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DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
NEGLIGÊNCIA
Sumário
I) A deserção da instância configura uma paragem qualificada (por mais de 6 meses) do processo, por negligência do demandante – cfr. artigo 281.º, n.º 1, do CPC – ou do exequente – cfr. artigo 281.º, n.º 5, do CPC - em impulsionar os seus termos. II) Não releva, para efeitos de deserção da instância, que o processo esteja a aguardar o impulso processual da parte por um período superior a 6 meses, se sobre a parte não recair o ónus específico de promoção da atividade processual. III) A extinção da instância por deserção (cfr. artigo 277.º, al. c) do CPC) só se justifica, no entanto, quando o impasse na tramitação do processo não deva ser superado oficiosamente pelo tribunal. IV) Para a apreciação da situação de negligência da parte, determinativa de extinção da instância, pelas suas gravosas consequências, não basta o mero decurso do prazo previsto na lei ou a singela verificação de uma não atuação, sendo necessário existir contraditório prévio à prolação da decisão de deserção (cfr. artigo 3.º do CPC), devendo o Tribunal, no âmbito do seu dever de cooperação processual - na vertente da prevenção ao demandante (cfr. artigo 7.º, n.º 1, do CPC), sinalizar, antecipadamente, as possíveis consequências da conduta omissiva da parte, ainda que tal possa ocorrer por singela referência ao preceituado no artigo 281.º, n.º 1, do CPC, mormente quando a parte se encontra representada por advogado. V) A negligência significa aqui imputabilidade – causalmente adequada – de uma conduta omissiva na promoção do processo à parte, e não a terceiro ou ao tribunal. VI) A promoção do prosseguimento do processo pela parte, obstativa da declaração de deserção da instância, tem de ter um sentido de utilidade, caso em que ficará inviabilizada tal declaração, com fundamento na falta de impulso processual registada em momento anterior à prática do acto processual que promove tal prosseguimento. VII) Não incidindo sobre o autor específico ónus de impulso processual que tenha inobservado, ao não dar resposta à notificação que lhe foi endereçada para notificação do despacho de 17-11-2021, não existia motivo para a prolação de decisão de extinção da instância, por deserção. VIII) A não promoção pelo autor dos termos do processo, quando foi notificado da inviabilidade de diligências de citação de habilitandos, não determina a extinção da instância por deserção, dado que, tal não representa a inobservância de cumprimento de um dever, sem o qual, o processo ficasse parado, sem possibilidade de prosseguir oficiosamente os seus termos.
Texto Integral
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
* 1. Relatório:
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1. Nos presentes autos de ação declarativa, com forma de processo comum instaurados por HV, identificado nos autos, contra JR, MR, GFP, AP, MS e JS, também identificados nos autos, foi junto aos autos, em 03-04-2021, assento de óbito de MS.
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2. Por despacho judicial de 04-05-2021 foi declarada suspensa a instância até que se mostre notificada a decisão que considere habilitado o sucessor da parte falecida.
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3. Por requerimento apresentado em juízo em 09-11-2021 o autor veio requerer a habilitação de herdeiros da falecida ré, mas por apenas ter remetido uma das páginas, apresentou no requerimento em 10-11-2021.
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4. Em 06-12-2021 foi proferido despacho a determinar a citação dos requeridos para contestarem o incidente de habilitação requerido.
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5. Em 15-12-2021 foi notificada ao autor a devolução da correspondência (devolvida com a menção de “mudou-se”) remetida para citação dos requeridos ER e NR.
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6. Na sequência, em 05-01-2022 foi proferido despacho – notificado ao autor por ofício expedido em 06-01-2022 - de onde consta escrito o seguinte: “Aguardem os autos que algo seja requerido pelo autor relativamente à citação dos habilitandos, sem prejuízo do decurso do prazo de deserção da instância previsto no artigo 281.º do Código de Processo Civil”.
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7. Em 08-07-2022 o autor apresentou nos autos novo requerimento para habilitação dos requeridos NR e ER como sucessores da falecida ré.
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7. Na sequência foi proferido, em 04-12-2018, despacho do seguinte teor: “Averigue nas competentes bases de dados, da identificação de morada do legal representante da Requerida (cfr. fls. 6 v.) e notifique a Requerente para requerer o que tiver por conveniente, face aos resultados obtidos.”.
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8. Em 19-09-2022 foi proferida a seguinte decisão: “No despacho antecedente determinou-se que os autos ficassem a aguardar o impulso dos autores relativamente à citação dos requeridos, na sequência da devolução do expediente relativo à citação dos requeridos, alguns deles com a indicação “mudou-se”. O autor apresentou novo requerimento de habilitação de herdeiros, sendo certo que o mesmo requerente havia já requerido habilitação dos mesmos herdeiros, na sequência do falecimento da mesma ré, tendo sido exatamente na sequência de tal requerimento que se determinou a citação/notificação dos requeridos, cujo expediente foi devolvido. Nada foi dito ou requerido pelo autor relativamente à citação dos habilitandos, em face da devolução do expediente de citação. Assim sendo, encontrando-se os presentes autos parados há mais de seis meses por falta de impulso processual do autor, nos termos do disposto no artigo 281º, n.ºs 1 e 4 do Código de Processo Civil, declaro deserta a instância. Custas pelo autor (artigo 529º do Código de Processo Civil). Notifique.”.
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9. Não se conformando com a referida decisão, dela apela o autor, pugnando pela revogação da mesma, “devendo em consequência, o processo baixar à primeira instância para que o tribunal a quo se pronuncie sobre o conteúdo do requerimento de habilitação apresentado”, tendo formulado as seguintes conclusões: “I - Por douto despacho datado de 05-01-2022 o recorrente foi notificado para requerer a notificação dos habilitandos no âmbito do processo de habilitação que corre por apenso aos presentes autos, com a seguinte cominação: “sem prejuízo do decurso do prazo de deserção da instância previsto no artigo 281º do Código do Processo Civil “; II - Aconteceu porém que antes de se completar o citado prazo de seis meses, em vez de requerer o prosseguimento da habilitação apensa, o recorrente veio intentar um novo incidente de habilitação; III - Tal situação aconteceu por deficiência de comunicação entre o mandatário signatário e a sua funcionária de escritório; IV - A deserção da instância, por ser uma medida muito gravosa e pesada, só se aplica quando o autor revela um total desinteresse pelo prosseguimento da causa, ou seja, pelo andamento dos autos; V - Não foi o que aconteceu no presente caso; VI - No presente caso, o recorrente revelou a vontade de intervir nos autos, requerendo o prosseguimento dos mesmos, antes de se completar o prazo de seis meses, fixado no douto despacho e estabelecido pela lei; VII - Com efeito, o CPC não estabelece que o autor é obrigado a fazer “o requerimento certo”, em termos de facto e de direito, antes de completar o período de seis meses, definido pela lei. VIII- A grande realidade é que o recorrente interveio nos autos, promovendo o impulso processual, antes de se completar o prazo de seis meses e daí, impor-se a revogação do douto despacho ora posto em crise. IX- Ao declarar deserta a presente instância, o tribunal a quo violou, por erro de interpretação, o nº 1 do artigo 281º, nº 1, do CPC.”.
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10. Dos autos não constam contra-alegações.
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11. Por despacho de 12-12-2022 foi admitido liminarmente o requerimento recursório.
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12. Foram colhidos os vistos legais.
* 2. Questões a decidir:
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , a única questão a decidir é a de saber:
A) Se o Tribunal recorrido fez uma errada interpretação e aplicação do artigo 281.º do CPC?
* 3. Fundamentação de facto:
São elementos processuais relevantes para a apreciação do recurso os elencados no relatório.
* 4. Fundamentação de Direito:
Vejamos, pois, o recurso apresentado, apreciando as questões supra enunciadas.
* A) Se o Tribunal recorrido fez uma errada interpretação e aplicação do artigo 281.º, n.º 1, do CPC?
O recorrente não se conforma com a decisão recorrida, que julgou deserta a instância, por entender que o Tribunal efetuou errada interpretação ao caso do disposto no artigo 281.º, n.º 1, do CPC.
Vejamos:
Uma vez proposta a ação, o juiz tem o dever de dirigir ativamente o processo e de providenciar pelo seu célere andamento.
Contudo, este dever de gestão processual expresso no artigo 6.º do CPC coexiste com os ónus de impulso dos termos do processo especialmente impostos às partes, podendo determinados preceitos especiais imporem às partes o ónus de impulso subsequente, mediante a prática de determinados actos que viabilizem o prosseguimento da causa.
