me se eu podia enviar o documento que comprovasse que nós tínhamos recusado junto da ONET os trabalhadores. (…)A senhora Doutora apresentou-se. Fez-me um email a 11 de Janeiro a pedir essa documentação e eu naturalmente fiz também o envio para a senhora Advogada de duas das Autoras o reenvio do documento que teria também enviado para a da recusa de transferência. Também neste caso permitam-me dizer que me volta a surpreender porque a Advogada das Autoras estavam em situação legal, nunca a Advogada das Autoras que tinha o telemóvel e o email que tinham trocado [00:17:00] comigo enviou manifesto interesse, visto de trabalho, autorização de residência, nem nunca tão pouco que não o enviava mas que o tinha, percebe? Atenção também que gostava que ficasse aqui claro que não mas também dizer que o tinha, que o tinha mas não bastava só dizer que o tinha porque nós, qualquer empresa que contrata um trabalhador estrangeiro é obrigada a enviar, de forma imediata ao ACT a contratação do trabalhador estrangeiro.
(…)
Testemunha: Nunca, nunca houve uma comunicação. A partir do momento em que eu entrei com a recusa, com a recusa, neste caso para a Doutora Adelaide Caetano, nunca foi dado nenhum foi dado nenhum sinal a esse mail, nem nenhuma resposta a esse mail.
K. Ainda no decurso do depoimento prestado, a testemunha DD em depoimento prestado no dia 12.05.22, entre as 15:03:31 e as 16:26:21, refere entre o minuto 00:29:00 e o minuto 00:30:00, o seguinte:
Mandatária 3: Olhe só aqui tirar dois esclarecimentos. Fala, portanto, da documentação para os trabalhadores trabalharem em Portugal. Mas nunca distingue ou nunca precisa o que é essa documentação em concreto. E a minha pergunta específica é se tinha conhecimento que estes três trabalhadores à data da passagem do contrato da ONET para a VADECA que tinham feito manifestação de interesse junto do SEF. É uma pergunta de sim ou não.
Testemunha: Não!
Mandatária 3: Tinha conhecimento? Não tinha conhecimento?
Testemunha: Não!
Mandatária 3: Portanto, desculpe…
Testemunha: Estou a ter conhecimento agora!
Mandatário 3: Agora, quando?
Testemunha: Agora, salvo erro foi o Tribunal que pediu esse esclarecimento ao SEF. Porque mesmo perante a Petição, nunca foi apresentada essa documentação. Eu não sabia que eles tinham pedido manifestação de interesse.
L. Referiu ainda a mencionada testemunha em depoimento prestado no dia 12.05.22, entre as 15:03:31 e as 16:26:21, no minuto e 00:38:00 e 00:43:00, o seguinte:
(….)
Mandatária 2: Mas deixe-me só, e o Doutor DD depois já fala. A 14 de Dezembro envia então um email, dando nota que da documentação toda que precisa para a ONET [00:39:00], certo?
Testemunha: Foi, foi!
(…)
Mandatária 2: Algum desses elementos lhe foi entregue pelos trabalhadores, pela mandatária dos próprios trabalhadores ou pela ONET? [00:41:00]
Testemunha: Nunca!
Mandatária 2: Pronto! O Doutor DD, em relação à autorização de residência pede aqui, já a 14 de Dezembro, já solicita elementos desde 14 de Dezembro. Trocou comunicações com a ONET. Trocou comunicações com a própria Advogada que lhe fez as perguntas ainda há pouco. Alguma vez a senhora Doutora, quer os trabalhadores, quer a ONET lhe pediram, lhe enviaram alguma documentação?
Testemunha: Nenhuma!
Mandatária 2: Relativa a esses três elementos?
Testemunha: Nunca!
(…)
Testemunha: E comuniquei à anterior entidade empregadora, á ONET que nós não assumíamos esses trabalhadores. Portanto, não assumindo nós esses trabalhadores, e comunicamos aos trabalhadores inclusivamente, comuniquei à Doutora Adelaide Caetano, que os trabalhadores teriam que resolver essa situação junto da ONET.
M. No entanto, o depoimento prestado pela testemunha DD, o qual se encontra supra parcialmente transcrito, elucida de que forma a Recorrente “verificou” que face à omissão da sua entrega, que os autores “não tinham documentos válidos”, referindo ter falado diretamente com a mandatária dos autores e dando nota que nem mesmo a própria mandatária dos autores referiu à Recorrente que os Autores estavam em situação regular, nem mesmo enviou para a Ré tal documento, facto que não foi contrariado pelos autores nem mesmo pela outra Ré.
N. No entanto, ainda assim, considerou o Tribunal “a quo” que a transferência dos trabalhadores feita se tornou efetiva quanto aos autores, elencando para o efeito as quatro razões que resulta da sentença, as quais não poderão ter acolhimento para sustentar a posição por si acolhida de que a Ré não podia recusar a transmissão dos contratos dos autores.
O. Primeiramente porque resulta dos documentos constantes dos autos que seriam 18 os trabalhadores que se encontravam a exercer as suas funções junto da 1.ª Ré, pelo que seriam estes mesmos 18, os trabalhadores a ser transferidos para a Recorrente por força da sucessão de empresas de prestação de serviço de limpeza.
P. Resulta igualmente dos autos que a Recorrente assumiu os 15 trabalhadores que se encontravam a exercer as suas funções junto da 1.ª Ré, sendo que em relação aos 3 trabalhadores, aqui Autores, a aqui Recorrente não aceitou tal transferência.
