ALTERAÇÃO DE ACOMPANHAMENTO DE MAIOR
PROCESSO ADMINISTRATIVO
ISENÇÃO DE CUSTAS
Sumário


I. Um processo administrativo organizado pelo Ministério Público, por determinação da hierarquia, visando a eventual instauração de incidente de alteração de acompanhamento de maior, não é idóneo a substituir o impulso processual exigido para o efeito: nem a decisão de efectivo desencadear da intervenção judicial estará já tomada por ele, nem (quando o estiver) poderá aquele dossier privado substituir as regras processuais previstas para tal fim, dirigidas a qualquer outro indiferenciado requerente (nomeadamente, a apresentação de requerimento inicial idóneo).
II. A alteração introduzida pela Lei n.º 2/2020, de 31 de Março, ao art. 4.º, n.º 2, al. h), do RCP, isentando de custas os processos de acompanhamento de maiores, abrange todos os incidentes que neles venham a ser suscitados.

Texto Integral


Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes.

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ACÓRDÃO

I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. Tendo o Ministério Público proposto acção especial de acompanhamento de maior, a favor de AA, nascida em .../.../1948, foi proferida sentença em 24 de Setembro de 2020, decretando uma medida de acompanhamento e nomeando acompanhante, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
V - Decisão
Nestes termos:
a) Declaro que BB beneficiará da medida de acompanhamento de administração total de bens;
b) Designo como acompanhante da beneficiária, CC, sua filha, a quem incumbe no exercício da sua função privilegiar o bem-estar, a recuperação da acompanhada e o respeito da sua vontade, com a diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação considerada;
c) A acompanhante deterá o poder de administração total de bens da beneficiária, sendo que essa administração está adstrita à finalidade de privilegiar o bem-estar, a recuperação da acompanhada e o respeitar da sua vontade, com a diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação considerada;
d) Determino ainda o impedimento da beneficiária BB testar, celebrar negócios da vida corrente, de celebrar atos de disposição, onerosos ou gratuitos, em vida ou por morte, outorgar procuração ou celebrar contrato de mandato.
e) Fixa-se em 1-9-2019, o momento a partir do qual tal medida se tornou conveniente.
f) Nomeio para o Conselho de Família, como 1.º vogal e protutora, a filha DD e como 2.º vogal, EE, irmão da beneficiária.
g) Determino a revisão da medida acima decretada no prazo de 2 anos, a contar da presente data.
**
Fixo o valor da presente causa em € 30.000,01 – cfr. arts. 303.º, n.º 1 e 306.º, n.º 1 do CPC.
Custas pela beneficiária, sem prejuízo da isenção de que beneficie - cfr. artigo 4.º, alínea l) do Regulamento de Custas Processuais.
(…)»

1.1.2. Em 29 de Março de 2022, a Procuradoria da República da Comarca ... remeteu a estes autos o processo administrativo por ela organizado com um requerimento de DD, na qualidade de vogal do Conselho de Família, dirigido à Procuradora do DIAP da Secção de ..., onde a mesma se queixava do comportamento da irmã (CC) em desfavor a mãe comum (BB) e de alegadas dificuldades de contactos telefónicos seus com esta, obstaculizados por aquela, requerimento que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde nomeadamente se lê:
«(…)
Em face do exposto, requer, a V. Exa., com carácter de urgência, se digne notificar a CC para vir aos autos, informar o estado de saúde da sua mãe FF e a evolução da doença.
Requer, ainda, que sejam tomadas as medidas consideradas adequadas e necessárias com vista a acautelar os direitos e interesses da sua mãe FF.
(…)»

1.1.3. Em 06 de Abril de 2022, o Ministério Público junto do Juízo Local Cível ... promoveu a realização de diversas diligências de averiguações do referido pela vogal DD (v.g. contraditório da Acompanhante e informações a obter junto do Centro de Dia ..., do Hospital ... e da PSP ...); e por despacho proferido no mesmo dia, foram as mesmas ordenadas.

1.1.4. Em 01 de Junho de 2022, a Procuradoria da República da Comarca ... remeteu a estes autos o processo administrativo por ela organizado com um requerimento de DD, na qualidade de vogal do Conselho de Família, dirigido à Procuradora do DIAP da Secção de ..., onde a mesma se queixava do comportamento da irmã (CC) em desfavor a mãe comum (BB), requerimento que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde nomeadamente se lê:
«(…)
Em face do exposto, requer, a V. Exa., com carácter de urgência, se tomar as medidas que entender serem adequadas e necessárias com vista a acautelar os direitos e interesses da sua mãe da requerente FF.
(…)»

1.1.5. Em 27 de Julho de 2022, o Ministério Público junto do Juízo Local Cível ..., exercido o contraditório pela Acompanhante (CC) em 25 de Julho de 2022 e juntas as informações por si requeridas, exarou nos autos a seguinte promoção:
«(…)
Promovo se notifiquem os vogais do Conselho de Família dos documentos juntos pelo Hospital e do esclarecimento prestado pela acompanhante.
*
  Sem prejuízo do que antecede, promovo que se solicite ao ISS, com nota de urgente, a elaboração de relatório social quanto à situação da requerida, designadamente para aferir do seu bem-estar, dos cuidados diários que lhe são prestados, condições de habitabilidade e salubridade, do “acompanhamento” efetuado pela acompanhante, etc., a fim de aferir da necessidade de integração da requerida em LAR/ERPI e da eventual remoção da acompanhante do cargo.
(…)»