Conforme se dá nota no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30-05-2019 (Processo 170/17.9T8SRP.E1, rel. TOMÉ DE CARVALHO), “relativamente ao princípio da cooperação que está inscrito no artigo 7º do Código de Processo Civil, o mesmo conflitua neste ponto concreto com os princípios da iniciativa e da auto-responsabilidade das partes, os quais devem prevalecer na abordagem concreta desta situação. O princípio da iniciativa é regulado no artigo 3º do Código de Processo Civil e a auto-responsabilidade da parte exprime-se na consequência negativa (desvantagem ou perda de vantagem) decorrente da omissão do acto. Efectivamente, ónus e cominações podem ainda surgir fora do âmbito dos prazos peremptórias e das consequentes preclusões: a omissão continuada de actividade da parte, quando a esta cabe um ónus especial de impulso processual subsequente, tem também efeitos cominatórios, que podem consistir, designadamente, na deserção da instância ou do recurso”.
A deserção da instância constitui uma das causas de extinção da instância (artigo 277.º, al. c), do CPC).
Na vigência do CPC de 1961 a extinção da instância por deserção pressupunha a prévia interrupção da instância, instituto que desapareceu na vigente redação do CPC.
E, como dá nota Lebre de Freitas (“Da nulidade da declaração de deserção da instância sem precedência de advertência à Parte”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 2018, I-II, p. 193) “foi-se consolidando a jurisprudência no sentido de que a interrupção da instância dependia de despacho judicial, pois as razões da paralisação deviam ser apreciadas pelo julgador, embora se entendesse bastar um despacho que mandasse aguardar o decurso do prazo da interrupção, por conter uma decisão implícita. Era, porém, controvertido se o despacho tinha natureza constitutiva, só com a sua notificação se iniciando o cômputo do prazo conducente à interrupção, ou natureza declarativa, limitando-se a alertar a parte para a pendência do prazo já iniciado”.
De acordo com o vigente artigo 281.º, n.º 1, do CPC, “sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”.
A deserção da instância configura uma paragem qualificada do processo.
Como salienta Paulo Ramos de Faria (“O julgamento da deserção da instância declarativa – breve roteiro jurisprudencial”, in Julgar, online, Abril 2015, p. 4, texto consultado em: http://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/04/O-JULGAMENTO-DA-DESER%C3%87%C3%83O-DA-INST%C3%82NCIA-DECLARATIVA-JULGAR.pdf), “a deserção da instância é um efeito direto do tempo sobre a instância, pressupondo uma situação jurídica preexistente: a paragem do processo – situação indesejada, como vimos, que fundamenta objetivamente este instituto. Como resposta legal para o impasse processual, a extinção da instância só se justifica, no entanto, quando tal impasse não possa (não deva) ser superado oficiosamente pelo tribunal. Assim, determina a lei que a paragem do processo que empresta relevo ao decurso do tempo deve ser o efeito, isto é, o resultado (causalmente adequado) de uma conduta típica integrada por dois elementos: a omissão de um ato que só ao demandante cabe praticar; a negligência deste.”.
Assim, à luz do vigente CPC, bastam 6 meses de negligência da parte no andamento do processo – claro está, quando ele dependa do impulso processual daquela - para que a deserção diretamente ocorra.
Segundo Lebre de Freitas (loc. cit., p. 194) “este drástico encurtamento do período a decorrer até à extinção da instância (de 3 anos para 6 meses) acentua a finalidade de promoção da celeridade processual, que passa por evitar que os processos se conservem pendentes sem qualquer movimentação, nomeadamente mantendo a eles ligada a parte não onerada com o impulso processual. Mas, por outro lado, este encurtamento obriga a particulares cautelas na interpretação do art.º 281.º-1, CPC, e força (para além da razão decorrente da necessidade de apreciação do requisito da negligência da parte) a que não seja dispensável um despacho judicial a alertar previamente a parte para o risco de ocorrência da deserção da instância”.
Salientando o imperativo constitucional de os tribunais assegurarem a tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos, com primado da decisão de mérito na decisão dos conflitos de interesses privados – cfr. artigo 203.º, n.º 2, da CRP – o mesmo Autor (loc. cit., p. 196) considera que, dessa proposição, “decorre que a composição dos litígios por modo diverso da aplicação da lei material ao caso concreto (art.º 203.º da Constituição da república) só constitui finalidade autónoma do processo civil no julgamento de equidade e que, mesmo quando falte um pressuposto processual, o tribunal deve promover a sua sanação (art.º 6.º-2, CPC), bem como dele prescindir quando, no momento da sua apreciação, nenhum outro motivo obste ao conhecimento de mérito e a decisão deva ser inteiramente favorável à parte cujo interesse a exceção dilatória se destine a tutelar (art.º 278.º-3, CPC)” e sublinha que, por essa razão, “o direito de defesa postula o tempero da rigidez das preclusões e cominações decorrentes da revelia e os princípios da preclusão e da autorresponsabilidade das partes são temperados por deveres de cooperação entre elas e o tribunal, para que o processo realize a sua função (de tutela dos direitos subjetivos e dos interesses legalmente protegidos) com brevidade e eficácia (art.º 7.º-1, CPC)”.
No âmbito deste princípio de cooperação compreende-se um dever de prevenção do juiz (cfr. Lebre de Freitas; Introdução ao Processo Civil, Coimbra, 2013, nºs. 1.3.4), sendo manifestações do mesmo a advertência às partes das possíveis consequências desvantajosas de certas atuações (cfr. artigos 590.º, n.º 4 e 591.º, al. c), do CPC) e a própria garantia, pelo juiz, de um contraditório efetivo (cfr. artigo 3.º, n.º 3, do CPC).
Assim, “o despacho judicial que advirta a parte para a possibilidade da deserção da instância não é, pois, dispensável, quer se entenda que só a partir dele correm os seis meses do art.º 281.º-1, CPC, quer se entenda que basta que o juiz o profira, no decurso desse prazo ou depois dele concluído, desde que a parte tenha a possibilidade de praticar seguidamente o ato omitido” (assim, Lebre de Freitas; “Da nulidade da declaração de deserção da instância sem precedência de advertência à Parte”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 2018, I-II, p. 197).
Conclui Lebre de Freitas (loc. cit., p. 198) que o artigo 281.º, n.º 1 contém os seguintes sete requisitos para a sua aplicação: “1. Que lei especial, ou o tribunal por despacho de adequação formal do processo, imponha à parte um ónus de impulso processual subsequente; 2. Que o ato que a parte deva praticar seja por ela omitido; 3. Que o processo fique parado em consequência dessa omissão; 4. Que a omissão se prolongue durante mais de seis meses; 5. Que o processo se mantenha, por isso, parado durante este período de tempo; 6. Que a omissão seja imputável à parte, por dolo ou negligência; 7. Que o juiz alerte a parte onerada para a deserção da instância que ocorrerá se o ato não for praticado (segundo a corrente mais exigente, só a partir da notificação deste despacho de advertência se contando os seis meses).”.
Segundo Lebre de Freitas (loc. cit., p. 198), verificando-se os sete requisitos enunciados, o juiz julgará deserta a instância. Caso não se verifiquem todos eles, mas ainda assim o juiz declare deserta a instância sem ter feito a advertência à parte da possibilidade da sua ocorrência, ocorrerá a omissão de um ato que devia ser praticado antes dessa declaração, que padecerá de nulidade (cfr. artigo 195.º, n.º 1, do CPC).
Paulo Ramos de Faria (“O julgamento da deserção da instância declarativa – breve roteiro jurisprudencial”, in Julgar, online, Abril 2015, p. 17) sugere que a aplicação do “dever de prevenção” pelo juiz se efetue do seguinte modo: “Quando o juiz gere o processo fazendo-o aguardar um ato da parte, por entender que se está perante um caso em que o impulso apenas a esta cabe, tem a obrigação de o proclamar nos autos, ficando os contendores notificados plenamente conscientes de que a demanda aguarda o seu impulso pelo prazo de deserção. Mesmo nos casos que aparentam ser mais evidentes, não representa qualquer esforço relevante para o juiz esclarecer os restantes sujeitos processuais sobre o estado dos autos, despachando no sentido de os informar que: a) o processo aguarda o impulso do demandante; b) a inércia deste determinará a extinção da instância (em data que indicar, ou decorridos seis meses sobre a data que indicar); c) não haverá novo convite à prática do ato, sendo declarada deserta a instância, logo que decorrer o prazo apontado (art.º 281.º, n.º 1); d) qualquer circunstância que impeça o autor de praticar o ato deverá ser imediatamente comunicada ao tribunal. A advertência deve surgir logo que o juiz constate que os autos carecem do impulso da parte.”.