Q. Ora, é inevitável que a Recorrente tem, obviamente, de receber da empresa transmitente dos trabalhadores toda a documentação comprovativa da sua plena regularidade na ordem jurídica portuguesa,
R. Ocorre que nos presentes autos, a Recorrente nunca recebeu esta documentação apesar de inúmeras insistências e, ao não recebê-la não podia, em consciência, admitir trabalhadores ao seu serviço sem ter a garantia/certeza que se encontravam legais em Portugal.
S. Sucede que entende o Tribunal “a quo” de que os documentos relativos à situação de um cidadão de nacionalidade estrangeira perante o serviço de estrangeiros e fronteiras não integram a lista dos documentos a entregar pela empresa transmitente à empresa adquirente (e muito menos pode ser exigido aos trabalhadores).
T. Considerando aliás, que tratando-se de cidadão estrangeiro brasileiro o mesmo goza dos mesmos direitos e estão sujeitos às mesmas obrigações de natureza laboral em vigor para o trabalhadores nacionais do Estado recetor, por força do Acordo celebrado entre Portugal e Brasil, o qual se encontra supra citado, considerando ainda que por tal motivo está assim excluída a aplicação do artigo 5.º n.º 6 do CT.
U. Sucede que a vingar o entendimento feito pelo Tribunal da presente situação à luz do Código do Trabalho; quer da Constituição da República Portuguesa, quer ainda do mencionado Acordo celebrado entre Portugal e Brasil, estará aberto o expediente para que, sem qualquer filtro, sejam contratados todos cidadãos estrangeiros de nacionalidade brasileira que queiram trabalhar no nosso país, o que não parece que seja esse o intuito de tais diplomas!
V. O entendimento do Tribunal é ainda mais gritante ao fundamentar, o seu terceiro argumento para considerar que não assiste razão à Recorrente, no seguinte: “por força do Despacho n.º 10944/2020, de 8 de Novembro, teria de se considerar regular a permanência dos autores em território nacional à data da transmissão, pois tinham processos pendentes no SEF, à data de 15 de Outubro de 2020, pelo que não provou esta ré, como lhe competia, que existisse esta causa de eventual nulidade dos contratos de trabalho”,
W. Sucede que a Recorrente não pode fazer prova de um facto inexistente!
X. A Recorrente só tomou conhecimento da existência da documentação em causa por informação através do correio eletrónico enviado pelo próprio SEF a 20.04.2022, referência 10006569 e a instância do Juiz do processo, depois do julgamento se ter iniciado,
Y. Ainda assim, considera o Tribunal, no seu quarto fundamento para afastar a legitimidade da recusa da Recorrente, que ainda que tais contratos fossem nulos, a verdade é que tiveram execução e os autores prestaram, efectivamente, a sua actividade laboral por conta da ré VADECA e a invalidade do contrato de trabalho celebrado não afeta a sua execução e a sua cessação, conforme artigo 123.º, n.º 1, do Código do Trabalho, o que igualmente não se pode aceitar.
Z. Dada a transmissão legal e automática dos contratos de trabalho de 18 trabalhadores, é normal que a Recorrente tivesse de levar uns dias a analisar toda a documentação a eles inerentes, mais a mais quando é certo que a mesma se deu durante uma quadra festiva, conforme aliás resulta do depoimento supra transcrito.
A.A.. Não lhe sendo provida a sua pretensão, não teve a Recorrente outra alternativa que não fosse dar sem efeito os contratos de trabalho em causa, sob pena de aceitar ter nos seus quadros trabalhadores potencialmente ilegais, com todas as consequências que daí, para si, poderiam decorrer.
A.B. A sentença proferida faz uma indevida e incorreta interpretação e aplicação da clausula 15.º da CCT aplicável aos presentes autos; artigo 8.º, 53.º da Constituição da República Portuguesa; artigo 5.º n.º 6, 285.º, 381.º, 390.º e 391.º do Código do Trabalho.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. suprirão, deverá presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, ser a decisão proferida pelo Tribunal a quo revogada e substituída por decisão que que considere válida a recusa da transmissão dos contratos dos autores com o fundamento invocado pela Recorrente e por conseguinte absolva a Recorrente do pedido contra si formulado, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!
…
Não foram apresentadas contra-alegações nem pelos Autores, nem pela Ré “Onet Iberia Soluciones S.A.U. – Sucursal em Portugal”.
…
O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo tal recurso sido mantido nos seus exatos termos neste Tribunal.
Em cumprimento do disposto no art. 87.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, devendo a sentença ser mantida na íntegra.
Não foram apresentadas respostas a tal parecer.
Após os autos terem ido aos vistos, cumpre agora apreciar e decidir.
♣
II – Objeto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, as questões que importa decidir são: 1) Impugnação da matéria de facto; e 2) Validade da recusa da transmissão dos contratos de trabalho dos Autores.
♣
III – Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:
1.1 A Autora AA foi admitida pela primeira Ré ONET mediante a outorga de um Contrato de Trabalho a termo incerto, datado de 9 de Junho de 2020, para exercer, sob as ordens, direção e fiscalização desta, as funções de trabalhadora de limpeza, com início em 1 de Agosto de 2020, no “Centro Comercial Aqua de Portimão”, sito na cidade de Portimão.
