RECURSO PENAL
PORNOGRAFIA DE MENORES
DECISÃO CONDENATÓRIA
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
METADADOS
DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
NULIDADE
PROVA
MEDIDA DA PENA
IMPROCEDÊNCIA
Sumário


I- Estando o arguido a ser investigado por crime de pornografia de menores p. e p. no artigos 176.º, n.º1, alíneas b), c) e d) do CP, com a moldura abstrata de 1 ano a 5 anos de prisão, os elementos relativos à identificação do utilizador do IP podiam ser requeridos à operadora pela autoridade judiciária nos termos dos referidos arts. 187.º, n.º 1, al. a), 189.º, n.º 2, do CPP e do art. 14.º, da Lei n.º 109/2009, de 15.09.
II- Aliás, o que sucedeu foi o acesso à operadora para identificar o titular do contrato correspondente ao IP utilizado na prática do crime, o que não tem a ver com comunicação efetuada, nem se relaciona com a Lei 32/2008, de 17.07, mesmo que essa lei ou normas a ela pertencentes tivessem sido mal invocadas, entre as normas que eram aplicáveis ao caso, acima indicadas.
III- Portanto, os elementos de prova avaliados pelo Coletivo, que serviram para formar a sua convicção, observaram o formalismo legal, constituindo provas válidas e, por isso legais, sendo que o raciocínio feito pelo recorrente assenta em pressupostos errados, uma vez que neste caso concreto, a prova não foi recolhida por aplicação da Lei n.º 32/2008, de 17.07, designadamente, dos artigos que foram declarados inconstitucionais pelo acórdão do TC n.º 268/2022.
IV- Não se pode confundir, como o faz erradamente o recorrente, o momento da determinação da medida da pena, no qual se ponderam, além do mais, as circunstâncias favoráveis que tiverem sido apuradas, com as provas que serviram para formar a convicção do tribunal e, muito menos, com eventual nulidade de provas. Ou seja, o facto de se ter chegado ao momento da determinação da medida da pena, significa que já estava ultrapassado o momento da decisão de não haver nulidades de prova, o que nunca poderia ser considerado nesta fase (desde logo considerando as finalidades da determinação da pena) e muito menos podia ser atendido como uma circunstância favorável que levava à absolvição; assim como, havendo nulidade da prova, teria a mesma de ser declarada e não se chegava à fase da determinação da medida da pena.

Texto Integral




Proc. n.º 7035/20.5T9LSB.L1.S1

Recurso

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

I Relatório

1. No processo comum (tribunal coletivo) nº 7035/20.5T9LSB.L1.S1 do Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., da comarca de Lisboa Norte, por acórdão de 06.06.2022, após alteração da qualificação jurídica dos factos, observado o disposto no n.º 1 e 3 do artigo 358.º do CPP, foi decidido, além do mais, julgar procedente por provada a acusação e, em consequência, Por convolação fáctico-jurídica de 2 (dois) crimes de pornografia de menores, agravados, previstos e punidos pelos artigos 176.º, n.º1, alínea c), e 177.º, n.º 7, ambos do Código Penal (partilhas iniciais, nas datas de 09.11.2015 e 01.12.2015); 401 (quatrocentos e um) crimes de pornografia de menores, agravados previstos e punidos pelos artigos 176.º, n.º1, alínea d), e 177.º, n.º 7, ambos do Código Penal (número dos ficheiros possuídos); e 7816 (sete mil, oitocentos e dezasseis) crimes de pornografia de menores, agravados, previstos e punidos pelos artigos 176.º, n.º1, alínea d), e 177.º, n.º 7, ambos do Código Penal (número de ficheiros partilhados), condenar o arguido AA pela prática de 1 (um) crime de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigos 176.º, n.º1, alíneas c) e d), agravado pelo artigo 177.º, n.º 7, ambos do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão.

2. Desse acórdão interpôs recurso o arguido para o TRL mas, por decisão sumária de 28.12.2022, a Relação declarou-se incompetente, em razão da matéria, para dele conhecer, por o mesmo estar confinado, exclusivamente, a matéria de direito, sendo para o efeito competente o STJ, nos termos dos arts. 427.º e 432.º, n.º 1, al. c), do CPP, visto o acórdão de fixação de jurisprudência do STJ n.º 8/2007.

3. Assim, o arguido, no seu recurso, apresentou as seguintes conclusões:

I - O arguido vem recorrer do douto acórdão do tribunal a quo que o condena pela prática de 1 (um) crime de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 176º, nº 1, alíneas c) e d), agravado pelo artigo 177º, nº 7, ambos do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão, por não concordar com a decisão.

II - O arguido suscitou em audiência de julgamento, a questão prévia da nulidade da prova constante dos autos, com fundamento na declaração de inconstitucionalidade da norma constante do artigo 4º da Lei nº 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6º e o artigo 9º da mesma Lei, sendo que o tribunal a quo decidiu que, “Face ao exposto, a informação foi obtida com recurso a norma não atingida pela declaração de inconstitucionalidade constante do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 268/2022. Improcede, assim, a nulidade da prova, suscitada, em audiência, pelo arguido.”

III – O arguido não concorda com tal entendimento pelas razões que elencou e que apresenta resumidamente:

1. A prova recolhida nestes autos tem por base os chamados metadados, aqueles dados elencados no artigo 4º, nº 1 da Lei nº 32/2008, de 17 de julho, conjugado com o artigo 6º e 9º da mesma Lei, conforme se pode confirmar pela argumentação do tribunal a quo ao decidir pela improcedência da arguição da nulidade da prova.

2. Diz o tribunal a quo que “(…) Conforme resulta claramente de fl. 49 da certidão extraída do processo nº 260/16...., para o acesso à informação disponibilizada pela … foi invocado, além de outras normas, o disposto no artigo 14º da Lei nº 109/2009 (…)”

3. Ora, nada mais errado, porque todo o regime previsto na Lei nº 109/2009, de 15 de setembro (Lei do Cibercrime) encerra um regime geral, coadjuvado (por força do artigo 11º da própria Lei 109/2009) pela Lei nº 32/2008, de 17 de julho, aplicando esta última aos dados de base previstos no nº 1, do artigo 4º.

4. Foram estes dados que permitiram a identificação e subsequente condenação do arguido, ao contrário do que consta na decisão condenatória.

5. Porém, o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral:

a) Da norma constante do artigo 4º da Lei nº 32/2008, de 17 de julho, (vulgarmente designada por Lei dos Metadados), conjugada com o artigo 6º da mesma, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35º e do nº 1 do artigo 26º, em conjugação com o nº 2 do artigo 18º, todos da Constituição da República Portuguesa;

b) Da norma constante do artigo 9º da Lei nº 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a parir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações, nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no nº 1 do artigo 35º e do nº 1 do artigo 20º, em conjugação com o nº 2 do artigo 18 , todos da Constituição da República Portuguesa.

6. Daqui resulta que, o tribunal a quo interpretou erradamente a Lei nº 32/2008, de 17 de julho e a Lei nº 109/2009, de 15 de setembro, ao entender que, no caso dos presentes autos, a investigação e recolha de prova foram efetuadas com base no artigo 14º da Lei nº 109/2009, de 15 de setembro e não, designadamente nos artigos 4º, 6º e 9º da Lei nº 32/2008, de 17 de julho, conhecida como a Lei dos Metadados.

7. Sendo que os metadados são “dados de dados” sobre a vida de cada cidadão que utiliza a Internet, mormente a identificação do seu IP (Internet Protocol, na sigla inglesa) e que permite por essa via, a identificação da pessoa, nome, morada, morada de faturação, entre outras informações consideradas como dados de base, tráfego e localização, os quais permitem à investigação criminal identificar o potencial “suspeito”.

8. Ora, in casu foi o que aconteceu, de acordo com a previsão das normas constantes no artigo 4º, conjugado com o artigo 6º e 9º da Lei nº 32/2008, de 17 de julho.

9. Normas essas, que o Tribunal Constitucional declarou inconstitucionais no seu acórdão nº 268/2022, com força obrigatória geral, com eficácia erga omnes e, portanto, obrigando todas as entidades públicas e privadas, incluindo os tribunais a cumprir o que foi decidido.

10. Acresce que, neste acórdão nº 268/2022 o Tribunal Constitucional tentou conciliar o primado da legislação da União Europeia, conforme previsto no nº 4 do artigo 8º da Constituição da República Portuguesa.

11. O princípio do primado determina que em caso de conflito, os Estados devem aplicar a norma de direito da União Europeia e desaplicar a norma de direito nacional.

12. Foi este princípio reconhecido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), advogando pela necessidade de homogeneidade na aplicação do direito europeu e no facto de os Estados-Membros não poderem invocar o direito nacional para fundamentarem o incumprimento das suas obrigações europeias.

13. Nessa senda, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) mantém a orientação segundo a qual, o direito da União Europeia prevalece sobre o direito nacional.

14. E, como já se disse, a Constituição da República Portuguesa prevê que o direito da União Europeia se aplica em Portugal, incluindo o primado, nos termos declarados pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), conforme resulta do disposto no nº 4, do artigo 8º da Constituição da República Portuguesa.

15. Pelo que, a prova recolhida com base nas disposições do artigo 4º, conjugado com o artigo 6º e 9º da Lei nº 32/2008, de 17 de julho, as quais foram declaradas inconstitucionais pelo acórdão nº 268/2022 do Tribunal Constitucional por terem na sua génese a Diretiva 2006/24/CE, julgada inválida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no seu acórdão de 08 de abril de 2014 (Digital Rights Ireland Ldt versus Minister of Communications, Marine and Natural Resourses) ir contra os direitos ao respeito pela vida privada e familiar e à proteção de dados pessoais, consagrados nos artigos 7º e 8º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser nula e de nenhum efeito.