1.1.6. Em 28 de Julho de 2022, por despacho, foram ordenadas as diligências promovidas pelo Ministério Público.

1.1.7. Junto e notificado o relatório social, em 30 de Agosto de 2022, foi junto aos autos um requerimento de DD, na qualidade de vogal do Conselho de Família, dirigido ao Juiz de Direito do Juízo Local Cível ..., onde a mesma se queixava do comportamento da irmã em desfavor a mãe comum (BB), requerimento que aqui se dá por integralmente reproduzido, ultimado com um requerimento probatório e onde nomeadamente se lê:
«(…)
A acompanhante CC tem revelado não só grande instabilidade emocional mas também instabilidade psíquica.
(…)
Como podemos facilmente verificar, a acompanhante CC não tem demonstrado um comportamento correspondente ao de um bom pai de família.
(…)
Consideramos que, neste caso concreto, estão reunidos os pressupostos para a remoção da CC, do cargo de acompanhante.
(…)
Em face do exposto, requer, a V.Exa., a destituição da CC, do cargo de acompanhante devendo a maior acompanhada, beneficiar da solução que vier a ser considerada mais adequada para a mesma tendo em conta as doenças de que padece.
 (…)»

1.1.8. Em 22 de Setembro de 2022, o Ministério Público junto do Juízo Local Cível ... promoveu a «audição da Acompanhante e dos membros do conselho de família».

1.1.9. Em 25 de Setembro de 2022, foi proferido despacho, ordenando que o requerimento de DD fosse autuado por apenso, como revisão/alteração do acompanhamento e que a mesma viesse comprovar o pagamento da taxa de justiça respectiva, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
A requerente DD veio ao abrigo do requerimento em epígrafe suscitar a destituição de CC do cargo de acompanhante da aqui beneficiária AA com fundamento na falta de idoneidade da mesma para o exercício do cargo.
A requerente juntou prova documental e arrolou testemunhas.
Nos termos do n.º 3 do art. 904.º do CPC, «ao termo e à modificação das medidas de acompanhamento aplicam-se, com as necessárias adaptações e na medida do necessário, o disposto nos artigos 892.º e seguintes, correndo os incidentes respetivos por apenso ao processo principal» (sublinhado nosso).
Pelo exposto, previamente extraia certidão dos requerimentos efectuados e autue os mesmos por apenso, como revisão/ alteração de acompanhamento, em conformidade com o preceito legal acima transcrito.
Após, notifique a requerente para que venha comprovar nos autos o prévio pagamento de taxa de justiça, uma vez que o pedido de revisão ora formulado constitui um incidente da instância, e, como tal, encontra-se encontra sujeito a tributação autónoma nos termos das disposições conjugadas dos arts. 904.º, n.º 3 do CPC e 7.º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais.
Prazo: 10 dias.
Notifique
(…)»

1.1.10. Em 13 de Outubro de 2022, foi junto aos autos um requerimento de DD, na qualidade de vogal do Conselho de Família, dirigido ao Juiz de Direito do Juízo Local Cível ..., onde a mesma defendia que o incidente de remoção do cargo de acompanhante tinha sido desencadeado pelo Ministério Público e que estava isento de custas, requerimento que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde nomeadamente se lê:
«(…)
25º - Consideramos por isso, que o presente incidente foi suscitado pelo Ministério Público e não, pela aqui vogal.

Contudo e sem prescindir,
26º - Ao abrigo do disposto na alínea h) do nº 2 do artigo 4 do RCP, estão isentos de custas, “os processos de acompanhamento de maiores”.
Assim sendo,

27º - Se, eventualmente, vier a ser decidido que o incidente foi suscitado pela aqui vogal, tratando-se de um processo de acompanhamento de maior, quer os autos principais quer os respectivos apensos estão isentos de custas,

Em face do exposto, requer, a V.Exa., o prosseguimento dos autos.
(…)»