1.2 Auferia a retribuição mensal ilíquida de 635,00€, acrescida de subsídio de alimentação no valor de 1,80€ por cada dia completo de trabalho efectivamente prestado e cumpria o período normal de trabalho de 40 horas semanais e de 8 horas diárias.
1.3 O Autor BB foi admitido pela primeira Ré ONET mediante a outorga de um Contrato de Trabalho a termo incerto, datado de 9 de Junho de 2020, para exercer, sob as ordens, direção e fiscalização desta, as funções de trabalhador de limpeza, com início em 1 de Agosto de 2020, no “Centro Comercial Aqua de Portimão”, sito na cidade de Portimão.
1.4 Auferia a retribuição mensal ilíquida de 428,63€, acrescida de subsídio de alimentação no valor de 1,80€ por cada dia completo de trabalho efectivamente prestado e cumpria o período normal de trabalho de 27 horas semanais e de 4,5 horas diárias.
1.5 A Autora CC foi admitida pela primeira Ré ONET, pelo menos em 1 de Setembro de 2020, para exercer, sob as ordens, direção e fiscalização desta, as funções de trabalhadora de limpeza no “Centro Comercial Aqua de Portimão”, sito na cidade de Portimão.
1.6 Em Dezembro de 2020 auferia a retribuição mensal ilíquida de 635,00€, acrescida de subsídio de alimentação no valor de 1,80€ por cada dia completo de trabalho efectivamente prestado e cumpria o período normal de trabalho de 40 horas semanais e de 8 horas diárias.
1.7 Por carta datada de 15 de Dezembro de 2020 a ré ONET comunicou aos autores AA e BB que “em 31/12/2020 deixaria de prestar serviço no centro de trabalho Centro Comercial Aqua Portimão, sendo que o serviço de limpeza ficará dependente desde o dia 01/01/2021 para a empresa VADECA FACILITY SERVICES S.A., como novo destinatário do serviço e ficará dependente dessa empresa devido à atual lei de sub-rogação de trabalhadores”.
1.8 No dia 15 de Dezembro de 2020 a Ré VADECA solicitou à Ré ONET o envio da relação de pessoal afeto à prestação de serviços referente ao local onde os autores prestavam a sua laboração.
1.9 A ré ONET remeteu à ré VADECA vários documentos, como lista dos trabalhadores, mapa de férias e mapa de horário de trabalho.
1.10 A partir de 1 de Janeiro de 2021 a prestação de serviços de limpeza do “Centro Comercial Aqua Portimão” passou a ser assegurada pela ré VADECA, após adjudicação à mesma desta prestação.
1.11 No início de Janeiro de 2021 os Autores apresentaram-se no seu posto de trabalho, desempenhado as suas funções nos seus horários habituais, o autor BB e a autora CC, pelo menos, nos dias 2 (Sábado), 3 (Domingo), 4 (Segunda-feira) e 5 (Terça-feira) desse mês e a autora AA, pelo menos, nos dias 3, 4 e 5 desse mês.
1.12 E laboraram como vinham fazendo até que, no dia 5 de Janeiro de 2021, foram informados por um representante da ré VADECA que não lhes era permitido continuar a trabalhar naquele local.
1.13 Os autores voltaram a apresentar-se no local tendo sido informados por representante da ré VADECA que não os aceitava como seus trabalhadores e, mais tarde, foram informados pela ré ONET que não os poderia considerar como seus trabalhadores por a prestação de serviços de limpeza do “Centro Comercial Aqua” ter passado a ser assegurada pela ré VADECA.
1.14 No dia 4 de Janeiro de 2021 a ré VADECA comunicou à ré ONET que os ora autores não tinham título de residência que lhes permitisse trabalhar em Portugal e, como estavam em situação ilegal, recusava a passagem/transferência dos trabalhadores em causa.
1.15 No final de Janeiro de 2021, um supervisor da ré ONET reuniu com a Autora CC, tendo-lhe apresentado o documento intitulado como o Contrato de Trabalho, no qual foi aposto como data de assinatura o dia 1 de Agosto de 2021, que esta assinou.
1.16 Após Janeiro de 2021 os autores não auferiram quaisquer rendimentos de nenhuma das rés, temendo pela sua subsistência e a do seu agregado familiar.
1.17 Nenhuma das Rés emitiu o modelo RP 5044 da Segurança Social nem emitiu o respectivo Certificado de Trabalho.
1.18 À data de 31/12/2020:
1.18.1 A autora AA era requerente de autorização de residência, efetuada aos 26/09/2019;
1.18.2 O autor BB era requerente de autorização de residência, efetuada aos 21/02/2020; e
1.18.3 A autora CC era requerente de autorização de residência, efetuada aos 07/04/2020. (Acrescenta-se o facto 1.19, conforme fundamentação infra)
…
E deu como não provados os seguintes factos:
a. O autor BB auferia a retribuição mensal ilíquida de 635,00€.
b. A autora CC foi admitida em 23 de Julho de 2021 e o contrato teve início em 1 de Agosto de 2020 e auferia a retribuição mensal ilíquida de 287,75€.
c. Os autores laboraram até dia 8 de Janeiro de 2021.
d. Os autores tiveram de recorrer a auxílio financeiro de familiares para custear as suas despesas normais.
e. Os autores, em consequência do despedimento, sofreram irritabilidade; incapacidade de falar com regularidade; frequentes dores de cabeça; medo, instabilidade, depressão, inquietude e alheamento da comunidade envolvente.
f. Após o contacto com os trabalhadores identificados na documentação enviada pela ré ONET, verificou a Ré VADECA que existiam 3 trabalhadores que não tinham documentos válidos para trabalhar em Portugal. (Eliminado, conforme fundamentação infra)
g. A ré ONET pagou a título de subsídio de Natal do ano de 2021 em duas tranches, em virtude de um erro de processamento, da seguinte forma: à autora AA foi pago o montante de € 277,60; ao autor BB foi pago o montante de €212,01; à autora CC foi pago o montante de €281,07.