A jurisprudência tem aplicado, por diversas vezes, o instituto da deserção da instância, nem sempre de forma totalmente unívoca.
Todavia, de forma uniforme, a jurisprudência tem entendido ser indispensável a apreciação da situação de negligência da parte com referência ao que, em concreto, decorre do processo, não bastando o mero decurso do prazo previsto na lei ou a singela verificação de uma não atuação para a extinção da instância.
Em idênticos termos, tem-se considerado necessário que tenha lugar contraditório prévio à deserção, ainda que, se admita que o mesmo ocorra por referência ao preceituado no artigo 281.º, n.º 1 do CPC.
As divergências de entendimentos residem, quanto à forma de se garantir a observância deste contraditório, nomeadamente, quando não tenha tido lugar prévio e específico despacho de audição das partes sobre a situação de negligência e, designadamente, se se mostra compatível com o princípio da cooperação processual e com o dever de prevenção dele emergente, a advertência da parte no sentido de que, da omissão da prática do ato devido para efeitos de impulso processual, decorrerá o oportuno sancionamento, nos termos do artigo 281º, nº 1, do CPC.
Entre outros arestos, podem citar-se, sobre esta problemática (por ordem cronológica decrescente), os seguintes:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-11-2021 (Pº 31/13.0 TVLSB.L1-8, rel. TERESA SANDIÃES): “Na apreciação dos requisitos da deserção da instância compete ao juiz averiguar se a conduta da parte é negligente, no sentido de lhe ser imputável, por o ato omissivo depender apenas da sua vontade. A montante deste juízo há que indagar se a conduta omissiva se traduz na falta de prática de ato que a lei imponha à parte (ónus processual) e se impede o prosseguimento da tramitação normal do processo ou se o ato omitido era absolutamente necessário para o seu prosseguimento”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-11-2021 (Pº 1039/14.4T8ALM-2, rel. PEDRO MARTINS): “A deserção da execução é automática quando esteja decorrido o prazo de 6 meses de negligência na actuação daquele que deve fazer alguma coisa para que o processo não se extinga, contados da notificada a declaração da suspensão”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-05-2021 (Pº 542/16.6T8ALM-A.L1-8, rel. TERESA SANDIÃES): “O ato omitido pela parte, apto a culminar na deserção da instância, resulta do incumprimento de ónus processual. Além de competir ao juiz averiguar se a conduta da parte é negligente, a montante deste juízo há que indagar se a conduta omissiva se traduz na falta da prática de ato que a lei imponha à parte (ónus processual) e se a sua omissão impede o prosseguimento da tramitação normal do processo ou se o ato omitido era absolutamente necessário para o seu prosseguimento”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-04-2021 (Pº 27911/18.4T8LSB.L1.S1, rel. PEDRO DE LIMA GONÇALVES): “Do disposto no artigo 281º do Código de Processo Civil conclui-se que: é necessário que seja proferida decisão sobre a deserção (referindo-se o nº 4 do artigo 281º do Código de Processo Civil a “simples despacho”), não ocorrendo, portanto, de forma automática. Não basta o mero decurso do prazo de seis meses para que ocorra a deserção da instância, é necessário, também, apurar-se se o processo está parado por negligência das partes. No que respeita à audição antes de ser proferida a decisão a julgar extinta a instância por deserção, não se encontra qualquer disposição legal que determina essa audição, nem a mesma decorre do princípio do contraditório ou do princípio da cooperação e do dever de gestão processual. A não intervenção do Tribunal desde o despacho que suspende a instância por óbito de um interessado até à decisão que julga extinta a instância por deserção, não viola o princípio da cooperação previsto no artigo 7º do Código de Processo Civil ou o dever de gestão processual previsto no artigo 6º deste diploma legal, porquanto não cabe ao Tribunal terminar com a inércia das partes, impondo-lhes a prática de atos que as mesmas não pretendam praticar (devendo sofrer as consequências legais da sua omissão), pois a maior intervenção que o Código de Processo Civil confere ao Juiz para providenciar pelo andamento célere do processo e com vista à prevalência da justiça material em detrimento da justiça adjetiva, não afasta o princípio da autorresponsabilização das partes”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05-11-2020 (Pº 27911/18.4T8LSB.L1-2, rel. PEDRO MARTINS): “Actua com negligência a parte, representada por advogado, que, depois de propor uma acção, está 17 meses sem requerer nada de útil ao processo, entre eles particamente 1 ano sem requerer absolutamente nada, mesmo depois de ter sido notificada de que tinha o ónus de impulsionar o processo requerendo a habilitação dos herdeiros do réu ainda não citado, e quase 10 meses mesmo depois de notificada da suspensão do processo enquanto eles não fossem habilitados e mais de 6 meses mesmo descontando o período de suspensão dos prazos judiciais imposto pela legislação covid-19. Isto sem necessidade de ouvir a autora sobre a verificação ou não da negligência e mesmo sem que daqueles despachos constasse a advertência da possível deserção com extinção da instância (sendo certo, no entanto, que no caso dos autos consta de forma expressa referência ao artigo 281 do CPC)”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-06-2020 (Pº 99/12.7TBAMM-B.C1, rel. ISAÍAS PÁDUA): “Com o instituto da deserção da instância visa o legislador sancionar as partes pela inércia/inação em promoverem o andamento do processo, o qual se pretende que, tanto quanto possível, seja célere, por forma a garantir/obter a composição do litígio em tempo razoável. Como decorre do texto do art.º 281º, nº. 5, do CPC, são pressupostos (cumulativos) para que a deserção da instância executiva possa ser declarada: a) Que o processo se encontre parado, a aguardar impulso processual das partes, há mais de 6 (seis) meses; b) E que essa paragem do processo, por falta de impulso processual, se fique a dever à negligência das partes. A falta de impulso processual pressupõe, desde logo, que as partes (ou alguma delas) não praticaram, durante aquele período de tempo, acto (processual) que condicionava ou do qual dependia o andamento do processo, isto é, na aceção de que sem ele o processo não poderia prosseguir os seus ulteriores trâmites legais”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-06-2020 (Pº 139/15.8T8FAF-A.G1.S1, rel. FERNANDO SAMÕES, ECLI:PT:STJ:2020:139.15.8T8FAF.A.G1.S1): “A deserção da instância, nos termos do art.º 281.º, n.º 1, do CPC, depende da verificação cumulativa de dois pressupostos: um de natureza objectiva, que se traduz na demora superior a 6 meses no impulso processual legalmente necessário, e outro de natureza subjectiva, que consiste na inércia imputável a negligência das partes. A parte deve promover o andamento do processo sempre que o prosseguimento da instância dependa de impulso seu decorrente de algum preceito legal ou quando, sem embargo da actuação da parte nesse sentido, recaia também sobre o tribunal o dever de cooperação exercendo o dever de gestão processual em conformidade com o disposto no art.º 6.º do CPC. Nos casos em que a suspensão da instância é motivada pelo falecimento de alguma das partes na pendência da acção, o impulso processual depende exclusivamente das partes ou dos sucessores dos falecidos, os quais têm o ónus de requerer a respectiva habilitação. O decurso do prazo de seis meses após a notificação do despacho que suspendeu a instância por óbito de alguma das partes sem que tenha sido requerida a habilitação ou apresentada alguma razão que impedisse ou dificultasse o exercício desse ónus, tem como efeito a extinção da instância, por deserção, independentemente de a instância também ter sido suspensa com outro fundamento. Constituindo a habilitação de sucessores um ónus que, além destes, recai sobre a parte, em face da clareza do início do prazo de seis meses e das respectivas consequências, a declaração de extinção da instância por deserção não tinha que ser precedida de despacho a indicar tal cominação, inexistindo fundamento legal, nomeadamente à luz do princípio do contraditório, para prévia audição das partes com vista a aquilatar da sua negligência”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-05-2020 (Pº 3820/17.3T8SNT.L1-6, rel. ANA DE AZEREDO COELHO): “No regime do CPC de 2013 a apreciação da negligência nas acções declarativas foi deslocada da suprimida interrupção da instância para a deserção. A deserção da instância não opera ope legis, por decurso de prazo, mas através da prolação de despacho constitutivo que aprecie dois pressupostos: o decurso de prazo para impulso e a negligência da parte em promover os termos da acção. No regime do CPC de 2013, a apreciação da negligência justificativa da deserção deve ser feita face aos concretos elementos constantes dos autos, não bastando o mero decurso do prazo, pelo que deve ser operado o contraditório prévio quanto aos requisitos da deserção, se no despacho que decreta a suspensão não for feita advertência de que a inércia a determinará. A omissão de contraditório determina a anulação da decisão, podendo a nulidade ser invocada em sede de recurso da decisão de mérito, pois é o conteúdo desta que revela a