1.1.11. Em 20 de Outubro de 2022, foi proferido despacho, indeferindo ambas as pretensões da vogal DD, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Objectivamente, não se compreende o teor do requerimento em epígrafe subscrito pela aqui requerente, tentando fazer crer que não foi ela quem instaurou incidente tendo em vista a remoção da acompanhante do respectivo cargo.
Vamos por partes:
Nos termos do n.º 3 do art. 904.º do CPC: «ao termo e à modificação das medidas de acompanhamento aplicam-se, com as necessárias adaptações e na medida do necessário, o disposto nos artigos 892.º e seguintes, correndo os incidentes respetivos por apenso ao processo principal».
Movemo-nos, pois, no âmbito dos incidentes da instância, sendo que, aos incidentes aplicáveis que tenham por fim o termo ou a modificação das medidas de acompanhamento (aqui se incluindo necessariamente os pedidos de remoção da pessoa do acompanhante, nos termos do art. 152.º do CC) será aplicável a tramitação prevista nos arts. 892.º e seguinte do CPC, e, supletivamente, em tudo o que for incompatível, as regras gerais sobre incidentes da instância (arts. 292.º e seguintes do CPC).
Ora, em 30.08.2022, a filha da beneficiária, aqui requerente, instaurou o requerimento de refª ...67 nos termos do qual invoca os factos subjacentes ao pedido de remoção da acompanhante do cargo, requerendo, a final, “a destituição da CC, do cargo de acompanhante devendo a maior acompanhada, beneficiar da solução que vier a ser considerada mais adequada para a mesma tendo em conta as doenças de que padece” (pedido e causa de pedir), e oferece a respectiva prova para o efeito (testemunhal, documental, pericial).
Tal requerimento é, do ponto de vista formal e material, uma petição inicial apta a desencadear o respectivo incidente de alteração das medidas de acompanhamento (com pedido de remoção da acompanhante do cargo), pelo que, objectivamente, foi a própria quem requereu/ impulsionou os autos, sendo portanto responsável pela taxa devida pelo respectivo impulso processual (art. 145.º, n.º 1 do CPC).
Todavia, insurge-se agora a requerente contra o pagamento da respectiva taxa, invocando, ao arrepio de tudo o que acima se expôs, que, afinal, foi a Digna Magistrada do Ministério Público quem deu o necessário impulso os autos. Ora, analisado o processado, constata-se não existir nenhum requerimento subscrito pela Magistrada do Ministério Público minimamente semelhante a uma petição inicial, nos termos do qual requer uma qualquer alteração das medidas de acompanhamento vigentes, tendo-se limitado a remeter a este processo (por ser o competente para o efeito) cópia da participação feita pela própria requerente junto dos serviços do Ministério Público ..., e, neste âmbito a promover algumas diligências instrutórias avulsas – e, pela sua natureza, necessariamente prévias a uma eventual pedido de alteração das medidas de acompanhamento. Foi a única intervenção da Digna Magistrada do Ministério Público nesta comarca, e assim foi ordenado pelo Tribunal que se procedesse em conformidade com o doutamente promovido.
Note-se que, mesmo na tese (ilógica) da requerente, a intervenção do Ministério Público iniciou-se com a remessa do expediente que a própria fez chegar aos serviços do Ministério Público ..., pelo que sempre teria que ser considerada a requerente como o sujeito que deu o necessário impulso processual (como efectivamente foi).
Improcede, pois, em absoluto, a tese avançada pela requerente.
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Vem ainda a requerente invocar que beneficia da isenção objectiva de custas prevista na alínea h) do n.º 2 do art. 4.º do Regulamento das Custas Processuais, nos termos do qual: «ficam também isentos: (…) h) os processos de acompanhamento de maiores».
Sucede, porém, que se o legislador tivesse pretendido conferir isenção do pagamento de custas a todo e qualquer procedimento nos processos de maior acompanhado, tê-lo ia dito (como, de facto, já o fez no passado). Efectivamente, com a entrada em vigor da Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto (diploma legal que introduziu entre nós o regime jurídico do maior acompanhado) que procedeu à alteração do Regulamento das Custas Processuais, a alínea h) do n.º 2 do art. 4.º passou a ter a seguinte redacção: «ficam também isentos: (…) h) os maiores acompanhados ou respetivos acompanhantes nos processos de instauração, revisão e levantamento de acompanhamento».
Porém, posteriormente, na alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 2/2020, de 31 de Março, a aludida norma ínsita na alínea h) do n.º 2 do art. 4.º passou a ter a redacção actual, cingindo a isenção aos processos de maiores acompanhados. Com esta alteração, pretendeu o legislador, de forma expressa (através da sua eliminação do elenco dos casos de isenção) terminar com a isenção de custas nos processos de instauração, revisão e levantamento de acompanhamento, como é o presente caso.
Daqui se retira pacificamente que o presente incidente não beneficia de qualquer isenção objectiva de custas, sendo devida taxa de justiça pelo respectivo impulso processual.
Tudo conjugado, vai indeferida a pretensão da requerente, por absoluta falta de fundamento legal.
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Como se deixou expresso no despacho proferido em 25.09.2022, o incidente de remoção da acompanhante do cargo está sujeito a tributação prévia nos termos e ao abrigo dos arts. 145.º, n.º 1, e 539.º, n.º 1, do CPC e art. 7.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais.
Apesar de regularmente notificada pelo Tribunal, a requerente ainda não comprovou nos autos o pagamento prévio da taxa de justiça devida pelo impulso processual.
Nos termos do n.º 3 do art. 145.º do CPC, «Sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de comprovação do pagamento referido no n.º 1 ou da concessão do benefício do apoio judiciário não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua comprovação nos 10 dias subsequentes à prática do ato processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 570.º e 642.º».
Assim sendo, e uma vez que a requerente não juntou o comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida por esse incidente, antes de mais, notifique-a nos termos do art. 570.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 145.º, n.º 3, do mesmo diploma legal.
(…)»

1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformada com esta decisão, a vogal DD interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que se revogasse a decisão recorrida, declarando-se que o incidente de alteração de acompanhamento foi deduzido pelo Ministério Público e, subsidiariamente, que está isento de custas.
 
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões):

1 - No dia 31 de Agosto de 2022, na sequência de todas as diligências promovidas pelo Ministério Público, a recorrente requereu a “destituição da CC, do cargo de acompanhante devendo a maior acompanhada, beneficiar da solução que vier a ser considerada mais adequada para a mesma tendo em conta as doenças de que padece” tendo indicado meios de prova.

2 - Por despacho proferido em 25 de Setembro de 2022, foi decidido que “a requerente DD veio ao abrigo do requerimento em epigrafe suscitar a destituição de CC do cargo de acompanhante da aqui beneficiária AA com fundamento na falta de idoneidade da mesma para o exercício do cargo.
A requerente juntou prova documental e arrolou testemunhas.
(...) Pelo exposto, previamente extraia certidão dos requerimentos efectuados e autue os mesmos por apenso, como revisão/alteração de acompanhamento, em conformidade com o preceito legal acima transcrito.
Após, notifique a requerente para que venha comprovar nos autos o prévio pagamento de taxa de justiça, uma vez que o pedido de revisão ora formulado constitui um incidente da instância, e, como tal, encontra-se encontra sujeito a tributação autónoma nos termos das disposições conjugadas dos arts. 904.º, n.º 3 do CPC e 7.º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais”.

3 - No dia 13 de Outubro de 2022, a recorrente veio requerer o prosseguimento dos autos, por entender que o “incidente foi suscitado pelo Ministério Público e não, pela aqui vogal” (...) se, eventualmente, vier a ser decidido que o incidente foi suscitado pela aqui vogal, tratando-se de um processo de acompanhamento de maior, quer os autos principais quer os respectivos apensos estão isentos de custas”.

4 - No despacho recorrido foi decidido que “vai indeferida a pretensão da requerente, por absoluta falta de fundamento legal” e ainda, “uma vez que a requerente não juntou o comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida por esse incidente, antes de mais, notifique-a nos termos do art. 570.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 145.º, n.º 3, do mesmo diploma legal”.