16. Mais, é o próprio Tribunal Constitucional que alega o seguinte: “(…) os efeitos da declaração de inconstitucionalidade são determinados pela Constituição e não pelo Tribunal Constitucional e reportam-se à data de entrada em vigor das normas”.

17. E, a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) na Deliberação nº 1008/2017, de 18 de julho, tem o mesmo entendimento.

IV - Assim e, salvo melhor opinião, num Estado de Direito Democrático, como é o nosso, todos devemos estar sujeitos ao escrutínio, incluindo as decisões dos tribunais, onde se inclui o Tribunal Constitucional, que não podem violar as normas do Direito da União Europeia.

1. Pelo que se entende, salvo o devido respeito, que, o douto tribunal a quo violou as normas constantes do nº 4 do artigo 8º, dos números 1 e 4 do artigo 35º, nº 1 do artigo 26º conjugado com o nº 2 do artigo 18º e o nº 1 do artigo 20º, e ainda os números 1 e 3 do artigo 282º, todos da Constituição da República Portuguesa, nos termos do vertido na decisão proferida pelo Tribunal Constitucional no seu acórdão nº 268/2022.

2. E, em consequência violou o douto tribunal a quo as normas constantes dos artigos 7º, 8º e nº 1 do artigo 52º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

3. Além destas normas, foram ainda violadas, no entendimento do arguido, o nº 8 do artigo 32º, respeitante às garantias do processo penal e ainda o nº 1 do artigo 29º, respeitante à aplicação da Lei criminal, ambos da Constituição da República Portuguesa.

4. Atentas as circunstâncias do processo, a pena aplicada ao arguido foi injusta por violar as normas atrás indicadas e consequentemente o douto acórdão proferido pelo tribunal a quo, deve ser revogado por outro que absolva o arguido do crime de que veio acusado, por falta de prova.

Termina pedindo que o presente recurso seja julgado procedente e, em consequência, seja revogado o acórdão impugnado, o qual deve ser substituído por decisão que absolva o arguido, com as legais consequências.

4. O Ministério Público respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões:

1. Por acórdão, datado de 06 de junho de 2022, o tribunal a quo condenou o arguido AA pela prática de 1 (um) crime de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 176.º, n.º 1, alíneas c) e d), agravado pelo artigo 177.º, n.º 7, ambos do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão.

2. Inexiste qualquer nulidade da prova com fundamento na declaração de inconstitucionalidade da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, e da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho.

3. Da prova produzida em audiência de julgamento resultaram provados os factos dados como tal.

4. A prova em que se alicerça a condenação sub judice foi obtida com recurso a norma não atingida pela declaração de inconstitucionalidade constante do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022.

5. A decisão recorrida não merece censura.

Termina pedindo que seja negado provimento ao recurso.

5. Já no STJ o Sr. PGA pronunciou-se pela improcedência do recurso (incluindo quanto à pena aplicada, desde logo por não se verificar a nulidade da prova invocada), concordando com a argumentação do MP junto do Tribunal da Relação, destacando, em resumo, que neste caso foi “na sequência de informação prestada por entidade policial de outro país, que logo referiu IP que havia procedido à partilha de ficheiros contendo imagens de abuso sexual de uma menor”, que “a identificação do utilizador foi efetuada pela PJ com recurso a ferramentas livremente acessíveis na internet e subsequente identificação do sujeito que utilizou o IP, identificação esta que foi fornecida pela operadora em obediência ao disposto no art. 14.º da Lei n.º 109/2009, de 15.9 («Lei do Cibercrime»), bem como ao disposto nos arts. 187.º, n.º 1, al. a) e 189.º, nºs. 1 e 2, do CPP”, normas essas que não foram declaradas inconstitucionais e que, perante o crime em investigação e pelo qual o recorrente veio a ser condenado (a saber, de pornografia de menores, p. e p. nos arts. 176.º, n.º 1, als. c) e d), agravado pelo art. 177.º, n.º 7, ambos do CP), eram aplicáveis, tanto mais que estava apenas em causa a identificação do titular do contrato correspondente ao IP utilizado na prática do crime, sendo que “em tudo o que se refere aos dados que serviram de base para a formação da convicção, foram cumpridas todas as normas processuais que preveem a obtenção e garantem o controle deste tipo de elementos de prova por parte das autoridades judiciárias competentes.”

6. Notificado do Parecer do Sr. PGA, o recorrente manifestou a sua discordância em relação ao mesmo, reafirmando que “para a identificação correta dos endereços de IP (Internet Protocol) é necessário o recurso aos dados de dados (metadados), ou seja, aqueles dados regulados pela Lei nº 32/2008, de 17 de julho, designadamente no seu artigo 4º, nº 1, conjugado com o artigo 6º e 9º da referida Lei”, voltando a reiterar tudo o que havia exposto no recurso, pugnando pela total procedência deste, com a sua consequente absolvição.

7. Sendo este STJ efetivamente competente para conhecer do recurso (arts. 432, n.º 1, al. c) e 434.º do CPP), no exame preliminar a Relatora ordenou que fossem cumpridos os vistos legais, tendo-se realizado depois a conferência e, dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

II Fundamentação

8. Decisão sobre a matéria de facto

Factos provados:

1. No dia 09/11/2015, pelas 00:21:29 (UTC), e no dia 01/12/2015, pelas 18:12:19 (UTC) o arguido, no interior da sua residência, sita na Rua ..., ..., através do seu computador e utilizando, para o efeito, o endereço de IP ...8, disponibilizou e partilhou através do programa de partilha '...', na rede ..., um ficheiro do tipo vídeo identificado pelo seu hash (assinatura digital - protocolo "...") ...a, o qual detinha e do qual havia efetuado o upload em data e hora não concretamente apurada.

2. No aludido ficheiro de vídeo com a designação '...', com o hash supra designado, com a duração de 17 minutos, visualiza-se uma menor de 12 anos de idade, acompanhada por um adulto do sexo masculino, desnudada com as cuecas na boca, deitada sobre uma cama a introduzir no interior do seu ânus um dedo, posteriormente visualiza-se um adulto a introduzir na boca da menor o seu pénis erecto, efetuando com o mesmo movimentos de vai e vem, posteriormente o adulto introduz o seu pénis erecto tanto no ânus como na vagina da menor aí efetuando movimentos de vai e vem, encontrando-se com o seu corpo ora por cima do da menor, ora por baixo. De seguida, o adulto do sexo masculino introduz, novamente, o seu pénis erecto, no interior da boca da menor, com o mesmo efetuando movimentos de vai e vem, até ejacular para o interior da boca da menor.

3. No dia 27/05/2021, pelas horas 07h, o arguido detinha no interior da sua residência, sita Rua ..., ...:

3.1.No hall de entrada:

- 1 (um) smartphone marca ASUS modelo ASUS_X008D, com o IMEI1: ...84 e IMEI2: ...92;

3.2. Na divisão utilizada como quarto do arguido:

- 1 (um) computador portátil, marca THOMSON, modelo PTNEO15C, e S/N: ...39, com respetivo cabo de alimentação;

- 1 (um) tablet, marca WOLDER, modelo miTab ONE 10;

- 1 (um) smartphone, marca NEFFOS TP-Link modelo TP703A, com o IMEI1: ...84 e IMEI2: ...86;

- 1 (um) smartphone, marca SAMSUNG, modelo Galaxy A12, com o IMEI1: ...25/50 e IMEI2: ...23/50, com PIN de desbloqueio 8503;

- 1 (um) smartphone, marca SAMSUNG, modelo Galaxy J3(2017), com o IMEI1: ...95/01 e IMEI2: ...97/01;

3.3. Na divisão utilizada como sala:

- 1 (um) disco rígido, marca SAMSUNG, com capacidade de 400GB, e S/N: ...;

- 1 (um) disco rígido, marca SEAGATE, com capacidade de 300GB, e S/N: ...;

- 1 (um) computador desktop, marca HP, modelo TPC-F124-MT, com respetivo cabo de alimentação;

- 1 (um) computador portátil, marca ACER, modelo ASPIRE 5741G, com o S/N ..., com respetivo cabo de alimentação;

- 1 (uma) PEN USB com capacidade de 16GB, com a inscrição "...", cor preta;

- 1 (uma) PEN USB, com capacidade de 16GB, marca EMTEC, cor amarela;

- 1 (uma) PEN USB com capacidade de 32GB, marca TOSHIBA, cor branca;

- 1 (um) SD CARD com capacidade de 8GB, marca SANDISK;

- 1 (um) SD CARD com capacidade de 1GB marca ULTIMA;

3.4.Na divisão utilizada como quarto de arrumos:

- 1 (um) smartphone, marca WIKO modelo U FEEL, com o IMEI1: ...80 e IMEI2: ...83;

- 1 (um) smartphone marca WIKO modelo U PULSE, com o IMEI1: ...24 e IMEI2: ...29.

4. No interior do computador portátil da marca THOMSON, o arguido detinha armazenados e disponíveis para serem partilhados, 3 (três) ficheiros de vídeo com conteúdos de abusos sexuais de crianças, os quais foram partilhados 40 (quarenta vezes) num total de ...14 bytes (227.62 Megabytes), ficheiros estes que o arguido partilhou, pela última vez, no dia 26/05/2021.