omissão de acto prescrito pela lei sendo o recurso da sentença o meio adequado à impugnação”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10-12-2019 (Pº 21927/15.0T8PRT.P1, rel. CARLOS QUERIDO): “I - A deserção da instância depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: i) A inércia de qualquer das partes em promover o andamento do processo, imputável a título de negligência; ii) A paragem do processo por tempo superior a seis meses, a contar do momento em que a parte devia ter promovido esse andamento; iii) A prolação de despacho prévio de advertência à parte para a necessidade de exercício do seu impulso processual. II - Em decorrência do princípio da boa gestão processual e do dever de prevenção que dele emerge, o prazo de 6 meses conta-se, não a partir do dia em que a parte deixou de praticar o ato que condicionava o andamento do processo, mas a partir do dia em que lhe é notificado o despacho que alerte a parte para a necessidade do seu impulso processual. III - A decisão de extinção da instância por deserção não faz caso julgado material, já que não houve qualquer decisão de mérito sobre a questão de natureza substantiva que se discutia nos autos, não precludindo qualquer direito que esteja em discussão na ação, podendo o direito invocado pela recorrente ser discutido noutro meio processual”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-10-2019 (Pº 2165/17.3T8CSC.L1.L1-2, rel. PEDRO MARTINS): “Para além dos casos em que tal decorre por força de um despacho judicial, há casos, excepcionais, em que a lei impõe às partes o ónus de um impulso processual. Um desses, poucos, casos é o da habilitação dos sucessores da parte falecida. Se a parte onerada com a necessidade de requerer a habilitação não o fizer, por negligência, durante um período de 6 meses, a instância será declarada deserta (art.º 281/1 do CPC). Salvo casos excepcionais, o tribunal deverá alertar a parte para a consequência da deserção da instância por negligência no cumprimento daquele ónus durante aquele período de tempo, o que normalmente será feito com a referência expressa a essa possibilidade, ou com a menção de que o processo fica à espera da prática do acto sem prejuízo do decurso do prazo do art.º 281/1 do CPC. Se a parte onerada com esse ónus nada fizer nesse prazo, nem vier ao processo, no decurso do prazo, justificar o facto, tal será suficiente para se concluir pela sua negligência e, por isso, o tribunal poderá declarar a deserção sem ter que ouvir as partes sobre isso”;
-Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-10-2019 (Pº 1980/14.4TBVDL.L1.S1, rel. MARIA ROSA TCHING): “A extinção da instância por deserção, nos termos do artigo 281º, nº 1, do Código Processo Civil, depende da verificação cumulativa de dois pressupostos: um de natureza objetiva e que se traduz na falta de promoção da atividade processual pelas partes quando sobre estas recaia um ónus de impulso processual decorrente de algum preceito legal; outro de natureza subjetiva e segundo o qual tal inércia deve ser imputável a negligência das partes. Significa isto que não releva, para efeitos de deserção da instância, que o processo esteja a aguardar o impulso processual da parte por um período superior a 6 meses, se sobre a parte não recair o ónus específico de promoção da atividade processual, ou seja, se a parte não estiver onerada com o ónus de impulso subsequente, mediante a prática de determinados atos cuja omissão impeça o prosseguimento da causa. O facto de ter sido proferido despacho a determinar que os autos ficassem a aguardar «o impulso processual dos interessados, sem prejuízo do disposto no artigo 281º, nº 1 do C.P.C.», por si só, não faz recair sobre os mesmos qualquer ónus cujo incumprimento determine a extinção da instância, por deserção, sendo necessário que o ónus de promoção da atividade processual decorra de alguma norma legal”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11-04-2019 (Pº 10135/05.8TBMAI.P1, rel. JORGE SEABRA): “A deserção da instância prevista no artigo 281º, n.º 1, do CPC, depende da verificação dos seguintes pressupostos: a) Paragem do processo por mais de seis meses, por ter sido omitida a necessária prática do acto de que dependia o seu prosseguimento (respeitante ao próprio processo, ou a incidente de que dependia o prosseguimento da acção principal); b). Ser essa omissão devida à negligência da parte que tinha o ónus da sua prática, isto é, dever o acto ser praticado por si - e não pela parte contrária, pela secretaria, pelo juiz, ou por terceiro -, e ter a sua omissão um carácter censurável. A decisão judicial, que culmine com o decretamento da deserção da instância, importa em si mesma um juízo acerca da existência de negligência da parte em termos de impulso processual, em função do que se mostra retratado ou espelhado objectivamente no processo. Assim, essa decisão não impõe uma prévia audição das partes, designadamente para funcionamento do “princípio do contraditório” ou para evitamento de uma pretensa decisão surpresa”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-09-2018 (Pº 2096/14.9T8LOU-D.P1.S1, rel. SOUSA LAMEIRA): “A deserção da instância depende da verificação dos pressupostos previstos no art.º 281.º, n.º 1, do CPC: (i) o decurso de um período de tempo superior a 6 meses em que o processo, sem andamento, esteja a aguardar o impulso processual das partes; e (ii) a negligência das partes (na promoção dos seus termos). Tendo, em 20-06-2016, sido proferido despacho, que foi notificado à recorrente, a declarar a instância suspensa (em virtude do óbito de uma das partes), “sem prejuízo do disposto no artigo 281.º, n.º 5, do CPC” e tendo o processo estado parado até 23-01-2017, mostram-se preenchidos os pressupostos enunciados em I, dado que, sabendo a recorrente que a sua inércia conduziria à deserção da instância, a paragem do processo por período superior a seis meses decorreu de negligência sua. Nessas circunstâncias, não cabia ao tribunal ordenar o prosseguimento dos autos através de qualquer diligência, nem lhe era exigível determinar a notificação da recorrente antes de proferir o despacho a declarar extinta a instância”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-07-2018 (Pº 5314/05.0TVLSB.L1.S2, rel. HELDER ALMEIDA): “Tendo-se indicado, no despacho determinativo da suspensão da instância, o prazo pelo qual aquela perduraria e, bem assim, que, findo o mesmo, os autos aguardariam o impulso processual do autor nos termos do art.º 281.º do CPC, é de concluir que este ficou ciente de que impendia sobre si o cumprimento do ónus de impulso processual (não cabendo, pois, ao juiz o dever de ordenar o prosseguimento dos termos da causa) e das consequências que adviriam do seu inadimplemento. O dever de gestão processual (art.º 6.º do CPC) tem como pressuposto o cumprimento do ónus de impulso processual, ainda que este seja imposto por determinação judicial, tanto mais que a mesma encontra respaldo na lei. A aferição da negligência da parte, enquanto pressupostos da deserção da instância, deve ser feita em face dos elementos que constam do processo, pelo que inexiste fundamento para a respectiva decisão ser precedida de audiência prévia das partes”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-05-2018 (Pº 3368/06.1TVLSB.L1.S1, rel. HENRIQUE ARAÚJO): “Deve ser anulada a decisão que decreta a deserção da instância, que, por inobservância do dever de consulta e do dever de prevenção das partes – cujo cumprimento se impunha face às circunstâncias concretas do processo –, integra violação do princípio da cooperação (art.º 7.º do CPC)”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-05-2018 (Pº 217/12.5TNLSB.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES): “A deserção da instância depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: a) – A inércia de qualquer das partes em promover o andamento do processo, imputável a título de negligência; b) – A paragem do processo por tempo superior a seis meses, a contar do momento em que a parte devia ter promovido esse andamento. Tal vicissitude processual radica no princípio da auto-responsabilidade das partes, na medida em que lhes incumba o impulso processual aferível à luz do disposto na diretriz geral do artigo 6.º, n.º 1, do CPC. O incumprimento da parte em sede do dever de apresentação de documento probatório poderá ter como consequência a condenação da parte faltosa em multa e ainda a livre apreciação do valor da recusa para efeitos probatórios, incluindo a inversão do ónus da prova. E, se o documento se destinar a demonstrar factos cujo ónus probatório incumba à própria parte que o não junte, será esta desfavorecida pela falta de prova desse facto, sem prejuízo de poder ser condenada como litigante má fé instrumental, nos termos do artigo 542.º, n.º 2, alíneas c) e d), do CPC. Assim, salvo tratando-se de documento de que a lei faça depender o prosseguimento da ação, o incumprimento do dever da parte no tocante à apresentação de documentos probatórios para que foi notificada não se reconduz a inobservância do ónus de impulso processual especialmente imposto por lei nem se inscreve sequer na economia do desenvolvimento da instância, não sendo, portanto, determinativo da sua deserção nos termos do artigo 281.º, n.