5 - Discordamos do despacho recorrido por duas razões sendo a primeira, o facto de entendermos que o presente incidente teve início com o conjunto de diligências promovidas pelo Ministério Público inclusive o relatório social elaborado pela equipa SAAS de ... tendo as mesmas estado na origem do requerimento datado de 30 de Agosto de 2022.

6 - A recorrente dirigiu vários requerimentos, ao processo administrativo que foi aberto pelo Ministério Público de ... que corre seus termos pela Procuradoria do Juízo Local Cível ... sob o nº 2274/21.... tendo por finalidade, a remoção de CC, do cargo de acompanhante.

7 - Nos autos principais, a recorrente limitou-se a se pronunciar após ter sido notificada das diligências promovidas pelo Ministério Público.

8 - A segunda razão que nos leva a discordar do despacho recorrido consiste em que, caso se venha a entender que o requerimento apresentado em 30 de Agosto de 2022, não obstante ter a sua origem nas diligências promovidas pelo Ministério Público deste tribunal, mas uma vez que no mesmo foi formulado um pedido de remoção da acompanhante e indicado vários meios de prova, entendemos que os autos principais e os respectivos apensos estão isentos de custas à luz do disposto na alínea h) do nº 2 do artigo 4 do RCP.

9 - Atendendo ao disposto no artigo 4 do RCP, beneficiam de isenção de custas, os processos de acompanhamento de maiores se o maior acompanhado estiver representado pelo Ministério Público ou por defensor oficioso. Nos restantes processos de acompanhamento de maiores só haverá isenção de custas, a apreciar a final, se a pretensão for julgada procedente.

10 - Estando, neste momento, o presente incidente, suscitado num processo de acompanhamento de maior, numa fase inicial, o processo está isento de custas conforme o previsto na alínea h) do nº 2 do artigo 4 do RCP.

11 - O despacho recorrido violou a seguinte disposição legal: - artigo 4 nº 1 l), nº 2 h) e 6 do RCP.
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1.2.2. Contra-alegações
Não foram juntas quaisquer contra-alegações.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [1].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [2], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
Mercê do exposto, duas questões foram submetida à apreciação deste Tribunal:

1.ª - Errou o Tribunal a quo na interpretação e aplicação do Direito, ao considerar que foi a vogal DD quem deduziu incidente de alteração de acompanhamento de maior (nomeadamente, para substituição de acompanhante) e não o Ministério Público ?

2.ª - Errou o Tribunal a quo na interpretação e aplicação do Direito, ao considerar que o incidente de alteração de acompanhamento de maior (nomeadamente, para substituição de acompanhante) não está isento de custas ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a apreciação da questão enunciada, encontram-se assentes nos autos os factos elencados em «I - RELATÓRIO» (relativos ao seu processamento), que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Incidente de alteração de acompanhamento de maior - Iniciativa
4.1.1.1. Possibilidade de alteração (em geral)
Lê-se no art. 149.º, n.º 1, do CC [3], que o «acompanhamento cessa ou é modificado mediante decisão judicial que reconheça a cessação ou modificação das causas que o justificaram»; e lê-se no art. 904.º, n.º 2, do CPC, que as «medidas de acompanhamento podem, a todo o tempo, ser revistas ou levantadas pelo tribunal, quando a evolução o beneficiário o justifique».
Logo, as medidas de acompanhamento podem, a todo o tempo, ser revistas (modificadas) ou levantadas (cessadas) pelo tribunal, quando a evolução do acompanhado o justifique, em respeito pelos princípios da necessidade e da supletividade [4]; e embora a lei não o refira aqui expressamente, naquela alteração contem-se naturalmente a possibilidade de remoção/substituição do acompanhante.
 
Com efeito, e precisando os ditos princípios da necessidade e da supletividade, está subjacente ao actual instituto a presunção de que toda a pessoa adulta está habilitada a governar a sua pessoa e os seus bens (isto é, no actual regime, parte-se da capacidade e não da incapacidade). Lê-se, por isso: no art. 140.º, n.º 1, do CC, que o «acompanhamento do maior visa assegurar o seu bem-estar, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres, salvo as excepções legais ou determinadas por sentença»; no art. 145.º, n.º 1, do CC, que o «acompanhamento limita-se ao necessário» (isto é, ao alcançar daqueles objectivos); e no art. 140.º, n.º 2, do CC, que a «medida não tem lugar sempre que o seu objectivo se mostre garantido através dos deveres gerais de cooperação e assistência que no caso caibam» (nomeadamente, os que se encontram no âmbito das relações familiares, ou que resultem de contrato de prestação de serviços) [5].