5. No ficheiro com a designação '...' (ficheiro partilhado 35 (trinta e cinco) vezes), visualiza-se uma menor de 12 anos de idade e um adulto do sexo masculino, desnudados, deitados sobre uma cama, encontrando-se o adulto do sexo masculino sobre o corpo da menor a introduzir o seu pénis erecto tanto no interior da vagina como no ânus daquela, efetuando movimentos de vai e vem até ejacular;

6. No ficheiro com a designação '... [ficheiro partilhado 1 (uma) vez], visualiza-se uma menor de 12 anos de idade que se encontra desnudada, sentada na borda de uma banheira, manipulando com os dedos, a sua vagina e clitóris, visualiza-se a mesma menor deitada sobre uma cama e um adulto do sexo masculino sobre o corpo da menor a introduzir o seu pénis erecto, tanto no interior da vagina, como no ânus daquela, efetuando movimentos de vai e vem, visualiza-se a mesma menor de joelhos sobre a cama e um adulto do sexo masculino, a introduzir o seu pénis erecto, no ânus da menor, efectuando movimentos de vai e vem, enquanto a menor introduz na sua boca o pénis erecto de outro adulto do sexo masculino, efectuando movimentos de vai e vem com a boca; visualiza-se, também, um dos adultos do sexo masculino, a introduzir o seu pénis erecto no interior da boca da menor, efectuando movimentos de vai e vem até ejacular para o interior da boca da menor;

7. No ficheiro com a designação '... [ficheiro partilhado 4 (quatro) vezes] visualiza-se uma menor de 12 anos de idade e um adulto do sexo masculino, encontrando-se a menor apenas com uma blusa vestida, no interior de um quarto, encontrando-se o adulto do sexo masculino sobre o corpo da menor a introduzir o seu pénis erecto, tanto no interior da vagina, como no ânus daquela, efetuando movimentos de vai e vem até ejacular.

8. No computador portátil ACER foram encontrados 10 (dez) ficheiros multimédia com conteúdos de pornografia de menores, que no total foram partilhados 2726 (duas mil setecentas e vinte e seis) vezes, no eMule, num total de 12733548209 bytes (11.859 Gigabytes), ficheiros estes que o arguido partilhou pela última vez, no dia 24.05.2021.

9. Nestes ficheiros, visualizam-se, por amostragem, designadamente:

- Um adulto do sexo masculino a introduzirem na vagina e ânus de uma menor de 14 anos, o seu pénis erecto, aí efetuando movimentos de vai e vem até ejacular e introduzir o mesmo na boca da menor, aí o friccionando, e a menor a friccionar o pénis erecto com as mãos;

- Um adulto do sexo masculino a introduzir na vagina de uma menor de 11 anos, o seu pénis erecto, aí efetuando movimentos de vai e vem até ejacular e introduzir o mesmo na boca da menor, aí o friccionando, enquanto ambos se encontravam sobre uma cama;

- Menores de 14 anos, do sexo feminino, desnudadas, com as pernas abertas exibindo para a câmara, tanto a vagina como o ânus, a lamberem as vaginas, seios e ânus umas das outras;

- Uma menor de 13 anos de idade no interior de uma banheira com dois adultos do sexo masculino, e estes a introduzirem os seus pénis erectos no interior da vagina e do ânus da menor e a manipularem os seios e a vagina daquela, e posteriormente deitados sobre uma cama e os adultos a introduzirem os seus pénis erectos no interior da vagina e do ânus da menor, aí os friccionando, até ejacularem;

- Menores de 16 e 14 anos, exibindo o seu corpo para a câmara e a introduzirem os seus dedos no interior tanto das suas vaginas como do ânus, assim como objetos;

- Vários adultos do sexo masculino a introduzirem os seus pénis erectos, na boca, vagina e ânus de menores de 14 anos, aí efetuando movimentos de vai e vem até ejacularem;

- Um adulto do sexo masculino a introduzir o seu pénis erecto no interior da vagina e do ânus de uma menor de 13 anos, efetuando movimentos de vai e vem até ejacular.

10. Nesse computador – referido no ponto 8 -, o arguido tinha montado um disco rígido, que se encontrava dividido em três partições e instalado no aludido computador, o software Oracle VM VirtualBox 6.1.22, programa disponível para vários sistemas Operativos (Windows, Mac OS, Linux e outros associados), o qual permite a instalação e utilização de um sistema operacional dentro de outro, assim como dos seus respetivos softwares, como dois ou mais computadores independentes, mas compartilhando fisicamente o mesmo hardware (embora a máquina necessite do sistema real para iniciar, trabalha de maneira independente como se fosse outro computador) (Apenso A - Fls.28 e 29).

11. No aludido computador, o arguido utilizava programas de partilha P2P como o eMule e o uTorrent, os quais não se encontravam instalados no mesmo, sendo a versão do programa utilizada - ... - uma versão portable, a qual não necessita de ser instalada no sistema operativo para correr no mesmo.

12. No computador DESKTOP HP foram encontrados mais de 200 (duzentos) ficheiros multimédia com conteúdos de pornografia de menores, dos quais, pelo menos 150 (cento e cinquenta) deles foram partilhados mais de 4931 (quatro mil novecentos e trinta e uma) vezes, no eMule, ficheiros estes que o arguido partilhou pela última vez no dia 16.05.2021.

13. Tais ficheiros têm as seguintes designações:

-...;

-(...;

-...;

- (...;

- (...

-...;

- ...

- ... ;

- ...;

- ...;

14. Em tais ficheiros visualizam-se:

- No ficheiro com a designação, ..., visualiza-se um adulto do sexo masculino deitado sobre uma cama e sobre uma menor de 10 anos de idade, a introduzir o seu pénis erecto no interior da vagina daquela, efetuando movimentos de vai e vem, depois visualiza-se um adulto do sexo masculino a introduzir o seu pénis erecto no interior da boca de uma menor de 10 anos de idade e a introduzir o seu pénis erecto no interior da vagina daquela, efetuando movimentos de vai e vem, até ejacular.

- No ficheiro com a designação ..., visualizam-se adultos do sexo masculino a introduzir os seus pénis erectos no interior do ânus e da vagina de menores de 10 anos de idade, efetuando movimentos de vai e vem, até ejacular.

- No ficheiro com a designação (..., visualiza-se uma menor de 8 anos de idade a introduzir na sua boca um pénis erecto de um adulto do sexo masculino e a efetuar com a boca movimentos de vai e vem, a seguir visualizam-se ambos deitados sobre uma cama e o adulto a manipular com as mãos a vagina e o clítoris da menor, a introduzir na vagina daquela um objeto não identificado e os dedos, a introduzir no interior do ânus e da vagina o seu pénis erecto e a abrir a vagina da menor com os dedos.

- No ficheiro com a designação ..., visualizam-se dois menores, um do sexo masculino e outro do sexo feminino, encontrando-se esta a introduzir na sua boca o pénis erecto do menor e a efetuar movimentos de vai e vem.

- No ficheiro com a designação ..., visualizam-se duas crianças menores de 10 anos a manipularem os seus órgãos genitais e a manipularem a vagina e o ânus uma da outra, crianças a introduzirem no interior da sua boca o pénis erecto de um adulto efetuando movimentos de vai e vem, adultos do sexo masculino a introduzir os seus pénis erecto no interior do ânus e da vagina de menores de 10 anos de idade, efetuando movimentos de vai e vem, até ejacular.

- No ficheiro com a designação ..., visualiza-se uma compilação de vídeos, nos quais existem várias menores a manipularem as suas vaginas e a introduzirem das mesmas, objetos, a posarem com os órgãos sexuais à mostra para as câmaras e a despirem-se para a câmara.

- No ficheiro com a designação ..., visualiza-se uma menor de 14 anos de idade que se vai despindo para a câmara e que introduz no interior da vagina vários objetos e manipula o clitóris e os seios.

- No ficheiro com a designação ..., visualiza-se uma menor de 12 anos de idade que se vai despindo para a câmara e que manipula o clitóris e os seios.

- No ficheiro com a designação ..., visualiza-se um adulto do sexo masculino a lamber a vagina de uma menor de 10 anos de idade e a introduzir o seu pénis erecto no interior da sua vagina e ânus, aí efetuando movimentos de vai e vem até ejacular, visualiza-se um adulto do sexo feminino a beijar a boca de uma menor de 10 anos de idade e a lamber a vagina e ânus da menor e a manipular-se com os dedos o clítoris, uma menor desnudada sentada no chão e sentada em cima de uma bicicleta.

15. O arguido partilhou tais ficheiros de vídeo, em datas não concretamente apuradas, entre os anos de 2015 e 2021, pelo menos 2766 (duas mil, setecentas e sessenta e seis) vezes com outros utilizadores das mesmas redes P2P, tendo-o feito, pela última vez, no dia 26/05/2021.

16. No disco rígido SEAGATE foram encontrados 34 (trinta e quatro) ficheiros multimédia com conteúdo de abusos sexuais de crianças, sendo que os conteúdos armazenados no dispositivo apresentam datas do ano de 2010.