º 1, do CPC, sendo, quando muito, suscetível de se repercutir no plano probatório do julgamento de mérito”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-03-2018 (Pº 349/14.5T8LRA.C1, rel. ANTÓNIO DOMINGUES PIRES ROBALO): “Comparando os dois diplomas – CPC e nCPC - vemos que a lei processual civil vigente, além de ter encurtado para seis meses o prazo, até aí de dois anos, que a parte dispunha para impulsionar os autos sem que fosse extinta a instância por deserção, eliminou também a figura da interrupção da instância, ou seja, a instância fica deserta logo que o processo, por negligência das partes, esteja sem impulso processual durante mais de seis meses, sem passar, portanto, pelo patamar intermédio da interrupção da instância; estamos, pois, perante um regime mais severo para sancionar a negligência das partes em promover o andamento do processo, colminando logo com a ´deserção` e consequente `extinção da instância`- art.º 277º, c) - aquela falta de impulso processual. Como claramente resulta do preceito do art.º 281º, nº 1 do nCPC, a deserção da instância nela cominada, para que opere ope legis depende: em primeiro lugar, do decurso de um prazo de seis meses sem impulso processual da parte sobre a qual impende o respectivo ónus; que a falta desse impulso seja imputável a negligência activa ou omissiva da parte assim onerada, em termos de poder concluir-se que a falta de tramitação processual seja imputável a um comportamento da parte dependente da sua vontade. A “negligência das partes”, segundo a citada previsão legal, pressupõe, quanto a nós, uma efectiva omissão da diligência normal em face das circunstâncias do caso concreto, não podendo, assim, vingar uma qualquer responsabilidade automática/objectiva susceptível de abranger a mera paralisação. Temos para nós, na esteira do entendimento consagrado nos Acs. R.L. de 09.09.2014 (Pº 211/09.3TBLNH-J.L1-7) e R.G. de 02.02.2015 (Pº 4178/12.1TBGDM.P1), que o tribunal, antes de exarar o despacho a julgar extinta a instância por deserção, deverá, num juízo prudencial, ouvir as partes de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável ao comportamento negligente de alguma delas, ou de ambas”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18-12-2017 (Pº 3401/12.8TBGMR.G2, rel. JOSÉ CRAVO): “Para ser julgada deserta a instância numa acção declarativa, nos termos do art.º 281º/1 do novo CPC, é necessário não só que o processo esteja parado há mais de seis meses a aguardar o impulso processual das partes, mas também que tal se verifique por negligência de qualquer delas em promover o seu andamento, o que significa que terá de ser efectuada uma valoração do comportamento das partes, por forma a concluir se a falta de impulso em promover o andamento do processo resulta, efectivamente, da negligência destas. Donde, não sendo automática a deserção da instância pelo decurso do prazo de seis meses, o julgador, antes de proferir o despacho a que alude o nº 4 do art.º 281º do novo CPC, deve, num juízo prudencial, ouvir as partes de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável a comportamento negligente de alguma delas, ou de ambas. Acresce que, numa situação de suspensão da instância, concatenando-a com o princípio da cooperação (art.º 7º do novo CPC), tendo aqui o juiz não uma função correctiva mas de cooperação com as partes, deve este alertá-los da instituição de um regime mais severo para a deserção da instância, antes de proferir o despacho a julgá-la extinta, por terem decorrido mais de seis meses sobre a suspensão da instância sem impulso dos autos imputável às partes. E a omissão de um tal despacho, na medida em que esta situação contendia com o princípio da gestão processual, gerou uma nulidade processual, dado que a natureza do dever de gestão processual implica a nulidade resultante da omissão do ato de gestão”.
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-11-2017 (Pº 56277/09.1YIPRT.P2.S1, rel. TÁVORA VICTOR): “O Processo Civil tem vindo a registar um progressivo destaque na possibilidade de intervenção do juiz erigindo-o como um elemento interventor não apenas enquanto julga, mas também na medida em que toma parte activa na aquisição processual e recolha do material probatório tendo em vista o apuramento da verdade material. Todavia mantêm-se em primeira linha os princípios dispositivo e de auto-responsabilidade das partes, devendo as mesmas – na sua grande maioria representadas por técnicos de direito – e independentemente de os alertas do tribunal, estarem conscientes do estádio do processo, acompanhando-o de perto – ressalvados os actos que lhe têm que ser notificados. Na senda de um processo que se quer mais solidário e participado, impende sobre o juiz a avaliação casuística do cumprimento pelo tribunal do dever de prevenção, o que poderá suceder quando a parte a quem cabe o impulso não estiver representada por advogado ou tiver demonstrado no processo pelo seu anterior comportamento processual que está interessada na sua continuidade. A decisão de deserção da instância tem carácter constitutivo e ocorre ope iudicis; enquanto não for declarada a deserção e a consequente extinção da instância é lícito às partes promover utilmente o andamento do processo”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-09-2016 (Pº 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1, rel. JOSÉ RAINHO): “A negligência a que se refere o nº 1 do art.º 281º do CPC não é uma negligência que tenha de ser aferida para além dos elementos que o processo revela, pelo contrário trata-se da negligência ali objetiva e imediatamente espelhada (negligência processual ou aparente). Tal negligência só deixa de estar constituída quando a parte onerada tenha mostrado atempadamente estar impossibilitada de dar impulso ao processo. Inexiste fundamento legal, nomeadamente à luz do princípio do contraditório, para a prévia audição das partes no contexto da deserção da instância com vista a aquilatar da negligência da parte a quem cabe o ónus do impulso processual”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-06-2016 (Pº 4386/14.1T8CBR.C1, rel. FALCÃO DE MAGALHÃES): “[N]ão sendo automática a deserção da instância pelo decurso do prazo de seis meses, o tribunal, antes de proferir o despacho a que alude o nº 4 do art.º 281 do C.P.C., deve ouvir as partes de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável a comportamento negligente”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07-06-2016 (Pº 302/13.6TBLSA.C1, rel. MARIA JOÃO AREIAS): “Na ação executiva, a verificação da extinção da instância por deserção, incumbirá, em regra, ao agente de execução. Embora a deserção da instância (na ação executiva) não necessite de ser declarada por despacho judicial, não prescinde de uma apreciação prévia sobre a verificação dos seus pressupostos e que serão a negligência do exequente em promover o respetivo andamento. Não dependendo, em regra, a marcha do processo executivo do impulso do exequente, só se poderá falar em inércia do exequente para promover os respetivos termos se for expressamente notificado, por parte do agente de execução ou por determinação do tribunal, de que o processo ficará a aguardar a sua resposta ou impulso”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28-10-2015 (Pº 2248/05.2TBSJM.P2, rel. JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA): ”A deserção da instância (ainda que declarada por despacho e nos termos do artigo 281, n.º 1 do novo CPC) ocorre independentemente de outro despacho prévio, mormente de um qualquer despacho cautelar ou de alerta, que a lei não prevê. Ainda que se entenda que a declaração de deserção da instância deva ser precedida de contraditório, visado evitar a prolação de uma decisão surpresa, se ele não ocorre, a nulidade que tal omissão consubstanciaria, e uma vez que a decisão de deserção (e consequente extinção da instância) põe termo ao processo, é sanada com o conhecimento pela Relação do objeto da apelação, nos termos do n.º 1 do artigo 665 do CPC”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-10-2015 (Pº 20-11.0TBALM.L1-8, rel. MARIA ALEXANDRINA BRANQUINHO): “Nos casos em que o Juiz declara a suspensão da instância por força do art.º 269.º, n.º 1 alínea a) do CPC e, concomitantemente, adverte para a cominação prevista no art.º 281.º, n.º1 do mesmo diploma (a deserção), caso o processo fique parado a aguardar impulso processual por mais de seis meses é dispensado o cumprimento da parte final do disposto no n.º3 do art.º 3.º do CPC, devendo as partes antes de esgotado aquele prazo vir aos autos justificar a falta de impulso processual. Não tendo sido feita aquela advertência, o julgador não pode, sem assegurar o contraditório garantido no art.º 3.º, n.º 3 do CPC, dar como assente que houve negligência das partes e declarar deserta a instância”; e
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09-09-2014 (Pº 211/09.3TBLNH-J.L1-7, rel. CRISTINA COELHO): “Tendo em conta a profundidade da alteração dos institutos em causa, os efeitos graves da mesma resultantes (extinção da instância), e o evidente propósito do legislador em obstar que possa ocorrer grave prejuízo dos direitos das partes resultantes da aplicação do NCPC, bem como o facto de se ter de aquilatar do comportamento negligente da parte na omissão do impulso processual, não pode o tribunal proferir despacho a declarar a deserção da instância sem, previamente, dar às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a questão”.