♣
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é se (i) a sentença recorrida fez um incorreto julgamento da matéria de facto; e (ii) é válida a recusa da transmissão dos contratos de trabalho dos Autores.
…
Questão prévia:
Na petição inicial, os Autores AA, BB e CC identificam-se como cidadãos de nacionalidade brasileira, indicando, inclusive, o número e a validade dos seus passaportes emitidos pela República Federativa do Brasil.
Em 20-04-2022 é junto pelo SEF documento comprovativo de que os referidos Autores são cidadãos de nacionalidade brasileira.
A nacionalidade dos Autores é um facto essencial para a resolução da questão que se mostra em litígio, porém, não consta, como devia, da matéria factual.
Tal circunstância poderia determinar, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Civil, a anulação da sentença recorrida por deficiente matéria factual. Porém, uma vez que constam do processo todos os elementos de prova que permitem a este tribunal alterar tal decisão, não se procederá a tal anulação.
Assim, em face do teor do documento junto pelo SEF em 20-04-2022, à matéria factual dada como provada acrescenta-se o facto 1.19, o qual passará a ter a seguinte redação: 1.19. Os Autores AA, BB e CC são cidadãos de nacionalidade brasileira.
1 – Impugnação da matéria de facto
Considera a Apelante que o facto não provado f) deveria ter sido dado como provado, bem como deveria ter sido dado como provado o facto constante do art. 23.º da sua contestação, ambos em face do depoimento da testemunha DD.
Dispõe o art. 640.º do Código de Processo Civil que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
Relativamente à interpretação das obrigações que impendem sobre a Apelante, nos termos do n.º 1 do art. 640.º do Código de Processo Civil, cita-se, entre muitos, o acórdão do STJ, proferido em 03-03-2016:[3]
I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
III – O ónus a cargo do Recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado.
IV – Nem o cumprimento desse ónus pode redundar na adopção de entendimentos formais do processo por parte dos Tribunais da Relação, e que, na prática, se traduzem na recusa de reapreciação da matéria de facto, máxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coarctando à parte Recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica.
Relativamente à apreciação da matéria de facto em sede de recurso, importa acentuar que o disposto no art. 640.º do Código de Processo Civil consagra atualmente um duplo grau de jurisdição, persistindo, porém, em vigor o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz da 1.ª instância, previsto no art. 607.º, n.º 5, do mesmo Diploma Legal.
No entanto, tal princípio da livre apreciação da prova mostra-se condicionado por uma “prudente convicção”, competindo, assim, ao Tribunal da Relação aferir da razoabilidade dessa convicção, em face das regras da experiência comum e da normalidade da vida, da ciência e da lógica.
Veja-se sobre esta matéria o sumário do acórdão do STJ, proferido em 31-05-2016:[4]
I - O tribunal da Relação deve exercer um verdadeiro e efectivo 2.º grau de jurisdição da matéria de facto e não um simples controlo sobre a forma como a 1.ª instância respondeu à matéria factual, limitando-se a intervir nos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, pois que só assim se assegurará o duplo grau de jurisdição, em matéria de facto, que a reforma processual de 1995 (DL n.º 329-A/95, de 12-12) visou assegurar e que o actual Código confirmou e reforçou.
II - Desde que o recorrente cumpra as determinações ínsitas no art. 640.º, o tribunal da Relação não poderá deixar de fazer a reapreciação da matéria de facto impugnada, podendo alterar o circunstancialismo dado como assente na 1.ª instância.
Cita-se ainda o sumário do acórdão do TRG, proferido em 04-02-2016:[5]
I- Para que a decisão da 1ª instância seja alterada, haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “prudente convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção, retratada na resposta que se deu à factualidade controvertida, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova.
E, a ser assim, o Tribunal da Relação, aquando da reapreciação da matéria de facto, deve, não só recorrer a todos os meios probatórios que estejam à sua disposição e usar de presunções judiciais para, desse modo, obter congruência entre a verdade judicial e a verdade histórica, como também, sem incorrer em excesso de pronúncia, ao alterar a decisão de determinados pontos da matéria de facto, retirar dessa alteração as consequências lógicas inevitáveis que se repercutem noutros pontos concretos da matéria de facto, independentemente de tais pontos terem ou não sido objeto de impugnação nas alegações de recurso.
Cita-se, a este propósito, o sumário do acórdão do STJ, proferido em 13-01-2015:[6]
XIII - Não ocorre excesso de pronúncia da decisão, se a Relação, ao alterar a decisão da matéria de facto relativamente a alguns pontos, retira dessa modificação as consequências devidas que se repercutem noutra matéria de facto, sendo irrelevante ter sido esta ou não objecto de impugnação nas alegações de recurso.
Por fim, importa ainda esclarecer que o Tribunal da Relação, na sua reapreciação da prova, terá sempre que atender à análise crítica de toda a prova e não apenas aos fragmentos de depoimentos que, por vezes, são indicados, e que retirados do seu contexto, podem dar uma ideia bem distinta daquilo que a testemunha efetivamente mencionou, bem como daquilo que resultou da globalidade do julgamento.