17. Nestes ficheiros, visualizam-se, por amostragem, designadamente:

- Adultos do sexo masculino a introduzirem na boca de menores de 10, 12 e 14 anos, os seus pénis erectos, aí efetuando movimentos de vai e vem até ejacularem e a lamberem com a boca as vaginas e ânus das menores e a manipularem tanto as vaginas como o ânus daquelas, tanto com as mãos como com objetos, nomeadamente com uma chave de fendas;

- Adultos do sexo masculino a introduzirem os seus pénis erectos, na vagina e ânus de menores de 14 anos, aí efetuando movimentos de vai e vem até ejacularem;

- Adultos do sexo masculino a introduzirem os seus pénis erectos no interior da boca de menores de 14 anos de idade, aí os friccionando;

- Menores de 14 anos, do sexo feminino, desnudadas, com as pernas abertas exibindo para a câmara, tanto a vagina como o ânus, a lamberem as vaginas, seios e ânus umas das outras;

- Menores de idade a manterem relações sexuais entre si;

- Uma menor de 13 anos de idade no interior de uma banheira com dois adultos do sexo masculino, e estes a introduzirem os seus pénis erectos no interior da vagina e do ânus da menor e a manipularem os seios e a vagina daquela, e posteriormente deitados sobre uma cama e os adultos a introduzirem os seus pénis erectos no interior da vagina e do ânus da menor, aí os friccionando, até ejacularem;

- Menores de 16 e 14 anos, exibindo o seu corpo para a câmara e a introduzirem os seus dedos no interior tanto das suas vaginas como do ânus, assim como objetos;

- Menores de 14 anos a introduzirem os dedos nas vaginas umas das outras, efetuando movimentos de vai e vem e a lamberem os seios umas das outras;

- Uma menor de 14 anos de idade deitada sobre um cadeirão com os braços e as pernas atadas com cordas e um adulto do sexo masculino a introduzir o seu pénis erecto no interior da vagina e no ânus da menor, aí o friccionado e efetuando movimentos de vai e vem até ejacular.

18. No interior do telemóvel da marca Samsung J3, o arguido tinha armazenados, na galeria de imagens guardadas, um número não concretamente apurado de ficheiros de imagem de jovens do sexo feminino, menores de 18 anos de idade, que aquele retirava da internet, de perfis de facebook ou de instagram, relativas a ficheiros datados entre 19.05.2021 e 21.08.2018.

19. No interior do telemóvel da marca Samsung Galaxy A12, o arguido tinha armazenados, na galeria de imagens guardadas, um número não concretamente apurado de ficheiros de imagem de jovens do sexo feminino, menores de 18 anos de idade que aquele retirava da internet, de perfis de facebook ou de instagram.

20. Em todos os telemóveis que lhe foram apreendidos, o arguido tinha instalada a rede social 'Instagram', com o perfil 'BB', apresentando como fotografia de perfil a de um jovem, cuja identidade se desconhece, mas que não corresponde à fisionomia do arguido.

21. O arguido tinha instalado nos três computadores que lhe foram apreendidos, o programa 'eMule' e o programa 'uTorrent' que utiliza a rede P2P (peer-to-peer), a qual permite efetuar o upload de ficheiros e ao mesmo tempo partilhar/difundir com outros utilizadores diversos ficheiros, tendo o mesmo sido aberto, pelo arguido, pela última vez, no dia 26.05.2021.

22. Esta aplicação - P2P- Emule -produz automaticamente um ficheiro, com a designação "known.met" que armazena as estatísticas de descargas e partilhas efetuadas pelo utilizador e que permite identificar as designações dos ficheiros partilhados e descarregados, o número de vezes que o ficheiro foi partilhado, o volume de informação partilhado, a data/hora da última partilha e dados estatísticos de utilização do programa eMule.

23. O arguido efetuava pesquisas através dos programas com designações compatíveis com ficheiros contendo abusos sexuais de menores/ pornografia de menores, nomeadamente "...", "..." e "...".

24. O arguido detinha um elevado número de ficheiros descarregados, segundo o ficheiro de estatísticas do eMule, não tendo sido possível localizar esses ficheiros armazenados nos dispositivos apreendidos, podendo os mesmos estarem guardados em máquinas virtuais e/ou volumes encriptados.

25. Nos mesmos computadores o arguido detinha 401 (quatrocentos e um) ficheiros de pornografia de menores. Destes 401 (quatrocentos e um) foram partilhados 207 (duzentos e sete) ficheiros de pornografia de menores maioritariamente com vítimas de idade inferior a 14 anos, através do programa eMule, sendo que 24 (vinte e quatro) destes 207 (duzentos e sete) ficheiros foram partilhados 7633 (sete mil seiscentas e trinta e três) vezes, com outros utilizadores das mesmas redes P2P, tendo as últimas partilhas ocorrido entre 16 e 26 de Maio de 2021.

26. O arguido sabia que os ficheiros de vídeo acima descritos, que detinha nos aludidos dispositivos de armazenamento, continham abusos sexuais cometidos contra crianças menores de 10, 12, 14 e 16 anos de idade.

27. Não obstante, quis guardá-los e partilhá-los, como fez, por um grupo não determinado de pessoas, colocando os mesmos à disposição para upload, a fim de assim satisfazer a sua líbido e os seus instintos sexuais, o que conseguiu.

28. O arguido quis ainda deter no seu computador programas de navegação anónima na internet e programas de partilha de dados (peer to peer/eMule), o que lhe permitiu aceder, guardar e partilhar os aludidos ficheiros de vídeo e de imagem contendo abusos sexuais de menores, o que aconteceu, dessa forma satisfazendo a sua líbido.

29. Além disso, tinha ainda conhecimento que estes programas de partilha, têm milhões de acessos e utilizadores, e que todos os ficheiros que ali se partilham eram visualizados e difundidos por centenas de pessoas, assim conduzindo à sua difusão por um número não concretamente apurado de pessoas, o que, igualmente, quis e conseguiu.

30. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

31. Nada consta do certificado de registo criminal referente ao arguido.

Das condições sócio-económicas referentes ao arguido

32. O processo de desenvolvimento do arguido AA, filho único, decorreu junto dos progenitores e foi pautado pela afectividade. A dinâmica familiar foi descrita como isenta de problemáticas com relevo, sendo a comunicação entre os seus elementos pouco aberta, sobretudo no que diz respeito a assuntos mais íntimos ou do foro pessoal e que envolvam emoções mais intensas ou dor. O agregado contava com o rendimento dos progenitores, ambos operários fabris.

33. Concluiu o 9º ano de escolaridade, tendo prosseguido o seu percurso escolar até à frequência do 11º ano, contudo a falta de uma disciplina do 10º ano, levou a que o mesmo decidisse abandonar os estudos, para iniciar a sua actividade profissional.

34. Ingressou, então, na empresa G..., onde trabalhava também o progenitor, como operário fabril. Nesta actividade profissional, manteve-se até ao encerramento da fábrica, cerca de dez anos depois do seu ingresso na mesma.

35. Posteriormente, adquiriu habilitação profissional e passou a desempenhar a função de motorista de veículos pesados de mercadorias, em diversas empresas.

36. Ao nível dos relacionamentos, manteve uma relação de namoro durante sete anos, vindo a casar aos vinte e três anos. Na sequência de um relacionamento extraconjugal por parte do cônjuge, o casal separou-se cerca de três anos depois, ficando o arguido numa situação emocional algo fragilizada e depressiva e que o levou a um maior isolamento social, sem, contudo, recorrer a qualquer apoio especializado.

37. Mais tarde, estabeleceu outro relacionamento conjugal com uma cidadã de nacionalidade ..., tendo o casal se separado há cerca de quatro anos.

38. À data da privação da liberdade, o arguido AA vivia sozinho - situação que se mantinha há cerca de quatro anos -, num apartamento tipologia ..., adquirido com recurso a empréstimo bancário, e pelo qual pagava a prestação para amortização no valor de €160 por mês. A prestação bancária, na actualidade, é paga pelo progenitor do arguido, devido à privação de liberdade deste.

39. Os seus relacionamentos sociais eram, para além dos inerentes à sua actividade profissional, essencialmente com os progenitores, a casa de quem se deslocava todos os dias.

40. É considerado um indivíduo trabalhador e reservado. Ocupava a maior parte do tempo livre, na sua habitação ou na habitação dos progenitores.

41. No plano laboral, o arguido trabalhava na empresa B..., de distribuição de produtos alimentares, há aproximadamente oito anos. Auferia um vencimento mensal de aproximadamente €1200, devido ao número de horas de trabalho, uma vez que se disponibilizava para a realização de horas extraordinárias, trabalhando das 6h às 21horas.

42. No presente, desconhece se poderá retomar o seu posto de trabalho.

43. O arguido prestava apoio aos progenitores, já idosos e reformados, e que se viram confrontados com a prisão do filho, o que lhes causa sofrimento e ansiedade e teve repercussões ao nível da saúde dos mesmos.

44. No estabelecimento prisional tem mantido um comportamento adequado às normas e recebe a visita regular do progenitor que lhe presta apoio afectivo e logístico. Por motivos de saúde, a progenitora não se desloca ao estabelecimento prisional.

Factos não provados

Dos factos constantes da acusação e com interesse para a decisão, não se provou qualquer outro para além dos acima descritos.