Pode concluir-se, em face deste excurso que, em caso de deserção da instância (artigo 281.º, n.º 1, do CPC), mostra-se necessário que ocorra contraditório prévio à declaração de deserção, devendo o Tribunal sinalizar, antecipadamente, as possíveis consequências da conduta omissiva da parte, ainda que tal possa ocorrer por singela referência ao preceituado no artigo 281.º, n.ºs. 1 ou 5, do CPC, mormente quando – como é o caso dos presentes autos - a parte se encontra representada por advogado.
Contudo, não releva, para efeitos de deserção da instância, que o processo esteja a aguardar o impulso processual da parte por um período superior a 6 meses (prazo que se conta “não a partir do dia em que a parte deixou de praticar o ato que condicionava o andamento do processo, mas a partir do dia em que lhe é notificado o despacho que alerte a parte para a necessidade do seu impulso processual” – assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10-12-2019, Pº 21927/15.0T8PRT.P1, rel. CARLOS QUERIDO; em semelhante sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21-11-2019, Pº 318/05.6TBLLE.E1, rel. MATA RIBEIRO e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-09-2021, Pº 1199/05.5TBVNG-I.P1, rel. FILIPE CAROÇO), se sobre a parte não recair o ónus específico de promoção da atividade processual.
A prolação de despacho a determinar que os autos fiquem a aguardar “o decurso do prazo da deserção” ou “o impulso processual dos interessados, sem prejuízo do disposto no artigo 281º, nº 1 do C.P.C.”, por si só, não gera qualquer ónus, cujo incumprimento determine a extinção da instância, por deserção, sendo necessário que o referido ónus de promoção da atividade processual decorra de alguma norma legal.
Podem, em suma, sobre este ponto, formular-se as seguintes conclusões:
- A deserção da instância configura uma paragem qualificada (por mais de 6 meses) do processo, por negligência do demandante – cfr. artigo 281.º, n.º 1, do CPC – ou do exequente – cfr. artigo 281.º, n.º 5, do CPC - em impulsionar os seus termos;
- Não releva, para efeitos de deserção da instância, que o processo esteja a aguardar o impulso processual da parte por um período superior a 6 meses, se sobre a parte não recair o ónus específico de promoção da atividade processual;
- A extinção da instância por deserção (cfr. artigo 277.º, al. c) do CPC) só se justifica, no entanto, quando o impasse na tramitação do processo não deva ser superado oficiosamente pelo tribunal;
- Para a apreciação da situação de negligência da parte, determinativa de extinção da instância, pelas suas gravosas consequências, não basta o mero decurso do prazo previsto na lei ou a singela verificação de uma não atuação, sendo necessário existir contraditório prévio à prolação da decisão de deserção (cfr. artigo 3.º do CPC), devendo o Tribunal, no âmbito do seu dever de cooperação processual - na vertente da prevenção ao demandante (cfr. artigo 7.º, n.º 1, do CPC), sinalizar, antecipadamente, as possíveis consequências da conduta omissiva da parte, ainda que tal possa ocorrer por singela referência ao preceituado no artigo 281.º, n.º 1, do CPC, mormente quando a parte se encontra representada por advogado; e
- A negligência significa aqui imputabilidade – causalmente adequada – de uma conduta omissiva na promoção do processo à parte, e não a terceiro ou ao tribunal.
Revertendo estas considerações e aplicando-as ao caso dos autos, a pergunta que urge colocar é a seguinte: O presente processo encontrava-se parado, por negligência do autor em promover os seus termos, na data em que foi declarada a deserção da instância (19-09-2022)?
O Tribunal recorrido considerou que existia motivo para declaração de deserção da instância.
Decidiu corretamente?
O autor invoca que não, uma vez que, com a apresentação do requerimento levado a juízo em 08-07-2022, revelou a vontade de intervir nos autos, requerendo o prosseguimento dos mesmos, antes de se completar o prazo de 6 meses previsto no artigo 281.º do CPC, ainda que reconheça que o fez de forma errada, mas que, nessa situação, a obrigação do tribunal era indeferir o requerimento, não podendo decretar a deserção da instância.
Apreciando:
É ponto assente que, nos termos do despacho exarado em 05-01-2022, ao autor foi assinalado o dever de promoção do impulso dos autos para que requeresse o que tivesse por conveniente para efetivação da citação dos habilitandos.
O autor, na sequência e antes do decurso do prazo de 6 meses, previsto no n.º 1 do artigo 281.º do CPC, veio aos autos requerer a habilitação dos requeridos do incidente de habilitação, nos mesmos termos em que o tinha feito precedentemente nos autos.
Perante isso, o Tribunal recorrido declarou deserta a instância, considerando que “nada foi dito ou requerido pelo autor relativamente à citação dos habilitandos, em face da devolução do expediente de citação”.
Pugna o autor no sentido de que, com a sua intervenção nos autos em 08-07-2022, manifestou vontade de promoção e de impulso dos autos.
Vejamos:
Nos termos do despacho proferido em 05-01-2022 foi desencadeado face ao autor o desenvolvimento de uma conduta adequada a impulsionar os autos para efetivação da citação dos requeridos, a qual se encontrava em falta.
Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-06-2020 (Pº 99/12.7TBAMM-B.C1, rel. ISAÍAS PÁDUA), a respeito da falta de impulso processual no andamento do processo: “A falta de impulso processual pressupõe, desde logo, que as partes (ou alguma delas) não praticaram, durante aquele período de tempo, acto (processual) que condicionava ou do qual dependia o andamento do processo, isto é, na aceção de que sem ele o processo não poderia prosseguir os seus ulteriores trâmites legais. Por sua vez, a negligência pressupõe um juízo subjetivo de censura/culpa, no sentido de responsabilizar as partes (ou alguma delas), devido à sua incúria/imprevidência, pelo não andamento do processo”.
Ou seja: A promoção do prosseguimento do processo pela parte, obstativa da declaração de deserção da instância, tem de ter um sentido de utilidade, caso em que ficará inviabilizada tal declaração, com fundamento na falta de impulso processual registada em momento anterior à prática do acto processual que promove tal prosseguimento (neste sentido, vd. o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16-01-2020, Pº 3395/12.0TBLLE.E1, rel. PAULO AMARAL e, em igual sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08-03-2022, Pº 11/19.2T8ALD.C1, rel. MARIA CATARINA GONÇALVES).
Trata-se, aliás, de uma decorrência da prescrição geral contida no artigo 130.º do CPC, de que não é lícito praticar no processo actos inúteis.
Nessa linha, não poderá considerar-se que a apresentação de um requerimento para habilitação dos requeridos, em incidente de habilitação, precisamente aquele (e nos mesmos termos, sem qualquer inovadora factualidade, designadamente em termos de indicação de nova morada dos requeridos ou de requerimento para efetivação de outra modalidade de citação, que não a que já tinha sido empreendida) que o autor já tinha antes desencadeado e que tinha determinado despacho judicial para citação dos requeridos, consubstancie impulso processual (ou seja, acto adequado para o prosseguimento da tramitação pertinente do processo) pertinente para a tramitação dos ulteriores termos do processo.
E, diga-se, também não curou o autor de, até ao termo do prazo de 6 meses para promoção dos autos, (que se encontrava então ainda em curso), nem ulteriormente (até à data em que foi proferida a decisão recorrida – 10-09-2022 – sabendo-se que tal decisão é constitutiva da situação de deserção, no sentido de que, “a deserção não existe enquanto o juiz a não declara no processo respectivo” – neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17-05-2016, Pº 2/14.0TBVIS.C1, rel. FONTE RAMOS), praticar algum outro acto processual (v.g. requerimento para outra forma de citação, requerimento para promoção da citação em nova morada, requerimento para cooperação da contraparte para o fornecimento de tais elementos, requerimento para concessão de prazo para a prática de determinado acto, etc.).