A Apelante, na sua impugnação fáctica, deu integral cumprimento aos requisitos impostos pelo art. 640.º do Código de Processo Civil.
Cumpre decidir. a)Facto não provado f)
Consta do facto não provado f) que:
f. Após o contacto com os trabalhadores identificados na documentação enviada pela ré ONET, verificou a Ré VADECA que existiam 3 trabalhadores que não tinham documentos válidos para trabalhar em Portugal.
Pretende a Apelante que este facto passe a constar dos factos provados, em face do depoimento da testemunha DD.
Apreciemos.
Na realidade, a menção a “documentos válidos” reporta-se a uma conclusão e não a uma descrição fáctica, sendo competência da Apelante indicar, em concreto, quais seriam os documentos que os Autores não possuíam ou já tinham deixado caducar, competindo, posteriormente, em sede de apreciação jurídica, apreciar se a ausência de tais documentos ou a circunstância de os mesmos já terem caducado implicava a existência, ou não, de documentação válida desses Autores para permanecerem e/ou trabalharem em Portugal.
Veja-se, sobre esta matéria, o acórdão do STJ, proferido em 29-04-2015:[7]
II – A selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos.
Caso contrário, as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante.
Aliás, a conclusão jurídica constante do facto não provado f) sempre estaria em contradição com a conclusão jurídica constante da fundamentação da sentença recorrida, conclusão essa, independentemente do seu acerto jurídico, assente, aí sim, em factos, concretamente nos factos provados 1.18.1, 1.18.2 e 1.18.3.
Ora, pretendendo a Apelante a inclusão na matéria fáctica dada como provada de um facto conclusivo, inexiste a possibilidade de tal facto poder ser dado como provado, e isto independentemente do teor do depoimento prestado pelas testemunhas em audiência de julgamento, pelo que, não só tal facto não integrará a matéria factual dada como provada, como também será eliminado do elenco dos factos não provados.
b)Facto 23 da contestação da Apelante
Consta do facto 23 da contestação da Apelante que:
23. Nunca os trabalhadores, aqui Autores, ou mesmo a Ré ONET, tentaram junto da aqui Ré reverter tal situação ou mesmo apresentaram à aqui Ré os documentos comprovativos de que se encontravam em situação que permitisse o exercício de atividade profissional.
Pretende a Apelante que este facto seja acrescentado aos factos provados, em face do depoimento da testemunha DD.
Uma vez mais, não consta desse artigo quais sejam os documentos que a Apelante pretendia que os Autores lhe tivessem apresentado e que estes não apresentaram, constando desse artigo apenas que não apresentaram os documentos comprovativos de que se encontravam em situação que permitisse o exercício de atividade profissional, conclusão essa que, porém, apenas em sede de apreciação jurídica pode ser obtida.
Assim, também aqui, por não estarmos perante um facto, antes sim, perante uma conclusão jurídica, não é possível inscrever nos factos provados o pretendido art. 23 da contestação da Apelante, e isto independentemente daquilo que tiver resultado da audiência de julgamento.
Pelo exposto, também aqui improcede a pretensão da Apelante.
Em conclusão:
Improcede na íntegra a alteração fáctica pretendida pela Apelante, porém, oficiosamente, determina-se a eliminação do facto não provados f), por conclusivo.
2)Validade da recusa da transmissão dos contratos de trabalho dos Autores
Considera a Apelante que, apesar de a empresa transmitente lhe ter comunicado a transferência, para si, de 18 trabalhadores, ela tem de receber dessa empresa toda a documentação comprovativa da plena regularidade na ordem jurídica portuguesa desses trabalhadores e, não a recebendo, não pode, em consciência, admitir trabalhadores ao seu serviço sem ter a garantia/certeza que se encontravam legais em Portugal.
Considera ainda que, no caso concreto, não é de aplicar o art. 5.º, n.º 6, do Código do Trabalho, sob pena de estar aberto o expediente para que, sem qualquer filtro, sejam contratados todos cidadãos estrangeiros de nacionalidade brasileira que queiram trabalhar no nosso País, o que entende não ser o intuito dos diplomas em vigor.
Referiu igualmente que não pode fazer prova de um facto inexistente, concretamente da nulidade dos contratos dos Autores por se encontrarem irregularmente em território nacional, tendo apenas tomado conhecimento dos processos dos Autores pendentes no SEF em 20-04-2022, ou seja, já no âmbito deste processo judicial.
Por fim, concluiu que os Autores apenas vieram a trabalhar alguns dias para si, por ter levado também alguns dias a analisar a documentação que a empresa transmitente lhe enviou e a aperceber-se da falta de determinados documentos relativos aos três Autores.
Vejamos.
Uma vez que a atividade profissional dos Autores é no âmbito dos trabalhos de limpeza, sobre essa matéria dispõe a Cláusula 15.ª do CCT entre a Associação Portuguesa de Facility Services - APFS e o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas - STAD e outra[8], que:
1- A perda de um local de trabalho por parte da entidade empregadora não integra o conceito de caducidade nem de justa causa de despedimento.
2- Considera-se perda de um local de trabalho a substituição do empregador por outra entidade, seja o próprio utilizador, seja outro prestador de serviços, que passe a assegurar, total ou parcialmente, a atividade que vinha sendo assegurada pelos trabalhadores do empregador afetos a esse local, seja a iniciativa da cessação do contrato de prestação de serviços da entidade empregador, do utilizador do serviço ou de ambos.