Fundamentação da decisão da matéria de facto

Para formar a convicção do tribunal, foram relevantes os seguintes meios de prova os quais foram apreciados de forma crítica e concatenada, de acordo com os critérios estabelecidos pelo artigo 127º do Código de Processo Penal:

_ o depoimento prestado pela testemunha CC - Inspector da Polícia Judiciária a exercer funções, há 12 anos, na Unidade Nacional Contra o Cibercrime;

_ a certidão extraída do processo nº 260/16.... e junta a fls.3 a 310 [a certidão integra a comunicação realizada pelas autoridades alemãs, através do Gabinete Interpol, dando conta da partilha de ficheiro com conteúdos de pornografia de menores através da rede "..." – fls. 5 e 6 -, a lista dos endereços IP's pertencentes a ISP portugueses que partilharam o ficheiro; cópia de conteúdo do ficheiro; impressão junta a fls. 22 a25 do resultado da pesquisa efectuada – “com recurso a ferramentas livremente disponíveis na internet” - aos endereços P constantes da lista de fl. 5;

- informação prestada pela …, junta a fls. 56, 63 e 64, com a identificação dos clientes de tais endereços de IP através dos quais foram efectuadas as partilhas do ficheiro em causa; o assento de nascimento do arguido, junto a fls. 71; e a informação prestada pela Segurança Social referente ao arguido, junta a fls. 77];

_ extracto de remunerações auferidas pelo arguido, disponibilizadas pela Segurança Social - fls. 315 e seguintes;

_ auto de busca e apreensão – fl. 356 e 357;

_ auto de diligência de fl. 359 e reportagem fotográfica de fls. 360 a 367;

_ auto de notícia de fls. 368 e seguintes;

_ auto de fls. 471;

_ relatório pericial junto a fl. 472 e 473;

_ auto de visualização e análise de conteúdo – fls. 477 a 492;

_ autos de exame informático forense aos equipamentos apreendidos, constante do Apenso A;

_ relatório de análise e investigação de conteúdos multimédia, constante do Apenso B;

_ auto de cópia forense aos telemóveis marca Samsung, apreendidos ao arguido, constante do Apenso C;

_ relatório de exame pericial, constante do Apenso D.

_ relatório social elaborado pela DGRSP e junto em 24 de Maio de 2022;

_ certificado de registo criminal, referente ao arguido e junto a fl.550.

Questão prévia: da nulidade da prova obtida

Por Acórdão nº 268/2022, de 3 de Junho, publicado no Diário da República n.º 108/2022, Série I, de 2022-06-03, foi declarada “a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei; declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros”.

Em audiência, foi suscitada, pelo arguido, a nulidade da prova com fundamento na declaração de inconstitucionalidade da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei; e da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho.

Cumpre apreciar e decidir.

Os presentes autos tiveram origem numa informação fornecida pelas autoridades alemãs, através do Gabinete Interpol, dando conta da divulgação de conteúdos de pornografia de menores através da rede "...". Da análise do ficheiro partilhado, por usuários da internet, verificou-se que do mesmo constam imagens de abuso sexual de uma criança do sexo feminino, perpetrado por adulto. Pelas autoridades alemãs foram identificados vários endereços IP's que procederam à partilha e divulgação deste vídeo, IP's esses pertencentes a ISP's portugueses.

Com “recurso a ferramentas livremente disponíveis na Internet” – fl. 22 -, pela Polícia Judiciária foi efectuada pesquisa aos endereços IP constantes da listagem – fl. 5 - fornecida pelas autoridades alemãs. Essa pesquisa permitiu estabelecer a conexão entre os endereços IP constantes da lista de fls. 5 e as operadoras portuguesas. A diligência subsequente consistiu em solicitar às operadoras a identificação do utilizador de cada endereço IP, no grupo data/hora; a morada de instalação do equipamento; a morada da facturação e a descrição dos serviços contratados e dos equipamentos fornecidos para tal efeito. Nessa sequência, pela operadora ... foi disponibilizada a informação constante de fls. 63: identificação do sujeito que utilizou o IP, nos momentos indicados e a respectiva morada.

A informação obtida respeita à identificação do titular do contrato de prestação do serviço e da respectiva morada.

Conforme resulta claramente de fl. 49 da certidão extraída do processo nº 260/16...., para o acesso à informação disponibilizada pela … foi invocado, além de outras normas, o disposto no artigo 14º da Lei 109/2009.

Nos termos do artigo 14º da Lei nº 109/2009:

“1_ Se no decurso do processo se tornar necessário à produção de prova, tendo em vista a descoberta da verdade, obter dados informáticos específicos e determinados, armazenados num determinado sistema informático, a autoridade judiciária competente ordena a quem tenha disponibilidade ou controlo desses dados que os comunique ao processo ou que permita o acesso aos mesmos, sob pena de punição por desobediência.

2 - A ordem referida no número anterior identifica os dados em causa.

3 - Em cumprimento da ordem descrita nos n.os 1 e 2, quem tenha disponibilidade ou controlo desses dados comunica esses dados à autoridade judiciária competente ou permite, sob pena de punição por desobediência, o acesso ao sistema informático onde os mesmos estão armazenados.

4 - O disposto no presente artigo é aplicável a fornecedores de serviço, a quem pode ser ordenado que comuniquem ao processo dados relativos aos seus clientes ou assinantes, neles se incluindo qualquer informação diferente dos dados relativos ao tráfego ou ao conteúdo, contida sob a forma de dados informáticos ou sob qualquer outra forma, detida pelo fornecedor de serviços, e que permita determinar:

a) O tipo de serviço de comunicação utilizado, as medidas técnicas tomadas a esse respeito e o período de serviço;

b) A identidade, a morada postal ou geográfica e o número de telefone do assinante, e qualquer outro número de acesso, os dados respeitantes à facturação e ao pagamento, disponíveis com base num contrato ou acordo de serviços; ou

c) Qualquer outra informação sobre a localização do equipamento de comunicação, disponível com base num contrato ou acordo de serviços…”.

Face ao exposto, a informação foi obtida com recurso a norma não atingida pela declaração de inconstitucionalidade constante do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 268/2022.

Improcede, assim, a nulidade da prova, suscitada, em audiência, pelo arguido.

Importa, então, analisar, de forma crítica e concatenada, a prova produzida.

O tribunal formou a sua convicção na análise crítica e conjugada de todos os elementos probatórios, tendo como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica (Maia Gonçalves, "Código de Processo Penal Anotado" 13ª Ed., 2002, pág. 341, com citações de A. dos Reis, Cavaleiro de Ferreira, Eduardo Correia e Marques Ferreira).

O arguido não prestou declarações, em audiência de julgamento.

Foi inquirida a testemunha CC, Inspector da Polícia Judiciária cujo conhecimento dos factos sobre os quais depôs advém do acompanhamento da investigação no âmbito destes autos e do processo nº 260/16.... e do qual foi extraída a certidão que se encontra junta a fls.3 a 310.

Dos elementos constantes dos autos resulta que - certidão extraída do processo nº 260/16.... e junta a fls.3 a 310 – pelas autoridades alemãs, através do Gabinete Interpol, foi comunicada a partilha de ficheiro com conteúdos de pornografia de menores através da rede "..." – fls. 5 e 6 -, bem como cópia do conteúdo do ficheiro. Da informação prestada pelas autoridades alemãs consta a identificação de vários endereços IP's que procederam à partilha e divulgação desse ficheiro, pertencentes a ISP's portugueses (lista dos endereços IP's pertencentes a ISP portugueses integra a certidão).

Efectuada a pesquisa - fls. 22 a 25 - “com recurso a ferramentas livremente disponíveis na internet” - aos endereços de IP através dos quais foram efectuadas as partilhas do ficheiro em causa, foi obtida a informação constante de fls. 5.

Com os elementos constantes da lista de fl. 5, foi solicitado às operadoras a identificação dos clientes de tais endereços de IP.

Pela operadora ... foi prestada a informação que se encontra junta a fls. 56, 63 e 64, constando dessa informação o nome do arguido.

Obtida a identificação do arguido, utilizador de endereço de IP através do qual foi efectuada a partilha do ficheiro em causa, foi realizada a busca na sua residência.

O conhecimento da testemunha DD, por força da intervenção concreta na investigação, permitiu-lhe explicar, ao tribunal, as diligências efectuadas a partir da aquisição da notícia do crime e as informações obtidas. Explicou, ainda, a forma de funcionamento dos programas em causa que permitem a descarga e a partilha dos ficheiros e, em concreto, do material usado pelo arguido e programas e ficheiros que detinha. Decorre do seu depoimento que o programa de partilha '...', assenta na descarga e partilha, o que se encontra vertido nos “termos e condições”, aceites por quem o utiliza. Esclareceu, ainda, que, no momento em que o utilizador desse programa executa a operação de download de um ficheiro, surge graficamente, no monitor, a informação quanto às operações de descarga e de partilha e quanto à velocidade a que se encontra a ser efectuada a descarga. Consequentemente, não podia deixar de conhecer a partilha de ficheiros automática quando é efectuado o download.

No que respeita ao ponto 2 da matéria de facto considerada provada, foi ainda tomado em consideração o ficheiro cuja cópia consta da certidão extraída do processo nº 260/16.... e junta a fls.3 a 310.

No que tange ao material informático detido pelo arguido e respectivo conteúdo, assumiu particular relevância o auto de busca e apreensão de fls. 356 e 357 e quanto ao conteúdo dos ficheiros, o relatório de exame pericial, constante do Apenso D; o relatório pericial junto a fl. 472 e 473; o auto de visualização e análise de conteúdo junto a fls. 477 a 492; os autos de exame informático forense aos equipamentos apreendidos, constante do Apenso A; o relatório de análise e investigação de conteúdos multimédia, constante do Apenso B; e o auto de cópia forense aos telemóveis marca Samsung, apreendidos ao arguido, constante do Apenso C;

Na formação da convicção do tribunal assumiu particular relevância o apenso A (fls. 2 a 18) e fls. 483 do processo principal, relativamente aos pontos 4 a 7 da matéria de facto considerada demonstrada; fls. 19 a 42 do apenso A e fls. 483, relativamente aos pontos 8 e 9 da matéria de facto considerada demonstrada; fls. 43 a 69 do apenso A e auto de visualização e análise de conteúdos de fls. 477 dos autos principais, relativamente aos pontos 11 a 16 da matéria de facto considerada demonstrada; fls. 70 a 106 do apenso A, relativamente aos pontos 16 e 17 da matéria de facto considerada demonstrada; fls. 117 a 121, relativamente ao ponto 19 da matéria de facto considerada demonstrada; e apenso C e fls. 109 a 112 do apenso A, relativamente ao ponto 19 da matéria de facto considerada demonstrada.