Precisando agora os critérios de escolha e (eventual e posterior) remoção/substituição do acompanhante, lê-se no art. 143.º, n.º 1 e n.º 2, do CC, que, sem prejuízo da sua designação judicial, o «acompanhante, maior e no pleno exercício dos seus direitos, é escolhido pelo acompanhado ou pelo seu representante legal», sendo que, na falta daquela escolha, «o acompanhamento é deferido, no respectivo processo, à pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário» [6].
Consagra-se aqui, de forma inovadora, a possibilidade de ser o próprio acompanhado a escolher a pessoa do seu acompanhante, o que decorre novamente do princípio da autonomia, estruturante do novo regime.
Dir-se-á, a propósito do critério do «interesse imperioso do beneficiário», imposto ao tribunal, que o mesmo remete para «um padrão que tem de ser interpretado em primeira linha não por referência a um critério puramente objetivo do melhor interesse, mas concedendo prevalência à vontade reconhecível, ainda que não expressa do beneficiário, a razões de proximidade com o acompanhante e às necessidades pessoais daquele» (Paula Távora Vítor, Código Civil Anotado (coordenação de Ana Prata), Volume I, 2.ª edição, Almedina, Outubro de 2021, pág. 179).
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Dir-se-á ainda que esta faculdade de cessação/alteração de decisão prévia mostra-se em tudo consoante com a própria natureza do processo em causa, no que aqui releva idêntico a um processo de jurisdição voluntária [7].
Com efeito, mandando o art. 891.º, n.º 1, do CPC, aplicar ao «processo de acompanhamento de maior (…) o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita (…) à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes», há que ter ainda presente o disposto no art. 988.º, n.º 1, do mesmo diploma. Lê-se no mesmo que, nos «processos de jurisdição voluntária, as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração»; e «dizem-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso».
Logo, em sede de processos de jurisdição voluntária (e naqueles a que se aplique o seu regime) a regra é a da tangibilidade do caso julgado [8] (embora nos seus exactos pressupostos, e excluindo as situações que, pela sua própria natureza, não admitem modificações, como as decisões judiciais relativas ao estado das pessoas - v.g. sentença que decrete o divórcio ou a separação por mútuo consentimento, que converta a separação de pessoas e bens em divórcio, ou que decrete a adopção).
Compreende-se, por isso, que se afirma que, nos «processos de jurisdição voluntária, as decisões, ao invés do que sucede nos outros tipos de processo, não são, após o seu trânsito em julgado, definitivas e imutáveis», podendo ser alteradas «sempre que se alterarem as circunstâncias em que se fundaram»; e, por isso, se fala «duma espécie de caso julgado, sujeito a uma cláusula “rebus sic stantibus”» (Ac. da RE, de 16.03.2006, Bernardo Domingos, Processo n.º 150/06-3).
Precisa-se, porém, que «a modificação da decisão anterior implica que o requerente indique a factualidade que sustenta a alteração das circunstâncias, após o que o tribunal efetua uma análise comparativa entre o estado actual das coisas e o que existia aquando da prolação da decisão vigente». Precisa-se ainda que «as circunstâncias supervenientes hão de reconduzir-se aos factos em si mesmos, a realidades sobrevindas, com reflexo na alteração substancial da causa de pedir, nada tendo a ver com a eventual posterior invocação de uma diversa qualificação atribuída ou com uma diferente interpretação das situações de facto» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2020 Reimpressão Almedina, Julho de 2020, pág. 438, com bold apócrifo) [9].
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Já o próprio tribunal, de forma oficiosa, deve rever as medidas em vigor de acordo com a periodicidade estipulada na sentença e, no mínimo, de cinco em cinco anos (art. 155.º, do CC) [10]. A revisão periódica justifica-se pela necessidade de verificar, não só se a medida aplicada se mantém adequada, mas também se o acompanhante desempenhou correctamente as suas funções [11].
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4.1.1.2. Tramitação processual
Lê-se no art. 149.º, n.º 3, do CC, que podem «pedir a cessação ou modificação do acompanhamento o acompanhante ou qualquer uma das pessoas referidas no art. 141.º, n.º 1, do CC», isto é, o próprio acompanhado, o respectivo cônjuge ou unido de facto qualquer parente sucessível ou o Ministério Público (art. 149.º, n.º 3, do CC).
Mais se lê, no art. 904.º, n.º 3, do CPC, que ao «termo e à modificação das medidas de acompanhamento aplicam-se, com as necessárias adaptações e na medida do necessário, o disposto nos artigos 892.º e seguintes, correndo os incidentes respectivos por apenso ao processo principal».
Logo, esta remissão implica, nomeadamente, a existência de um requerimento inicial, onde se aleguem as razões de facto e de direito que justificam a alteração, concluindo-se pelo respectivo pedido (art. 892.º, do CPC); e onde se arrolem os meios de prova idóneos a demonstrá-las (arts. 549.º, n.º 1, 552.º, n.º 2 e 511º, n.º 1, todos do CPC).
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4.1.2. Subsunção do caso concreto (ao Direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que, tendo sido proferida sentença em 25 de Setembro de 2020, aplicando a BB, nascida em .../.../1948, a medida da acompanhamento de administração total e bens, foi designada como sua acompanhante uma das suas duas filhas, CC.
Mais se verifica que, em 30 de Agosto de 2022, por meio de um requerimento articulado, veio a sua outra filha, na qualidade de vogal do Conselho de Família, DD, alegar que a irmã não se encontrava em condições de exercer o seu cargo de acompanhante e que o vinha fazendo de forma inadequada aos interesse da Acompanhada; e concluiu pedindo a respectiva destituição, arrolando ainda sete testemunhas e requerendo outras diligências de prova.

Ora, e salvo o devido respeito por opinião contrária, assiste razão ao Tribunal a quo quando ajuizou que o dito requerimento consubstancia um efectivo pedido de alteração do acompanhamento decretado (nomeadamente, a remoção e substituição da Acompanhante nomeada); e dever mesmo ser autuado por apenso e dar origem aos pertinentes autos de alteração.
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Dir-se-á, ainda, não assistir razão à Requerente, quando afirma que o dito incidente se iniciou muito antes e por iniciativa do Ministério Público, nomeadamente quando este fez juntar aos autos principais requerimentos que ela própria lhe enviara (apresentando já queixas quanto ao comportamento da Acompanhante, mas sem que haja formulado qualquer pedido de remoção/substituição respectiva), e que instruíam inicialmente um processo administrativo próprio, promovendo ainda a realização de diligências tendentes a comprovar o por ela alegado.