3- Em caso de perda de um local de trabalho, a entidade que, nos termos do número 2, passar a assegurar a atividade do empregador, obriga-se a ficar com todos os trabalhadores que ali normalmente prestavam serviço.
4- No caso previsto no número anterior, o trabalhador mantém ao serviço da nova empresa todos os seus direitos, regalias e antiguidade, transmitindo-se para a nova empresa as obrigações que impendiam sobre a anterior diretamente decorrentes da prestação de trabalho tal como se não tivesse havido qualquer mudança de empregador, salvo créditos que, nos termos deste CCT e das leis em geral, já deveriam ter sido pagos.
5- Para os efeitos do disposto no número 2 da presente cláusula, não se consideram trabalhadores a prestar normalmente serviço no local de trabalho:
a) Todos aqueles que prestam serviço no local de trabalho há menos de 120 dias;
b) Todos aqueles cuja remuneração e ou categoria profissional foram alteradas dentro de 120 ou menos dias, desde que tal não tenha resultado diretamente da aplicação do instrumento de regulamentação coletiva de trabalho. Os 120 dias mencionados neste número são os imediatamente anteriores à data do início da nova empreitada.
6- Quando justificadamente o trabalhador se recusar a ingressar nos quadros da nova empresa, o empregador obriga-se a assegurar-lhe novo posto de trabalho.
7- Sem prejuízo da aplicação dos números anteriores, o empregador que perder o local de trabalho é obrigado a fornecer, no prazo de cinco dias úteis a contar da receção do pedido, à entidade que obteve a nova empreitada e ao sindicato outorgante representativo dos respetivos trabalhadores os seguintes elementos referentes aos trabalhadores que transitam para os seus quadros:
a) Nome, morada, endereço eletrónico e telefone dos trabalhadores;
b) Número de identificação da Segurança Social e data de nascimento;
c) Categoria profissional;
d) Horário de trabalho;
e) Situação sindical de cada trabalhador;
f) Data da admissão na empresa e, se possível, no setor;
g) Início da atividade no local de trabalho;
h) Situação contratual: a prazo ou permanente;
i) Se a prazo, cópia de contrato;
j) Mapa de férias do local de trabalho;
k) Extrato de remuneração dos últimos 120 dias ou, na sua falta, cópia dos recibos de vencimento, caso tenha ocorrido alteração de algum dos componentes de caráter regular e permanente nesse período;
l) Situação perante a medicina no trabalho;
m) Indicação da data e tipo (admissão, periódico ou ocasional) do último exame médico e respetivo resultado;
n) Qualquer outra obrigação cujo cumprimento decorra da lei.
8- O empregador que ganhar a empreitada não pode exigir que os documentos a que se refere o número anterior lhe sejam entregues com antecedência superior a 15 dias em relação ao início do serviço.
9- No caso dos trabalhadores na situação de baixa que transitaram para outra empresa, nos termos desta cláusula, cujo contrato de trabalho tenha cessado por reforma coincidente com o termo de suspensão, compete à empresa adquirente da empreitada o pagamento dos créditos daí resultantes.
10- O disposto na presente cláusula aplica-se, com as necessárias adaptações, às reduções de empreitada.
Por sua vez, a Portaria n.º 72/2020, de 16-03, determina que:
Artigo 1.º
1 - As condições de trabalho constantes do contrato coletivo entre a Associação Portuguesa de Facility Services - APFS e o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas - STAD e outra, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 2, de 15 de janeiro de 2020, são estendidas, no território do continente:
a) Às relações de trabalho entre empregadores não filiados na associação de empregadores outorgante que se dediquem às atividades de higiene e limpeza em edifícios, equipamentos industriais e noutro tipo de instalações, de higiene e controlo de pragas, de plantação e manutenção de jardins e de prestação de serviços administrativos de apoio às empresas nas áreas de receção, atendimento telefónico e secretariado e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais previstas na convenção;
b) Às relações de trabalho entre empregadores filiados na associação de empregadores outorgante que exerçam a atividade económica referida na alínea anterior e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais previstas na convenção, não filiados nas associações sindicais outorgantes.
2 - Não são objeto de extensão as cláusulas contrárias a normas legais imperativas.
Artigo 2.º
1 - A presente portaria entra em vigor no quinto dia após a sua publicação no Diário da República.
2 - A tabela salarial e cláusulas de natureza pecuniária previstas na convenção produzem efeitos a partir de 1 de fevereiro de 2020.
Estatui igualmente o art. 514.º, n.º 1, do Código do Trabalho, que:
1 - A convenção colectiva ou decisão arbitral em vigor pode ser aplicada, no todo ou em parte, por portaria de extensão a empregadores e a trabalhadores integrados no âmbito do sector de actividade e profissional definido naquele instrumento.
Decreta também o art. 5.º do Código do Trabalho que:
1 - O contrato de trabalho celebrado com trabalhador estrangeiro ou apátrida está sujeito a forma escrita e deve conter, sem prejuízo de outras exigíveis no caso de ser a termo, as seguintes indicações:
a) Identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes;
b) Referência ao visto de trabalho ou ao título de autorização de residência ou permanência do trabalhador em território português;
c) Actividade do empregador;
d) Actividade contratada e retribuição do trabalhador;
e) Local e período normal de trabalho;
f) Valor, periodicidade e forma de pagamento da retribuição;
g) Datas da celebração do contrato e do início da prestação de actividade.