E, no que concerne à negligência na falta da prática de tal acto que condicionava o andamento dos autos, é o próprio autor que a reconhece nas suas alegações de recurso: “(…) o recorrente veio requerer novo incidente de habilitação, em vez de requerer a citação dos habilitandos, no processo de habilitação já apenso. Tal situação aconteceu por deficiência de comunicação entre o mandatário e sua funcionária de escritório. Com efeito, estando o mandatário fora da Região Autónoma da Madeira, a senhora funcionária em vez de apresentar o requerimento a pedir a citação dos habilitandos, apresentou um novo pedido de habilitação. Com o novo pedido de habilitação, “o escritório“ até pagou uma nova guia. A verdade, é que nessa a altura ninguém se apercebeu do lapso (…)”.
Contudo, a decisão recorrida deverá ser revogada, porque, na realidade, não se afigura que incidisse sobre o autor algum ónus, ou todo o ónus, no sentido da promoção do processo e da efetivação da citação em falta.
Neste ponto, reproduzem-se – e subscrevem-se inteiramente - as considerações tecidas, a respeito de questão semelhante, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-04-2020 (Pº 920/12.0TBBNV-A.P1, rel. FILIPE CAROÇO): “Como referem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro [Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2014, 2ª edição, pág. 273], “a ideia de negligência das partes não é conciliável com a ausência de uma decisão do juiz que a verifique. (…), até ser proferida não pode, pois, a instância ser considerada deserta, designadamente pela secretaria judicial”. Deste modo, a decisão judicial que a lei prevê justifica-se, sobretudo, pela necessidade de observar o requisito da negligência das partes em promover os termos do processo, o que pressupõe, como dissemos, um exame crítico ao comportamento das partes no processo[aulo Ramos de Faria, O julgamento da deserção da instância declarativa – Breve roteiro jurisprudencial, Revista Julgar on-line, pág. 14. in http://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/04/O-JULGAMENTO-DA-DESER%C3%87%C3%83O-DA-INST%C3%82NCIA-DECLARATIVA-JULGAR.pdf] que passa pela substanciação de uma situação de inércia imputável à parte, ou seja um ato ou atividade unicamente dependente da sua iniciativa, sendo o caso mais flagrante[a expressão de A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe P. de Sousa, Código de Processo Civil anotado, Almedina, Vol. I, pág. 329] o da suspensão da instância por óbito de alguma das partes, a aguardar a habilitação dos sucessores. Neste caso, são evidentes, quer a necessidade de impulso processual a cargo da parte, quer o efeito extintivo da instância decorrente da inércia prolongada (art.ºs 269º, nº 1, al. a), 276º, nº 1, al. a) e 351º do Código de Processo Civil). Segundo aqueles autores[Ob. cit., pág. 330], é em face dos dados conferidos pelo processo que a negligência da parte deve ser apreciada: “(…) quando não se suscitem dúvidas sobre a necessidade de impulso processual ou sobre as consequências da inércia da parte, a deserção da instância deve ser declarada a partir da mera observação dos elementos conferidos pelos autos. Mais cuidados há que ter na situações em que a identificação, a incidência ou a exigência do impulso processual não sejam evidentes ou quando sejam equívocas as consequências decorrentes da inércia, a justificar um sinal mais solene da existência do ónus e/ou dos efeitos que serão extraídos do seu incumprimento”. No caso que nos ocupa, a Requerente/exequente promoveu a habilitação dos herdeiros da parte falecida. Porém, foi notificada para requerer o que tivesse por conveniente relativamente à situação de não citação de alguns dos Requeridos. Essa notificação foi efetuada com advertência para a aplicação do disposto no art.º 281º do Código de Processo Civil. O que esteve em causa foi a sua inércia na promoção de diligência de citação, depois de anteriormente a Requerente ter colaborado noutras diligências com essa mesma finalidade. O Decreto-lei nº 329-A/95, de 12 de dezembro, que reviu o anterior Código de Processo Civil, conferiu, por regra, oficiosidade à citação, dispensando mesmo a intervenção do juiz nas diligências prévias à sua realização. Estava até então generalizada a prática diferente de “sempre que era encontrado um obstáculo à citação do réu, se notificar o autor para requerer a diligência seguinte. Apresentado o requerimento, o processo ia concluso ao juiz e só após o despacho deste se seguia nova diligência. Era frequente este jogo de pingue-pongue prolongar-se durante semanas ou meses, até que o tribunal lograsse finalmente, nem que fosse editalmente e por conta do autor, citar o réu”.[J. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, Coimbra, 1999, vol. 1º, pág. 393] A lei processual não era a principal responsável por esta prática. Considera este Professor que se tratava anteriormente de uma prática perniciosa que ia para além do que dispunha a lei do processo; esta, desde 1985, referia expressamente os casos em que o autor devia ser notificado para requerer o que tivesse por conveniente. O novo sistema de citação, instituído pela reforma processual de 1995, com expressão nos art.ºs 234º e 479º do Código de Processo Civil então em vigor, implementou a regra da oficiosidade das diligências do ato de citação que transitou para os art.ºs 226º e 562º do atual Código de Processo Civil. Por regra, passou a incumbir à secretaria promover oficiosamente, sem necessidade de despacho prévio, as diligências que se mostrem adequadas à efetivação da regular citação pessoal do réu. Daquela competência funcional só se excetuam os casos em que a citação depende de prévio despacho judicial (nº 4 do art.º 226º), bem como os requerimentos formulados pelo autor quer ab initio (art.º 231º, nºs 8 e 9) quer na sequência da notificação a que se reporta o nº 2 do art.º 226º. No que respeita à intervenção do autor, pode ele requerer, na petição inicial, que a citação seja feita por agente de execução (art.º 231º, nº 8) ou por funcionário judicial (nº 9 do mesmo artigo). Pode ainda declarar naquela peça processual o propósito de promover a citação por si, por outro mandatário judicial, por via de solicitador ou de outra pessoa, e pode ainda assumir tal diligência em momento ulterior, sempre que qualquer outra forma de citação se tenha frustrado, ao abrigo do art.º 237º do Código de Processo Civil. A regra da oficiosidade das diligências de citação não obsta a que, passados 30 dias sem que a citação seja realizada, a secretaria deva informar o autor das diligências efetuadas e dos motivos da não realização do ato (nº 2 do art.º 226º). Decorrido 30 dias sobre o termo daquele outro prazo de igual medida, se a citação ainda não estiver efetuada, o processo deve então ir ao juiz, com informação das diligencieis efetuadas e das razões da não realização atempada do ato. Naquele prazo de 30 dias, poderá o autor contribuir no sentido da ultrapassagem dos obstáculos verificados, indicando novos elementos relacionados com o paradeiro do citando ou mesmo solicitando outra modalidade de citação. Mas a lei não lhe impõe o fornecimento desses elementos; apenas concede ao autor a possibilidade de zelar pelo seu interesse, colaborando no processo na obtenção de novos elementos de conteúdo útil para a realização do ato. O autor é também notificado sempre que se detete uma incapacidade de facto do citando (art.º 234º, nº 1, do Código de Processo Civil) e é ouvido antes de ser determinada a citação por carta rogatória para o estrangeiro (art.º 239º, nº 3, do Código de Processo Civil), mas mesmo nestas situações a sua inércia não significa a paragem do processo; o tribunal deve prosseguir oficiosamente com as diligências necessárias à citação do réu. Este regime da citação enquadra-se bem no moderno direito processual civil, cada vez mais marcado pelo princípio do inquisitório e pelo primado da substância sobre a forma, cumprindo igualmente ao juiz dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação (art.º 6º, n.º 1, do Código de Processo Civil), o que leva a que sejam cada vez mais raros os atos que só à parte incumbe praticar e que importam a paragem do processo [neste sentido, o acórdão do STJ, de 3.5.2018, proc. nº 217/12.5TNLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt; e Paulo Ramos de Faria, Artigo citado (Revista Julgar), pág. 4]. A Requerente, no requerimento inicial, não promoveu a citação pelo mandatário judicial nos termos do art.º 237º (art.º 245º do Código de Processo Civil então em vigor), nem por agente de execução ou funcionário judicial. A regra da oficiosidade da citação impunha que o tribunal não tivesse de aguardar a iniciativa da Requerente na promoção dos seus termos.[cfr., o acórdão da Relação de Guimarães de 31.10.2018, proc. 590/15.3T8PTL.G1] É certo que, uma vez notificada da situação da falta de algumas citações (…), faria sentido, da parte dela, colaborar com uma tomada de posição mais diligente, no seu próprio interesse; mas a verdade é que isso não constituía o cumprimento de um dever sem o qual o processo houvesse de ficar parado, sem possibilidade de prosseguir os seus termos normais, com a prossecução de diligências de citação dos Requeridos ainda em falta. Dispõe o art.º 236º do Código de Processo Civil: «1 - Quando seja impossível a realização da citação, por o citando estar ausente em parte incerta, a secretaria diligencia obter informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida junto de quaisquer entidades ou serviços, designadamente, mediante prévio despacho judicial, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Autoridade Tributária e Aduaneira e do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres e, quando o juiz o considere absolutamente indispensável para decidir da realização da citação edital, junto das autoridades policiais. 2 - Estão obrigados a fornecer prontamente ao tribunal os elementos de que dispuserem sobre a residência, o local de trabalho ou a sede dos citandos quaisquer serviços que tenham averbado tais dados. 3 - O disposto nos números anteriores é aplicável aos casos em que o autor tenha indicado o réu como ausente em parte incerta.» A citação edital pode ser determinada pela incerteza do lugar em que o citando se encontra (art.º 225º, nºs 1 e 6 art.º 240º, nº 1, do Código de Processo Civil). Não estando a realização das citações em falta unicamente dependentes da iniciativa da Requerente, não podia o tribunal ordenar que os autos aguardassem nos termos do art.º 281º do Código de Processo Civil e, posteriormente, considerar o incidente deserto e, por isso, extinto, nem, consequentemente, tirar daí efeitos para o processo de execução. Tanto basta para julgar procedente a apelação e revogar a decisão que declarou deserto o incidente de habilitação de herdeiros”.