Com efeito, um qualquer processo administrativo [12] organizado pelo Ministério Público, por determinação da hierarquia, visa a instauração e (ou) acompanhamento de acções no tribunal, mas não é idóneo a substituir o necessário impulso processual próprio (isto é, de acordo com as regras processuais previstas para o efeito, dirigidas a qualquer outro indiferenciado requerente). Admite-se, ainda, que o escrutínio final e global dos elementos que o Ministério Público assim recolha, nesse dossier privado, o levem precisamente, na sua avaliação criteriosa, a não desencadear uma intervenção judicial.
Ora, foi precisamente o que sucedeu no caso dos autos, em que o Ministério Público, na promoção de 27 de Julho de 2022, quando pretende a realização de um relatório social, desde logo esclarece que o faz «a fim de aferir da necessidade de integração da requerida em Lar/ERPI e da eventual remoção da acompanhante do cargo».
Logo, é apodíctico que, se ainda não tinha decidido sobre essa concreta e efectiva necessidade, também ainda não tinha desencadeado o impulso processual exigido para o efeito, nomeadamente apresentando requerimento inicial idóneo e o respectivo pedido de autuação por apenso.
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Mostra-se, assim, improcedente o primeiro fundamento do recurso de apelação interposto pela vogal DD, confirmando-se o juízo do Tribunal a quo, de que foi ela quem deduziu incidente de alteração do acompanhamento antes determinado quanto à sua mãe, AA.
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4.2. Incidente de alteração de acompanhamento de maior - Custas
4.2.1. Regime legal
Lê-se no art.  4.º, n.º 1, al. l), do RCP, que estão «isento de custas» os «menores, maiores acompanhados, ausentes e incertos quando representados pelo Ministério Público ou por defensor oficioso, mesmo que os processos decorram nas conservatórias de registo civil».
Esta isenção subjectiva é motivada pelo interesse público prosseguido pelo Ministério Público e pelo defensor oficioso, em defesa de pessoas reconhecidamente carecidas de acrescida protecção.

Mais se lê, no mesmo art. 4.º, mas agora, no seu n.º 2, al. h) - com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 2/2020, de 31 de Março (Orçamento de Estado 2020) -, que ficam «também isentos» os «processos de acompanhamento de maiores».
Alterou-se, assim, a redacção anterior do mesmo preceito (dada pela Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, que introduziu o regime jurídico do maior acompanhado), onde antes se lia que ficam «também isentos» os «maiores acompanhados ou respetivos acompanhantes nos processos de instauração, revisão e levantamento de acompanhamento».
Logo, substitui-se a anterior isenção subjectiva de «maiores acompanhados ou respetivos acompanhantes» em todos os processos que dissessem respeito aos primeiros («de instauração, revisão e levantamento de acompanhamento»), por uma isenção objectiva de «processos de acompanhamento de maiores», o que, salvo o devido respeito por opinião contrária, inclui todos os incidentes que venham a ser suscitados nos mesmos (nomeadamente, de revisão/alteração e levantamento/termo).
Com efeito, ao substituir-se a anterior discriminação de «processos de instauração, revisão e levantamento de acompanhamento» pela actual e genérica expressão «processos de acompanhamento de maiores», inclui-se neste plural todas as possíveis versões processuais dos ditos processos de acompanhamento de maiores; e esta interpretação mostra-se conforme com uma cada vez maior preocupação social com a promoção e defesa das pessoas deles objecto.
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4.2.2. Subsunção do caso concreto (ao Direito aplicável)
Concretizando, tendo em 30 de Agosto de 2022, por meio de um requerimento articulado, vindo a vogal DD deduzir um incidente de alteração do acompanhamento antes decretado em benefício da sua mãe, AA (nomeadamente, pedindo a destituição da Acompanhante nomeada), estava a mesma dispensada de pagar qualquer  taxa de justiça devida pela sua interposição, por o mesmo não estar sujeito a custas [13].
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Mostra-se, assim, procedente o segundo fundamento do recurso de apelação interposto pela vogal DD, revogando-se o juízo do Tribunal a quo, de que é devida taxa de justiça pela dedução, por ela própria, de incidente de alteração do acompanhamento antes determinado quanto à sua mãe, AA.
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Importa, pois, decidir em conformidade, pela parcial improcedência e pela parcial procedência do recurso interposto pela vogal DD.
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente improcedente e parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela vogal DD e, em consequência,

· Confirmar parcialmente o despacho recorrido, quando no mesmo se considera que, com o seu requerimento de 30 de Agosto de 2022, a vogal DD deduziu incidente de alteração do acompanhamento antes determinado quanto à sua mãe, AA.

· Revogar parcialmente o despacho recorrido, quando no mesmo se afirma que é devia taxa de justiça pela dedução de incidente de alteração do acompanhamento antes determinado quanto, AA, uma vez que o mesmo está isento de custas.
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Sem custas, em virtude de o presente incidente  haver isenção objetiva de custas (art. 4.º, n.º 2, al. h), do RCP).
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Guimarães, 02 de Fevereiro de 2023.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;

1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;

2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes.