2 - O trabalhador deve ainda anexar ao contrato a identificação e domicílio da pessoa ou pessoas beneficiárias de pensão em caso de morte resultante de acidente de trabalho ou doença profissional.
3 - O contrato de trabalho deve ser elaborado em duplicado, entregando o empregador um exemplar ao trabalhador.
4 - O exemplar do contrato que ficar com o empregador deve ter apensos documentos comprovativos do cumprimento das obrigações legais relativas à entrada e à permanência ou residência do cidadão estrangeiro ou apátrida em Portugal, sendo apensas cópias dos mesmos documentos aos restantes exemplares.
5 - O empregador deve comunicar ao serviço com competência inspectiva do ministério responsável pela área laboral, mediante formulário electrónico:
a) A celebração de contrato de trabalho com trabalhador estrangeiro ou apátrida, antes do início da sua execução;
b) A cessação de contrato, nos 15 dias posteriores.
6 - O disposto neste artigo não é aplicável a contrato de trabalho de cidadão nacional de país membro do Espaço Económico Europeu ou de outro Estado que consagre a igualdade de tratamento com cidadão nacional em matéria de livre exercício de actividade profissional.
7 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos n.os 1, 3, 4 ou 5.
Determina ainda o art. 8.º do Acordo entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil sobre a Contratação Recíproca de Nacionais, assinado em 11-07-2003, e aprovado pelo Decreto n.º 40/2003, de 19-09, que:
Artigo 8.º
Os trabalhadores contratados ao abrigo do presente Acordo gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos às mesmas obrigações de natureza laboral em vigor para os trabalhadores nacionais do Estado receptor e da mesma protecção no que se refere à aplicação das leis relativas à higiene e à segurança no trabalho.
Regulamenta, de igual modo, o ponto 1 do Despacho n.º 10944/2020, de 08-11, que:
1 - No caso de cidadãos estrangeiros que tenham formulado pedidos ao abrigo da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, na sua redação atual, que aprova o regime jurídico da entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, ou que tenham formulado pedidos ao abrigo da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho, na sua redação atual, que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, considera-se ser regular a sua permanência em território nacional com processos pendentes no SEF, à data de 15 de outubro de 2020.
Resulta, assim, das normas citadas, que quando haja, no âmbito dos serviços de limpeza, a perda de um local de trabalho de um trabalhador por parte da entidade empregadora para uma outra empresa que adquire esse local de trabalho e que passa a assegurar a atividade que, até então, era do empregador, obriga-se esta nova empresa a ficar com todos os trabalhadores que ali normalmente prestavam serviço, mantendo esses trabalhadores todos os seus direitos, regalias e antiguidade, transmitindo-se para a nova empresa as obrigações que impendiam sobre a anterior empresa diretamente decorrentes da prestação de trabalho tal como se não tivesse havido qualquer mudança de empregador, salvo créditos que já deveriam ter sido pagos.
Por sua vez, não se consideram trabalhadores a prestar normalmente serviço no local de trabalho transmitido, todos aqueles que prestavam serviço no local de trabalho há menos de 120 dias e todos aqueles cuja remuneração e ou categoria profissional foram alteradas dentro de 120 ou menos dias, desde que tal não tenha resultado diretamente da aplicação do instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, sendo que os 120 dias a ter em conta são os imediatamente anteriores à data do início da nova empreitada.
Acresce que para que tal transmissão venha a operar é fundamental que o empregador que perdeu o local de trabalho forneça, no prazo de cinco dias úteis a contar da receção do pedido, à entidade que obteve a nova empreitada e ao sindicato outorgante representativo dos respetivos trabalhadores, os elementos que se encontram discriminados no n.º 7 da Cláusula 15.ª desse CTT.
Por outro lado, tratando-se de um trabalhador estrangeiro, o contrato de trabalho terá de ser celebrado por escrito e respeitar as condições elencadas no art. 5.º do Código do Trabalho, exceção feita aos cidadãos nacionais de países membros do Espaço Económico Europeu ou de outro Estado que consagre a igualdade de tratamento com cidadãos nacionais em matéria de livre exercício de atividade profissional.
A República Federativa do Brasil é um dos Estados que consagra com Portugal a igualdade de tratamento entre cidadãos de ambos os Estados em matéria de livre exercício de atividade profissional, nos termos do art. 8.º do acordo celebrado entre ambos os Países em 11-07-2003 e aprovado pelo Decreto n.º 40/2003, de 19-09, pelo que quanto aos cidadãos brasileiros aplica-se a exclusão prevista no n.º 6 do art. 5.º do Código do Trabalho.
Por sua vez, ainda que a República Federativa do Brasil não tivesse consagrado a igualdade de tratamento com cidadãos portugueses em matéria de livre exercício de atividade profissional, os pedidos dos cidadãos brasileiros para autorização de residência que tivessem dado entrada até 15-10-2020, ainda que pendentes de resposta, permitiam que a permanência desses cidadãos fosse considerada regular em território nacional (Ponto 1 do Despacho n.º 10944/2020, de 08-11), porém, nesse caso, tal documentação[9] teria de constar do contrato de trabalho e estar apensa a esse contrato de trabalho (art. 5.º, nºs. 1, al. b) e 4, do Contrato do Trabalho), devendo ser transmitida pelo empregador que perdeu o local de trabalho ao empregador que o obteve (Cláusula 15.º, n.º 7, al. n), do CCT aplicável).