“Dado que o dolo pertence à vida interior de cada um e é, portanto de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só é possível captar a existência através de factos materiais comuns, de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge, com maior representação, o preenchimento dos elementos integrantes da infracção. Pode, de facto, comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral da experiência” (Ac. Do Tribunal da Relação do Porto de 23.02.1983, BMJ, n.º 324, pág. 620).

A estrutura do dolo envolve duas vertentes: o elemento intelectual que consiste no conhecimento pelo agente de todos os elementos ou circunstâncias que integram o tipo legal; e o elemento volitivo no qual se inclui a vontade de adoptar a conduta, o querer adoptar a conduta, não obstante aquele conhecimento, mesmo tendo previsto o resultado criminoso como consequência necessária ou como consequência possível dessa conduta.

No que respeita aos factos atinentes ao elemento subjectivo e à consciência da ilicitude, tal foi apurado pela conjugação da prova produzida entre si e com as regras de experiência comum e da vida. Da ponderação de toda a prova referida e, principalmente atendendo à forma e contexto em que surgem os factos, resulta demonstrado, sem qualquer dúvida, o conhecimento e a concreta intenção do arguido, nos moldes vertidos na matéria de facto provada.

Para qualquer homem médio, os actos sexuais que envolvam menores são repugnantes e são proibidos. A proibição e censura de tais comportamentos prende-se com os mais elementares princípios e regras da ética, da educação e da moral. Para se descarregar esse tipo de ficheiros e visualizá-los é porque existem crianças que foram abusadas e filmadas, comportamentos que, para qualquer pessoa, são proibidos. À data dos factos, o arguido era já adulto e encontrava-se inserido socialmente.

Face ao exposto, encontra-se demonstrado o conhecimento da ilicitude da sua conduta.

No que concerne aos antecedentes criminais, foi determinante o certificado de registo criminal junto aos autos, resultando a convicção do tribunal relativamente à situação pessoal, social e económica do arguido das declarações prestadas pelo mesmo em complemento do relatório social, junto aos autos.

Direito

9. Como sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação que apresentou (art. 412.º, n.º 1, do CPP).

As questões que o arguido/recorrente coloca no recurso são as seguintes:

1.º - nulidade da prova (questão prévia suscitada pelo arguido, em audiência de julgamento, indeferida no acórdão recorrido, mas que, na sua perspetiva, foi decidida de forma errada, por o tribunal a quo ter interpretado erradamente a Lei nº 32/2008, de 17 de julho e a Lei nº 109/2009, de 15 de setembro, ao entender que a investigação e recolha de prova foram efetuadas com base no artigo 14º da Lei nº 109/2009, de 15 de setembro e não, designadamente nos artigos 4º, 6º e 9º da Lei nº 32/2008, de 17 de julho, conhecida como a Lei dos Metadados, aplicáveis ao caso);

2.º - medida da pena (na perspetiva do recorrente o tribunal a quo não ponderou as circunstâncias favoráveis ao recorrente na determinação da medida da pena, nomeadamente, a nulidade da prova, assim violando o disposto nos arts. 32.º, n.º 8 e 29.º, n.º 3, da CRP, pelo que deve ser revogado o acórdão recorrido e substituído por outro que o absolva).

Vejamos então.

10. 1ª questão (nulidade da prova)

Como acima foi referido, a 1ª questão colocada pelo recorrente prende-se com a alegação da nulidade da prova constante dos autos por, na sua perspetiva, assentar nos chamados “metadados”, tendo sido recolhida com base nos artigos 4º, 6º e 9º da Lei nº 32/2008, de 17 de julho, que foram declarados inconstitucionais no acórdão do TC n.º 268/2022, com força obrigatória geral, para todos os casos, o que também inclui o presente processo.

A argumentação do recorrente é meramente teórica e, não tem em atenção o caso concreto destes autos, particularmente a forma como efetivamente a prova foi aqui recolhida.

É certo que, no citado Acórdão nº 268/2022, de 19.04.2022, o Tribunal Constitucional (TC) decidiu:

a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos n.ºs 1e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição;

b) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição.

Como sabido, a Lei n.º 32/2008, de 17.07, “Transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações.”

Genericamente as normas da Lei n.º 32/2008, de 17.07, que o Tribunal Constitucional declarou inconstitucionais, pelos motivos que indicou no acórdão n.º 268/2022, relacionam-se com o armazenamento de dados em arquivos, durante o período de um ano, pelos fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de uma rede pública de comunicações.

Como se refere no mesmo ac. do TC n.º 268/2022 “os dados referidos no artigo 4.º não abrangem o conteúdo das comunicações, dizendo respeito somente às suas circunstâncias – razão pela qual são usualmente designados por metadados (ou dados sobre dados) – cf. Acórdãos n.ºs 403/2015 e 420/2017: (…) A este propósito, o Tribunal Constitucional acolheu, desde o Acórdão n.º 241/2002, de 29/05/2002, uma classificação tripartida (louvando-se, então, nos Pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n.º 16/94, votado em 24/06/94, na base de dados da DGSI, n.º 16/94 – complementar, votado em 2/05/1996, in Pareceres, vol. VI, págs. 535 a 573, e n.º 21/2000, de 16/06/2000, no Diário da República – II Série, de 28/08/2000) dos dados resultantes do serviço de telecomunicações. Ali se distinguiram: ‘(…) os dados relativos à conexão à rede, ditos dados de base; os dados funcionais necessários ao estabelecimento de uma ligação ou comunicação e os dados gerados pela utilização da rede (por exemplo, localização do utilizador, localização do destinatário, duração da utilização, data e hora, frequência), dados de tráfego; dados relativos ao conteúdo da comunicação ou da mensagem, dados de conteúdo’.

O conjunto de metadados elencado no artigo 4.º abrange dados de diferente natureza, categorizados na jurisprudência constitucional como dados de base e dados de tráfego.”

Ora, analisando a fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto do acórdão impugnado, verifica-se que (ao contrário do que alega o recorrente) apenas foram utilizados o depoimento de testemunha (órgão de polícia criminal ouvido em audiência), prova documental (entre outra, resultante de certidão extraída de outro processo, auto de busca e apreensão, informações prestadas por diferentes entidades públicas e privadas, reportagem fotográfica, auto de visualização e análise de conteúdo, autos de exames informativos forense a equipamentos apreendidos constantes do apenso A, relatório social, CRC) e prova pericial (relatórios periciais), conforme resulta do que acima foi transcrito.

Foram esses meios de prova referidos na decisão recorrida, que foram valorados para fundamentar os factos dados como provados.

E, não há dúvidas, analisando a decisão da 1ª instância, sob recurso, que as normas fiscalizadas e declaradas inconstitucionais no ac. do TC n.º 268/2022, não foram aplicadas na decisão impugnada.

Como resulta claro da decisão recorrida, nomeadamente quando decidiu a referida questão prévia colocada pelo arguido na audiência, foi com base em comunicação das autoridades alemãs, através do Gabinete Interpol, dando conta da partilha de ficheiro com conteúdos de pornografia de menores através da rede "...", que logo referiu a lista dos endereços IP's pertencentes a ISP portugueses que partilharam ficheiros com imagens de abuso sexual de menor, que permitiu à Polícia Judiciária, “com recurso a ferramentas livremente disponíveis na internet”, a identificação do utilizador, isto é, do sujeito que utilizou o IP, identificação que foi obtida, através da autoridade judiciária competente, ainda articuladamente com a operadora, ao abrigo do disposto nos arts. 187.º, n.º 1, al. a), 189.º, n.º 2, do CPP e 14.º, da Lei n.º 109/2009, de 15.09 (Lei do Cibercrime), normas estas que não foram declaradas inconstitucionais pelo referido ac. do TC n.º 268/2022.

Ora, estando o arguido a ser investigado por crime de pornografia de menores p. e p. no artigos 176.º, n.º1, alíneas b), c) e d) do CP, com a moldura abstrata de 1 ano a 5 anos de prisão (sendo até condenado pelo crime p. e p. no artigo 176.º, n.º1, alíneas c) e d), com a agravação prevista artigo 177.º, n.º 7, ambos do Código Penal, com moldura abstrata entre 1 ano e 6 meses de prisão e 7 anos e 6 meses de prisão), os elementos relativos à identificação do utilizador do IP podiam ser requeridos à operadora pela autoridade judiciária nos termos dos referidos arts. 187.º, n.º 1, al. a), 189.º, n.º 2, do CPP e do citado art. 14.º, da Lei n.º 109/2009, de 15.09.