[1] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).
[2] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[3] A redacção deste artigo, bem como de todos os demais insertos na Subsecção III, pertinente aos «Maiores Acompanhados», foi introduzida pela Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, que revogou os anteriores institutos de interdição (aplicável aos casos tidos como mais graves de incapacidade) e de inabilitação (aplicável aos caso tidos como menos graves de incapacidade) [3], modelos (rígidos) de substituição e assistência, operando uma verdadeira alteração de paradigma neste âmbito, com a adopção de um modelo monista (flexível) de acompanhamento.
Com efeito, optou-se então por um único instituto, mas mais flexível, por forma a dar primazia à vontade da pessoa carecida de protecção e a conseguir a sua maior capacitação possível (face à diversidade de situações de incapacidade, com graus diferenciados de dependência, a exigirem respostas e apoios distintos, ponderados caso a caso); e, desse modo, reflectiu-se na ordem jurídica portuguesa as directrizes decorrentes da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que consagrou o «modelo social» da deficiência  (substituindo o anterior «modelo clínico»), e deu-se resposta às críticas que há muito se faziam ao progressivamente mais desajustado regime dualista até então em vigor.
Neste novo modelo, mantendo o maior plena capacidade jurídica, visa-se a adopção, quando necessário, de medidas flexíveis de acompanhamento, pelo que, «em vez da pergunta: “aquela pessoa possui capacidade mental para exercer a sua capacidade jurídica?”, deve perguntar-se: “quais os tipos de apoio necessários àquela pessoa para que exerça a sua capacidade jurídica?”» (António Pinto Monteiro, «Das incapacidades ao maior acompanhado - Breve apresentação da Lei n.º 49/2018», RLJ, Secção de Legislação, Ano n.º 148, n.º 4013, Novembro/Dezembro de 2018, pág. 77).
Dir-se-á, por isso, que, confrontando «os traços essenciais do regime jurídico do maior acompanhado com os institutos da interdição e da inabilitação por aquele eliminados facilmente se constata um alargamento dos fundamentos do acompanhamento de maiores bem como uma maior flexibilidade na definição do conteúdo desse mesmo acompanhamento» (Ac. da RG, de 16.01.2020, Paulo Reis, Processo n.º 4046/17.1T8GMR.G1).
[4] Neste sentido, Paula Távora Vítor, Código Civil Anotado (coordenação de Ana Prata), Volume I, 2.ª edição, Almedina, Outubro de 2021, pág. 193, onde se lê que se torna «essencial averiguar se existe necessidade da medida para permitir a plena participação do beneficiário no mundo jurídico e se esta é adequada à prossecução desse fim e ter em conta o funcionamento do princípio da subsidiariedade (…), que privilegiará em todos os momentos os meios menos intrusivos da resposta. Tal determinará se a medida deve subsistir e em que termos deve subsistir».
[5] Neste sentido, Ac. da RP, de 26.09.2019, Joaquim Correia Gomes, Processo n.º 13569/17.1T8PRT.P1, onde se lê que que a «medida de acompanhamento de uma pessoa maior só se justifica quando esta revelar uma inaptidão básica para autogovernar e autodeterminar a sua vida, tanto pessoal, como patrimonial, existindo factores que, de um modo global ou particular, reduzem ou eliminam a voluntariedade e consciência dos seus actos, em função dos seus juízos de capacidade, os quais devem ser aferidos em concreto e não em abstracto».
Assim, quaisquer medidas a aplicar terão de respeitar o «princípio do mínimo necessário», isto é, «devem ser sujeitas a um teste de proporcionalidade, determinando-se em concreto o que é necessário, adequado e na justa medida para preservar os interesses legítimos da pessoa acompanhada e não de qualquer outra»; e, por isso, «será de ponderar todas as circunstâncias endógenas e exógenas que em termos funcionais reduzem ou eliminam as suas aptidões mentais de autonomia pessoal (…) para dirigir a sua pessoa, administrar os seus bens e celebrar actos jurídicos em geral».
[6] Relativamente à primazia da escolha do acompanhado, da pessoa do seu acompanhante, lê-se no Ac. da RL, de 04.06.2020, Rui Moura, Processo n.º 1609/18.1T8ALM.L1-8, que «tendo a requerida escolhido no processo a pessoa que devia ser designada pelo Tribunal como Acompanhante e tratando-se de pessoa da sua confiança e com quem mantém uma relação gratificante, e, não estando em causa a sua capacidade de escolha, é a mesma válida - por ter sido expressa livre, ponderada e reiteradamente - e operativa».