Dir-se-á ainda que, em face do que resulta do Acordo entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil sobre a Contratação Recíproca de Nacionais, assinado em 11-07-2003, e aprovado pelo Decreto n.º 40/2003, de 19-09, não é de aplicar aos cidadãos de nacionalidade brasileira o que dispõe a Lei n.º 23/2007, de 04-07[10], em tudo o que aquele acordo dispuser de forma diferente[11].
No caso presente, os Autores AA, BB e CC são cidadãos brasileiros, facto, aliás, que a Apelante não põe em causa. E, sendo assim, é de lhes aplicar o referido Acordo entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil sobre a Contratação Recíproca de Nacionais, concretamente o citado art. 8.º, não se lhes aplicando, consequentemente, os nºs. 1 a 5 do art. 5.º do Código do Trabalho, por força do n.º 6 desse mesmo artigo.
A Apelante, apesar de reconhecer que os três Autores são brasileiros e que o referido Acordo existe, defende que o n.º 6 do art. 5.º do Código do Trabalho não é de lhes aplicar, por tal implicar uma liberdade de contratação de todo e qualquer cidadão de nacionalidade brasileira para trabalhar em Portugal, o que entende, sem, porém, fundamentar, não ser o intuito dos referidos diplomas. Na realidade, a Apelante não apresenta qualquer fundamentação jurídica para a não aplicação à presente situação do disposto no n.º 6 do art. 5.º do Código do Trabalho, limitando-se a uma opinião de discordância com tal opção jurídica constante das normas vigentes.
Deste modo, apenas nos resta confirmar que o que consta, quer do art. 8.º do Acordo entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil sobre a Contratação Recíproca de Nacionais, quer do art. 5.º, n.º 6, do Código do Trabalho, é de aplicar à situação concreta dos Autores, pelo que na transmissão dos respetivos contratos de trabalho a empregadora transmitente não tinha que entregar à empregadora adquirente os respetivos pedidos desses trabalhadores para autorização de residência que tivessem dado entrada até 15-10-2020[12].
De igual modo, não sendo obrigatória tal documentação na celebração dos respetivos contratos de trabalho, não podia a empregadora adquirente recusar tal transmissão, fundamentando-a na ausência dessa documentação, nos termos do art. 5.º, n.ºs 1, al. b) e 4, do Código do Trabalho e da Cláusula 15.ª, n.º 7, al. n), do CCT aplicável, pelo que a recusa que a Apelante invocou é ilegal, por não ter qualquer respaldo na lei em vigor.
Refira-se, ainda, que, em face do que resultou provado no facto 1.11 (concretamente que os Autores BB e CC trabalharam para a Apelante nos dias 2, 3, 4 e 5 de janeiro de 2021 e que a Autora AA trabalhou para a Apelante nos dias 3, 4 e 5 de janeiro de 2021), sempre a recusa da Apelante em aceitar a transmissão dos contratos de trabalho dos Autores, comunicada à Ré “Onet” em 04-01-2021 (facto provado 1.14), mesmo que a fundamentação aí invocada fosse válida[13], não poderia produzir efeito, precisamente por a Apelante já ter aceitado tal transmissão e, inclusive, ter permitido que os Autores exercessem as respetivas funções, para si, durante 3 ou 4 dias e isto independentemente das razões pelas quais tal veio a acontecer.
Pelo exposto, apenas nos resta concluir pela improcedência da pretensão da Apelante, mantendo-se, na íntegra, a sentença recorrida.
♣
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pela Apelante (art. 527.º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Notifique.
♣
Évora, 25 de janeiro de 2023 Emília Ramos Costa (relatora) Mário Branco Coelho Paula do Paço
__________________________________________________
[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.ª Adjunta: Paula do Paço.
[2] As presentes conclusões mantêm algumas das deficiências iniciais, designadamente mantêm a reprodução de partes do depoimento de uma das testemunhas, ainda que tal reprodução seja significativamente menor, o que denota uma incapacidade de compreensão, por parte do mandatário da Ré, do real significado do que sejam “conclusões”, sendo, porém, de valorar o esforço de síntese que, ainda assim, efetuou.
[3] No âmbito do processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[4] No âmbito do processo n.º 1572/12.2TBABT.E1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[5] No âmbito do processo n.º 283/08.8TBCHV-A.G1, consultável em www.dgsi.pt.
[6] No âmbito do processo n.º 219/11.9TVLSB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[7] No âmbito do processo n.º 306/12.6TTCVL.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[8] Publicado no BTE n.º 2/2020, de 15-01-2020.
[9] Ou seja, os pedidos para autorização de residência que tivessem dado entrada até 15-10-2020.
[10] Lei da Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros do Território Nacional.
[11] Art. 5.º, n.º 1, al. b), da Lei da Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros do Território Nacional.
[12] Neste sentido, veja-se o acórdão do TRL, proferido em 07-11-2007, no âmbito do processo n.º 6197/2007-4, consultável em www.dgsi.pt, que, apesar de se reportar a legislação diversa, o conteúdo sobre a exclusão dos cidadãos de nacionalidade brasileira às regras constantes do Código do Trabalho para cidadãos estrangeiros, é de aplicar igualmente à presente situação. [13] O que, como já esclarecemos supra, não é.