Por isso, tem razão o Sr. PGA no seu Parecer, quando apela ao Acórdão do STJ de 8.11.2022[1], no segmento em que chama à atenção que «[…]o art. 189.º, n.º 2, do Código de Processo Penal permite aceder a dados de tráfego, neste caso, dados sobre a localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações e, por maioria de razão [in eo quod plus est, sempre inest et minus (no que é mais está sempre compreendido o que é menos)], a dados de base relacionados, neste caso, com a identificação dos titulares dos cartões de telemóvel [nos quais, como salienta o acórdão do TC 268/2022, «o grau de agressão ao direito à intimidade da vida privada (…) é menos gravoso do que os demais metadados elencados no artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho (pois apenas identificam o utilizador do meio de comunicação em causa)»], aos quais o MP sempre poderia aceder por via do disposto no art. 14.º, n.os 1 e 4, al. b), da Lei 109/2009, de 15.09 (Lei do Cibercrime), quando se investiguem os crimes previstos no n.º 1 do artigo 187.º, nomeadamente, crimes puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos.»

Aliás, o que sucedeu no caso em apreciação no acórdão sob recurso, foi o acesso à operadora para identificar o titular do contrato correspondente ao IP utilizado na prática do crime, o que (no caso concreto em apreciação) não tem a ver com comunicação efetuada, nem se relaciona com a Lei 32/2008, de 17.07, mesmo que essa lei ou normas a ela pertencentes tivessem sido mal invocadas, entre as normas que eram aplicáveis ao caso, acima indicadas.

De resto, no Acórdão deste STJ de 06.09.2022[2] (igualmente citado pelo Sr. PGA no seu douto parecer) também se esclarece o seguinte:

«[…] d. Não assiste razão ao arguido quando pretende considerar o acesso à identificação do n.º de telefone e da IMEI, para a execução de interceções telefónicas, abrangido pela declaração de inconstitucionalidade invocada – trata-se de acesso a dados que não respeitam a comunicações efetuadas, tratadas e armazenadas ao abrigo da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho e constituem “caracteres permanentes, pelo que a identificação do sujeito a que pertencem pode ser obtida independentemente de qualquer comunicação”(Ac. 268/2022, TC).

e. Por outro lado, tratando-se de elementos de identificação constantes dos contratos celebrados com os operadores e/ou ligados ao reconhecimento da posse de equipamentos móveis, os respetivos registo e fornecimento à autoridade judiciária competente não importam desproporcionalidade ou desadequação face ao fim em vista, nem a afetação do direito fundamental à autodeterminação informativa.

f. Nem demanda tal acesso, sem relação com qualquer comunicação efetuada, notificação específica ulterior, assemelhando-se, do ponto de vista da natureza e do regime, à obtenção, em processo penal, de outros dados pessoais, mormente, de identificação.»

Portanto, os elementos de prova avaliados pelo Coletivo, que serviram para formar a sua convicção, observaram o formalismo legal, constituindo provas válidas e, por isso legais, sendo que o raciocínio feito pelo recorrente assenta em pressupostos errados, uma vez que neste caso concreto, as provas não foram recolhidas por aplicação da Lei n.º 32/2008, de 17.07, designadamente, dos artigos que foram declarados inconstitucionais pelo acórdão do TC n.º 268/2022.

Tão pouco se pode fazer a pretendida correlação ou interligação, nos moldes em que o recorrente pretende fazer, entre a Lei n.º 32/2008 e a Lei n.º 109/2009, devendo ter-se presente que o TC não declarou inconstitucional esta última lei (Lei n.º 109/2009) ou qualquer das suas normas, nem os arts. 187.º e 189.º do CPP.

De resto, é bom lembrar, como consta do mesmo ac. do TC n.º 268/2022, que “a declaração de inconstitucionalidade não abrangeu todos e quaisquer metadados, mas apenas alguns”, o que, como se explicou, não se confunde com o caso destes autos.

Portanto, uma vez que neste caso concreto o acórdão condenatório, não aplicou as normas que foram declaradas inconstitucionais, com força obrigatória geral, no ac. do TC n.º 268/2022 (o que também foi bem explicado na decisão recorrida), é manifesto que improcede a argumentação do recorrente, não tendo sido violados os princípios e normas por ele invocados (nomeadamente arts. 32.º, n.º 8 e 29.º, n.º 1, da CRP) e, consequentemente, não se verifica a invocada nulidade de prova.

Assim, não ocorrendo os vícios aludidos no art. 410.º, n.º 2, do CPP e não havendo nulidades de conhecimento oficioso, está definitivamente fixada a decisão proferida sobre a matéria de facto.

11. 2ª questão (Medida da pena)

A este propósito, sustenta o recorrente que o tribunal a quo não ponderou, na determinação da medida da pena, as circunstâncias que lhe eram favoráveis, nomeadamente, a nulidade da prova, assim violando o disposto nos arts. 32.º, n.º 8 e 29.º, n.º 3, da CRP, pelo que deve ser revogado o acórdão recorrido e substituído por outro que o absolva.

Vejamos o que a propósito da medida da pena consta da decisão sob recurso[3]:

“Da medida da pena

Feito o enquadramento jurídico da conduta do arguido, importa determinar, dentro da medida abstracta da pena estabelecida, a pena concreta correspondente ao crime praticado.

Dispõe o art.º 40º, nº 1, do C.P. que "A aplicação das penas (...) visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente da sociedade", acrescentando o seu nº 2 que "Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa".

Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção geral e especial: a pena concreta é delimitada no seu máximo inultrapassável pela medida em que se dimensione a culpa; dentro deste limite máximo é a sanção apurada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração cujo limite superior é dado pelo ponto óptimo da tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. Dentro desta moldura (abstracta) de prevenção geral de integração, a medida da pena irá ser encontrada em função de existências de prevenção especial, em regra positiva ou de ressocialização excepcionalmente negativa, de intimação ou segurança individuais, devendo ter sempre um sentido pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com o objectivo primeiro de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada e, em última instância, na eficácia do próprio sistema jurídico-legal.

Em conclusão, a pena serve primacialmente, por um lado, para a responsabilização do arguido, atenta a sua culpa e a intensidade do bem jurídico violado, contribuindo, ainda, por outro lado e ao mesmo nível, para a sua reinserção, procurando não prejudicar a sua situação social mais do que o estritamente necessário.

A determinação da medida concreta da pena é efectuada de acordo com os critérios gerais estabelecidos no nº 1 do artigo 71º do C.P. conjugado com o artigo 40º do mesmo diploma – os parâmetros a que deve obedecer toda e qualquer fixação da pena, em atenção às finalidades que lhe são legalmente assinaladas – e os especiais constantes do nº 2 – designadamente, grau de ilicitude, modo de execução, gravidade das consequências, intensidade do dolo, fins ou motivos , condições pessoais do agente, conduta anterior e posterior ao facto. Nesta operação, serão consideradas todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (estas já foram tomadas em consideração ao estabelecer-se a moldura penal do facto), deponham a favor do agente ou contra ele.

Sem violar o princípio da proibição da dupla valoração, pode ainda atender-se à intensidade ou aos efeitos do preenchimento de um elemento típico e à sua concretização segundo as especiais circunstâncias do caso, já que o que está aqui em causa são as diferentes modalidades de realização do tipo (neste sentido, Figueiredo Dias, Direito Penal Português: Parte Geral II, As Consequências Jurídicas do Crime, 1.ª edição, Coimbra Editora, p. 234).

O crime de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 176.º, n. º1, alíneas c) e d), agravado nos termos do artigo 177º, nº7, ambos do Código Penal, tem como moldura abstracta a pena de prisão com o limite mínimo de 1 (um) ano e 6 (seis) meses e o limite máximo de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses.

Face ao exposto e de harmonia com o disposto no art.º 71 º do Código Penal, há a salientar a acentuada necessidade de prevenção geral no caso porquanto, o arguido violou norma que pune actos de conhecida gravidade e alarme, perturbadores de um dos pilares sociais, os menores. As exigências de prevenção geral são igualmente acentuadas atenta a indesejável proliferação de crimes de natureza idêntica que atentam contra o equilíbrio físico e psíquico das vítimas e ao seu normal desenvolvimento.

Sobre este ilícito, pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão proferido em 9/1/2008 (processo D7P3748, disponível em www.dgsi.pt):

«Considerando a prática, com alguma frequência, de tais delitos entre nós – mas não só -, o interesse público de protecção de personalidades em desenvolvimento, no aspecto da sua sexualidade, sendo desejável que esta se afirme de forma harmónica e consciente que é afrontado, o alarme e a repugnância social que causam, evidente se torna que, para tranquilidade no tecido social e dissuasão de potenciais delinquentes, visto o quadro de extensos malefícios antecedente, que ultrapassam o interesse meramente individual, se impõe uma intervenção punitiva que pondere as sentidas “considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico”, segundo o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português –As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 344 -, por esta se limitando sempre o valor da socialização em liberdade”.

Para além das exigências de prevenção geral, há que atender:

a) ao grau de ilicitude dos factos, considerando:

_ o conteúdo dos ficheiros de pornografia:

Dos 401 ficheiros que o arguido detinha, 168 envolvem actos sexuais com penetração, 122 ficheiros contêm actos sexuais sem penetração e 73 ficheiros envolvem a exposição sexual dos menores.

Categorizadas as idades dos menores nos ficheiros que envolvem actos sexuais com penetração, 68% dizem respeito a menores de 13 anos, sendo que, nessa percentagem, 3% respeita a crianças de idade compreendida entre os 3 e os 6 anos.

Nos 122 ficheiros que contêm actos sexuais sem penetração, 85% dizem respeito a menores entre os 7 e os 13 anos de idade.