Relativamente à forma como essa escolha pode ser feita, lê-se no Ac. da RP, de 24.10.2019, Aristides Rodrigues de Almeida, Processo n.º 887/18.0T8PVZ.P1, que «a lei não define regras formais ou materiais para a formulação pelo maior dessa escolha», podendo «resultar de um documento escrito redigido antecipadamente pelo maior em momento em que se encontre em plenas condições para exercer por si mesmo os seus direitos», da «audição do beneficiário no decurso do próprio processo se o tribunal concluir que o mesmo mantém capacidade para fazer de modo consciente essa opção» ou «poderá ainda resultar da vontade presumível do beneficiário».
Relativamente ao critério da escolha que não possa ser feita pelo próprio acompanhado, lê-se no Ac. da RP, de 28.02.2021, Carlos Portela, Processo n.º 1050/20.6T8PRD.P1, que a «designação judicial do acompanhante deve estar centrada na pessoa maior que em concreto, e não em abstracto, vai ser legalmente acompanhada, concluindo-se que aquela está em melhor posição para assumir as funções de acompanhamento legal, o que passa por: (i) assegurar as medidas de apoio que foram determinadas pelo tribunal; (ii) prestar-lhe os cuidados devidos, atento o respectivo contexto pessoal, social e ambiental; (iii) participar juridicamente na representação legal determinada pelo tribunal; (iv) assegurar em todos os domínios a vontade e os desejos da pessoa acompanhada, tanto a nível pessoal, como patrimonial, que não foram judicialmente reservados ou restringidos».
Ainda Ac. da RP, de 24.10.2019, Aristides Rodrigues de Almeida, Processo n.º 887/18.0T8PVZ.P1, onde se lê que, ainda que a escolha do director da instituição onde o beneficiário esteja acolhido (art. 143.º, n.º 2, al.g), do CC) seja a mais «fácil», «deve ser a última solução a equacionar, só devendo colocar-se quando estiver totalmente arredada a possibilidade de nomear alguém do círculo pessoal e familiar do acompanhado e a escolha não possa senão recair em estranhos, sem ligação pessoal ou afectiva ao acompanhado».  
Relativamente ao controlo do exercício das funções de acompanhante, lê-se no Ac. da RG, de 12.11.2020, Ana Cristina Duarte, Processo n.º 76/15.6T8ALJ.G1, que, visando o acompanhamento de maior, quando este é uma pessoa totalmente dependente de terceiros, (…) assegurar, essencialmente o seu bem-estar físico, psíquico e emocional», tal «desiderato é conseguido quando a acompanhada vive em casa da acompanhante, sua irmã, com a família desta, em quarto próprio e com boas condições habitacionais, estando bem cuidada, higienizada, medicada, sem sinais de desnutrição ou alterações cutâneas».
Contudo, existindo «suspeitas sobre a administração que a acompanhante faz dos bens da acompanhada, pode o tribunal determinar que a acompanhante preste contas da sua administração».  
[7] Precisa-se que a remissão feita no art. 891.º, n.º 1, do CPC, para os processos de jurisdição voluntária, não sendo é irrestrita, é quase geral: aplica-se ao processo de acompanhamento de maior, «com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes».
Logo, o «tribunal pode (…) investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes» (art. 986.º, n.º 2, do CPC); nas «providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna» (art. 987º, do CPC); e «as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração», sendo-o «tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso».
Assim, das características gerais dos processos de jurisdição voluntária, «só não é aplicável aquela que determina que, nas resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade, não é admissível recurso para o STJ (art.° 988.°, n.° 2)»; e, por isso, «o processo especial de acompanhamento de maiores é, em termos substanciais, um processo de jurisdição voluntária» (Ac. da RL, de 28.05.2020, Maria Amélia Ameixoeira, Processo n.º 2039/19.3T8ALM.L1-8).
Contudo, formalmente não pode ser considerado como tal, «não só porque não se encontra inserido no Título XV do Livro V do Código de Processo Civil, mas também porque não há nenhuma disposição legal que (…) o qualifique como tal»; e este aspecto, embora formal, é muito relevante, porque implica, por exemplo, que a desnecessidade da constituição de advogado que consta do art.° 986.°, n.° 4, não é aplicável aos processos de acompanhamento de maiores».
No mesmo sentido, Miguel Teixeira de Sousa, «O regime do acompanhamento de maiores: alguns aspectos processuais», O Novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado [e-book], Centro de Estudos Judiciários, Fevereiro de 2019, págs. 45 e 46, e 53.
Diz-se, assim, que «o processo para acompanhamento de maior tem uma natureza híbrida, não sendo de facto um típico processo de jurisdição voluntária» (Ac. da RP, de 28.02.2021, Carlos Portela, Processo n.º 1050/20.6T8PRD.P1).
[8] Nos processos de jurisdição contenciosa, as únicas excepções previstas à intagibilidade do caso julgado encontram-se enunciadas no art. 619.º, n.º 2, do CPC, onde se lê que se «o réu tiver sido condenado a prestar alimentos, ou a satisfazer outras prestações dependentes de circunstâncias especiais quanto à sua medida ou à sua duração, pode a sentença ser alterada desde que se modifiquem as circunstâncias que determinaram a condenação».
[9] Relativamente à necessidade de alegar a factualidade que justifica a alteração da prévia decisão, lê-se no Ac. da RG, de 19.03.2013, António Santos, Processo n.º 6558/05.0TBGMR-D.G1, que, «quando, apesar de o requerente no articulado onde deduz o pedido [de alteração de prévia decisão, proferida em sede de jurisdição voluntária], estar obrigado a expor os fundamentos do mesmo – v.g. a ocorrência de circunstâncias supervenientes - , nada de concreto alega que o justifique», deve o «juiz titular (…) proferir decisão de indeferimento liminar do requerimento inicial».
[10] Relativamente à revisão de medida de acompanhamento aplicada, lê-se no Ac. da RG, de 13.05.2021, Margarida Almeida Fernandes, Processo n.º 97/14.6T8BCL-B.G1, que a «medida de acompanhamento é revista oficiosamente decorridos 5 anos», «mas pode ser revista a todo o tempo a pedido do próprio, do acompanhante ou do Ministério Público desde que seja alegada a modificação das causas que a justificaram ou que a evolução do beneficiário o justifique».
[11] Relativamente à revisão oficiosa das decisões proferidas no processo de acompanhamento de maior, lê-se no Ac. da RP, de 10.05.2021, Eugénia Cunha, Processo n.º 102/20.7T8FLG.P1, que «o momento da fixação da periodicidade da revisão é o da prolação da sentença, e nessa peça processual, sempre tendo de o ser, no mínimo, de cinco em cinco anos (v. referido art. 155º, do Código Civil), sem prejuízo de, a todo o tempo, poderem as medidas ser revistas ou levantadas pelo tribunal, desde que a evolução da situação e as circunstâncias do beneficiário o justifiquem (v. nº2, do artigo 904º, do Código de Processo Civil)».
[12] A existência deste dossier (resultante do processo burocrático de recolha de elementos e/ou de acompanhamento, foi determinada pelo Procurador-Geral da República, no uso da competência conferida pela lei (art.º 10, n.° 2, b), da Lei Orgânica do Ministério Público então em vigor - Lei n.º 47/86, de 15.10 -, a que corresponde o actual art.º 12 do Estatuto do Ministério Público, e o art.º 9, n° 1, do Regulamento Interno da Procuradoria-Geral da República).
Emitiu para o efeito a Circular n.° 12/1979, onde instituiu a obrigatoriedade organização de processos, para os referidos efeitos, a que chamou de administrativos, que mais não são que um conjunto de peças próprias do Ministério Público, para seu uso pessoal, para apreciação da hierarquia sempre que necessário e para controlo das inspecções a que o Magistrado é submetido.
[13] Neste sentido: Ac. da RG, de 07.02.2020, Helena Melo, Processo n.º 233/13.0TBPTL-A.G1; ou Ac. da RE, de 11.03.2021, Manuel bargado, Processo n.º 2099/18.4T8LRA-A.E1.