Ora, no caso dos autos, verifica-se, igualmente, que a ausência da citação dos requeridos habilitandos não estava unicamente em falta em virtude do impulso do autor para a promoção de tal acto, considerando que a promoção da citação constituía incumbência prioritária da secretaria, sem a prévia intervenção do juiz ou das partes para a sua realização. É o que decorre do disposto no artigo 226.º do CPC, preceito que também é aplicável no âmbito das citações que sejam levadas a cabo no âmbito do incidente de habilitação de herdeiros, em razão do falecimento de um dos réus.
Assim, em regra, “a não promoção pelo autor dos termos do processo quando é notificado da inviabilidade de diligências de citação do réu não gera deserção da instância, dado que isso não constitui o cumprimento de um dever sem o qual o processo haja de ficar parado, sem possibilidade de prosseguir oficiosamente os seus termos normais. Se a prática do ato omitido não está unicamente dependente da iniciativa da parte, não há lugar à deserção da instância”.
Em face do exposto, a apelação deverá, pois, proceder, devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos, com vista à concretização das diligências pertinentes para efetivação das citações em falta.
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No artigo 527.º, n.º 1, do CPC estipula-se que: “A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito”.
As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (cfr. artigo 529.º, n.º 1, do CPC).
As custas assumem, grosso modo, a natureza de taxa paga pelo utilizador do aparelho judiciário, reduzindo os custos do seu funcionamento no âmbito do Orçamento Geral do Estado (assim, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3.ª ed., p. 418).
A taxa de justiça corresponde ao montante pecuniário devido pelo impulso processual de cada interveniente – cfr. artigo 529.º, n.º 2, do CPC – representando a contrapartida do serviço judicial desenvolvido, sendo fixada, de acordo com o disposto no mencionado artigo 529.º, em função do valor e complexidade da causa, nos termos constantes do Regulamento das Custas Processuais, e paga, em regra, integralmente e de uma só vez, no início do processo, por cada parte ou sujeito processual.
As custas em sentido amplo abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte - cf. artigo 529.º, n.º 1 do CPC -, sendo que a primeira corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa (cf. n.º 2 do art.º 529º), ou seja, nos termos do Regulamento das Custas Processuais (RCP), conforme o disposto nos seus artigos 5.º a 7.º, 11.º,13.º a 15.º e das tabelas I e II anexas ao mesmo.
Daqui se retira que o impulso processual do interessado constitui o elemento que implica o pagamento da taxa de justiça e corresponde à prática do acto de processo que dá origem a núcleos relevantes de dinâmicas processuais como a acção, a execução, o incidente, o procedimento cautelar e o recurso (cfr. Salvador da Costa, As Custas Processuais - Análise e Comentário, 7.ª edição, p. 15).
Nos termos do artigo 529.º, n.º 3, do CPC, os encargos são as despesas resultantes da condução do processo correspondentes às diligências requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz, cujo regime consta essencialmente dos artigos 16.º a 20.º, 23.º e 24.º do aludido Regulamento.
E, de acordo com o disposto no artigo 530.º, n.º 4 do CPC, as custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária nos termos do Regulamento, cujo regime consta essencialmente dos seus artigos 25.º, 26.º e 30.º a 33.º e da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril.
A conjugação do disposto no artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2 com o n.º 6 do artigo 607.º e no n.º 2 do artigo 663.º do CPC permite aferir que a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta no critério do vencimento ou decaimento na causa, ou, não havendo vencimento, no critério do proveito, mas tal não sucede quanto à taxa de justiça, cuja responsabilidade pelo seu pagamento decorre automaticamente do respectivo impulso processual.
De acordo com o estatuído nos n.ºs. 1 e 2 do artigo 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. A condenação em custas rege-se pelos aludidos princípios da causalidade e da sucumbência, temperados pelo princípio da proporcionalidade, na vertente da proibição de excesso e da justa medida (cfr. Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 2015, p. 359). “Dá causa à acção, incidente ou recurso quem perde. Quanto à acção, perde-a o réu quando é condenado no pedido; perde-a o autor quando o réu é absolvido do pedido ou da instância. Quanto aos incidentes, paralelamente, é parte vencida aquela contra a qual a decisão é proferida: se o incidente for julgado procedente, paga as custas o requerido; se for rejeitado ou julgado improcedente, paga-as o requerente. No caso dos recursos, as custas ficam por conta do recorrido ou do recorrente, conforme o recurso obtenha ou não provimento (…)” (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre; Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª ed., p. 419).
Assim, deve pagar as custas a parte que não tem razão, litiga sem fundamento ou exerce no processo uma actividade injustificada, pelo que interessa apurar o teor do dispositivo da decisão em confronto com a posição assumida por cada um dos litigantes.
O princípio da causalidade continua a funcionar em sede de recurso, devendo a parte neste vencida ser condenada no pagamento das custas, ainda que não tenha contra-alegado, tendo presente, contudo, a especificidade acima apontada quanto à constituição da obrigação de pagamento da taxa de justiça, pelo que tal condenação envolve apenas as custas de parte e, em alguns casos, os encargos (cfr. Salvador da Costa, ob. cit., pp. 8-9).
O facto de os recorridos não terem contra-alegado desonera-os do pagamento da taxa de justiça que é devida pelo impulso processual (no caso inexistente porque não contra-alegou). Todavia, tendo ficado vencidos, os mesmos são responsáveis pelo pagamento das custas, as quais incluem as custas de parte e os encargos (cfr. artigo 529.º, n.º 1, do CPC) (cfr., neste sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16-03-2010, Pº 2630/08.3TBVLG-A.P1, rel. HENRIQUE ANTUNES, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-03-2011, Pº 6730/09.4TVLSB.L1-7, rel. LUÍS LAMEIRAS e o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17-05-2017, Pº 01238/16, rel. ASCENSÃO LOPES).
No caso é patente que, se a decisão recorrida fosse objeto de confirmação, os recorridos teriam claro benefício, dado que a causa não prosseguiria, atenta a consolidação do despacho recorrido.
Conclui-se, pois, que, atento o oposto sentido decisório do presente acórdão, a responsabilidade tributária inerente à instância do presente recurso deverá incidir sobre os recorridos, que aqui ficaram vencidos – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
* 5. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível em, na procedência da apelação, revogar a decisão de 19-09-2022 do Tribunal recorrido, que julgou extinta a instância por deserção, que se substitui pela presente, determinando o prosseguimento dos autos, com vista à concretização das diligências pertinentes para efetivação das citações em falta.
Custas pelos recorridos.
Notifique e registe.
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Lisboa, 9 de fevereiro de 2023.
Carlos Castelo Branco
Orlando dos Santos Nascimento
João Miguel Mourão Vaz Gomes