Nos 73 ficheiros que envolvem a exposição sexual dos menores, 96% dizem respeito a menores entre os 7 e os 13 anos de idade e 4% a menores de dois anos e menores entre 16 e os 18 anos.

Quanto ao grau de severidade, os ficheiros multimédia detidos pelo arguido nos discos rígidos HDD da marca Western Digital, da marca Samsung e da marca Acer, e no Tablet da marca Wolder, contêm conteúdos multimédia que retratam nudez e poses sexualmente sugestivas de menores, com foco nos órgãos genitais, exibindo, por vezes, o pânico da vítima; conteúdos multimédia que retratam condutas sexualmente explícitas (relações sexuais reais, incluindo genitais-genitais, orais-genitais, anal ou orais-anal), masturbação e abuso, entre indivíduos adultos e menores e entre menores de idade;

_ o número de ficheiros partilhados (7816 ficheiros);

_ o espaço temporal em que ocorreu a execução da actividade ilícita;

b) a modalidade do dolo, intenso: o dolo do arguido que reveste a modalidade de dolo directo (artigo 14º, nº1, do Código Penal).

c) as repercussões da acção, mormente a perturbação na formação e desenvolvimento da personalidade da vítima, bem como do bem-estar físico e psicológico da mesma;

d) a sua conduta anterior e posterior aos factos: milita a favor do arguido, a inexistência de condenação inscrita no certificado de registo criminal; não se verificou qualquer acto de inflexão decorrente de qualquer juízo de autocensura realizado pelo arguido.

e) as condições pessoais do arguido:

Resulta da matéria de facto provada que o processo de desenvolvimento do arguido AA, filho único, decorreu junto dos progenitores e foi pautado pela afectividade. O agregado contava com o rendimento dos progenitores, ambos operários fabris.

Concluiu o 9º ano de escolaridade, tendo prosseguido o seu percurso escolar até à frequência do 11º ano, contudo a falta de uma disciplina do 10º ano, levou a que o mesmo decidisse abandonar os estudos, para iniciar a sua atividade profissional.

Ingressou, então, na empresa G..., onde trabalhava também o progenitor, como operário fabril. Nesta actividade profissional, manteve-se até ao encerramento da fábrica, cerca de dez anos depois do seu ingresso na mesma. Posteriormente, adquiriu habilitação profissional e passou a desempenhar a função de motorista de veículos pesados de mercadorias, em diversas empresas.

Ao nível dos relacionamentos, manteve uma relação de namoro durante sete anos, vindo a casar aos vinte e três anos. Na sequência de um relacionamento extraconjugal por parte do cônjuge, o casal separou-se cerca de três anos depois, ficando o arguido numa situação emocional algo fragilizada e depressiva e que o levou a um maior isolamento social, sem, contudo, recorrer a qualquer apoio especializado. Mais tarde, estabeleceu outro relacionamento conjugal com uma cidadã de nacionalidade ..., tendo o casal se separado há cerca de quatro anos.

O arguido AA vivia sozinho há cerca de quatro anos, num apartamento adquirido com recurso a empréstimo bancário e pelo qual paga a prestação para amortização, no valor de €160 por mês. A prestação bancária, na actualidade, é paga pelo progenitor do arguido, devido à privação de liberdade deste.

Os seus relacionamentos sociais eram, para além dos inerentes à sua actividade profissional, essencialmente com os progenitores, a casa de quem se deslocava todos os dias.

É considerado um indivíduo trabalhador e reservado. Ocupava a maior parte do tempo livre, na sua habitação ou na habitação dos progenitores.

No plano laboral, o arguido trabalhava na empresa B..., de distribuição de produtos alimentares, há aproximadamente oito anos. Auferia um vencimento mensal de aproximadamente €1200, devido ao número de horas de trabalho realizadas.

O arguido prestava apoio aos progenitores, já idosos e reformados, e que se viram confrontados com a prisão do filho, o que lhes causa sofrimento e ansiedade e teve repercussões ao nível da saúde dos mesmos.

No estabelecimento prisional tem mantido um comportamento adequado às normas e recebe a visita regular do progenitor que lhe presta apoio afectivo e logístico. Por motivos de saúde, a progenitora não se desloca ao estabelecimento prisional.

Importa salientar que estamos na presença de crime dotado de grande dimensão a nível do alarme social, não tendo o arguido demonstrado qualquer censurabilidade sobre a conduta por si adoptada.

Quem produz, divulga, importa ou exporta pornografia infantil contribui para a proliferação de material cuja génese é a violação de um dos direitos mais fundamentais das crianças.

Na realidade a pornografia infantil não implica somente a coacção sobre um menor, limitando a sua liberdade e autodeterminação sexual através da imposição de práticas de actos sexuais (muitas vezes de toda a espécie e aberração) para os quais o mesmo não esteja preparado e que para as quais não tenha sequer o discernimento e consciência de compreender, ela implica, na esmagadora maioria dos casos, especialmente quando está em causa a pornografia industrial que prolifera na darkweb, o tráfico de crianças, o seu mau-trato físico para além de psicológico, a sua violação repetida, muitas vezes filmada como objecto do próprio espectáculo pornográfico, o seu desenraizamento familiar, a sua venda e escravização” (Ac. De 17/3/2021, proferido pelo TRL, no processo nº 644/19.7JGLSB-A.L1).

Sem perder de vista que as exigências de prevenção especial constituem a parte mais dinâmica e filosófica dos fins das penas, em si contendo uma etiologia modificativa do homem, com correcção do seu comportamento em aproximação ao valor da norma e do bem jurídico, a pena a aplicar ao arguido deverá consciencializá-lo da gravidade e censurabilidade da sua conduta, motivando-o ao futuro cumprimento das normas socialmente vigentes.

Milita a favor do arguido, além da inexistência de antecedentes criminais, os hábitos de trabalho e a integração no plano social e familiar.

Ponderando todos estes factores, as exigências de prevenção geral e especial, a inexistência de antecedentes criminais e as condições pessoais do arguido, o tribunal entende adequada a pena de 6 (seis) anos de prisão.”

Vejamos então.

A argumentação do recorrente, quanto à questão da invocada “injustiça” da medida da pena, circunscreve-se à alegação genérica de que não foram ponderadas as circunstâncias que lhe eram favoráveis, nomeadamente a nulidade da prova, razão pela qual discorda da pena aplicada, por a decisão se fundamentar em prova nula, ter violado o disposto nos arts. 32.º, n.º 8 e 29.º, n.º 1 e n.º 3 da CRP e, na sua perspetiva, a consequência, ser a revogação do acórdão e a sua substituição por outra decisão que o absolva.

A argumentação do recorrente, para além de genérica e inconclusiva, não é pertinente para o fim em vista, esquecendo quais as circunstâncias atendíveis para efeitos de determinação da medida da pena (ver art. 71.º do CP), as quais não se confundem, nem integram a eventual existência de vícios a nível da prova (que, como acima já foi explicado, não ocorrem no caso destes autos).

De esclarecer que, não se pode confundir, como o faz erradamente o recorrente, o momento da determinação da medida da pena, no qual se ponderam, além do mais, as circunstâncias favoráveis que tiverem sido apuradas, com as provas que serviram para formar a convicção do tribunal e, muito menos, com eventual nulidade de provas.

Ou seja, o facto de se ter chegado ao momento da determinação da medida da pena, significa que já estava ultrapassado o momento da decisão de não haver nulidades de prova, o que nunca poderia ser considerado nesta fase (desde logo considerando as finalidades da determinação da pena) e muito menos podia ser atendido como uma circunstância favorável que levava à absolvição; assim como, havendo nulidade da prova, teria a mesma de ser declarada e não se chegava à fase da determinação da medida da pena.

São dois planos diferentes (em termos simplistas, diremos que temos por um lado, a fase relativa às provas e ao apuramento dos factos, que já foi ultrapassada e, agora, depois de fixados os factos e, feito o enquadramento jurídico-penal, verificando-se que o arguido se constituiu autor da prática de um crime, importa, por outro lado, já noutro plano, determinar a medida da pena a aplicar) que não tem a relação que o recorrente pretende estabelecer e, igualmente, não gera a consequência da absolvição.

De resto, todas as circunstâncias favoráveis ao arguido, dadas como provadas, foram ponderadas na medida da pena como se vê da fundamentação dessa parte da decisão sob recurso, acima transcrita.

Improcede, pois, a argumentação do recorrente, não tendo sido violadas as normas por ele invocados (v.g. arts. 32.º, n.º 8 e 29.º, n.º 1 e n.º 3 da CRP), tanto mais que, perante a fundamentação apresentada nesta matéria pela 1ª instância, não merece censura a decisão quanto à medida da pena aplicada ao recorrente, por ser justa, adequada e proporcionada.

Em conclusão: improcede o recurso, sendo certo que, pelos motivos indicados, não foram violados os princípios e as normas legais por si invocadas.

III Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 (sete) UC`s.

*

Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2, do CPP), sendo assinado pela própria e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos.

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Supremo Tribunal de Justiça, 02.02.2023

Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)

Leonor Furtado (Juíza Conselheira Adjunta)

Agostinho Soares Torres (Juiz Conselheiro Adjunto)

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[1] Acórdão do STJ de 8.11.2022 (processo 107/13.4P6PRT-D.S1), relatado por Conceição Gomes.
[2] Acórdão do STJ de 06.09.2022 (processo 4243/17.0T9PRT-K.S1), relatado por Teresa de Almeida.
[3] Transcrição sem negritos.